Rev. bras. psicoter. 2014; 16(1):26-42
Simioni AR, Bassols AMS. Abordagens ao cyberbullying. Rev. bras. psicoter. 2014;16(1):26-42
Artigos Originais
Abordagens ao cyberbullying
Approach to cyber bullying
André Rafael Simionia; Ana Margareth Siqueira Bassolsb
Resumo
Abstract
"Nao é o que você nao sabe que pode causar-lhe problemas; é o que você tem certeza, mas está errado."
Mark Twain
INTRODUÇAO
Durante as oficinas sobre bullying e cyberbullying oferecidas pelos autores para professores e diretores de escolas da rede pública de Porto Alegre como parte do Programa Viver Melhor na Escola1, é comum escutar que os pais nao estao mais "sabendo como lidar com seus filhos", no sentido de educá-los de forma apropriada, criando, dessa forma, uma geraçao de crianças sem limites e intolerantes à frustraçao. Essa queixa parece ser uma tendência contemporânea, pois, até entao, aparentemente ninguém precisava de orientaçoes de como educar as crianças, pois esse conhecimento era transmitido transgeracionalmente e era incontestável, apesar de nem sempre estar correto. No entanto, é possível que essa mudança geracional esteja coerente com uma evoluçao social e comportamental dos adultos, e o fato de admitir nao saber pode ser algo positivo, abrindo espaços para uma nova compreensao dos acontecimentos.
Essa perspectiva é particularmente interessante quando falamos de cyberbullying, uma vez que estamos novamente diante de um aspecto de uma transformaçao geracional: a mudança da cyber-utilizaçao (a geraçao que faz uso da internet como uma conveniência, um adjunto da vida real) para a cyber-imersao (a geraçao que faz uso da internet como meio primário de comunicaçao, comércio, relacionamentos e recreaçao)2. Ou seja, a geraçao mais velha nao tem uma compreensao de como a mais nova está pensando, sentindo ou agindo2, o que pode ser considerado uma barreira ao combate ao cyberbullying, mas, se bem aproveitado, também pode abrir espaços para uma nova perspectiva.
Dessa forma, o objetivo deste texto é contribuir para a discussao do tema, favorecendo o combate ao cyberbullying e, ao mesmo tempo, propiciando novas compreensoes que procuram ajudar, de forma prática, a maneira como os pais, professores, a escola e os jovens possam lidar com esse problema, de forma neutra e sem juízo de valor.
O QUE É?
O primeiro e importantíssimo passo ao se lidar com o bullying e o cyberbullying é saber reconhecêlos e diferenciá-los de uma agressao eventual, um conflito ou uma brincadeira. No bullying tradicional isso é feito identificando-se os quatro elementos de sua definiçao: uma (1) agressao (2) intencional e (3) repetitiva (4) em que o agressor demonstra poder sobre a vítima. Pode ser classificado como direto, envolvendo agressoes físicas, verbais e destruiçao da propriedade da vítima, ou indireto, espalhando falsos rumores3 ou encorajando exclusao social2.
No contexto do cyberbullying, identificar esses quatro elementos é mais complexo, particularmente os dois últimos. Para isso, Langos3 propoe que a repetiçao seja avaliada diferenciando-se o cyberbullying direto (em que a comunicaçao eletrônica é enviada pelo perpetrador somente para a vítima, em um ambiente privado, como mensagens instantâneas, torpedos, e-mails) do indireto (em que a comunicaçao eletrônica é distribuída para outras pessoas além da vítima, espalhando-se num contexto público como Facebook, blogs, WhatsApp, lista de e-mails). Caso seja usada somente a via direta, necessita-se, assim como no bullying tradicional, de uma conduta sistematizada para poder ser considerado cyberbullying, ou seja, ela precisa ser suficiente para se estabelecer o evento como repetitivo. Esse requisito é dispensado através da via indireta, visto que o conteúdo pode ficar publicado na internet indefinidamente e pode ser acessado e distribuído inúmeras vezes.
Ao se avaliar o quesito diferença de poder no bullying tradicional, características pessoais, como popularidade, altura, inteligência, força física, idade, sexo, status socioeconômico, podem conceder ao agressor um senso de maior poder sobre a vítima3, ao passo que baixa integraçao social, baixa autoestima, uma relaçao problemática com os pais, problemas comportamentais na escola sao fatores de risco de vitimizaçao4. No mundo virtual, além da possibilidade de os mesmos fatores que ocorrem no bullying tradicional servirem como muniçao para a agressao virtual, novas formas de demonstraçao de poder sao fornecidas ao agressor: (1) uma maior expertise em tecnologia5 (ex: habilidade para alterar fotos), pode ser percebido como maior poder do agressor sobre a vítima, (2) o caráter anônimo provoca na vítima uma sensaçao de impotência por nao se conhecer a pessoa por trás da agressao5,6, (3) a possibilidade da agressao se estender até o ambiente doméstico6 e (4) a menor capacidade de se defender de uma plateia infinita também conferem ao agressor vantagens sobre a vítima3. Outro aspecto a ser levado em conta é a intencionalidade da açao.
Dessa forma, os autores consideraram mais elucidativa a definiçao de cyberbullying proposta por Langos3:
O cyberbullying envolve o uso de TIC (tecnologias de informaçao e comunicaçao) para realizar uma série de atos, no caso do cyberbullying direto, ou um ato, no caso do cyberbullying indireto, com a intençao de prejudicar o outro, o qual nao tem a capacidade de defender-se facilmente.
A geraçao que está crescendo na era da virtualidade e das redes sociais pode utilizar esse espaço para expor seus conflitos e sentimentos. Através do status no Facebook (ou outras redes sociais), o adolescente pode dar pistas sobre seu estado emocional: postar continuamente letras de músicas deprimentes ou claras declaraçoes de estar embriagado, além de postagens como "eu nao aguento mais", "odeio minha escola", "odeio minha vida", "queria estar morto", "perdoe-me pai e mae" até podem ocorrer com maior ou menor gravidade na vida de um adolescente9, mas nao devem ser ignorados. Aspectos típicos do desenvolvimento psicológico da fase podem incluir sentimentos confusionais de um processo de ressignificaçao das representaçoes do self e dos objetos10. A observaçao atenta e cuidadosa da evoluçao do jovem é recomendada para prevenir maiores problemas.- Passa muitas horas na internet ou inesperadamente evita usar o computador.
- Fica nervoso quando recebe um e-mail ou mensagem instantânea, ou se chateia, fica bravo ou deprimido depois que usa o computador ou o celular.
- Esconde o celular ou desliga o monitor quando um adulto entra na sala, e se recusa a falar sobre suas atividades on-line.
- Começa a usar o computador apenas quando está sozinho no quarto ou na sala, sendo isso fruto de uma mudança no padrao de comportamento.
- Perdeu interesse em hobbies ou amigos de longa data; isola-se e/ou dificilmente sai de casa; expressa dores no corpo ou visita a enfermaria da escola com mais frequência.
- Repentinamente se torna mal-humorado, taciturno, evasivo, representando uma mudança na personalidade ou no comportamento.
- Apresenta problemas para dormir, mudança no apetite, excessivamente mal-humorado ou choroso, parecendo deprimido.
- Recebe telefonemas, e-mails e encomendas suspeitas; apresenta queda no desempenho acadêmico; veste-se de uma maneira nao usual; quer sair com amigos novos e nao quer apresentálos à família.7,8
Nao somos mais "humanos", mas sim ciborgues incipientes: uma mistura de tecnologia e biologia, que é cada vez mais interligada e interdependente. Próteses, marca-passos, cartoes de memória (quando foi a última vez que você saiu de casa sem o seu smartfone?) sao apenas o começo de uma transformaçao fundamental da humanidade. Da mesma forma, nosso self offline está cada vez mais ligada ao nosso self online. A amputaçao do último pode ser potencialmente traumática, tal como a remoçao de um dos membros. Embora limitar ou impedir o acesso à Internet possa funcionar para alguns indivíduos, outros podem experimentar subsequente dor fantasma na forma de angústia, depressao e até mesmo aumento na ideaçao suicida. (p. 114)Sivashanker também propoe uma alternativa curiosa ao descrever um caso de uma jovem vítima de cyberbullying: um esforço no sentido de reconstruir a identidade on-line da vítima, em vez de apagá-la, encorajando os amigos e familiares a fornecerem apoio nao só pessoalmente, mas também on-line, visto que muitos consideram sua identidade digital como uma representaçao melhorada de si mesmos.18 Por isso, os autores pressupoem ser desaconselhável a invasao da privacidade on-line dos jovens, respeitando aspectos da construçao de sua identidade10, tarefa crucial desse momento do desenvolvimento.
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