Rev. bras. psicoter. 2014; 16(1):126-137
Gutfreind C. Aprendizagem, Literatura, Psicoterapia: a trinca de ouro. Rev. bras. psicoter. 2014;16(1):126-137
Artigos Especiais
Aprendizagem, Literatura, Psicoterapia: a trinca de ouro*
Learning, Literature, Psychotherapy: a set of diamonds*
Celso Gutfreind
"O sucesso resulta de quem se conhece e nao daquilo que se conhece."1
Mia Couto
"Este livro nao teria sido escrito se eu, filho, tivesse me deparado apenas com tristeza e dor na história do meu pai. Possivelmente nao tivesse nem mesmo conseguido ouvir seus relatos (...) Ainda que frustrado na maior parte do tempo, fui agraciado com diversas narrativas saborosas, o que me fez continuar a ouvi-lo com satisfaçao."2
Fábio Brodacz
"(...): a poesia
é a língua
do meu luto."
David Grossman, traduçao Paulo Geiger
"Making him see, where Learning hath no light."**
John Keats
Boi boi boiCantem, cantem, nao parem de cantar, senao estanca o meu pensamento. Ou nem se cria se nao cantarem. O que penso vem do ritmo, da prosódia. Do que repete até chegar ao novo. Ou seja, do outro. O que penso vem do que sinto que vem do que sentiram por mim que veio através da cançao. O sentimento arde. Assoprem, cantando. Recém cheguei ao horror de me expor aqui, diante do desconhecido, nao posso cantar sozinho. Nao posso aprender sozinho. Ainda nao. Estou desamparado outra vez pela primeira vez. Estamos recomeçando, nao tenho novamente a mae cantando dentro de mim. Ainda nao. Cantem, cantem, por favor, a cançao de vocês me contém, depois me solto.
boi da cara preta
pega esta criança
que tem medo de careta
Boi boi boiSobre a importância do conto na escola, ocorrem-me três momentos em minha vida como a estrutura de uma narrativa com começo, meio e fim. Começo pelo princípio como numa história: era uma vez. Era uma vez um adolescente (adolescências recomeçam) que nao sabia o que fazer com o corpo, com o amor e a morte. Queria amar, tinha medo, o corpo sentia o peso do paradoxo. Do nao sei o que, de Mário de Andrade e todos nós. O adolescente descobriu, na escola, os poetas românticos. Um professor os apresentou. Ele era a minha matriz de apoio. A minha rede de nao estancar. A rede de soltar. Ele sabia da importância das histórias para a aprendizagem. Ele era um leitor. Apresentou-me o Alvares de Azevedo, o Castro Alves, o Goethe. Eles contavam o que eu sentia. Tornei-me um leitor como ele. A escola o fez através do professor. Aprendi.
boi da cara preta
pega esta criança
que tem medo de careta
Boi boi boiCantem, cantem, nao parem de cantar, senao estanca o meu pensamento.Ou nem se cria se nao cantarem. O que penso vem do ritmo, da prosódia. Do que repete até chegar ao novo.Ou seja, do outro. O que penso vem do que sinto que vem do que sentiram por mim que veio através da cançao. O sentimento arde. Assoprem, cantando. Recém cheguei ao horror de me expor aqui, diante do desconhecido, nao posso cantar sozinho. Nao posso aprender sozinho. Ainda nao. Estou desamparado outra vez pela primeira vez. Estamos recomeçando, nao tenho novamente a mae cantando dentro de mim. Ainda nao. Cantem, cantem, por favor, a cançao de vocês me contém, depois me solto.
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Boi boi boiO leitor precede o escritor. O escritor precede o aprendiz. Verdadeiras duplas como o bebê e a mae, o aluno e o professor, nenhum dos dois existe sozinho3. O leitor é o envelope pré-narrativo do escritor4.O escritor é o envelope pré-narrativo do aprendiz. Um dia, este virá colocar as palavras no espaço aberto por aquele.No entanto,nao sao precursores. Precede-os a mae, cantando para eles, contando para eles, lendo para eles, co-construindo os núcleos rítmicos com o seu bebê5.Aprender é tocar, mais próximo da música do que da pedagogia. Tudo nasceu, com o perdao da redundância, no nascimento. Na metáfora. Na música. A primeira porteira foi aberta por ele. Depois, sem querer (literalmente, em parte) a mae passará o bastao para a professora, esta nova chance de esculpir uma mae. Todo aluno é um bebê com sua nova chance.
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pega esta criança
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Boi boi boiCantem, cantem, nao parem de cantar, senao estanca o meu pensamento. Ou nem se cria se nao cantarem. O que penso vem do ritmo, da prosódia. Do que repete até chegar ao novo. Ou seja, do outro. O que penso vem do que sinto que vem do que sentiram por mim que veio através da cançao. O sentimento arde. Assoprem, cantando. Recém cheguei ao horror de me expor aqui, diante do desconhecido, nao posso cantar sozinho. Nao posso aprender sozinho. Ainda nao. Estou desamparado outra vez pela primeira vez. Estamos recomeçando, nao tenho novamente a mae cantando dentro de mim. Ainda nao. Cantem, cantem, por favor, a cançao de vocês me contém, depois me solto.
boi da cara preta
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Boi boi boiComecei a atender adolescentes à mesma época que passei a frequentar escolas com alunos que tinham lido meus primeiros livros para crianças. E a ministrar oficinas de poesia para outros adolescentes que nao atendia assim diretamente. Era indireto, através da metáfora, mas pode nao ser? Que encontro, que atendimento, que ensino é direto em primeira instância? É possível olhar diretamente para a cara de um agora? Aprender é poder guardar para depois.
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Boi boi boiCantem, cantem, nao parem de cantar, senao estanca o meu pensamento. Ou nem se cria se nao cantarem. O que penso vem do ritmo, da prosódia. Do que repete até chegar ao novo. Ou seja, do outro. O que penso vem do que sinto que vem do que sentiram por mim que veio através da cançao. O sentimento arde. Assoprem, cantando. Recém cheguei ao horror de me expor aqui, diante do desconhecido, nao posso cantar sozinho. Nao posso aprender sozinho. Ainda nao. Estou desamparado outra vez pela primeira vez. Estamos recomeçando, nao tenho novamente a mae cantando dentro de mim. Ainda nao. Cantem, cantem, por favor, a cançao de vocês me contém, depois me solto.
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Boi boi boiDepois, fugi de casa como um Tolstoi, um elefante (mas para viver), um adolescente no campo de centeio. Assim Salinger10 definiu o apanhador em seu livro: aquele que impedia que as crianças caíssem no abismo. Nao é o que tentam proporcionar os psicanalistas, os educadores e os escritores?
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Boi boi boiCantem, cantem, nao parem de cantar, senao estanca o meu pensamento. Ou nem se cria se nao cantarem. O que penso vem do ritmo, da prosódia. Do que repete até chegar ao novo. Ou seja, do outro. O que penso vem do que sinto que vem do que sentiram por mim que veio através da cançao. O sentimento arde. Assoprem, cantando. Recém cheguei ao horror de me expor aqui, diante do desconhecido, nao posso cantar sozinho. Nao posso aprender sozinho. Ainda nao. Estou desamparado outra vez pela primeira vez. Estamos recomeçando, nao tenho novamente a mae cantando dentro de mim. Ainda nao. Cantem, cantem, por favor, a cançao de vocês me contém, depois me solto.
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Boi boi boiJuntando os três momentos - minha própria adolescência, as oficinas para outros adolescentes, a intervençao já na vida adulta nos abrigos franceses e, depois, brasileiros - sinto a convicçao do efeito terapêutico e pedagógico da literatura. E, fora dela (dentro também, mas contido), só há dúvidas, paradoxos à espera de mais literatura, psicanálise, aprendizagem.
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Vontade de cantarFeito os mestres universais Catulo e Apollinaire, o nosso bardo local também aprendeu a dobradinha fundamental: amor e desamor, presença e ausência. Se os resultados pífios instigam reclamaçoes estéticas sobre o alcance do discípulo, cartas para a mae do poeta - ou para a avó - e uma eventual falha no ritmo do começo. Ou para a mulher que, na sequência, lhe deu o pé na bunda com um eventual abrandamento na intensidade do chute.
olhando para ti
E o fiz, embora
tivesses partido
com a minha voz
Por muito tempo achei que a ausência é falta.Agora podem parar de cantar. Obrigado por me terem maternado, na transferência do horror de se expor longe da mae. No recomeço de cada dia, cada encontro. Cada aula. Agora, nao há mais ausência. A literatura do canto de vocês devolveu-me os núcleos rítmicos. O pensamento chegou. A literatura chegou. O sentimento foi dito. A mae voltou como era no que podia ser e como a reinventei com muita literatura, muita escola, muita psicanálise, essas utopias necessárias.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje nao a lastimo.
Nao há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a branca, tao pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamaçoes alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.19(p. 25).
Boi boi boi
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