Rev. bras. psicoter. 2014; 16(1):115-125
Pianca TG, Ferronatto PB, Szobot CM. Tratamento psicoterápico para adolescentes usuários de substâncias psicoativas. Rev. bras. psicoter. 2014;16(1):115-125
Artigo de Revisao
Tratamento psicoterápico para adolescentes usuários de substâncias psicoativas*
Psychotherapeutic treatment for adolescents with substance abuse
Thiago Gatti Piancaa; Pedro Barbieri Ferronattob; Cláudia Maciel Szobotc
Resumo
Abstract
INTRODUÇAO
O uso de substâncias psicoativas vem se tornando um problema de saúde pública no Brasil. Galduróz et al.1, no VI Levantamento Nacional sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas entre Estudantes do Ensino Fundamental e Médio das Redes Pública e Privada de Ensino nas 27 Capitais Brasileiras, apontam uma prevalência de 25% de uso na vida e 10% de uso no ano para drogas, exceto álcool e tabaco, entre adolescentes de 12 a 19 anos. Um estudo recente conduzido pela FIOCRUZ estimou que aproximadamente cinquenta mil menores de idade sao usuários de crack no Brasil2. Enfim, o uso de drogas, lícitas ou ilícitas, por adolescentes no Brasil constitui-se em problema de saúde pública, para o qual há a necessidade de tratamentos psicoterápicos específicos.
Está bem estabelecido que tratar adolescentes usuários de drogas oferece melhores prognósticos do que nao tratá-los. No ano após tratamento, pacientes dependentes de drogas apresentaram diminuiçao no consumo de álcool, maconha e outras drogas ilícitas, diminuiçao dos índices de envolvimento criminal, maior ajuste psicossocial e melhora da performance escolar3,4.
Uma metanálise comparando a efetividade de tratamentos psicoterápicos para adolescentes usuários de drogas5 fez comparaçao entre os diferentes tipos de psicoterapias a fim de determinar a efetividade dos diferentes tratamentos, a magnitude das mudanças proporcionadas por cada tipo de tratamento e a relaçao entre os vários métodos de tratamento e sua efetividade levando-se em consideraçao características dos pacientes. Na primeira análise, da efetividade de cada modalidade de psicoterapia, considerando-se como desfecho a diminuiçao da quantidade do consumo de substâncias, a Terapia Familiar se mostrou a mais eficaz entre todas as modalidades testadas, com diferenças estatisticamente relevantes. Terapia Cognitivo-Comportamental, Terapia Cognitivo-Comportamental mais Entrevista Motivacional e Terapia Comportamental também se mostraram eficientes, porém com menor tamanho de efeito. A análise do tamanho do efeito do tratamento psicoterápico, considerando-se como desfecho o tamanho da diminuiçao do uso, em dias de consumo da substância no mês após o tratamento, mostrou que qualquer tratamento é melhor que nenhum, reforçando uma consagrada diretriz clínica do National Institute of Drug Abuse6. A terapia de família e a entrevista motivacional obtiveram os melhores resultados. Independente da forma de tratamento escolhida, recomenda-se fazer acompanhamento laboratorial periódico com testes toxicológicos para comprovar a abstinência7.
Existem algumas peculiaridades dos adolescentes usuários de drogas que os diferem dos adultos. Tanner-Smith et al.5 apontam as seguintes características: adolescentes sao mais suscetíveis às influências dos pares, sofrem mais efeitos adversos em funçao do seu tamanho corporal, têm menores níveis de tolerância às diversas substâncias de abuso e sofrem maior dano cognitivo e emocional em funçao do seu estágio de desenvolvimento. Essas particularidades devem ser levadas em conta no momento de se escolher um tratamento para o abuso de substâncias psicoativas. Uma boa revisao sobre o assunto dos cuidados especiais na avaliaçao e início do tratamento em adolescentes pode ser encontrado no Practice Parameter da American Academy of Child and Adolescent Psychiatry (AACAP) para tratamento dos problemas relacionados a substâncias psicoativas em adolescentes7.
O presente artigo pretende fazer uma revisao sobre os tipos de psicoterapia mais utilizados na prática clínica com adolescentes usuários de drogas, de acordo com a literatura. Sao eles a Entrevista Motivacional, a Terapia Cognitivo-Comportamental e as Terapias Familiares. Estas sao as modalidades com maiores evidências de eficácia no tratamento de jovens usuários de substâncias. O conhecimento das técnicas psicoterápicas com efetividade fundamentada é relevante, tendo em vista o escasso papel que a medicaçao tem nesse contexto (mais restrita para comorbidades ou situaçoes de risco agudas)7,8.
TERAPIA DE FAMILIA
As Terapias de Família, em suas diversas modalidades, sao consideradas parte fundamental do tratamento dos problemas relacionados ao uso de substâncias na adolescência. Qualquer tipo de tratamento nessa faixa etária deve ter, no mínimo, envolvimento familiar intensivo, quando a Terapia Familiar propriamente dita nao for possível7. Em uma metanálise comparativa de várias modalidades de tratamento5, a Terapia Familiar destacou-se como uma das mais efetivas, e, em suas diversas modalidades, a mais pesquisada. O mesmo estudo estimou que a Terapia de Família teria um tamanho de efeito equivalente a uma reduçao de cerca de 40% no uso de maconha.
Há muitos fatores familiares envolvidos na iniciaçao e na manutençao do uso de drogas, que justificam, do ponto de vista teórico, a utilizaçao de intervençoes familiares no tratamento desses pacientes, tais como: uso de drogas por outros membros da família, padrao de comunicaçao ineficaz entre os familiares, falta de proximidade com os pais, baixa expectativa dos pais em relaçao aos filhos, falta da figura paterna, baixos índices de supervisao parental, atitude permissiva em relaçao a drogas, abuso físico ou sexual, entre outros9. Além disso, diversas intervençoes preventivas se baseiam na diminuiçao de tais fatores de risco e no reforço de características familiares positivas, como o vínculo entre os membros da família e diversas habilidades parentais, como monitoramento, supervisao e comunicaçao adequadas a respeito do uso de drogas10. Cabe ressaltar, ainda, a relativa dependência da estrutura parental do adolescente em relaçao ao adulto, no que tange a aspectos financeiros, materiais e emocionais, e que faz com que as intervençoes mediadas através da família sejam mais efetivas do que em usuários de drogas de idade mais avançada.
As diversas escolas de Terapia Familiar tendem a entender que a iniciaçao e a manutençao do uso de drogas sao resultado da interaçao de diversos fatores individuais, familiares e sociais. O funcionamento familiar, por sua vez, tende a ser gravemente prejudicado pelo uso de drogas11. Entre as diferentes escolas com eficácia demonstrada em ensaios clínicos, estao a Terapia Familiar Multissistêmica, a Terapia Familiar Multidimensional, a Terapia de Suporte Familiar, entre outras5. Por enquanto, pela escassez de estudos, ainda nao é possível determinar se há superioridade de algum desses modelos de terapia sobre os demais12.
Os objetivos da terapia sao, geralmente, restabelecer a autoridade dos pais sobre os filhos e melhorar a qualidade da relaçao entre pais e filhos13. Somado a isso, o trabalho com as famílias de dependentes químicos envolve abordar também a falta de informaçao da família sobre a dependência e o adoecimento do sistema familiar, e a necessidade de mudança definitiva dos padroes familiares disfuncionais para padroes mais aceitáveis. Dentre as manifestaçoes do adoecimento familiar, destacamos a falta de fronteiras definidas, que dificultam a delimitaçao de papéis adequados entre os membros da família, comprometendo também a hierarquia familiar; e as triangulaçoes, que sao padroes disfuncionais de relacionamento nos quais dois ou mais membros se aliam em contraposiçao a um terceiro14. Outro tema particularmente importante em famílias com adolescentes é o processo de individuaçao, que faz parte do desenvolvimento normal, porém é um frequente foco de problemas em famílias disfuncionais.
TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL
A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) considera o uso de drogas como um comportamento aprendido, iniciado e mantido em determinadas condiçoes ambientais. Através do condicionamento, o indivíduo aprenderia que o uso de drogas está associado a estímulos bons. Por exemplo: usar álcool diminui a ansiedade social momentaneamente; logo, usar álcool é associado a um estímulo positivo, e o comportamento é reforçado. Com a repetiçao do uso, essa associaçao fica cada vez mais forte, ao ponto de ser capaz de negar associaçoes negativas posteriores que podem ser racionalmente compreendidas, como a relaçao do álcool com suas consequências adversas, que surgem mais tardiamente. Isso é especialmente importante na adolescência, quando o planejamento a longo prazo nao é uma característica plenamente desenvolvida. O efeito reforçador do uso de substâncias pode se dar por efeito fisiológico direto no organismo ou por efeito do reforço social associado - e, neste contexto, enfatizamos a importância do grupo de pares e até mesmo um possível efeito aumentado do feedback desse grupo no adolescente, em relaçao aos adultos, como características de risco do adolescente para o desenvolvimento de dependências15.
Outro conceito importante é o do desenvolvimento de pensamentos ou crenças disfuncionais. Algumas dessas crenças envolvem uma avaliaçao distorcida da realidade e de si mesmo ("Se eu nao beber, nao consigo me divertir", "Se eu nao fumar, nao vao me aceitar no grupo", "Todo mundo fuma maconha").
O'Connel e Patterson16 adaptaram modelos usados em adultos para uso em adolescentes com dependência química. Segundo eles, a TCC ensina ao paciente que seus pensamentos, crenças ou esquemas sao responsáveis pelas emoçoes e condutas negativas. O terapeuta mostra ao paciente como seus pensamentos e crenças causam problemas e podem resultar em recaídas e outras dificuldades emocionais. Ensina que há situaçoes de alto risco para recaídas, e que nesse momento é importante o uso das técnicas aprendidas na terapia e a evitaçao de pensamentos automáticos e distorçoes cognitivas. Algumas das distorçoes cognitivas citadas por eles sao as exemplificadas abaixo:
Algumas técnicas normalmente empregadas em vários modelos de TCC sao:- Supergeneralizaçao: "Se aconteceu esta vez, vai acontecer em qualquer situaçao minimamente semelhante a esta."
- Abstraçao seletiva: "Se eu escorreguei desta vez, todo o meu tratamento foi em vao e eu sou uma farsa."
- Responsabilidade excessiva: "Se eu recaí, a culpa é só minha e nada mais influenciou nisso. Por isso nao vou conseguir."
- Suposiçao de causalidade temporal: "Foi assim no passado, entao sempre vai ser assim."
- Autorreferência: "Todo mundo está vendo que eu sou inadequado."
- O efeito catástrofe: "Se eu recair, nao vou conseguir parar nunca e vou acabar morrendo disso."
- Pensamento dicotômico: "Eu recaí, entao nao estou em recuperaçao. Nao há meio-termo."
O projeto Cannabis Youth Treatment Series17,18, para atendimento de adolescentes usuários de maconha, descreve um atendimento com sessoes estruturadas específico para adolescentes usuários de maconha, em dois programas diferentes, com 5 ou 12 sessoes cada. Na realidade, ele mescla componentes de Terapia Motivacional com TCC, sendo que a primeira é aplicada individualmente, por três sessoes, e a última nas sessoes seguintes, com temas como recusa a ofertas de maconha, estabelecimento de um grupo propenso à recuperaçao, desenvolvimento de atividades prazerosas livres de drogas, e treinamento de técnicas de manejo com situaçoes de risco inesperadas. O modelo de 12 sessoes tem sessoes adicionais sobre reconhecimento e manejo da raiva, resoluçao de problemas, habilidades de comunicaçao e manejo de sintomas de depressao e fissura. Mesmo considerando a duraçao maior do modelo de 12 sessoes, ambos tiveram resultados comparáveis entre si e à Terapia de Suporte Familiar em um ensaio clínico19.- Análise de vantagens x desvantagens
- Identificaçao das crenças associadas ao uso de drogas
- Registro diário do uso de drogas, incluindo contexto do uso e consequências
- Identificaçao de situaçoes de risco para recaídas
- Planejamento de estratégias para evitar a recaída
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