Rev. bras. psicoter. 2010; 12(2-3):225-237
Seixas MRD. A violência transgeracional no caso Raul: exemplo de competente trabalho terapêutico em rede. Rev. bras. psicoter. 2010;12(2-3):225-237
Comunicaçoes Teórico-clínicas
A violência transgeracional no caso Raul: exemplo de competente trabalho terapêutico em rede
The transgenerational violence in the Raul case: competent example of therapeutic work in network
Maria Rita D'Angelo Seixas*
Resumo
Abstract
Quem trabalha com violência procura incessantemente parâmetros orientadores que ofereçam algum ponto de apoio e que confiram maior segurança para o trabalho nesta área. A incidência dos casos de violência, principalmente envolvendo jovens, vem aumentando progressivamente. As epidemias e as doenças infecciosas, principais causas de morte entre adolescentes há cinco ou seis décadas, foram sendo substituídas paulatinamente pelas chamadas "causas externas" de mortalidade, que compreendem principalmente acidentes de trânsito e homicídios. No conjunto da populaçao, apenas 12,2 % das mortes no país sao atribuídos a causas externas. Já entre os jovens, tais causas externas sao responsáveis por 70% dos óbitos.
Na populaçao total, o homicídio é a causa de 4,7% dos óbitos enquanto, entre os jovens, é de 39,3%. No Rio de Janeiro, Espírito Santo e Pernambuco estes óbitos chegam a 50%1. Estes dados e outros comentários que faremos neste artigo, sobre a atuaçao do governo em políticas públicas, estarao baseados no manual de prevençao ao uso indevido de drogas: Capacitaçao para Conselheiros e Lideranças Comunitárias2,3.
Apesar de todos estes dados e dos avanços do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), em 1988, na explicitaçao e regulamentaçao dos direitos e garantias das crianças e adolescentes, nao temos ainda uma política nacional de combate à violência.
Para garantir os direitos das crianças e dos adolescentes, o ECA estabelece medidas de proteçao e medidas socioeducativas.
As medidas de proteçao têm por objetivo prevenir o desrespeito aos direitos, por meio de açoes que vao desde a orientaçao e acompanhamento às crianças e adolescentes e a seus pais, com o envolvimento de programas comunitários de apoio à família, até o abrigo em entidades ou a colocaçao em famílias substitutas. No caso de comprovado envolvimento com drogas, o ECA prevê o encaminhamento do adolescente a programas de orientaçao e tratamento1.
Diferentes autores concordam que as famílias tendem a repetir padroes de funcionamento que aparecem em uma geraçao e podem passar à geraçao seguinte, da mesma maneira ou sob outra forma, e a este processo chamamos transgeracionalidade4,5,6.
o uso intencional da força e do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa ou contra um grupo ou uma comunidade que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesao, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privaçao8.
- entre parceiros íntimos (casais heterossexuais ou homossexuais, namorados, ex-cônjuges, ex-namorados);
- entre irmaos;
- contra crianças e adolescentes;
- contra pais ou outro adulto da casa (domésticos);
- contra idosos;
- contra animais de estimaçao;
- contra os bens da pessoa.
O conceito de rede social como um conjunto de relaçoes interpessoais concretas que vinculam indivíduos a outros indivíduos vem se ampliando dia a dia, à medida que se percebe o poder da cooperaçao como atitude que enfatiza pontos comuns em um grupo para gerar solidariedade e parceria10.
A construçao da rede só pode ser concretizada à medida que se associam os princípios da responsabilidade pela busca de soluçoes com os princípios da solidariedade. É preciso que cada cidadao busque dentro de si o verdadeiro sentido da gratificaçao pessoal mediante a participaçao10.
1) Acolhimento: capacidade de acolher e compreender o outro.
2) Cooperaçao: demonstraçao de real interesse em ajudar e compartilhar na busca de soluçoes.
3) Disponibilidade: demonstraçao e associaçao a um compromisso solidário. Respeito às diferenças e consideraçao pela diversidade.
4) Tolerância: capacidade de suportar a presença do outro ou sua interferência sem se sentir invadido.
5) Generosidade: demonstraçao de um clima emocional positivo.
A equipe nao descuidou também de encaminhar laudo à Promotoria da Infância e Juventude, enfatizando a gravidade do caso e os riscos de novas agressoes. Este comportamento é profundamente adequado e ético, pois já foi sobejamente provado que ou o terapeuta trabalha aliado ao judiciário nos casos de violência doméstica ou pode muitas vezes nao conseguir manter o agressor em tratamento e acabar sendo conivente com ele, que forçará a família a abandonar o tratamento, continuando as agressoes em casa, agora mais fortalecido e encoberto pela aparente melhora11.
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