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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2010; 12(2-3):238-251



Comunicaçoes Teórico-clínicas

Violência, juventude e reconstruçao dos laços sociais

Violence, youth and the reconstruction of social bonds

José Vicente Tavares-dos-Santos*; Elisabeth Mazeron Machado**

Resumo

O tema deste texto sao os fenômenos de violência na juventude, analisando o espaço escolar e as experiências de construçao de políticas de segurança pública na sociedade contemporânea. Pode-se considerar a microfísica da violência como um dispositivo de poder-saber que consiste em um ato de excesso presente nas relaçoes de poder. Em face da configuraçao da violência difusa como uma questao social mundial, na vida cotidiana aparece um novo mal-estar civilizatório. Dentre as categorias sociais mais vitimizadas estao os jovens de distintas classe e camadas sociais. Por conseguinte, o espaço escolar aparece como um nó de condensaçao e de explosao da crise econômica, social e política. O texto defende a hipótese dialógica que enfrenta a violência como um problema a ser trabalhado no processo pedagógico. Esta vida juvenil marcada pelo "conflito social" coloca a sociedade diante da necessidade de desenvolver práticas de negociaçao e de resoluçao de conflitos. Para empreendê-las, é preciso entender os significados ocultos nos atos de violência. Nos grupos de adolescentes, o vínculo de reconhecimento torna-se relevante e necessário, nao apenas como processo fundamental na construçao do aparelho psíquico, mas como procura de reconhecimento pelo outro, que reafirma a alteridade como dinâmica da vida social. Nesta perspectiva, seria importante visualizar as estratégias de convivência de todos os atores no espaço escolar, incorporando as experiências dos jovens e tentando ampliar o respeito do direito à diferença.

Descritores: violência; adolescente; segurança.

Abstract

The theme of this paper is the phenomena of violence in youth people life, analyzing the school and the experiences of construction of public security policies in contemporary society. We consider the microphysics of violence as a power device that consist an act of excess in power relationship. Among the most victimized, social categories are young people of different social strata and class. Therefore, the school appears as a node of condensation and explosion of economic, social and political crisis. We defend the Dialogic Dynamics hypothesis facing the violence as a problem to be worked in a pedagogical process. This juvenile life marked by social conflicts puts society on the need to develop practices of negotiation and conflict resolution, in an effort to understand the hidden meanings of violent acts. To the teenagers, the recognition becomes a relevant issue, not only as a fundamental process in the construction of the psychic apparatus, but as a demand of recognition by another, which reaffirms the otherness in the social life. In this perspective, it is important to fabric strategies for coexistence of all the social actors in the educational space, incorporating the experiences of young people and trying to broaden the respect of difference.

Keywords: violence; adolescent; safety.

 

 

MICROFISICA DA VIOLENCIA

O tema deste texto sao os fenômenos de violência na juventude, analisando o espaço escolar e as experiências de construçao de políticas de segurança pública na sociedade contemporânea. Nao basta remeter a violência às determinaçoes econômicas ou políticas, embora elas permaneçam atuando como causas eficientes. Abandonamos, entao, a concepçao soberana do poder e, por conseguinte, da violência, na medida em que esta concepçao privilegia a violência do Estado ou contra o Estado. Inversamente, se aceitarmos a ideia de uma microfísica do poder de Foucault1, ou seja, uma rede de poderes que permeia todas as relaçoes sociais, marcando as interaçoes entre os grupos e as classes, podemos estendê-la aos fenômenos da violência. O escopo é construir o conceito de microfísica da violência.

Entre os conflitos sociais atuais, crescem os fenômenos da violência difusa e as dificuldades das sociedades e, dos Estados contemporâneos, em enfrentá-los. Na vida cotidiana, realizam-se uma inter-relaçao entre malestar, violência simbólica e sentimento de insegurança2. Por um lado, estamos vivendo em um horizonte de representaçoes sociais da violência para cuja disseminaçao em muito contribuem os meios de comunicaçao de massa, produzindo a dramatizaçao da violência e difundindo sua espetacularizaçao, enquanto um efeito da violência exercida pelo "campo jornalístico" 3,4. As raízes sociais destes atos de violência difusa parecem localizar- se nos processos de fragmentaçao social: estamos diante de processos de massificaçao paralelos a processos de individualismo, uma "multidao solitária" que vive em uma pluralidade de códigos de conduta. Desenvolvese a vivência da incerteza2,5.

Trata-se de uma ruptura do contrato social e dos laços sociais, provocando fenômenos de "desfiliaçao" e de ruptura nas relaçoes de alteridade, dilacerando o vínculo entre o eu e o outro. Tais rupturas verificam-se nas instituiçoes socializadoras - como nas famílias, nas escolas, nas fábricas, nas religioes - e no sistema de justiça penal (polícias, academias de polícia, tribunais, manicômios judiciários, instituiçoes da justiça penal e prisoes),pois ambos estao em um processo de ineficácia do controle social e passam para uma fase de desinstitucionalizaçao ou de recorrente crise. Em outras palavras, a era da mundializaçao das conflitualidades é caracterizada pelas novas complexidades, pela incerteza, pelas descontinuidades e pela fragmentaçao. Este é um momento de ruptura do contrato social e dos laços sociais, levando a fenômenos de "desfiliaçao" da relaçao entre o eu e o outro6.

Podemos considerar a microfísica da violência como um dispositivo de poder-saber, no qual se exerce uma relaçao específica com o outro, mediante o uso da força e da coerçao. Isto significa estarmos diante de uma modalidade de prática disciplinar, um dispositivo que produz um dano social, ou seja, uma relaçao que atinge o outro com algum tipo de dano. Esta prática composta por linhas de força consiste em um ato de excesso presente nas relaçoes de poder. As relaçoes de violência efetivam-se em um espaço-tempo múltiplo, recluso e aberto, instaurando-se uma raciona-lidade específica.


A JUVENTUDE E A CRISE DAS INSTITUIÇOES

Roudinesco7 discute a nova ordem da família contemporânea, o lugar ocupado pelo filho que se tornou pai por receber "como herança a grande figura destruída de um patriarca mutilado" (p. 86). Freud8 concebe uma família calcada nas leis de filiaçao e nas alianças de afeto que estao frente ao declínio da autoridade paterna e da emergência de uma nova subjetividade, esta última baseada num "nao ser", no desconhecido, no recalcado, colocando o homem diante de outro, que é ele mesmo, familiar e desconhecido. Ao mesmo em tempo em que reprime, a família legitima o conflito, pois enquanto se critica e se questiona, a família está se redimensionando e se reproduzindo. O conflito é a condiçao para a manutençao da ordem coletiva. Pode-se afirmar que a condiçao da existência da sociedade, hoje, é o conflito enquanto movimento, enquanto processo de construçao e reconstruçao das relaçoes sociais.

Dentro dessa nova ordem, podemos citar as funçoes simbólicas de famílias que resultam em um processo ambivalente de socializaçao e de repetiçao de materiais e formas simbólicas de exclusao social. Esta ambivalência leva, no lugar dos jovens "excluídos", dos jovens das classes populares ou "jovens delinquentes", a uma ruptura dos laços sociais que favorece a quebra dos laços familiares. A "crise" da família cria uma liminar da palavra entre as geraçoes. A ausência do pai reduz a formaçao de uma autoridade legítima na personalidade juvenil9, introduzindo o conflito como ordem.

Juventude e adolescência podem ser caracterizadas como o processo de transiçao para a idade adulta, em que a agressao é necessária para alcançar a independência e construir um lugar no espaço social. Crianças e adolescentes vivem um período de transformaçao da natureza entre a tradiçao e a inovaçao10.

Talvez uma característica atual do jovem adolescente seja a incerteza da vida, assim como o exercício e a experiência da violência representam uma ruptura do contrato social e dos laços sociais, levando a fenômenos de "desfiliaçao", quebrando as relaçoes de alteridade e rasgando a ligaçao entre o eu e o outro.

Atendemos a uma pluralidade de normas sociais, levando-nos a ver a orientaçao simultânea de comportamento, muitas vezes divergentes e incompatíveis. Por exemplo, a violência legitimada como uma linguagem e norma de determinados grupos sociais, em contraponto às normas ditas civilizadas, marcadas pela autocontençao e institucionalizadas de controle social11, 12.


JUVENTUDE E CONSTRUÇAO DE VINCULOS

Na teoria do conflito psíquico e do dualismo pulsional, formulada por Freud13 (1920), a realidade psíquica é motivada por demandas conflitantes com uma carga energética que visa ao equilíbrio, buscando reduzir a tensao, de modo a poder realizar o trabalho psíquico14. A agressividade, assim, comportaria duas possibilidades: por um lado, pode ser transformada em agressao e violência; por outro, a agressao é uma forma de conservaçao e afirmaçao do eu.

Se, por um lado, a agressividade é luta de autopreservaçao e de afirmaçao de um processo construtivo e necessário para o pleno desenvolvimento da personalidade dos jovens, por outro, a agressao pode ser um mergulhar desordenado na psique sem referenciais de autoridade. A primeira pode ser expressa pela criaçao cultural, científica ou artística, já a segunda em destruiçao de si e do outro - agressao e violência. Violência, a partir dessa leitura da teoria de Freud15,16,13, seria parte da pulsao de morte em que a agressao ocorre em funçao de falhas surperegoicas (em vários níveis de graduaçao), impossibilitando a construçao de um sentimento de culpa genuíno. Desse modo, a violência constitui-se como uma açao de força ou de coerçao, de modo a causar danos físicos ou simbólicos17.

Outro modo de compreender a agressividade está presente na obra de Donald Winnicott18. Para esse autor, a agressividade ou os impulsos destrutivos, quando fundidos aos impulsos eróticos, sao indicadores de integridade do ego. Winnicott18 refuta a hipótese freudiana de pulsao de morte. Podemos dizer que o sujeito se constitui na tensao dialética entre unidade e separaçao, em um espaço potencial entre o Eu e o Outro, entre o interno e o externo; aqui reside o início da simbolizaçao e das fantasias criativas. A agressividade é vivida como uma experimentaçao do ambiente que, para o infante, é a mae e o pai e, para o adolescente, é a sociedade. Quando há falhas ambientais severas, ou seja, quando o ambiente nao é capaz de acolher a agressividade e devolvê-la transformada, estabelece-se um "círculo" no qual o ambiente precisa ser constantemente testado e destruído.

Este princípio aparece, também, na obra de Wilfred Bion19. Segundo esse autor, o infante projeta sobre a mae "elementos beta" que precisam ser processados e devolvidos como "elementos alfa", fenômeno que denomina de rêverie. Os movimentos de projeçao, acolhimento, processamento e devoluçao dos elementos agressivos do sujeito continuam ao longo de toda a sua existência. No entanto, na adolescência, esses elementos afloram com grande intensidade, a fim de testar a realidade, a integridade e a capacidade de sobrevivência do ambiente social. Desse modo, trafega-se em uma zona de ambivalência, em que agressao e experiências eróticas aparecem entrelaçadas, conferindo significaçao ao Eu e ao Tu (Eu - Outro). De modo sintético, podemos dizer que Eu como sujeito se constrói a partir do reconhecimento do Outro.

Os textos sobre a cultura de Freud20,21 falam "de um mal-estar da civilizaçao", que reaparece na sociedade contemporânea, uma preocupaçao obsessiva pelo individualismo e segurança pessoal2. Os jovens sao particularmente afetados pelo extremo individualismo e narcisismo do "culto da liberdade individual", com incentivos para uma cultura de "ganhadores" e "perdedores", que rompe os laços de sociabilidade: a preocupaçao obsessiva, o individualismo e a segurança pessoal produzem "descontentamento da civilizaçao"5,22,23,2. O jovem se relaciona com a violência de modo ambivalente, por vezes como vítima ou como o agressor: sua vida tem sido uma luta para viver ou para superar a violência2,24,25.

As características da "modernidade tardia" seriam a reproduçao estrutural da exclusao social, acompanhadas de valores da sociedade de consumo, da disseminaçao da violência, da desagregaçao dos laços sociais. Pais26 analisa:

Nas décadas imediatas ao pós-guerra, as transiçoes da juventude assemelhavam- se a viagens de comboio nas quais os jovens, dependendo da sua classe social, gênero e qualificaçoes acadêmicas, embarcaram em diferentes comboios com destinos pré-determinados. (...) (Hoje em dia) o terreno onde as transiçoes têm lugar é de natureza cada vez mais labiríntica. No labirinto da vida (...) surgem frequentemente sentidos obrigatórios e proibidos, alteraçoes de trânsito, caminhos que parecem já ter sido cruzados, várias vezes passados (p. 9-10)26.


Os jovens vivem em ambientes turbulentos, sao ambientes sociais em situaçao de bifurcaçao27. Porém, a violência é sempre construída, em funçao das necessidades, desejos paixoes, sonhos e loucura, mas também dos governantes. Ela é adquirida pela educaçao 28. A compreensao da relaçao entre a escola e a prática da violência passa pela reconstruçao do complexo social, cultural e simbólico que estao presentes na escola, muitas vezes formando "ambientes turbulentos"29,30.

Precisamos entender as mensagens, significados escondidos na violência, e o reconhecimento do estado de conflito como parte da dinâmica escolar. Em grupos de adolescentes, a açao, que é anterior ao pensamento e a fala, é a parte mais importante da sua conduta10.

Entre os jovens, é importante perceber que a constituiçao dos grupos sociais é um procedimento de identificaçao de base e de construçao de um vínculo. Segundo Bion19, existem funçoes vinculadoras que dao sentido à experiência humana: os vínculos K (conhecimento), L (amor) e H (ódio). Seguindo esta linha, David Zimermam14 introduz um quarto vínculo à tese de Bion, o reconhecimento. Nos grupos de adolescentes, o vínculo de reconhecimento torna-se relevante, pois se refere a uma necessidade crucial de todo ser humano em qualquer idade, circunstância, cultura, tempo ou geografia, sentir reconhecido e valorizado pelos outros e que ele realmente existe como individualidade14.

O vínculo passa a ser percebido como processo fundamental na construçao do aparelho psíquico31. Este aparelho psíquico é composto de zonas diferenciáveis: o mundo interno (intrassubjetivo), o mundo interpessoal (inter subjetivo) e o mundo sociocultural (transubjetivo); esses espaços se comunicam, se interpenetram e se determinam. No entanto, o vínculo se apresenta como um elemento novo, na medida em que se dá sempre em presença de outro e é produtor de subjetividade porque o outro, aquele que se apresenta, impoe-se como presença, como alheio e excedente que precisa ser representado. Quando um vínculo se estabelece, algo de "estrangeiro" se apresenta e obriga os sujeitos a um trabalho psíquico de representaçao:

En el vínculo entre sujetos, ambos deseos no remiten a uno solo. El deseo del otro es enigmático y, como tal, no espera una respuesta sino una significación. La imposición desde el otro es irrecusable y ha de realizar con ella un conjunto de acciones. O lugar del otro también se significa desde la relación de objeto proyectada y se reúne con la determinación proveniente del vínculo. (.) El sujeto se sostiene en la pertenencia inherente al vínculo y en la identidad inherente al yo, ambos concurren en la construcción de la subjetividad32.



AS FORMAS DE VIOLENCIA NAS ESCOLAS

A escola continua a ser uma instituiçao importante, porque transmite nao apenas conhecimento, mas principalmente por seu papel como instituiçao de socializaçao. No entanto, está sendo ameaçada pela mídia no processo de socializaçao, passando por uma crise profunda33. A escola tem sido marcada por fenômenos de violência, identificado até agora em cerca de trinta países: o espaço escolar aparece como um nó de condensaçao e de explosao da crise econômica, social e política. Debarbieux34 escreve que violência é um fenômeno em uma determinada data, num ambiente social específico: a violência origina-se também de um ato de enunciaçao, um efeito do poder do agente social que vai nomear este ou aquele ato como violento.

A violência, portanto, pode ser configurada como linguagem e norma social de determinados grupos sociais, em contraponto às denominadas normas civilizadas, marcadas pelo autocontrole e pelo controle social institucionalizado. Nas sociedades contemporâneas, sao efetivados diferentes tipos de normas sociais, levando a modos de orientaçao de condutas divergentes. Aparece a fantasmagoria que recobre os fenômenos de violência nas diversas mídias: por exemplo, nos Estados Unidos fala-se de violência escolar letal desde o massacre de Columbine, em 1999. Em contrapartida, Debarbieux34 observa que, em todos os casos conhecidos, de 1964 a 2005, em diferentes países, somente 177 vítimas letais teriam sido identificadas. Tal exacerbaçao do fenômeno produz dinâmicas educacionais nas quais se expressam figuraçoes da violência35.

A invisibilidade ou visibilidade da violência é sempre precedida e justificada por uma violência simbólica:

A violência simbólica institui-se por meio da adesao que o dominado tem que conceder ao dominante (portanto, à dominaçao) visto que ele somente dispoe, para pensá-lo e para se pensar ou para pensar sua relaçao com o dominante, de instrumentos de conhecimento que ele possui em comum com ele, sendo a forma incorporada da relaçao de dominaçao, tais instrumentos fazem com que esta relaçao apareça como natural36.


Existiriam três hipóteses explicativas acerca da violência escolar.

A primeira é a hipótese repressiva que abandona o processo pedagógico e propoe o recurso às instâncias penais. Essa perspectiva da criminalizaçao tipifica várias atitudes como violentas e estigmatizantes37. Em geral, os meios de comunicaçao difundem esta visao criminalizante de alguns setores da juventude que vivem em espaços de vulnerabilidade social.

A segunda é a hipótese patológica que atua sobre o comportamento agressivo com um olhar clínico e patológico. Quase abruptamente afastado do grupo, o estudante é submetido à classificaçao médica e/ou psicológica, usualmente com ênfase no uso de drogas.

A terceira hipótese é o diálogo que enfrenta a violência como um problema a ser trabalhado, como um conteúdo pedagógico. Trata-se da construçao de uma perspectiva sobre a violência escolar na qual a agressividade é definida como diferente de agressao e tem significados que os professores precisam aprender a decodificar.

Poderíamos construir uma matriz explicativa para investigar e compreender os fenômenos de violência difusa no espaço escolar a partir de alguns princípios básicos:

1. A violência social se espalhando para o ambiente escolar, a violência criminal, por exemplo, a violência relacionada às drogas ou à violência criminal.

2. A violência institucional: a incapacidade de a escola repensar os modos de açao. A escola nao consegue fornecer uma visao do futuro, talvez pela indeterminaçao: "a demissao da escola como o princípio norteador da biografia do sujeito como um existencialsenso dar" 35.

3. A violência física nas relaçoes interpessoais, incluindo as famílias, pois a puniçao corporal, assim como o abuso, refletem-se no ambiente escolar. No México, o castigo corporal ainda é possível; na Inglaterra, na França e também na Escócia foi até a década de 90; no Canadá foi banido em 2004 e, em metade dos estados dos Estados Unidos, ainda ele é possível.

4. Os conflitos de códigos de civilidade, social e culturalmente definidos: o caso do patriarcado, o racismo, a discriminaçao baseada na orientaçao sexual ou em hábitos culturais.

5. As imagens de violência presentes na mídia, nas novelas, nos romances e na Internet.


Essas noçoes-instrumentos poderiam explicar a manifestaçao das várias formas de violência na escola: 1) A violaçao dos direitos constitucionais das crianças e jovens. 2) Os efeitos da violência social na escola. 3) A violência contra o patrimônio escolar. 4) A violência física entre os alunos: o assédio moral, os maus-tratos de colegas estudantes e classe, no Uruguai38 e Brasil. 5) Violência contra alunos - furto, roubo, danos, agressoes sexuais, homicídios, suicídios, o efeito de sociabilidade e violência física38. 6) A violência sexual e os efeitos da violência doméstica.

A escola pode ter um papel na identificaçao das formas de violência doméstica, abuso sexual ou maus-tratos. O maltrato infantil, no caso do México, observa-se em

(.) el establecimiento de normas tendientes a mantener el orden y la disciplina, la concentración del poder y la autoridad descansan en la figura del maestro. Los castigos, el maltrato, las humillaciones, la exposición al ridículo son prácticas que forman parte de la vida escolar y familiar"39.


No caso da Colombia,

(...) el concepto de maltrato infantil, amplia el espectro y hace complejas las investigaciones sobre violencia escolar en la medida en que posibilita ver más allá de los actos que ocasionan la muerte o lesionan la integridad física y moral de los diversos actores escolares. Además permite avanzar en: 1) la identificación de su presencia, expresiones y comportamiento, 2) el análisis de la relación entre Io particular, lo micro, lo cotidiano y lo general, lo macro, lo estructural de la violencia escolar y, 3) la comprensión de los factores y situaciones a los que aparece asociada la violencia escolar"39.



AÇOES SOCIAIS CONTRA A VIOLENCIA ESCOLAR

Pretendemos evocar o conflito para analisar, entender, controlar, aprender a gerir e a mediar, desenvolver o hábito de propor a resoluçao de conflitos através de negociaçoes. Se o conflito social é o maior produtor de violência, também pode construir referências nao violentas. Seria algo como se as instalaçoes da escola fossem compartilhadas coletivamente através do reconhecimento e do estabelecimento de regras de conduta e de responsabilidades na sala de aula, no recreio, nos laboratórios, nos bares, nas festas.

Superar a lógica da violência seria propor a negociaçao como outra maneira de conseguir uma forma material ou simbólica de negociaçao para a resoluçao de conflitos. Diversos programas de enfrentamento da violência que existem nos principais países têm elementos em comum: a tentativa de satisfazer as necessidades dos jovens, desenvolvendo um ambiente favorável, humanista e cooperativo, com o objetivo de criar relaçoes positivas e duradouras entre alunos, professores e funcionários, a preocupaçao com o tempo extraescolar a cargo da escola e programado para interagir com a comunidade. Ao mesmo tempo, há o objetivo de juntar-se o conflito como uma tensao positiva para a escola, como algo que pode criar coesao social, o conflito como um criador de sociabilidade. Tudo isso implica assumir uma prática de negociaçao, introduzindo, no interior da escola, especialmente em seus próprios grupos de alunos, através, por exemplo, da mediaçao pelos pares, por vezes acompanhados por um mediador, de modo a estabelecer as responsabilidades entre os membros da escola40, 41.

No que tange aos adolescentes, essa relaçao baseada na confiança mútua e no diálogo assume importância fundamental, uma vez que o desejo de reconhecimento de sua identidade adulta é tao grande que o adolescente faz de tudo para mostrar às pessoas diferentes de seus ambientes normais, a família e sociais.10. Isto implica uma atitude de escuta e de reconhecimento por parte dos adultos, ao contrário de uma posiçao que estigmatiza e classifica como patológica, já que

(...) o adolescente rebelde, mas esta posiçao está na fronteira de agressao contra sua própria família e da lei, podem ser confundidos por educadores como um psicopata, um "caso perdido" quando, na verdade, podem representar um movimento saudável para a libertaçao e definir o seu sentido de identidade10.


O espaço grupal é um espaço intermediário, com fronteiras móveis, ou seja, um espaço ocupado pelas tensoes dialéticas entre as singularidades individuais e do próprio grupo42. Nesse sentido, o espaço produzido no grupo pode ser uma zona intermediária que reproduz as possibilidades criativas do espaço potencial18. Segundo Anzieu43, o envelope grupal é um sistema de regras no qual toda vida grupal está presa numa trama simbólica; um grupo é um envelope vivo com uma membrana de dois lados: uma voltada para a realidade exterior, física e social; a outra, voltada para a realidade interior dos membros do grupo44.

A possibilidade de progresso no processo civilizatório, compreendido como processo grupal, também está localizada nas escolas, exigindo o apoio do Estado e da sociedade civil, para construir uma sociedade democrática com cidadania ampliada45. Caberia desenvolver políticas sociais para construir a paz, reconhecendo a escola como uma prática de cidadania e memória de lutas sociais46.

Poderiam ser adicionados os centros culturais, as "lan houses", como novas formas de inclusao da cidadania na sociedade da informaçao. A experiência dos jovens mostra que o "conflito social" - entendido como um processo de disputa de interesses divergentes é, ao mesmo tempo, um processo de interaçao social que pode envolver a coesao do grupo social - permite a compreensao das posiçoes dos parceiros sociais em situaçoes de violência. El conflicto se convierte en un medio para la educación mutua; juntas, las partes pueden aprender cómo transformar los conflictos en sentido ascendente de forma que puedan ser manejados de forma no violenta y creativamente47.

Portanto, desenvolver práticas de negociaçao e resoluçao de conflitos leva a novas descobertas. Isto implica uma atitude de reconhecimento dos jovens por adultos, em oposiçao a uma posiçao de desqualificaçao.

CONSIDERAÇOES FINAIS

Diante da configuraçao da violência difusa como uma questao social mundial e da manifestaçao de múltiplas formas de violência presentes nas sociedades contemporâneas, na vida cotidiana aparece um novo mal-estar civilizatório. Dentre as categorias sociais mais vitimizadas estao os jovens de distintas classe e camadas sociais. Por conseguinte, a escola tem sido marcada por fenômenos de violência: o espaço escolar aparece como um nó de condensaçao e de explosao da crise econômica, social e política.

Procedemos, entao, a defender a hipótese dialógica que enfrenta a violência como um problema a ser trabalhado no processo pedagógico. Trata- se da construçao de uma perspectiva sobre a violência escolar na qual a agressividade é definida como diferente de agressao e da violência.

Esta vida juvenil marcada pelo "conflito social" coloca a sociedade diante da necessidade de desenvolver práticas de negociaçao e de resoluçao de conflitos47. Para empreendê-lo, precisamos entender os significados ocultos nos atos de violência.

Entre os jovens, é importante perceber que a constituiçao dos grupos sociais é um procedimento de construçao de vínculos, inclusive o vínculo de reconhecimento. Nos grupos de adolescentes, o vínculo de reconhecimento torna-se relevante e necessário, nao apenas como processo fundamental na construçao do aparelho psíquico, mas como procura de reconhecimento pelo outro que reafirma a alteridade como dinâmica da vida social.

Nessa perspectiva, seria importante visualizar as estratégias de convivência de todos os atores no espaço escolar, incorporando as experiências dos jovens e tentando ampliar o respeito do direito à diferença. Para sair do labirinto, precisamos seguir o fio da transformaçao das relaçoes sociais incluindo o jovem, enfim, na sociedade do futuro.


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* Sociólogo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1971), Mestre pela Universidade de Sao Paulo (1977) e Doutor em Sociologia (Docteur d'Etat) pela Université de Paris X, Nanterre (1987). Professor Titular do Departamento e do Programa de Pós-Graduaçao em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisador do CNPq (nível I-A), Coordenador do Grupo de Pesquisa "Violência e Cidadania", desde 1995, e do C. E. "Segurança Pública e Cidadania" da UFRGS/MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Vice-Presidente do Comitê de Pesquisa 29 - "Social Control and Deviance" da ISA - Associaçao Internacional de Sociologia (2006-2010); e membro do Conselho Diretivo do CLACSO - Conselho Latinoamericano de Sociologia e do Conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Publicou recentemente Violências e Conflitualidades (TOMO, 2009) e as coletâneas Mundializaçao e Sociologia Crítica da América Latina e Violências, Lutas Sociais e Democracia na América (Porto Alegre, Ed. da UFRGS, 2009). Editor da Revista Brasileira de Segurança Pública.
** Socióloga pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1985), Psicóloga, especialista em teoria psicanalítica na clínica psicoterápica pelo Instituto Contemporâneo de Psicanálise e Transdisciplinaridade, Mestre em Sociologia pela UFRGS (1999), doutoranda em Sociologia na UFRGS, professora universitária e Conselheira do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul.

Endereço para correspondência:
José Vicente Tavares-dos-Santos
E-mail: josevtavares@gmail.com

Recebido em: 01/04/2011
Aceito em: 20/04/2011

 

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