Rev. bras. psicoter. 2014; 16(1):138-150
Corso DL, Corso M. Corpos ilustrados e enfeitados: tatuagens e marcas corporais. Rev. bras. psicoter. 2014;16(1):138-150
Artigos Especiais
Corpos ilustrados e enfeitados: tatuagens e marcas corporais
Illustrated and decorated bodies: Tattoos and body marks
Diana Lichtenstein Corsoa; Mário Corso b
Tatuagem é vestimenta definitiva, é um adorno perene. Quando alguém se tatua, é comum ser alertado dos perigos do arrependimento, pois livrar-se dos traços colocados sobre a pele é difícil, caro e doloroso. Porém o aviso é inútil, pois o efeito que se quer produzir com a tatuagem é justamente o de ser um traço que nao pode ser apagado ou ignorado. Da mesma forma, piercings e alargadores de orelhas, assim como escarificaçoes e outras modificaçoes corporais visam introduzir enfeites ou marcas que passem a fazer parte do corpo, diferentes dos enfeites e joias, dos quais é previsível e possível se despir. Por que teriam eles se tornado tao comuns e característicos dos jovens, assim como em alguns adultos, constituindo um fenômeno que nao dá mostras de arrefecer?
Fazer inscriçoes, traços e alteraçoes decorativas definitivos na pele nao é de hoje, é impossível datar seu começo e os usos sao os mais variados, desde diferenciar clas entre uma populaçao até marcar crianças para serem reconhecidas em caso de rapto. O uso do corpo para portar mensagens simbólicas com cicatrizes e pigmentos é transcultural e milenar. Durante muito tempo, em nossa civilizaçao, houve um declínio dessas manifestaçoes dado o predomínio das influências religiosas. Especialmente as tatuagens costumavam ser de uso nao mais que eventual na populaçao em geral, embora tenham se mantido presentes nos grupos marginais e em instituiçoes fechadas. Por isso, fora raras exceçoes, um corpo marcado tenderia a ser pensado como fora do sistema.
Durante as últimas duas décadas vemos uma mudança significativa quanto ao uso da superfície corporal para fins estéticos e/ou simbólicos. Especialmente entre os jovens há um grande incremento de tatuagens. Os piercings acompanharam a tendência, e em menor escala, mas nessa mesma direçao, as escarificaçoes para fins decorativos e os implantes subcutâneos.
Tentaremos entender esse fenômeno dentro de um contexto maior quanto à significaçao que o corpo ganhou nos últimos tempos. Nossa questao é descobrir o que mudou: estaríamos apenas diante de um uso mais livre, como se nos reapropriássemos de nossos corpos depois de um inverno de repressao religiosa, ou existem novidades no estatuto do uso do corpo como apoio à subjetivaçao?
É difícil fazer interpretaçoes generalizadoras quanto à disseminaçao dessas formas de uso da superfície corporal; no entanto, acreditamos que certas linhas de força podem ajudar a entender o fenômeno. Analisaremos aqui três questoes que nos aproximam da compreensao do crescimento da prática das marcas corporais.
Primeiro, o corpo nos parece ser hoje palco imprescindível na construçao da identidade, com maior importância do que já teve. Fazer-se a si mesmo passa por uma cuidadosa arquitetura do próprio corpo, ao qual serao agregados os valores e, portanto, as modificaçoes necessárias para a identidade que se quer, ou se consegue portar. Por isso, cada vez mais os enfeites serao pensados como parte indissociável de si, constitutivos, formadores de personalidade. Consideramos a tatuagem como uma forma de inscriçao na pele de conteúdos que se sente prazer de ressaltar, mostrar, ou que têm maior necessidade de consolidarse no interior do sujeito. Aqui estamos no terreno do caso a caso. Nao existem simbolismos fixos, cada marca corporal vai ter um significado para cada sujeito.
Segundo, acreditamos que a pele demarcada pelo seu dono constitui uma forma de fazer resistência ao olhar invasivo da sociedade atual, pois hoje nos é imposto transitar com os corpos perfeitos e seminus. As liberdades que conseguimos para várias coisas nao se estabeleceram ao nível do corpo, ou mesmo houve um retrocesso em relaçao à autonomia possível. Vemos nas últimas décadas um incremento de exigências dirigidas a um corpo que deve ser trabalhado e disciplinado. Portanto, um olhar para conferir a relaçao dos corpos enfeitados com essas exigências seria interessante.
Por último, as dificuldades de crescimento dos jovens, que hoje veem-se amarrados por décadas à casa paterna, criam a necessidade de colocar no próprio corpo algum limite a esse amor que nao se descola deles. Trata-se de diferentes tentativas de delimitaçao de uma identidade, nesse caso, no limiar da pele. Esse vínculo indissociável e sufocante entre as diferentes geraçoes sucedeu ao conflito e ao abismo entre adultos e jovens que existia em um passado recente. Faz poucas décadas, os adultos e os adolescentes falavam línguas diferentes, praticavam costumes diversos e viam-se com os olhos críticos do choque entre culturas. Hoje, herdeiro da estética unissex lançada pelos hippies, temos o que poderíamos chamar de estilo "unigeracional". Este consiste na eliminaçao de traços diferenciais de diversos momentos da vida, como outrora eram as calças que com o crescimento deixavam de ser curtas.
Observamos a intensa identificaçao dos adultos com a geraçao que os sucede e o medo deles de afastar-se dos jovens. Temem ser deixados à mercê da maturidade e do envelhecimento. Os filhos têm dificuldades para sair, enquanto os pais nao estao prontos para ficar longe de sua juventude. O embaralhamento das geraçoes e a proximidade física gera mecanismos de afastamento e diferenciaçao.
Sao três eixos, três tentativas de aproximaçao com algo que é tao recente, ainda em construçao. É arriscado tirar conclusoes sobre uma situaçao que ainda nao teve tempo de dizer a que veio, mas vamos tentar.
PARA SEMPRE
A experiência clínica é eloquente de que as tatuagens sempre portam um sentido, porém seu significado mais profundo e sua relaçao com o sujeito sao múltiplos e provavelmente do tipo inefável. Pode ser uma significaçao consciente, mas que pede um apoio real, por exemplo, um luto em que a pessoa tatua um nome ou um signo que remete ao falecido. É comum encontrarmos tatuados o nome de irmaos que morreram jovens, assim como de pais perdidos precocemente, ou filhos que partiram sem ter tempo de terminar de crescer. Todos sabemos da dificuldade de um luto assim, e a tatuagem permite uma dupla operaçao: o falecido nao será esquecido, mas, como está na pele, a cabeça pode se ocupar de outras coisas. Diríamos que a inscriçao facilita o luto, pois nesses casos é necessário esquecer um pouco para seguir a vida.
Nesses casos em que a morte assume um caráter traumático, a dificuldade de assimilar algo que chega a beirar o impossível é ajudada por uma marca corporal. O medo e a necessidade de esquecer fazem com que se use um signo indelével, e fica-se sem chance de perder essa memória. Se algo nao consegue entrar, se nao temos um lugar para tal fato, é melhor que fique na borda do que em lugar nenhum.
Acreditamos que todos lembram que Freud dizia que a morte nao tem representaçao inconsciente. Como nesses casos trata-se de uma representaçao de árdua assimilaçao, a marca corporal é tanto uma tentativa de simbolizaçao como a resistência a significaçoes quase impossíveis.
Ficando no limite da pele, as tatuagens corporais penetram, alteram a superfície, mas pouco se aprofundam. Embora passem a fazer parte da imagem, portanto do sujeito, os conteúdos representados por essas marcas, quer sejam lembranças, sentimentos ou questoes pendentes, nao habitam o interior do seu portador, como o faria um pensamento, ocupando sua mente. Eles estao sempre lá, mas nao passam da porta. Comportam-se, assim, como traumas, sendo resistentes à significaçao, tanto quanto insistentes em sua presença.
Pensando as neuroses de guerra e traumáticas, Freud lembrava que os mais afetados pelo horror do que tinham vivido eram os que nao portavam nenhuma marca visível1. Quem ficou com uma cicatriz, uma lesao, ou perdeu um membro, paradoxalmente, estava menos vulnerável às más lembranças. Ora, um dos dramas de quem passou por experiências limites é nao encontrar interlocutores que tenham verdadeira empatia com suas memórias. Nesse caso a marca no corpo cristalizava o intransmissível da sua experiência de horror. Os traços visíveis do sofrimento ajudam a certificar-se de que aquilo realmente ocorreu, ou seja, aquela dor procede.
Saindo do campo do traumático, de interpretaçao mais direta, geralmente as tatuagens e marcas tendem a ser mais enigmáticas. Sao símbolos evocativos de uma trajetória, de virilidade, de feminilidade ou ainda de filiaçao: ressaltam algo que necessita ser visível e óbvio. Esse tipo de tatuagem costuma ser acompanhada de um discurso que a justifica mas que nem por isso a esgota. Como todo ato, fazer uma tatuagem, quando submetido à análise, revela uma outra camada.
Um exemplo: um rapaz que tatuou um enorme dragao, tomando todo seu braço, o qual envolve o símbolo do seu time de futebol. Diz que se identifica com o time, e com o dragao por tratar-se de um ser que ninguém derrota. No decorrer de seu tratamento isso se confirma, mas evoca também uma garra e virilidade que nao vê no próprio pai, o que o fazia sofrer. A tatuagem lhe garante algo que deveria vir da filiaçao, mas que precisou de um apoio externo, como que fundando-se a si mesmo ao imprimir esse valor agregado na própria pele. Um time de futebol é um simulacro de totem paterno, algo para se pertencer e amar; já o dragao representa a agressividade que gostaria que o pai tivesse frente à vida e frente à mulher. Mais adiante, sem negar essa funçao, ele diz que a mae se afastou muito dele desde que fez a tatuagem, pois a achou horrível, excessiva. Isso era o que ele nao sabia que queria. Só depois deu-se conta de que a imagem o ajudou na separaçao de uma mae extremamente invasiva. Deixou de ser o bonitinho da mamae - agora aquele corpo já nao era mais infantil nem se apoiava tanto no olhar materno. A tatuagem foi necessária para reposicionar o corpo fora da infância, fora da aprovaçao materna e com marcas de filiaçao ao pai.
Um exemplo de linhagem similar, mas com objetivo contrário, encontra-se numa tatuagem da palavra "nômade" em torno do umbigo. Sobre ela, o jovem em questao diz: "nao me sinto ligado a nenhum lugar ou país, sinto que onde deito minha cabeça é meu lar. Nada me acorrenta"2. Como se vê, quando nenhum lugar nos acolhe, resta o cordao umbilical como única corrente capaz de ligar o sujeito ao território chamado mae.
Esses casos sugerem que uma tatuagem nao é exatamente uma decisao consciente. Ela é como um sonho, uma produçao sintomática a respeito da qual temos pistas, mas nao uma compreensao sobre o significado do que sonhamos, estamos fazendo ou pensando. Porém, diferente dos sonhos, que se dissipam ou nos escapam, dos sintomas que subvertem certos caminhos ou momentos da vida, as marcas corporais chegam para ficar. Elas passam a fazer parte da pele, da imagem, perpetuam um simbolismo pessoal que nunca se despe.
Os jovens têm uma peculiar relaçao com a poesia, graças a sua característica de dizer sempre mais do que saberíamos explicar. Ao caráter enigmático e evocativo das letras, próprio da escrita poética, devese, em parte, a importância da música na cultura adolescente. Uma boa estrofe parece compreender-nos mais do que ser compreendida. Essa forma de arte bem pode ilustrar a força de muitas dessas imagens, que sao charadas que funcionam como autodescriçoes, por vezes em palavras, outras em imagens, ou mesmo no casamento das linguagens escrita e visual.
A arte permite um encontro do inconsciente do autor com o daquele que frui dela, que ocorre fora da consciência e é tao efetivo quanto inexplicável. Nesse sentido, o artista seria o próprio sujeito, sua pele a superfície, a tela, o tatuador o instrumento dessa obra que se oferecerá a todos para sempre.
Tatuagens podem ser poucas, ímpares, delicadas ou recobrir quase toda a superfície do corpo. De qualquer maneira, mesmo os mais discretos ponderam fazer novas ilustraçoes no corpo, enquanto os mais entusiastas encaram sua pele como uma obra em curso. Apesar de ser um processo doloroso, é com júbilo que a perspectiva de novas tatuagens se coloca para os que iniciaram nelas, pois trata-se da aquisiçao de uma forma de expressao, um novo recurso para simbolizar conteúdos difíceis de assimilar ou que se deseja perpetuar.
O tatuador é escolhido pelo seu estilo e capacidade de traduzir os desejos do cliente. É um trabalho colaborativo. Eles discutem a obra, as cores, tamanho, tipo de traçado e sombreado, localizaçao, por vezes trabalham sobre a base de uma figura preestabelecida, por outras o tatuador produz a imagem que ilustra o desejo do cliente. O tatuador é mais do que um artista (por vezes eles se autodefinem como artesaos), é um intérprete, capaz de gravar na pele do interessado o que ele supoe que o olhar dos outros quer ver ou vê nele.
Tudo o que é difícil de internalizar, quer seja por insuportável, como um luto ou trauma, quer por ser um vínculo frágil, quer por ser importante e incompreensível, poderá ter o destino de ser escrito sobre a pele. Assim fazem os amantes, principalmente quando temem a fugacidade das relaçoes, tatuando os nomes dos que querem que sejam para sempre seus, o que em geral deixa-os com um problema quando a paixao acaba. Nesse caso, a intençao era justamente solidificar algo que deveria durar, lembrar aos dois que deveriam insistir na relaçao.
Da mesma forma, chama a atençao o fato de que muitos pais têm tatuado o nome dos seus filhos, como forma de consolidar esse vínculo. Antigamente era a palavra "mae" que víamos tatuada nos braços dos marinheiros, prisioneiros, daqueles que nao tinham paradeiro, órfaos de pátria ou casa3. Essa inversao, na qual nao sao mais os filhos desgarrados que se tatuam, mas sim os pais amorosos, leva-nos a questionar em que tipo de exílio sentem-se os pais hoje para precisar carregar seus filhos na pele, evitando perderse deles.
PRATICAS DE APROPRIAÇAO DO CORPO
O corpo funciona como uma superfície onde se descreve e explicita nossa identidade. Se o hábito nao faz o monge, ou seja, parecer com algo nao garante que se é tal coisa, em contrapartida podemos afirmar que o monge nao se faz sem os trajes que o caracterizam.
Em nenhum momento de nossa existência nos deixam estar nus: somos vestidos já ao nascer e mesmo após morrer. Ao chegar e partir nos arrumam conforme a tradiçao ou costumes em que vivemos, quer sejam panos rituais ou roupas enfeitadas. Nao há momento da vida cujas leis suntuárias nao regulem a apresentaçao do corpo. Em determinadas épocas observam-se regras fixas sobre o que usar nesses casos, porém constatamos uma crescente tendência à personalizaçao desses momentos de iniciaçao e luto.
A primeira roupa que se recebe tem hoje a forma dos sonhos dos pais investidos no filho, enquanto a última será uma tentativa de representar o que fomos, ou melhor, o que pensam que teríamos sido. Ao nascer, o menino será caracterizado com a cor do time do pai, a menina usará babados ou cores mais ousadas conforme for a fantasia de feminilidade da família. Os mortos usarao uma vestimenta que lhes era peculiar, um terno ou vestido enfeitado com os quais raramente foram vistos, a farda de seu ofício, seus enfeites, poderá ser apresentado de modo formal para sua última jornada, ou carregará aquilo que o faz parecer autêntico, similar à vida que o abandonou.
Nesses momentos iniciais e finais de nossa vida nao escolhemos, mas ao crescer tendemos a opinar cada vez mais sobre a indumentária, a forma de dispor sobre os cabelos e pelos, a administraçao do que é visível e invisível. Vamos apropriando-nos do que supomos ter que ser, construindo nossa versao disso, ou seja, o que conseguirmos transformar em parâmetros pessoais. Houve tempos de menos liberdades, formas mais rígidas de pautar a imagem corporal. Hoje aparentemente somos donos do destino de nossa imagem. Ou, pelo menos, aparentemente donos.
A mulher que se submetia ao rigor do sufocante espartilho, em nosso imaginário equivale à pior representaçao da submissao feminina às regras de vestimenta que a oprimiam. Paradoxalmente, ela vivia uma liberdade que hoje nao mais existe: ao chegar em casa após a festa ou cerimônia, uma senhora desatava as cordas e liberava suas carnes. Confinadas por estarem mal distribuídas, suas gorduras eram libertadas para que retornassem ao seu lugar: o ventre avultava, os seios podiam abandonar a posiçao de sentido. Hoje, ao chegar da festa, o desnudar-se revela outros espartilhos, dessa vez internos: a barriga negativa, os seios fartos e duros, as curvas delineadas que corretamente nao deveriam desaparecer. Enquanto ideal, a nudez nao mais se contrapoe à vestimenta.
A cultura de opressao dos corpos vai e vem, em geral ao sabor da cotaçao das liberdades sexuais, às quais sao sempre associados. É interessante essa ideia de que o corpo se formata univocamente ao sabor do erotismo próprio a cada época, recobrindo maciçamente os prováveis objetos de desejo em culturas mais rígidas, ou editando o olhar em tempos que se dizem mais libertos. Mesmo nesses, homens e mulheres vivem preocupados em mostrar curvas e músculos nos lugares certos e cuidadosamente delineados e sugeridos, emoldurados pelas roupas.
O sexo é leitura soberana sobre os outros usos do corpo porque nele fica encerrado o olhar alheio como razao de ser de uma imagem. Na condiçao de objeto de desejo sexual, é como se existíssemos integralmente para ser o que alguém gostaria que fôssemos. A maior revoluçao sexual hoje passa pela liberaçao do corpo, do qual o sujeito se reivindica proprietário, quer seja em debates sobre o aborto, assim como nas pouco toleradas indefiniçoes ou escolhas diferenciadas de gênero.
Herdeiros da revoluçao de costumes dos anos sessenta, considerada a melhor sucedida entre as tantas reviravoltas do atribulado século XX, os corpos pareciam ter se libertado das regras que os escondiam e pautavam. O sexo livre, o direito de andar nus, de nao depilar-se, os longos cabelos que caracterizavam a cultura do unissex teriam aberto precedentes para novas formas de expressao corporal. Mas a história sempre nos presenteia com fluxos e contrafluxos e os anos oitenta viram nascer uma nova paixao pela disciplina dos exercícios, das corridas, das dietas. Com ela vieram a anorexia, a bulimia, a crescente obsessao pelas plásticas.
Os jovens, que poderiam ser considerados netos da geraçao de Woodstock, também andam com pouca roupa, mas de modo diferente ao de seus vovôs hippies. Alheios à temperatura externa, tentam andar por aí com as pernas, coxas, barriga e ombros sempre expostos: meninos em calçoes, mesmo no inverno, garotas com a barriga à mostra e saias tao curtas e apertadas que surpreenderiam a própria Mary Quant. As gestantes orgulham-se de exibir o ventre abaulado, que antigamente ocultavam sob recatadas batas, enquanto os mais velhos tentam manter um corpo que pareça jovem o suficiente para envergar a indumentária adolescente. Nunca fomos tao obrigatoriamente pelados.
É preciso ter uma disciplina espartana para dar conta do ideal de corpo cultivado e despido, da menina magérrima, de cabelo alisado por produtos químicos e do jovem malhado. Plásticas, remédios que inibam a fome e uso de anabolizantes nao sao parceiros incomuns nessa cruzada pela perfeiçao da imagem. Outrora era a gordura que representava a opulência, assim como a pele alva significava o ócio dos nobres. Hoje a magreza, o bronzeado, músculos nao vêm do trabalho em si, mas dao um bom trabalho para serem montados, sao atributos que igualmente mostram que seu proprietário tem muito tempo livre. Vestimentas e formas do corpo sao como uma linguagem, dizem do seu portador como um discurso de autoapresentaçao.
Tao disciplinados e expostos estao esses corpos, que como forma de defesa ou de reapropriaçao, precisam ficar recobertos de insígnias "indespíveis", fronteiras últimas sobre as quais o olhar insistente e desejável dos outros nao passará. A pele tatuada permanecerá para sempre oculta sob o pigmento. O olhar que pousa nela será conduzido ao ponto em que seu dono espera encontrá-lo.
Nas imagens ou letras gravadas permanentemente na pele há uma mensagem, quer seja de seduçao, talvez ameaçadora, intimidatória, ou um nome que marca uma relaçao afetiva, amorosa ou familiar. Sao imagens ou palavras que definem as convicçoes e os vínculos do portador. O sujeito tatuado nao será desprovido desse símbolo que escolheu para si, nao se desnudará dele jamais, faz parte do seu corpo, por escolha. Na tatuagem há uma demarcaçao territorial, um limite para o olhar.
Nesse sentido, a tatuagem e a colocaçao de piercings, que sao também enfeites permanentes, comungam mas também divergem de outras transformaçoes corporais que visam adequar o corpo à norma, como as plásticas, implantes de silicone, preenchimentos, dietas e musculaçao. Todas essas modificaçoes visam modelar a própria imagem com o objetivo de encarnar indicativos do Ideal do Eu, ou seja, nossa resposta ao que supomos ter que ser.
Quando nos aproximamos da norma, construímos um corpo obediente, sempre alerta ao ideal vigente, cuja forma é uma flecha certeira em direçao àquilo que se convencionou como desejável. Já nas inscriçoes, perfuraçoes e escarificaçoes em geral, a intervençao visa demarcar uma peculiaridade. É como assinar sobre si mesmo, fazer-se obra da própria imaginaçao. Se algum desses enfeites produz desejo, jamais será genérico, nem tampouco passará do limite que a pigmentaçao ou a presença do metal impoe.
O hábito corrente de usar alargadores de orelha leva o piercing a uma categoria mais profunda. Como qualquer brinco, ao ser retirado um piercing deixará apenas um orifício, enquanto o alargador ao sair deixará um lóbulo deformado, por isso passa a fazer parte do corpo do sujeito, como os alargadores de lábios dos índios Botocudos.
Ao contrário do corpo obediente construído pelos frequentadores de academia e cinzelado pelos cirurgioes plásticos, o corpo tatuado ou perfurado possui-se a si mesmo. Evidentemente que um piercing pendente de um umbigo, por mais clichê que tenha se tornado, representa uma possessao pessoal da sua dona (é um adereço predominantemente feminino). É uma obstruçao disfarçada do olhar, que revela o orifício, enfeitando-o, mas afasta o olhar e o toque com sua assinatura de metal brilhante. Mesmo os mais acostumados sabem que aquilo foi um ritual de dor, de ferimento e que, daquele pedaço de corpo, tao à mercê dos outros, o dono se apossou de forma corajosa.
PRISIONEIROS DOS SONHOS DOS PAIS
Nunca foi tao árduo crescer. Os jovens têm grande dificuldade de escolher um caminho. Sentem que se desejarem algo específico estarao perdendo inúmeras outras oportunidades de prazer e realizaçao. Para manter todas essas supostas potencialidades, suas vidas acabam tornando-se eternas promessas que tendem à frustraçao. Os pais também têm dificuldade de crescer, pois temem a velhice, o desafio de reprogramar a vida quando restam-lhes menos opçoes, pois já fizeram algumas escolhas e nem todas sao reversíveis. Nesse sentido, a infantilizaçao dos filhos serve aos pais como tentativa de parar a corrida do tempo. Fabricam-se marmanjos criados, vivendo com a família, mas alguma coisa neles tenta rebelar-se contra essa impossibilidade de tomar sua vida nas maos e partir para fazer dela nada mais que o possível.
Para os filhos, colocam-se em paralelo duas demandas impraticáveis: de ser feliz e original. A primeira é a de garantir que se alcançará a felicidade através das escolhas certas, quer sejam amorosas ou laborais. Os pais fantasiam que a eles faltaram oportunidade e liberdade para traçar os caminhos conforme seu desejo, por isso supoem que com subsídios e sem restriçoes seu filho alcançará metas em relaçao às quais eles sentem-se em dívida.
A demanda de ser feliz traduz-se na proposta tao comum, que brota com naturalidade dos lábios de qualquer pai contemporâneo, quando afirma a seus filhos: "escolha o que quiseres para tua vida, só me importa que sejas feliz". Obviamente a felicidade é a única garantia de sucesso que o filho nao pode oferecer ao pai, pois ela é fugaz e geralmente passa despercebida. Sem falar que é intransitiva: ser feliz como? Nao aponta para nada e pede tudo.
A segunda exigência é a de que cada gesto, atividade ou obra seja uma pequena revoluçao, estando uma suposta criatividade no topo dos atributos mais desejáveis na trajetória de uma vida. Dessa forma, cria-se uma cultura em que a rotina, o tédio e a entrega a qualquer escolha que tenha sido feita sao vistas e temidas como expressoes de acomodaçao e mediocridade, quando nao de falta de inteligência.
A combatida epidemia de hiperatividade, o problema dos sujeitos que nao se focam onde deveriam, é sintomática de um tempo no qual é considerado menor deter-se sobre qualquer coisa, no qual nao se pode parar4. O problema é que a maior parte das escolhas, principalmente as mais visadas, que sao o amor e o trabalho, decorrem de uma soluçao de compromisso entre desejos e exigências culturais e familiares.
Nossa vocaçao, assim como os vínculos que constituímos, na prática sao expressoes que podem ser consideradas mais sintomáticas do que símbolo de liberdade. Cada um faz o que pode, negociando entre o que supoe que se espera dele, o que ele se julga capaz, seus temores, inibiçoes, os desejos que consegue assumir e as oportunidades que surgem. Sobre esses caminhos, que mais nos escolhem do que sao escolhidos, o sujeito poderá fundar uma reflexao, criar uma versao ou até uma reaçao a eles, mas precisará acabar reconhecendo que ninguém tem um leque de opçoes tao amplo quanto se imagina.
Ao contrário das décadas anteriores, nao há hoje um impulso de sair de casa. Pais e filhos já nao disputam valores, e sim territórios. A discussao já nao é sobre o que pode ou nao pode, mas quando vai se poder. Sexo na casa dos pais já nao é tabu, consumir drogas ditas leves como maconha também nao. "Para que sair de casa, se, bem ou mal, posso tudo lá dentro?", pensam os jovens, aderindo, sem dar-se conta, à demanda de procrastinar o crescimento.
A permanência junto aos pais alongou-se. Colocar marcas corporais, em muitos desses casos, é uma tentativa de afastar esse corpo crescido do zelo parental que se prolonga em moços e moças que têm segurança, casa, comida e roupa lavada, quando já poderiam estar providenciando tudo isso por conta própria. Frente a isso, muitas vezes fazer uma tatuagem, colocar-se piercings, sao tentativas de demarcaçao do território corporal.
Numa vida na qual os pais se apossam tao gulosamente do destino dos filhos, em que vampirizam sua juventude, nao surpreende que o corpo seja a última fronteira de si, de possessao pessoal. Trata-se daqueles que, embora possam estar entre os que "têm tudo", nao têm mais do que seu computador, um quarto ou cama, em geral arrumados pela mae, como lugar próprio, por isso precisam recuar as defesas para o derradeiro território do corpo.
A pele é, neste caso, um limite último para a invasao e as marcas sao tentativas de cercar essa propriedade. Trata-se de uma forma de rebeldia bastante regressiva, pois almeja-se muito pouco além de gerir a própria superfície, o que deixa os outros com grande liberdade sobre o resto de suas vidas. É uma situaçao muito similares à nudez desejável na indumentária dos jovens. Estes, obrigados a expor partes do seu corpo supostamente perfeito, por ser de pouco uso, ao olhar dos outros, pelo menos as enfeitam com marcas que lembram: esta barriga, este torso, este braço, esta virilha, sao meus, ou "sao mim", como diria o psicanalista Ricardo Rodulfo.
Ele lembra-nos que a "formaçao de superfície" é uma das funçoes do brincar5. Conforme o autor, para o bebê faz parte dessa atividade de delimitaçao de si o recobrimento, para o qual ele tratará de se besuntar, de espalhar suas babas, papas e cacas. O pequeno coloca todos esses revestimentos sobre sua pele e acontece mesmo de ele ficar desorganizado ou furioso quando a higiene o priva disso. Com esse recurso, o bebê nao demarca algo que ele tem, mas sim algo que ele é. Tatuar-se, desenhar a própria pele, poderia ser entendido como atividade herdeira dessa forma rudimentar de brincar, pois a infância deixa restos que carregamos ao longo de toda a vida.
A tatuagem é uma mistura da atividade de desenhar, ou mesmo de brincar, quando se viabiliza uma expressao imaginária para os desejos e conflitos, utilizando esses recursos primitivos de formaçao de imagem corporal. Se puder funcionar como uma formaçao de superfície que ninguém poderá limpar, talvez seja como a vingança do filho que já cresceu contra uma nova versao da higiene materna inclemente. Pode, nesse caso, operar tentativas de resistência contra o caráter prepotente das expectativas alheias, e mesmo ser uma forma de proteger-se e minimizar a força da imposiçao dos sonhos de adultos que se sentem tao invejosos e maravilhados com sua adolescência. Através dessas práticas artísticas de intervençao corporal, os jovens tentam resistir, para ficar menos à mercê, evitando que sua mente seja tratada como antes faziam os cuidadores, que dispunham do seu frágil corpo de bebê.
O corpo cresce numa tensao ambígua, entre a alienaçao e a separaçao, ou seja, entre constituir-se apoiado num olhar de fora, a funçao especular do olhar materno, e a necessidade da demarcaçao pessoal. Esta última é uma tentativa de separaçao entre o dentro e o fora do corpo, entre o íntimo e o público. É aqui que uma certa rebeldia nos gostos, a irreverência indumentária dos jovens, a colocaçao de um piercing, uma tatuagem, uma alteraçao na pele, podem ser tentativas de fabricar essa assinatura.
Uma assinatura é uma forma pessoal de grafar-nos. Ao mesmo tempo em que aceitamos o nome que nos deram e os códigos da lectoescritura que nos ensinaram, ao criar uma assinatura descobrimos um modo de escrever o nome que é original e particular. Já um apelido é uma corruptela do nome próprio, é um nome recebido a partir de nossos atos entre os pares e familiares.
As tatuagens e demais marcas corporais fazem com o corpo o que a assinatura e o apelido fazem com a nomeaçao. Elas sao uma personalizaçao, ao mesmo tempo que uma forma de aceitar e acrescentar à nossa identidade, de forma digerida, a influência dos outros.
TRAÇOS DE CONCLUSAO
Os jovens tatuados sao filhos e netos de adultos que se horrorizam ao ter seu corpo marcado pela vida. Lutam contra rugas e traços de expressao, como se o envelhecimento fosse uma gradual possessao a exorcizar. Em contrapartida, a tatuagem chega como uma marca indelével do vivido: "Vejo meu corpo como um livro, as tatuagens estao lá para documentar diferentes momentos e histórias da minha vida", declarou um jovem inglês de 31 anos6. Trata-se de desenhos e inscriçoes que funcionam como uma estilizaçao das marcas do tempo, como uma ruga bonita. Vai nesse sentido a afirmaçao de uma jovem que, habituada a lutar contra a acne, colocou um piercing que dizia ser "sua espinha bonita", mostrando que ao introduzir uma marca pode-se fazer ativamente o que o tempo e as doenças submetem um corpo passivo.
Tatuar-se é uma forma lúdica de introduzir mudanças que também ocorreriam no decurso da vida. É o oposto, ou talvez um diálogo, com o hábito das plásticas, que quer manter o corpo ilusoriamente intacto. Se para os tatuados seu corpo é uma tela pintada, para os entusiastas das plásticas ela deve permanecer sempre em branco. Poderíamos pensar as tatuagens, adereços e modificaçoes corporais como reaçao a esses hábitos disciplinares do corpo, o corpo tatuado como o contraponto ao corpo de academia. Enquanto um é singular, único, o outro tenta adequar-se a padroes estabelecidos. Sao atitudes antagônicas mas que respondem à mesma demanda de montar uma aparência compatível com uma identidade socialmente desejável. Ambos sao uma tentativa de resposta às questoes suscitadas pelo olhar do outro.
A vida é passageira e ela anda mais rápido que nossa capacidade de compreendê-la, produz mais eventos do que temos condiçoes de armazenar. Alguns tatuados fazem de sua pele sua autobiografia. A cada nova figura, inscriçao, vao acrescentando as marcas do vivido, os nomes das pessoas amadas, as referências culturais e posicionamentos políticos importantes.
Muitas dessas pessoas voltam-se para a tatuagem como uma forma de arte, fazem dela um ofício, constituem grupos de tatuados e chegam a ter todo o corpo recoberto dessas citaçoes. Nessa forma extrema, confirma-se a condiçao de linguagem e de estabelecimento de identidade dessa prática, que se estende a outras formas de modificaçao corporal. Se da vida pouco se leva, pois as transcendências estao em remissao, e só temos esse corpo, como forma de "eu", nao nos estranha que tantos estejam a escrever nele o que nao pode e nao deve ser esquecido.
Levando em conta a tendência histórica, os tempos sao de incremento do individualismo. Ou seja, cada vez mais uma subjetividade se apoia menos nos outros que a circundam, extrai menos significaçao dos grupos a que pertence, e joga-se na ilusao de ser único e singular num mundo tao plural. Ora, nesse sentido as marcas corporais ajudam muito a ser um exemplar especial e ímpar. É preciso tomar cuidado para nao confundir individualismo com narcisismo, como tantas vezes ocorre: esses corpos enfeitados estao numa perspectiva do olhar dos outros, eles nao se esgotam em si mesmos, incluem esse olhar em sua constituiçao.
Sao tempos em que tudo que é recebido precisa ser personalizado. Ninguém se permitiria ser meramente uma consequência de sua origem, educaçao, desejo dos pais, hábitos e costumes de um lugar. Todos querem orgulhar-se das versoes particulares que produziram, a partir de uma herança que nem sempre reconhecem. O "fazer-se a si mesmo" deixou de denominar, como originalmente acontecia, uma ascensao social que seja fruto de esforços e capacidades do sujeito, que o levaram além do que sua origem lhe proporcionaria.
Hoje é preciso fazer-se lançando as próprias bases, pelo menos é isso que se gosta de acreditar. Para tanto é preciso formatar um corpo, construir uma identidade sexual, ser parcimonioso em relaçao às formas de vincular-se com os familiares, principalmente os antepassados, questionar e revolucionar a hierarquia. O mesmo ocorre com o conhecimento que passa de geraçao em geraçao: outrora mediado pela valorizaçao da experiência dos mais velhos ou antepassados, hoje precisa funcionar como um saber disponível que o sujeito em formaçao vai dispor, questionar e usar à sua medida. Tudo deve ser ativo, criativo e de preferência original. Dessa forma, a "desnaturalizaçao" das identidades sexuais, assim como etárias, responde a esse modo de funcionamento7. Cada um encontrará sua forma entre os parâmetros da feminilidade e masculinidade, assim como entre as condutas esperadas para cada época da vida, de preferência subvertendo essas expectativas sociais de um modo sempre pessoal e particular.
Vivemos uma explosao de identidades sexuais, que já foram definidas apressadamente como uma recusa à castraçao, a submeter-se ao que o acaso genético nos deu. Seria, no entanto, mais produtivo entender esses fenômenos como um sintoma do paroxismo dos tempos individualistas, nos quais se espera que cada um se torne algo, faça a si mesmo, à sua própria medida. Entao, por que nao definir sua própria identidade sexual? Por que nao modificar o corpo e "fazer-se"?
As marcas corporais, portanto, devem ser entendidas nesse contexto maior, no qual hoje nos apoiamos mais em nossos corpos para ser alguém. Acreditamos que fazem parte do mesmo quadro histórico que produz tantas academias, dietas, disciplina corporal. Há uma preocupaçao obsedante com a saúde e com a aparência, que redunda num exagerado cuidado com o corpo. Talvez essas diligências apontem para novas formas de subjetivaçao cujos significados ainda nos escapam. Por isso, seria uma pena simplesmente encaixá-las em velhas fórmulas. Por que nao permitir que essas novidades também tracem, imprimam, ilustrem novas sutilezas para pensar a juventude, a sexuaçao, a construçao da identidade social?
a. Psicanalista. Membro da Associaçao Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA)
b. Psicanalista. Membro da Associaçao Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA)
Correspondência
Diana Lichtenstein Corso
Rua Felipe Neri, 382, sala 206, bairro Auxiliadora
90440-150 Porto Alegre/RS
dianamcorso@gmail.com
Submetido em: 06/01/2014
Solicitaçao de reformulaçoes em: 12/03/2014
Retorno dos autores em: 31/03/2014
Aceito em: 08/04/2014
1 "[...] um ferimento ou dano infligido simultaneamente operam, via de regra, contra o desenvolvimento de uma neurose." (FREUD, Sigmund. Além do princípio do prazer. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1976, p. 23.)
2 MACNAUGHTON, Alex. London tattoos. Munich-London-New York: Prestel Verlag, 2011, p. 17.
3 Trabalhei na década de 80 com perícias no sistema prisional gaúcho, onde constatei um bom número de prisioneiros que tatuavam a palavra "mae" ou o nome da sua progenitora. (Nota de Mário Corso.)
4 Maria Rita Kehl faz essa leitura da hiperatividade, considerando-a sintomática de sujeitos que dao seu melhor para corresponder a essa demanda de ser tudo: "Sao crianças acossadas pela demanda, cujo tempo psíquico foi atropelado pelo excesso de investimento da mae e dos outros adultos à sua volta." (KEHL, Maria Rita. O tempo e o cao: a atualidade das depressoes. Sao Paulo: Boitempo, 2009, p. 276.)
5 RODULFO, Ricardo. O brincar e o significante: um estudo psicanalítico sobre a constituiçao precoce. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.
6 MACNAUGHTON, Alex. London tattoos. Munich-London-New York: Prestel Verlag, 2011, p. 17.
7 A psicanalista Ana Maria da Costa lembra que essa desnaturalizaçao é intrínseca à constituiçao do sujeito: "nao há um suporte natural para nosso corpo e, por outro lado, nao há assimilaçao completa da representaçao do nosso corpo. Por essa razao estamos sempre fazendo passagens, traduçoes, interpretaçoes. Temos sempre que inventar possibilidades de inclusao, ou formas diferentes de circulaçao" (COSTA, Ana Maria Medeiros. "Se fazer" tatuar: traço e escrita das bordas corporais. Revista Estilos da Clínica, v. VII, n. 12, p. 60, 2002.) Portanto, trata-se de investigar as características que, em cada época, essa insuficiência da representaçao do próprio corpo vai assumindo.
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