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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2010; 12(2-3):184-192



Comunicaçoes Teórico-clínicas

Raul e sua família: consideraçoes psicanalíticas

Raul and his family: psychoanalytic considerations

Cláudio Laks Eizirik*

Resumo

O autor revisa algumas contribuiçoes psicanalíticas para a compreensao dos comportamentos violentos. Utilizando tais dados, procura examinar o caso de Raul e sua família e entender, do ponto de vista psicanalítico, as motivaçoes do paciente e de seus familiares, bem como da equipe que os atendeu.

Descritores: psicanálise; violência; relaçoes familiares.

Abstract

The author revises some psychoanalytic contributions for the understanding of violent behaviour. From these data, the author examines Raul and his family's case and tries to understand, from the psychoanalytic perspective, their motivations, as well as the staff's that was responsible for their care.

Keywords: psychoanalysis; violence; family relations.

 

 

INTRODUÇAO

Ao ler a história de Raul e de sua família, bem como do atendimento realizado, entre várias reaçoes que esse relato me despertou uma das mais fortes foi uma dúvida: estamos face a uma tragédia grega ou a um caso psiquiátrico? Ou, de fato, há mesmo uma nítida demarcaçao entre esses dois mundos, o dos relatos das trágicas relaçoes eivadas de violência, ciúmes, agressoes, amores impossíveis, traiçoes, suicídios, culpas, maldiçoes, perdoes, em que deuses e mortais interagem, e os casos clínicos que atendemos, em que todos esses elementos se manifestam ao nível das fantasias inconscientes e dos sonhos, mas algumas vezes atingem a dramática materialidade, como no caso de Raul e sua família?

Desde logo, a violência é uma constante na história da humanidade, e em cada povo e cada regiao; em seus relatos, costumes, tradiçoes, encontramos na violência um dos traços comuns. Só para tomar um dos textos mais lidos no mundo, e que embasa diversas religioes, encontramos na Bíblia incontáveis episódios de violência e de crueldade.

Nos dias atuais, muitas vezes me surpreendo ao observar expressoes de incredulidade, perplexidade ou horror face a atos de violência relatados, vividos ou sofridos, seja ao nível pessoal, familiar ou social. Ao mesmo tempo, a violência parece despertar um certo fascínio, e criar uma certa estética, como nos filmes de Tarantino ou Pekinpah, entre outros. O que me surpreende é que nao deveria haver tanta surpresa e perplexidade, considerando nosso passado comum, que se mantém presente dentro de todos nós. Penso que nos aproximamos da violência, em suas várias expressoes com uma atitude ambivalente, enraizada na atemporalidade do inconsciente: no fundo de cada um de nós sobrevive o ser primitivo que todos fomos, nosso passado ancestral, sedento por saciar seus apetites, sem qualquer consideraçao pelo objeto, e ao mesmo tempo o verniz de um ser civilizado, sujeito à educaçao e a uma certa domesticaçao pulsional, cujos valores essenciais se fundam no respeito pelo outro e na difícil convivência com a alteridade.

Sendo, assim, por natureza, uma das mais prevalentes formas de expressao humana, só se pode pretender alguma compreensao da mesma através de uma aproximaçao desde múltiplas perspectivas.

Num primeiro momento, revisarei algumas contribuiçoes psicanalíticas sobre a violência, para a seguir procurar descrever de que forma, usando-as e lançando mao de minha forma de pensar analiticamente, procuro entender a tragédia de Raul e sua família.


UMA BREVE REVISAO

A palavra violência, segundo Bergeret1 deriva de uma origem indoeuropeia que se refere à vida. Assim, o instinto natural de violência nao é, em essência, destrutivo, muito menos a pulsao de morte, mas sim um expressao natural da vida e da sobrevivência que corresponde ao instinto de autopreservaçao descrito por Freud em sua primeira teoria pulsional. Envolve o que Freud chamou de uma espécie de crueldade imaginária, em 18972, e descreveu em Instintos e suas vicissitudes como algo comum aos seres humanos e animais, tendo como objetivo proteger a vida e a integridade narcísica do indivíduo.

Na sua segunda teoria pulsional, contudo, Freud3 descreveu claramente a presença de uma pulsao de vida e de uma pulsao de morte, que atuariam dentro da mente em distintas combinaçoes; a dificuldade de inte grar tais expressoes pulsionais, levaria à expressao da agressividade, e poderia conduzir à violência.

As várias expressoes da destrutividade humana percorrem a obra de Freud, mas em sua correspondência com Einstein4, sobre o porquê da guerra, ele é muito explícito. Destaca a coexistência da pulsao de vida, representada por Eros, que busca preservar e unir, conforme a proposiçao de Platao, e a pulsao destrutiva, que busca destruir, separar, matar. De forma similar ao que ocorre na física, no que diz respeito à atraçao e repulsao da matéria, na mente humana amor e ódio atuam em geral num estado de fusao ou amálgama, numa complexa convivência de forças antagônicas que influencia os sentimentos, idéias, motivaçoes e açoes dos seres humanos. No processo civilizatório, conforme propoes Freud, é necessário encontrar condiçoes para que pelo menos parte das necessidades pulsionais seja satisfeita, e que, pela adequada repressao e também sublimaçao de outra parte o restante das energias agressivas e sexuais seja canalizado para o processo contrutivo de si mesmo e da coletividade, contribuindo assim para desfrutar dos bens culturais comuns.

Em vários outros trabalhos, como Alem do princípio do prazer, O malestar na cultura, Dostoievski e o parrícídio, o tema da destrutividade humana é amplamente examinado, bem como dos impulsos criminosos, em que o complexo de Édipo desempenha um papel central.

Melanie Klein5 descreveu com tintas vívidas as fantasias agressivas que habitam a mente infantil, e mostrou como tais fantasias se expressam em sua vida cotidiana, e muito especialmente na transferência, tanto em crianças como em adultos. Em um trabalho mais específico sobre o nosso tema, Tendências criminais em crianças normais, Klein destaca que a criança, sob a açao do desenvolvimento edípico, experimenta impulsos sádico-orais e sádico-anais em relaçao ao pai e à mae, que podem levar a tendências à prática de atos destrutivos, violentos, cruéis, vingativos, criminosos.

Uma proposta sobre a existência de um instinto de violência foi formulada por autores mais recentes, como Bergeret6, em seu livro A violência fundamental, em que se baseou nas primeiras hipóteses de Freud para propor uma síntese sobre a teoria da violência instintiva.

Em sucessivos estudos, Fonagy e Target7,8 descreveram o processo da mentalizaçao, que está firmemente relacionada com as relaçoes primitivas da criança com seus cuidadores. A criança, segundo eles, só lentamente se dá conta de que tem sentimentos e idéias, e progressivamente se torna capaz de discriminá-los. A experiência do afeto é central pára que a mentalizaçao se desenvolva , o que só pode ocorrer no contexto de pelo menos uma contínua e segura relaçao de apego. Os pais que nao conseguem pensar sobre as experiências mentais da criança a privam de uma base para o estabelecimento sentimento de si mesma, algo que foi destacado também por Bion9, Winnicott10. A ausência ou a distorçao dessa funçao especular pode produzir um mundo psíquico em que as experiências internas sao pobremente representadas, criando-se uma necessidade desesperada de encontrar modos alternativos de conter a experiência emocional e o mundo mental. Clinicamente, isto significa que a criança que nao recebeu imagens reconhecíveis mas modificadas de seus estados afetivos pode mais tarde ter dificuldade em diferenciar a realidade da fantasia, bem como a realidade psíquica da realidade física. Fonagy e Target sugerem que isto pode restringir a criança a o que chamam de um uso manipulativo, instrumental, do afeto, ao invés de uma maneira comunicativa de fazê-lo. Esse uso instrumental do afeto é um aspecto chave na tendência de pacientes violentos em expressar e manejar pensamentos e sentimentos através da açao física, seja contra seu próprio corpo, seja contra os outros, podendo envolver várias formas de auto agressao ou agressao contra terceiros. Assim, Fonagy e Target afirmam que o paciente violento, nao sendo capaz de sentir a si mesmo a partir de seu mundo interno, se vê forçado a experimentar o self a partir do mundo externo.

Em nosso meio, revisando o tema, Meurer11 destacou que condutas violentas, potencialmente autodestrutivas ou mesmo atos criminosos, de maior ou menor magnitude, tendências à delinquência, crimes em estado potencial, isto é, atos criminosos potenciais mantidos sob controle interno por precários mecanismos defensivos ás vezes se exteriorizam em condutas destrutivas ou autodestrutivas. Nao é raro observarmos que a presença de desejos e fantasias homicidas de natureza edípica contra objetos primordiais e representantes de objetos significativos condiciona o desencadeamento de atos destrutivos potencialmente suicidas.

Num trabalho recente Menninger12 examinou, de uma perspectiva psicanalítica, as explosoes de comportamentos violentos. Segundo ele, os elementos críticos para a irrupçao de tal comportamento seriam: 1. um indivíduo percebe uma ferida narcísica que é sentida como profundamente injusta; 2. o indivíduo nao tem qualquer esperança de obter uma soluçao razoável para tal injúria; 3. chega à decisao de que a injúria nao pode ser mais tolerada e que deve responder a ela com alguma açao; 4. a pessoa tem acesso a armas para concretizar a capacidade e a potência de responder; 5. o indivíduo sente um suficiente senso de poderio e/ou indiferença face às consequências de iniciar a violência.


UM OLHAR PSICANALITICO

Raul é um bom exemplo da equaçao etiológica de Freud, pois nele confluem elementos constitucionais, vivências infantis e uma situaçao atual para culminar no ataque homicida contra sua mae e na tentativa de suicídio.

Vários dos aspectos destacados pelos autores confluem no caso de Raul: uma estrutura familiar instável, a presença de um pai fraco e incapaz de exercer uma funçao paterna suficientemente forte e capaz de conter as possíveis fantasias agressivas do filho; uma mae que exerce tal papel e controla o grupo familiar, avós paternos que estimulam a negaçao e sustentam a fragilidade do pai; o trauma neurológico, que fragiliza a capacidade mental de Raul, prejudica sua memória e capacidade de mentalizaçao, reduz drasticamente seus já débeis recursos de ego; o início da adolescência, com suas demandas pulsionais, o encontro com uma jovem que o seduz com mentiras e estimula uma pseudo-potência reativa à sua fragilidade.

Ainda assim, todos esses elementos nao seriam suficientes para entender a açao matricida: por que a mae e nao o pai, como mandaria a lógica edípica?

Desde logo, chama a atençao a idade dos atores deste drama; aliás, a natureza dramática da história nao deixou de influir no relato, em que Raul é chamado de protagonista. Raul é um adolescente, com a mesma idade de sua mae, quando ele nasceu. Nao só os quatro membros da família nuclear sao muito jovens, como o funcionamento da família estendida o confirma, na medida em que os pais de ambos os lados desempenham um papel extremamente ativo e influente na vida de Marta e Pedro.

Um aspecto central nesta história é desempenhado pela negaçao: os pais negam suas dificuldades de relacionamento para supostamente proteger os filhos; Pedro nega sua doença, o alcoolismo, e foge do tratamento; sua mae nega as dificuldades do filho, e tenta acionar Marta a fazer o mesmo; Marta e Pedro, apesar da pouca idade, decidem manter uma gravidez em circunstâncias adversas, que negam; os familiares de Pedro vao à casa para apagar os vestígios da açao matricida.

Detenhamo-nos neste ato. Mais do que qualquer aspecto policial ou jurídico, o que salta aos olhos aqui é que os familiares se unem numa negaçao conjunta da violência homicida de Raul, e tentam apresentar a versao de tentativa de suicídio, apenas. Penso que esta dupla açao: eliminar os vestígios do crime e evitar a ida para uma instituiçao que poderia ser cruel com Raul, através de uma omissao e de uma mentira, estao no centro da vida desta família. Ou seja, as coisas nao podem ser vistas como sao, mas como deveriam ser, como seria desejável que fossem.

Voltando ao papel da negaçao, embora sem descuidar a relevância do trauma cerebral, ou a necessidade da medicaçao, esses sao dois elementos também usados para negar a profundidade do drama emocional de Raul e sua família. Sao racionalizaçoes salvadoras, que servem para encobrir o drama da existência humana, como uma ocasiao descreveu Cyro Martins, e sao observáveis em muitos outros casos, e numa certa visao reducionista da psiquiatria.

O acidente e suas conseqüências desempenham um papel essencial no comportamento e na vida mental de Raul, nao só em termos neurológicos, nos problemas de memória, e de expressar emoçoes. Mas no possível significado de castraçao que pode ter tido: no alvorecer da puberdade, Raul é atropelado e deixado desprovido de muitas funçoes essenciais como a capacidade de sentir e de expressar o que é sentido. Segundo ele, ficou um morto-vivo, e só se sente vivo quando deseja alguém, ou se sente apaixonado, como se nestes momentos conseguisse desfazer a castraçao e se tornar potente. Isto assume contornos dramáticos quando surge Tâmara.

Tudo em Tamara é alimento para a negaçao: ela mente sobre todos os aspectos de sua vida, mas todas essas mentiras sao um néctar para o desejo morto-vivo de Raul. Ao lado de Tamara, Raul é um garanhao, um leao, tem uma extraordinária potência, e realiza o sonho impensável de vir a ser pai. O pai que lhe faltou agora será vivido por ele; talvez esse filho imaginário contenha aspectos idealizados do que Raul gostaria de ter sido, de ter vivido. Ele e Tamara serao os pais que ele, e talvez ela, nao tiveram.

Ao longo de sua curta vida, Raul teve um pai ausente, omisso, frágil, dependente, e uma mae dominadora, controladora, mas também negadora. Suponho que Raul tenha odiado muito seus pais, pela frustraçao de nao tê-los nas funçoes que seria de se esperar, e seu relacionamento com eles parece ter sido evidência desse aspecto ambivalente. Nesse contexto, como teria sido sua experiência edípica? Como teria podido estruturar uma personalidade, com pouca presença do pai, excessiva presença da mae, excessiva intromissao de outros familiares? A mae era "a moça que me cuida", durante a recuperaçao do acidente, mas depois foi o primeiro alvo de seu ataque.

Penso que a negaçao de suas fragilidades ficou substituída por uma aliança maníaca com Tamara, a formaçao de um par poderoso que viveria feliz e formaria uma nova família, mas para isto seria preciso eliminar a mae, depois o pai e afinal o irmao.

Os pais negaram a autorizaçao para que os dois vivessem juntos em sua casa. Isto talvez tenha sido percebido como uma interdiçao ao gozo, uma intolerável castraçao, uma insuportável declaraçao de que eles teriam que cair na realidade; entao viveriam juntos dentro do carro, outra negaçao. Se os pais decidem interditar, impor a lei, entao é preciso eliminá-los, para se apossar de sua casa , de sua cama, de seu carro, em suma, para ter acesso à potência genital.

Raul veste luvas cirúrgicas para matar a mae, ou seja, nao sujará suas maos no sangue daquela que lhe deu origem e que, apesar dos pesares, sempre foi a moça que cuidou dele. A descriçao da cena do crime sugere um misto de açao homicida com ataque sexual: Raul se atira em cima da mae, tapa sua boca e atinge sua garganta, parece querer calá-la, impedir a sua voz, eliminar a pessoa que, dentre todas, é a que tem mais contato com as emoçoes ( foi a única que conseguiu de fato enfrentar seus demônios interiores numa psicoterapia analítica), percebe mais as coisas, e que possivelmente corporifica neste momento o que Raul mais odeia: o contato com a realidade e a consciência de suas limitaçoes. Contido a caro custo pela reaçao da mae, Raul sai e volta com outra faca, pedindo a ela que o mate: aqui parece estarmos frente a uma situaçao ambígua que, numa mesma açao, inclui o amor e o ódio: o instrumento perfuro-cortante que mata é ao mesmo tempo um possível símbolo fálico que expressa potência e posse de um objeto tao amado e desejado quanto inatingível e proibidos. Como ainda por cima, é ela quem parece mandar na casa, o ataque também pode incluir uma açao contra a figura e funçao paternas.

Marta consegue impedir que Raul a mate e ao irmao, seja porque ele está debilitado pelo crack, pelo estado psicótico, seja porque ele talvez ao mesmo tempo nao quisesse matá-la, ambivalentemente. Ao impedir que Raul matasse sua mae, Marta prestou-lhe outro grande cuidado, amoroso, mas lhe trouxe ao mesmo tempo um problema que talvez seja insolúvel.

Outra negaçao: a mudança da disposiçao das peças, e a colocaçao de Raul numa espécie de prisao domiciliar; o que fará, ou conseguirá fazer com a prisao em que se meteu?

A intensidade da violência e seus significados edípicos, talvez tenha sido um dos elementos que dissociou a equipe: afinal haverá o que fazer com um caso desses, esse é um crime que mereça perdao terapêutico, e que nos leve a tentar ajudar uma pessoa que tentou matar o objeto primeiro e primeiramente amado de quase todos nós?

Mesmo na dúvida, a equipe terapêutica lançou-se bravamente à tarefa de atender Raul e sua família.

A beleza deste caso, apesar ou talvez devido à natureza dramática do mesmo, consiste em ilustrar que em situaçoes como esta, apenas o trabalho em equipe pode ter algum resultado, e que diferentes aproximaçoes sao necessárias e complementares; a espinha dorsal do atendimento, conforme o relato, consistiu na relaçao da mae com uma terapeuta, e no sólido vínculo que estabeleceram, talvez uma experiência emocional corretiva, como diria o hoje esquecido Alexander, entre uma pessoa (e uma equipe) que nao perdeu a esperança e uma parte da família (Marta, sem dúvida, mas um aspecto interno também dos outros) que nao desistiu de tentar alguma redençao possível.

Um tema que perpassa o atendimento, além das resistências generalizadas, é o da busca do perdao, mas talvez aí se devesse perguntar: que perdao? Apenas o de Raul, que tentou matar a mae, porque nao conseguia deixar de ser filho, nem assumir sua genitalidade? O de Pedro, que nao conseguia ser pai nem marido e vivia fugindo para o álcool? O dos avós, que faziam de conta que tudo ia bem? Ou de Marta, com suas deficiências e inclusive sua dificuldade de se separar de Pedro? Ou o da equipe terapêutica, que apesar de sua brava e dedicada atividade, falhou em conseguir realizar a soluçao mágica e onipotente de restituir o precário equilíbrio familiar, e, como os pais de Pedro, limpar com luvas psicocirúrgicas a cena do crime e contribuir para a negaçao máxima: nada de mais grave aconteceu. Ou o do que escreve este comentário, e percebe dolorosamente como sao limitados nossos recursos terapêuticos e nossa capacidade de dar sentido, significado e talvez perdao aos crimes reais e fantasiados que pululam na mente humana? Muitos perdoes seriam necessários.

Embora Marta prossiga em seu tratamento, com boa capacidade de insight, Cássio esteja evoluindo, Pedro tenha obtido algumas esporádicas atitudes paternas, o grande protagonista deste drama, Raul, ainda que se mantenha de forma razoável, já teve várias depressoes e nao se sabe o que será de sua vida daqui em diante. Pelo que se depreende do relato, apesar de ter pedido para ver as fotos da mae atacada por ele, e ter tentado se aproximar de alguma forma da posiçao depressiva, o conjunto de suas dificuldades emocionais e neurológicas, e talvez a própria natureza de seu ato criminoso, talvez nao lhe permitam entendê-lo, em toda sua extensao. Ou seja, esta é uma verdade que talvez nunca possa enfrentar, e o padrao familiar de negaçao possivelmente seja o melhor recurso ao seu alcance

A história de Raul e sua família ilustra bem algo que necessitamos ter em mente ao considerar os alcances e limites de nossas diversas intervençoes terapêuticas, e que foi sintetizado pelo poeta espanhol Antonio Machado: Nunca es triste la verdad, lo que no tiene es remédio.


REFERENCIAS

1. Bergeret J. La violence et la vie. Paris, Payot, 1994.

2. Freud S. (1915) Os instintos e suas vicissitudes, In Ed. Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas, vol XIV, Rio de Janeiro, Imago, 1974.

3. Freud S. (1920) Além do Princípio do Prazer, in Ed Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas, , volXVIII, Rio de Janeiro, Imago, 1976.

4. Freud S. (1932) Por Que a Guerra? In Ed. Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas, Rio de Janeiro, Imago, 1976.

5. Klein M. (1927) Criminal tendencies in normal children. In Klein, M. The Writings of Melanie Klein, London, Hogarth, 1975.

6. Bergeret J. La violence fundamentale, Paris, Dunot, 1984.

7. Fonagy P, Target M. Towards understading violence: the use of the body and the role of the father Intern. J. Psychoanal, 76:487-502,1995.

8. Fonagy P, Target M. Attachment and reflective function: Their role in selforganization Development and Psychopathology, 9:679-700,1997.

9. Bion WR. Learning from experience. London, Heineman, 1962.

10. Winnicott D. Playing and Reality, London, Tavistock, 1956.

11. Meurer JL. Crime e violência:aspectos clínicos, Revista Brasileira de Psicanálise, v.39,n 2:143-148,2005.

12. Menninger W. A psychoanalytic perspective on violence. Bulletin of the Menninger Clinic, 71(2):115-131,2007.










* Professor associado do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da FAMED-UFRGS; Membro Efetivo e Analista Didata da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre.

Endereço de correspondência:
Cláudio Laks Eizirik
Rua Marquês do Pombal, 783 sala 307
90540-001, Porto Alegre, RS
E-mail: ceizirik.ez@terra.com.br

Recebido em: 07/04/2011
Aceito: 15/04/2011

 

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