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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2014; 16(1):115-125



Artigo de Revisao

Tratamento psicoterápico para adolescentes usuários de substâncias psicoativas*

Psychotherapeutic treatment for adolescents with substance abuse

Thiago Gatti Piancaa; Pedro Barbieri Ferronattob; Cláudia Maciel Szobotc

Resumo

O uso de álcool e demais substâncias psicoativas é um dos problemas de maior prevalência entre adolescentes. Todo adolescente que for avaliado por profissional de saúde deve ser questionado sobre seu uso de álcool e substâncias psicoativas. Em caso positivo, esse uso deve ser investigado clinicamente e, mesmo quando minimamente problemático, o adolescente deve ser encaminhado para tratamento específico. O tratamento deve levar em conta várias particularidades da adolescência para ser efetivo. Há indicaçao do uso de psicoterapias no atendimento a esses adolescentes. Entre elas, estao a Terapia de Família, a Terapia Cognitivo-Comportamental e a Entrevista Motivacional. Todas essas modalidades de terapia apresentam evidências de eficácia nessa faixa etária e podem ser usadas separadamente ou em conjunto. Essas modalidades de tratamento serao revisadas, sendo explicados seu método de açao e suas principais evidências de eficácia em adolescentes.

Descritores: Adolescência; Alcool; Drogas de abuso; Dependência de drogas; Psicoterapia.

Abstract

The use of alcohol and drugs in the adolescence is a common problem. Every teenager that goes through psychological evaluation should be asked about use of alcohol and drugs of abuse. If positive, this use should be clinically investigated and, referred to treatment at the slightest signs of problems. Treatment must take account of age-specific characteristics in order to be effective. There are many kinds of psychotherapies based on evidence for this age group. Among them, are Family Therapy, Cognitive Behavioral Therapy and Motivational Interviewing. Those treatment modalities are addressed, explaining their means of action and their main proofs of efficacy in adolescents.

Keywords: Adolescence; Alcohol; Drugs of abuse; Drug dependence; Psychotherapy.

 

 

INTRODUÇAO

O uso de substâncias psicoativas vem se tornando um problema de saúde pública no Brasil. Galduróz et al.1, no VI Levantamento Nacional sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas entre Estudantes do Ensino Fundamental e Médio das Redes Pública e Privada de Ensino nas 27 Capitais Brasileiras, apontam uma prevalência de 25% de uso na vida e 10% de uso no ano para drogas, exceto álcool e tabaco, entre adolescentes de 12 a 19 anos. Um estudo recente conduzido pela FIOCRUZ estimou que aproximadamente cinquenta mil menores de idade sao usuários de crack no Brasil2. Enfim, o uso de drogas, lícitas ou ilícitas, por adolescentes no Brasil constitui-se em problema de saúde pública, para o qual há a necessidade de tratamentos psicoterápicos específicos.

Está bem estabelecido que tratar adolescentes usuários de drogas oferece melhores prognósticos do que nao tratá-los. No ano após tratamento, pacientes dependentes de drogas apresentaram diminuiçao no consumo de álcool, maconha e outras drogas ilícitas, diminuiçao dos índices de envolvimento criminal, maior ajuste psicossocial e melhora da performance escolar3,4.

Uma metanálise comparando a efetividade de tratamentos psicoterápicos para adolescentes usuários de drogas5 fez comparaçao entre os diferentes tipos de psicoterapias a fim de determinar a efetividade dos diferentes tratamentos, a magnitude das mudanças proporcionadas por cada tipo de tratamento e a relaçao entre os vários métodos de tratamento e sua efetividade levando-se em consideraçao características dos pacientes. Na primeira análise, da efetividade de cada modalidade de psicoterapia, considerando-se como desfecho a diminuiçao da quantidade do consumo de substâncias, a Terapia Familiar se mostrou a mais eficaz entre todas as modalidades testadas, com diferenças estatisticamente relevantes. Terapia Cognitivo-Comportamental, Terapia Cognitivo-Comportamental mais Entrevista Motivacional e Terapia Comportamental também se mostraram eficientes, porém com menor tamanho de efeito. A análise do tamanho do efeito do tratamento psicoterápico, considerando-se como desfecho o tamanho da diminuiçao do uso, em dias de consumo da substância no mês após o tratamento, mostrou que qualquer tratamento é melhor que nenhum, reforçando uma consagrada diretriz clínica do National Institute of Drug Abuse6. A terapia de família e a entrevista motivacional obtiveram os melhores resultados. Independente da forma de tratamento escolhida, recomenda-se fazer acompanhamento laboratorial periódico com testes toxicológicos para comprovar a abstinência7.

Existem algumas peculiaridades dos adolescentes usuários de drogas que os diferem dos adultos. Tanner-Smith et al.5 apontam as seguintes características: adolescentes sao mais suscetíveis às influências dos pares, sofrem mais efeitos adversos em funçao do seu tamanho corporal, têm menores níveis de tolerância às diversas substâncias de abuso e sofrem maior dano cognitivo e emocional em funçao do seu estágio de desenvolvimento. Essas particularidades devem ser levadas em conta no momento de se escolher um tratamento para o abuso de substâncias psicoativas. Uma boa revisao sobre o assunto dos cuidados especiais na avaliaçao e início do tratamento em adolescentes pode ser encontrado no Practice Parameter da American Academy of Child and Adolescent Psychiatry (AACAP) para tratamento dos problemas relacionados a substâncias psicoativas em adolescentes7.

O presente artigo pretende fazer uma revisao sobre os tipos de psicoterapia mais utilizados na prática clínica com adolescentes usuários de drogas, de acordo com a literatura. Sao eles a Entrevista Motivacional, a Terapia Cognitivo-Comportamental e as Terapias Familiares. Estas sao as modalidades com maiores evidências de eficácia no tratamento de jovens usuários de substâncias. O conhecimento das técnicas psicoterápicas com efetividade fundamentada é relevante, tendo em vista o escasso papel que a medicaçao tem nesse contexto (mais restrita para comorbidades ou situaçoes de risco agudas)7,8.


TERAPIA DE FAMILIA

As Terapias de Família, em suas diversas modalidades, sao consideradas parte fundamental do tratamento dos problemas relacionados ao uso de substâncias na adolescência. Qualquer tipo de tratamento nessa faixa etária deve ter, no mínimo, envolvimento familiar intensivo, quando a Terapia Familiar propriamente dita nao for possível7. Em uma metanálise comparativa de várias modalidades de tratamento5, a Terapia Familiar destacou-se como uma das mais efetivas, e, em suas diversas modalidades, a mais pesquisada. O mesmo estudo estimou que a Terapia de Família teria um tamanho de efeito equivalente a uma reduçao de cerca de 40% no uso de maconha.

Há muitos fatores familiares envolvidos na iniciaçao e na manutençao do uso de drogas, que justificam, do ponto de vista teórico, a utilizaçao de intervençoes familiares no tratamento desses pacientes, tais como: uso de drogas por outros membros da família, padrao de comunicaçao ineficaz entre os familiares, falta de proximidade com os pais, baixa expectativa dos pais em relaçao aos filhos, falta da figura paterna, baixos índices de supervisao parental, atitude permissiva em relaçao a drogas, abuso físico ou sexual, entre outros9. Além disso, diversas intervençoes preventivas se baseiam na diminuiçao de tais fatores de risco e no reforço de características familiares positivas, como o vínculo entre os membros da família e diversas habilidades parentais, como monitoramento, supervisao e comunicaçao adequadas a respeito do uso de drogas10. Cabe ressaltar, ainda, a relativa dependência da estrutura parental do adolescente em relaçao ao adulto, no que tange a aspectos financeiros, materiais e emocionais, e que faz com que as intervençoes mediadas através da família sejam mais efetivas do que em usuários de drogas de idade mais avançada.

As diversas escolas de Terapia Familiar tendem a entender que a iniciaçao e a manutençao do uso de drogas sao resultado da interaçao de diversos fatores individuais, familiares e sociais. O funcionamento familiar, por sua vez, tende a ser gravemente prejudicado pelo uso de drogas11. Entre as diferentes escolas com eficácia demonstrada em ensaios clínicos, estao a Terapia Familiar Multissistêmica, a Terapia Familiar Multidimensional, a Terapia de Suporte Familiar, entre outras5. Por enquanto, pela escassez de estudos, ainda nao é possível determinar se há superioridade de algum desses modelos de terapia sobre os demais12.

Os objetivos da terapia sao, geralmente, restabelecer a autoridade dos pais sobre os filhos e melhorar a qualidade da relaçao entre pais e filhos13. Somado a isso, o trabalho com as famílias de dependentes químicos envolve abordar também a falta de informaçao da família sobre a dependência e o adoecimento do sistema familiar, e a necessidade de mudança definitiva dos padroes familiares disfuncionais para padroes mais aceitáveis. Dentre as manifestaçoes do adoecimento familiar, destacamos a falta de fronteiras definidas, que dificultam a delimitaçao de papéis adequados entre os membros da família, comprometendo também a hierarquia familiar; e as triangulaçoes, que sao padroes disfuncionais de relacionamento nos quais dois ou mais membros se aliam em contraposiçao a um terceiro14. Outro tema particularmente importante em famílias com adolescentes é o processo de individuaçao, que faz parte do desenvolvimento normal, porém é um frequente foco de problemas em famílias disfuncionais.


TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL

A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) considera o uso de drogas como um comportamento aprendido, iniciado e mantido em determinadas condiçoes ambientais. Através do condicionamento, o indivíduo aprenderia que o uso de drogas está associado a estímulos bons. Por exemplo: usar álcool diminui a ansiedade social momentaneamente; logo, usar álcool é associado a um estímulo positivo, e o comportamento é reforçado. Com a repetiçao do uso, essa associaçao fica cada vez mais forte, ao ponto de ser capaz de negar associaçoes negativas posteriores que podem ser racionalmente compreendidas, como a relaçao do álcool com suas consequências adversas, que surgem mais tardiamente. Isso é especialmente importante na adolescência, quando o planejamento a longo prazo nao é uma característica plenamente desenvolvida. O efeito reforçador do uso de substâncias pode se dar por efeito fisiológico direto no organismo ou por efeito do reforço social associado - e, neste contexto, enfatizamos a importância do grupo de pares e até mesmo um possível efeito aumentado do feedback desse grupo no adolescente, em relaçao aos adultos, como características de risco do adolescente para o desenvolvimento de dependências15.

Outro conceito importante é o do desenvolvimento de pensamentos ou crenças disfuncionais. Algumas dessas crenças envolvem uma avaliaçao distorcida da realidade e de si mesmo ("Se eu nao beber, nao consigo me divertir", "Se eu nao fumar, nao vao me aceitar no grupo", "Todo mundo fuma maconha").

O'Connel e Patterson16 adaptaram modelos usados em adultos para uso em adolescentes com dependência química. Segundo eles, a TCC ensina ao paciente que seus pensamentos, crenças ou esquemas sao responsáveis pelas emoçoes e condutas negativas. O terapeuta mostra ao paciente como seus pensamentos e crenças causam problemas e podem resultar em recaídas e outras dificuldades emocionais. Ensina que há situaçoes de alto risco para recaídas, e que nesse momento é importante o uso das técnicas aprendidas na terapia e a evitaçao de pensamentos automáticos e distorçoes cognitivas. Algumas das distorçoes cognitivas citadas por eles sao as exemplificadas abaixo:

  • Supergeneralizaçao: "Se aconteceu esta vez, vai acontecer em qualquer situaçao minimamente semelhante a esta."
  • Abstraçao seletiva: "Se eu escorreguei desta vez, todo o meu tratamento foi em vao e eu sou uma farsa."
  • Responsabilidade excessiva: "Se eu recaí, a culpa é só minha e nada mais influenciou nisso. Por isso nao vou conseguir."
  • Suposiçao de causalidade temporal: "Foi assim no passado, entao sempre vai ser assim."
  • Autorreferência: "Todo mundo está vendo que eu sou inadequado."
  • O efeito catástrofe: "Se eu recair, nao vou conseguir parar nunca e vou acabar morrendo disso."
  • Pensamento dicotômico: "Eu recaí, entao nao estou em recuperaçao. Nao há meio-termo."
  • Algumas técnicas normalmente empregadas em vários modelos de TCC sao:
  • Análise de vantagens x desvantagens
  • Identificaçao das crenças associadas ao uso de drogas
  • Registro diário do uso de drogas, incluindo contexto do uso e consequências
  • Identificaçao de situaçoes de risco para recaídas
  • Planejamento de estratégias para evitar a recaída
  • O projeto Cannabis Youth Treatment Series17,18, para atendimento de adolescentes usuários de maconha, descreve um atendimento com sessoes estruturadas específico para adolescentes usuários de maconha, em dois programas diferentes, com 5 ou 12 sessoes cada. Na realidade, ele mescla componentes de Terapia Motivacional com TCC, sendo que a primeira é aplicada individualmente, por três sessoes, e a última nas sessoes seguintes, com temas como recusa a ofertas de maconha, estabelecimento de um grupo propenso à recuperaçao, desenvolvimento de atividades prazerosas livres de drogas, e treinamento de técnicas de manejo com situaçoes de risco inesperadas. O modelo de 12 sessoes tem sessoes adicionais sobre reconhecimento e manejo da raiva, resoluçao de problemas, habilidades de comunicaçao e manejo de sintomas de depressao e fissura. Mesmo considerando a duraçao maior do modelo de 12 sessoes, ambos tiveram resultados comparáveis entre si e à Terapia de Suporte Familiar em um ensaio clínico19.

    A metanálise de Tanner-Smith e colaboradores5 mostra que os tratamentos baseados em TCC, combinados ou nao à Terapia Motivacional, têm eficácia comparável à de outros tratamentos, sendo somente um pouco inferiores à Terapia Familiar em tamanho de efeito. Podem também ser usados complementarmente a outros tipos de tratamento.


    ENTREVISTA MOTIVACIONAL NO TRATAMENTO DE ADOLESCENTES COM USO DE SUBSTANCIAS

    A Entrevista Motivacional (EM), também conhecida como Terapia Motivacional, é outra modalidade de tratamento muito utilizada, tanto para adultos quanto para adolescentes usuários de substâncias. Ela foi criada na década de 70 por Miller e Rollnick20 para tratamento de dependência de substâncias psicoativas, sendo que atualmente ela é utilizada também em outras condiçoes nas quais a motivaçao para modificar algum hábito de vida seja parte importante do tratamento, como no tratamento da obesidade e do diabetes, por exemplo21. Porém, é ainda no tratamento dos transtornos relacionados ao uso de substâncias sua maior utilizaçao22.

    A EM combina aspectos da terapia centrada no cliente com técnicas cognitivo-comportamentais, com o objetivo de aumentar a motivaçao intrínseca do paciente para a mudança. As intervençoes sao voltadas para o estágio da mudança em que o paciente se encontra, de acordo com o modelo transteórico de mudança de Prochaska e DiClemente23, sendo esses estágios a pré-contemplaçao, a contemplaçao, a preparaçao, a açao, a manutençao e a recaída24.

    Naar-King e Suarez25 escreveram um livro sobre a aplicaçao de EM em adolescentes e adultos jovens. Além de ressaltar a abordagem a questoes próprias do estágio do desenvolvimento, como a formaçao da identidade, autonomia, relaçao com pares e com os pais, sugerem muitas técnicas de uso da EM. A base da técnica consiste na aplicaçao do acrônimo OARS - que, em inglês, corresponde a questoes abertas, afirmaçoes, reflexoes e resumos. Ou seja, de forma resumida: usam-se perguntas abertas para fazer o paciente trazer seu ponto de vista sobre os problemas relacionados ao seu uso de drogas, e se refletem de volta a ele, com algumas adaptaçoes, os próprios argumentos que vao levar à mudança no comportamento. Quando o paciente demonstra estar no caminho da mudança, usam-se afirmaçoes para estimulá-lo a seguir com esse comportamento. Por fim, resumem-se ao paciente os pontos mais importantes, para que ele tenha uma visao menos dissociada dos seus problemas. Os autores ressaltam que se deve sempre seguir o que se convencionou chamar "espírito" da EM: autonomia (do paciente em decidir o que deve fazer), colaboraçao (aliança terapêutica) e evocaçao (isto é, as razoes e preocupaçoes devem vir do paciente, nao do terapeuta).

    A EM já foi bastante estudada em adolescentes. Uma metanálise de 21 estudos26 mostrou eficácia da EM no tratamento de adolescentes usuários de álcool, maconha e tabaco, com tamanho de efeito pequeno, mas consistente. É interessante notar que a maioria das intervençoes estudadas (62%) consistiam de uma única sessao, e que a maioria dos interventores (79%) nao tinham recebido treinamento extenso antes de aplicarem as técnicas motivacionais. Os treinamentos em EM usados nos estudos variam de 2 a 31 horas. Apesar de isso nao ter sido avaliado especificamente, é de se supor que o custo de tais intervençoes seja bastante baixo, propiciando sua indicaçao a um maior número de casos. O fato de poder ser utilizada em uma única sessao e ainda assim mostrar alguma efetividade possibilita que a EM possa ser incorporada a atendimentos primários em saúde, como em postos de saúde e emergências clínicas. Nesses settings, adolescentes frequentemente buscam auxílio devido a problemas de saúde relacionados ao uso de álcool ou drogas, e o fato de haver uma crise identificável (no caso, o problema de saúde que ocasionou a consulta) facilita a aplicaçao das técnicas de EM27.

    Em comparaçao a outras formas de tratamento, é de se destacar que, em uma metanálise comparativa de Tanner-Smith e colegas5, a EM nao foi menos eficaz que outras abordagens mais complexas em comparaçao direta, como a Terapia de Família, e foi mais eficaz que intervençoes mais simples, como aconselhamento em grupo ou treino de habilidades sociais. Também é importante lembrar que frequentemente é associada a outras formas de terapia, agindo de forma complementar. Por exemplo, o já citado Youth Cannabis Treatment Series18 inicia seus módulos de 5 ou 12 sessoes com algumas sessoes individuais de EM, que agem de forma complementar à Terapia Cognitivo-Comportamental aplicada posteriormente em grupo.


    CONCLUSAO

    O atendimento psicoterápico a adolescentes certamente constitui um desafio para a maioria dos terapeutas, devido à ampla gama de problemas próprios dessa faixa etária que podem ocorrer. Quando estes estao associados ao uso de álcool e drogas, o desafio torna-se maior ainda, o que se reflete claramente nos estudos sobre o tema. Realizar estudos com essa populaçao envolve particularidades éticas e logísticas importantes, que resultam em menos pesquisas ou trabalhos de metodologia aquém do ideal. No entanto, existem modalidades de tratamento com demonstraçao de alguma eficácia para esses problemas.

    As modalidades de tratamento aqui mencionadas podem parecer de pouca eficácia. Isso pode ser explicado, em parte, pelo tipo de desfechos selecionados pela maioria dos estudos - na prática clínica, muitas vezes podemos observar melhoras que nao se traduzem por simples reduçao nos níveis de consumo ou aumento no número de dias em abstinência. Um relacionamento menos conflituoso com familiares e amigos, menos problemas legais ou retorno a atividades acadêmicas ou profissionais também sao sinais de melhora, que devem ser ativamente buscados no tratamento psicoterápico com adolescentes. Inclusive, já foi proposto28 que alguns componentes nao específicos das terapias em questao, como ajudar os pacientes a estabelecer e atingir objetivos, aumento do monitoramento social, participaçao em atividades e grupos livres de drogas, modelagem por parte dos terapeutas e aprendizagem de técnicas para lidar com problemas cotidianos, sao peças-chave comuns à maioria dessas abordagens e ao menos parcialmente responsáveis pela sua eficácia.

    Uma observaçao deve ser feita em relaçao à Terapia Psicodinâmica. Apesar de essa modalidade de tratamento ser utilizada tradicionalmente com adolescentes em nosso meio29 e de haver alguns estudos demonstrando sua eficácia em adultos30, ainda faltam estudos com crianças e adolescentes sobre o tema. Há estudos de seu uso em outros problemas, mas a maioria destes ainda exclui pacientes com uso de drogas de sua amostra31, possivelmente pelas dificuldades metodológicas já citadas.

    Esta revisao abordou apenas as modalidades de psicoterapia referentes ao atendimento em consultório ou ambulatório. É importante lembrarmos que há também a possibilidade de outras formas de tratamento, envolvendo ambientes protegidos, atendimento por equipes multidisciplinares e uso de medicaçao. Porém, nao nos parece possível o atendimento a esses pacientes sem uma abordagem psicoterápica, independente do setting em que esta venha a ocorrer.


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    a. Psiquiatra da Infância e Adolescência, Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil
    b. Acadêmico de Medicina, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil
    c. Psiquiatra da Infância e Adolescência, Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil

    Correspondência
    Thiago Gatti Pianca
    Rua Ramiro Barcelos, 2350, sala 400N, 4º Andar
    90035-903 Porto Alegre/RS
    tpianca@hcpa.ufrgs.br

    Submetido em: 21/01/2014
    Solicitaçao de reformulaçoes em: 14/04/2014
    Retorno dos autores em: 05/05/2014
    Aceito em: 28/05/2014

    * Nao houve suporte financeiro para a redaçao deste artigo. Declaraçao de conflito de interesses: Drª Cláudia é membro do comitê de palestrantes da Novartis pelos últimos 3 anos. Demais autores: sem conflitos a declarar.

     

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