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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2014; 16(1):26-42



Artigos Originais

Abordagens ao cyberbullying

Approach to cyber bullying

André Rafael Simionia; Ana Margareth Siqueira Bassolsb

Resumo

Na atualidade, frente a tantos avanços tecnológicos, muitos pais, professores e diretores de escola se sentem despreparados para compreender e mesmo a responder ao cyberbullying. Podem nao se sentir familiarizados com os termos cibernéticos ou estar convencidos de que nasceram em uma geraçao incapaz de saber quais comportamentos on-line atuais sao apropriados. A intençao dos autores é contribuir para a discussao do tema, propor intervençoes para combater o cyberbullying e propiciar novas compreensoes para ajudar jovens, pais, professores e escola a lidar com esse problema, de forma neutra e sem juízo de valor.

Descritores: Bullying; Instituiçoes Acadêmicas; Educaçao Infantil; Cyberbullying.

Abstract

Nowadays, with so many technological advances, many parents, teachers and school principals feel unprepared to understand and respond to cyberbullying. They may not feel familiar with cybernetic terms or are convinced they were born in a generation incapable of knowing which current online behaviours are appropriate. The authors aim at contributing to the discussion of the topic, propose interventions to combat cyberbullying and provide new understandings to help young people, parents, teachers and school to deal with this problem neutrally and non-judgmental.

Keywords: Bullying; Schools; Child rearing; Cyberbullying.

 

 

"Nao é o que você nao sabe que pode causar-lhe problemas; é o que você tem certeza, mas está errado."

Mark Twain


INTRODUÇAO

Durante as oficinas sobre bullying e cyberbullying oferecidas pelos autores para professores e diretores de escolas da rede pública de Porto Alegre como parte do Programa Viver Melhor na Escola1, é comum escutar que os pais nao estao mais "sabendo como lidar com seus filhos", no sentido de educá-los de forma apropriada, criando, dessa forma, uma geraçao de crianças sem limites e intolerantes à frustraçao. Essa queixa parece ser uma tendência contemporânea, pois, até entao, aparentemente ninguém precisava de orientaçoes de como educar as crianças, pois esse conhecimento era transmitido transgeracionalmente e era incontestável, apesar de nem sempre estar correto. No entanto, é possível que essa mudança geracional esteja coerente com uma evoluçao social e comportamental dos adultos, e o fato de admitir nao saber pode ser algo positivo, abrindo espaços para uma nova compreensao dos acontecimentos.

Essa perspectiva é particularmente interessante quando falamos de cyberbullying, uma vez que estamos novamente diante de um aspecto de uma transformaçao geracional: a mudança da cyber-utilizaçao (a geraçao que faz uso da internet como uma conveniência, um adjunto da vida real) para a cyber-imersao (a geraçao que faz uso da internet como meio primário de comunicaçao, comércio, relacionamentos e recreaçao)2. Ou seja, a geraçao mais velha nao tem uma compreensao de como a mais nova está pensando, sentindo ou agindo2, o que pode ser considerado uma barreira ao combate ao cyberbullying, mas, se bem aproveitado, também pode abrir espaços para uma nova perspectiva.

Dessa forma, o objetivo deste texto é contribuir para a discussao do tema, favorecendo o combate ao cyberbullying e, ao mesmo tempo, propiciando novas compreensoes que procuram ajudar, de forma prática, a maneira como os pais, professores, a escola e os jovens possam lidar com esse problema, de forma neutra e sem juízo de valor.


O QUE É?

O primeiro e importantíssimo passo ao se lidar com o bullying e o cyberbullying é saber reconhecêlos e diferenciá-los de uma agressao eventual, um conflito ou uma brincadeira. No bullying tradicional isso é feito identificando-se os quatro elementos de sua definiçao: uma (1) agressao (2) intencional e (3) repetitiva (4) em que o agressor demonstra poder sobre a vítima. Pode ser classificado como direto, envolvendo agressoes físicas, verbais e destruiçao da propriedade da vítima, ou indireto, espalhando falsos rumores3 ou encorajando exclusao social2.

No contexto do cyberbullying, identificar esses quatro elementos é mais complexo, particularmente os dois últimos. Para isso, Langos3 propoe que a repetiçao seja avaliada diferenciando-se o cyberbullying direto (em que a comunicaçao eletrônica é enviada pelo perpetrador somente para a vítima, em um ambiente privado, como mensagens instantâneas, torpedos, e-mails) do indireto (em que a comunicaçao eletrônica é distribuída para outras pessoas além da vítima, espalhando-se num contexto público como Facebook, blogs, WhatsApp, lista de e-mails). Caso seja usada somente a via direta, necessita-se, assim como no bullying tradicional, de uma conduta sistematizada para poder ser considerado cyberbullying, ou seja, ela precisa ser suficiente para se estabelecer o evento como repetitivo. Esse requisito é dispensado através da via indireta, visto que o conteúdo pode ficar publicado na internet indefinidamente e pode ser acessado e distribuído inúmeras vezes.

Ao se avaliar o quesito diferença de poder no bullying tradicional, características pessoais, como popularidade, altura, inteligência, força física, idade, sexo, status socioeconômico, podem conceder ao agressor um senso de maior poder sobre a vítima3, ao passo que baixa integraçao social, baixa autoestima, uma relaçao problemática com os pais, problemas comportamentais na escola sao fatores de risco de vitimizaçao4. No mundo virtual, além da possibilidade de os mesmos fatores que ocorrem no bullying tradicional servirem como muniçao para a agressao virtual, novas formas de demonstraçao de poder sao fornecidas ao agressor: (1) uma maior expertise em tecnologia5 (ex: habilidade para alterar fotos), pode ser percebido como maior poder do agressor sobre a vítima, (2) o caráter anônimo provoca na vítima uma sensaçao de impotência por nao se conhecer a pessoa por trás da agressao5,6, (3) a possibilidade da agressao se estender até o ambiente doméstico6 e (4) a menor capacidade de se defender de uma plateia infinita também conferem ao agressor vantagens sobre a vítima3. Outro aspecto a ser levado em conta é a intencionalidade da açao.

Dessa forma, os autores consideraram mais elucidativa a definiçao de cyberbullying proposta por Langos3:

O cyberbullying envolve o uso de TIC (tecnologias de informaçao e comunicaçao) para realizar uma série de atos, no caso do cyberbullying direto, ou um ato, no caso do cyberbullying indireto, com a intençao de prejudicar o outro, o qual nao tem a capacidade de defender-se facilmente.

QUAIS OS SINAIS?

Sabendo-se o que é cyberbullying, o próximo passo é suspeitar que algo possa estar ocorrendo com a criança ou o adolescente. Uma boa recomendaçao, principalmente para os pais, é ficarem atentos às mudanças no comportamento do jovem, principalmente as repentinas. Além disso, devem procurar saber, observando ou entrando em contato com a escola, se as seguintes situaçoes estao ocorrendo com o seu filho7,8:
  • Passa muitas horas na internet ou inesperadamente evita usar o computador.
  • Fica nervoso quando recebe um e-mail ou mensagem instantânea, ou se chateia, fica bravo ou deprimido depois que usa o computador ou o celular.
  • Esconde o celular ou desliga o monitor quando um adulto entra na sala, e se recusa a falar sobre suas atividades on-line.
  • Começa a usar o computador apenas quando está sozinho no quarto ou na sala, sendo isso fruto de uma mudança no padrao de comportamento.
  • Perdeu interesse em hobbies ou amigos de longa data; isola-se e/ou dificilmente sai de casa; expressa dores no corpo ou visita a enfermaria da escola com mais frequência.
  • Repentinamente se torna mal-humorado, taciturno, evasivo, representando uma mudança na personalidade ou no comportamento.
  • Apresenta problemas para dormir, mudança no apetite, excessivamente mal-humorado ou choroso, parecendo deprimido.
  • Recebe telefonemas, e-mails e encomendas suspeitas; apresenta queda no desempenho acadêmico; veste-se de uma maneira nao usual; quer sair com amigos novos e nao quer apresentálos à família.7,8
  • A geraçao que está crescendo na era da virtualidade e das redes sociais pode utilizar esse espaço para expor seus conflitos e sentimentos. Através do status no Facebook (ou outras redes sociais), o adolescente pode dar pistas sobre seu estado emocional: postar continuamente letras de músicas deprimentes ou claras declaraçoes de estar embriagado, além de postagens como "eu nao aguento mais", "odeio minha escola", "odeio minha vida", "queria estar morto", "perdoe-me pai e mae" até podem ocorrer com maior ou menor gravidade na vida de um adolescente9, mas nao devem ser ignorados. Aspectos típicos do desenvolvimento psicológico da fase podem incluir sentimentos confusionais de um processo de ressignificaçao das representaçoes do self e dos objetos10. A observaçao atenta e cuidadosa da evoluçao do jovem é recomendada para prevenir maiores problemas.

    Algo importante a se notar é que às vezes as pessoas desempenham o papel de cyberbullies nao intencionais, repassando o conteúdo malicioso e nao acreditando que essa atitude possa causar algum dano. Isso é mais fácil de ocorrer em ambientes privados, que apresentam a possibilidade de se selecionar os receptores, do que em murais públicos, passíveis de sansao social11 (p. ex.: grupos do WhatsApp x mural do Facebook). Portanto, estar atento apenas ao Facebook da criança/adolescente nao é suficiente. A migraçao dos pais ao Facebook, e a possibilidade de ser mais vigiado nesse ambiente, tem feito os jovens adotarem outras redes sociais menos passíveis de serem supervisionadas, como o WhatsApp12. Assim, a boa comunicaçao verbal entre pais e filhos segue sendo imprescindível.


    QUEM SAO OS ATORES?

    Frequentemente encontramos descritos na literatura os papéis desempenhados pelo bullie, vítima, bullie/vítima (quando desempenham os dois papéis simultaneamente), testemunhas, além das suas variantes "cyber". No entanto, os autores acharam digno de consideraçao as observaçoes feitas por Elizabeth Englander2, pesquisadora fundadora do Massachusetts Aggression Reduction Center: Ela comenta sobre os tradicionais bullies do pátio da escola, que costumam agir através do abuso físico ou, mais comumente, psicológico e verbal, e cuja motivaçao, além do domínio e poder sobre a vítima, é a ascensao social, fazendo uso da infusao de medo em potenciais vítimas e, principalmente, confiando no apoio dos colegas ou na falta de intervençao dos mesmos. Quando comparados aos nao envolvidos com o bullying, apresentam maior chance de reportarem transtornos disruptivos, de abuso de substâncias, além de apresentarem menor nível socioeconômico, maior instabilidade e disfunçao familiar, e maior chance de terem sofrido maus-tratos durante a infância13,14, ao passo que, na vida adulta, eles têm maior chance de evoluírem para um transtorno de personalidade antissocial13,14. Isso torna pertinente a assinalaçao de Englander em repensar se a mediaçao de conflitos seria uma técnica adequada e eficaz para lidar com os bullies2,15,16, uma vez que eles costumam ser sedutores e mentirosos frente ao mediador e podem atuar nos bastidores para dominar sua vítima17. Além disso, a vítima pode nao sentir-se à vontade a delatar as agressoes visto que continuaria convivendo com o agressor. A imposiçao de limites é o que funcionaria melhor para reduzir esse tipo de comportamento.2

    Englander também fala dos encorajadores, ou plateia, que incentivam os bullies, sendo seu principal sistema de apoio. Eles geralmente têm baixa autoestima e pouca habilidade social, e apoiam os bullies tanto por medo de serem vitimizados quanto pelo status da proximidade com alguém socialmente poderoso. Ao contrário dos bullies, que veem o seu comportamento como uma resposta justa a um mundo hostil, eles costumam perceber que seu comportamento é danoso e inaceitável, mas tendem a minimizar seu envolvimento ou o impacto de seu comportamento. Ou seja, deveriam ser a prioridade das intervençoes, uma vez que, além de ser o ponto de apoio dos bullies, é o grupo mais suscetível a intervençoes como modelagem e mediaçao de conflitos. Um subtipo dos encorajadores sao os flutuadores, que nao fazem parte do círculo de amizades do bullie, mas que, em situaçoes bem específicas, acabam apoiando o bullie, por exemplo, rindo da vítima.

    A autora citada menciona ainda os bullies/cyberbullies, que sao os bullies que também praticam o cyberbullying; os somente cyberbullies, que sao as crianças que nao praticariam o bullying por nao terem o poder social necessário e por acreditarem que o cyberbullying nao traz riscos; e os cyberbullies nao intencionais, que sao aqueles que, na verdade, nao têm a intençao de fazer cyberbullying, mas o fazem por realmente acreditarem fazer parte de uma brincadeira e surpreendem-se ao confrontarem-se com o fato de que sua escrita acaba nao transmitindo o tom jocoso intencionado.2


    O QUE FAZER?

    É compreensível que, diante da angústia gerada por uma agressao virtual a uma criança ou adolescente, nosso primeiro impulso seja impedir o acesso da vítima à internet, ou mesmo recomendá-la a apagar seu perfil nas redes sociais. No entanto, como diz Sivashanker18, precisamos nos repensar, agora que a socializaçao on-line e a exploraçao da identidade digital tendem a aumentar:
    Nao somos mais "humanos", mas sim ciborgues incipientes: uma mistura de tecnologia e biologia, que é cada vez mais interligada e interdependente. Próteses, marca-passos, cartoes de memória (quando foi a última vez que você saiu de casa sem o seu smartfone?) sao apenas o começo de uma transformaçao fundamental da humanidade. Da mesma forma, nosso self offline está cada vez mais ligada ao nosso self online. A amputaçao do último pode ser potencialmente traumática, tal como a remoçao de um dos membros. Embora limitar ou impedir o acesso à Internet possa funcionar para alguns indivíduos, outros podem experimentar subsequente dor fantasma na forma de angústia, depressao e até mesmo aumento na ideaçao suicida. (p. 114)
    Sivashanker também propoe uma alternativa curiosa ao descrever um caso de uma jovem vítima de cyberbullying: um esforço no sentido de reconstruir a identidade on-line da vítima, em vez de apagá-la, encorajando os amigos e familiares a fornecerem apoio nao só pessoalmente, mas também on-line, visto que muitos consideram sua identidade digital como uma representaçao melhorada de si mesmos.18 Por isso, os autores pressupoem ser desaconselhável a invasao da privacidade on-line dos jovens, respeitando aspectos da construçao de sua identidade10, tarefa crucial desse momento do desenvolvimento.


    RECOMENDAÇOES AOS JOVENS

    Os bullies influenciam diretamente os colegas. Um estudo observacional aponta que eles sao capazes de fazer com que testemunhas gastem 21% do tempo da agressao reforçando ativamente a atitude do bullie, 54% do tempo reforçando-os passivamente, observando sem juntar-se à agressao, e 25% a desencorajando19. Como já dissemos, muitas crianças tendem a subestimar sua participaçao no bullying, nao se dando conta de que acabam reforçando o bullie ao assisti-lo sem intervir ou mesmo do poder de abortar o episódio, visto que _ das intervençoes desencorajadoras foram bem-sucedidas19. Esses dados preliminares dao suporte à ideia já mencionada de que talvez a atitude mais eficaz para amenizar o fenômeno seja intervir no comportamento das testemunhas e dos encorajadores, tornando-os também responsáveis e assinalando sua capacidade de influenciar os episódios de bullying. Algumas evidências significativas apontam que esse tipo de intervençao é efetiva no aumento do desejo dos jovens em desencorajar ativamente o bullying.20 Talvez o mesmo possa ocorrer no cyberbullying, uma vez que, em um estudo exploratório, 25% das agressoes virtuais ocorreram na presença de testemunhas21, além de que as abordagens puramente psicoeducacionais parecem nao ter tido efeito educativo algum.22

    Assim sendo, as testemunhas precisam ser orientadas a nao compartilharem postagens hostis que receberem e se posicionarem virtualmente em apoio à vítima caso presenciem um episódio de cyberbullying. Para isso teremos que ajudá-las a vencer algumas barreiras: a falta de conhecimento do contexto da agressao que os impede de intervir, o medo de ser a próxima vítima e o medo de sua atitude nao ser aprovada pelos colegas23. Outro ponto importante é lembrar que intervir nao significa ser agressivo com o bullie, mas sim manifestar apoio e amabilidade à vítima tanto on-line quanto off-line. Outras competências importantes para os jovens desenvolverem é aprender a reconhecer o fenômeno, estar ciente das consequências jurídicas e dos efeitos nocivos para as vítimas e para a reputaçao do agressor, além de saber como responder a um ataque virtual24 (veja como no Quadro 1).




    RECOMENDAÇOES AOS PAIS

    Pode ser que hoje em dia, diante de tantos avanços tecnológicos, muitos pais se sintam despreparados a responder ao cyberbullying. Eles podem nao se sentir familiarizados com os termos cibernéticos ou estar convencidos de que nasceram em uma geraçao incapaz de saber quais comportamentos on-line atuais sao apropriados. Na verdade, a velocidade com que novos comportamentos emergem no meio virtual deixam qualquer um perplexo, mesmo as pessoas mais habilidosas com a internet.8 Aliás, uma pesquisa on-line realizada em 2008 com 875 jovens internautas brasileiros e 451 pais de jovens internautas apontou que, apesar de 51% dos pais se considerarem mais habilidosos em tecnologia que seus filhos, apenas 37% deles relataram colocar limites para a navegaçao dos mesmos26. Ou seja, os pais precisam saber que nao estao sozinhos nessa jornada pelo desconhecido e, principalmente, é preciso que nao deixem seus filhos sozinhos nela, uma vez que mesmo crianças com aparente desenvoltura em tecnologia nao sabem usá-la de forma segura24.

    Os pais nao precisam ser experts em tecnologia para ajudar os filhos em situaçoes de cyberbullying, e podem responder a essa questao de maneira que lhes é familiar e coerente com os valores parentais e sociais bem estabelecidos8. Existem evidências consideráveis apontando que os cuidados parentais estao associados com o fato de a criança sofrer bullying, especialmente as bullies/vítimas4,13,27. Os estudos apontam que as crianças vitimizadas estao menos propensas a receber cuidados parentais positivos (como assertividade, afetuosidade, envolvimento, apoio, supervisao e boa comunicaçao com os filhos), ao passo que sao mais propensas a receberem cuidados parentais negativos (abuso, negligência e cuidados mal adaptativos, como superproteçao)4,27. Vale aqui uma distinçao entre assertividade e autoritarismo. A primeira é considerada um cuidado positivo e refere-se à capacidade dos pais de colocarem regras claras, práticas, mas flexíveis, sem serem autoritários, intrusivos ou restritivos, mas monitorando e comunicando padroes para o comportamento das crianças, ao passo que o segundo reflete pais ditadores, que exigem obediência incondicional, nao explicando as regras e tendendo a ser punitivos28. No entanto, é importante notar que ainda nao se pode afirmar o que vem primeiro: se uma criança vitimizada se torna difícil a ponto de induzir os pais a terem cuidados mal adaptativos ou se esses cuidados mal adaptativos levaram a criança a sofrer bullying27.

    Uma das principais recomendaçoes ao combate ao cyberbullying é a prevençao, ou seja, agir antes que o fenômeno ocorra. Margareth Hannah, psicóloga diretora do Freedman Center for Child and Family Development, recomenda três estratégias básicas de cuidados parentais, que os pais possivelmente já aplicam no seu dia a dia: (1) prover estrutura compatível com o grau de desenvolvimento da criança, (2) educar e (3) aproximar-se do mundo dela de forma apropriada.8


    (1) PROVER UM AMBIENTE ESTRUTURADO

    Significa ajudar as crianças a terem relacionamentos seguros e bem-sucedidos on-line, além de orientaçao e supervisao, sendo, definitivamente, um aporte de segurança que pode atenuar o cyberbullying. Para chegar a isso é preciso familiarizar-se com os hábitos do jovem: Quanto tempo seu filho fica no computador? Você conhece seus sites favoritos? Ele tem uma página no Facebook? O que há no seu perfil? Quem sao seus amigos virtuais? Seu computador está colocado em uma área movimentada da casa? Você está próximo quando seu filho usa o computador? Da mesma forma que um pai pergunta sobre o dia na escola ou assiste a um jogo de futebol, mostrar um interesse amigável às atividades on-line é apropriado.

    Uma vez familiarizados com as atividades on-line das crianças, os pais podem decidir quais estruturas refletem e reforçam os valores familiares e que devam ser postas em prática, usando o mesmo critério que se usa no mundo real a respeito de privilégios e limites: idade, maturidade, confiabilidade, capacidade de resolver problemas, etc. Os pais precisam estar dispostos a reavaliarem os limites de acordo com o crescimento e também de acordo com o bom ou mau comportamento de seus filhos. Além disso, as crianças devem participar do estabelecimento dos limites, uma vez que isso abre espaço para uma boa comunicaçao, mas sem que os pais as obedeçam automaticamente.8

    É preciso lembrar as crianças que a principal diferença entre o mundo real e o virtual é a reduçao drástica no uso dos nossos sentidos enquanto on-line, o que pode fazer com que tenhamos comportamentos que nao teríamos se off-line11, como adotar um linguajar mais ríspido29. Mas, o mundo virtual é formado por pessoas reais e, assim sendo, as regras de convivência sao as mesmas do mundo real. Também é preciso ensiná-las sobre o caráter permanente do que é postado na internet, e que, no futuro, isso pode ganhar novos significados e ser mal interpretado. Que as fotos que seriam compartilhadas apenas com os amigos mais próximos podem rapidamente passar para domínio público8, e que as consequências naturais do descuido e da ingenuidade podem ser a perda de uma amizade, de um emprego, a razao do sofrimento de outra pessoa ou de a mesma tirar a própria vida29, além de estranhos visitando sua página no Facebook e o perigo à sua porta8.

    Na verdade, a forma mais eficiente de a criança assimilar esses valores é fazer os pais se apresentarem como modelos de respeito e tolerância com as pessoas tanto no mundo real quanto no virtual, além de serem explícitos ao desaprovar um comportamento agressivo, mesmo que on-line, como também ser modelo do uso seguro das tecnologias eletrônicas, informando-se tanto sobre o uso positivo quanto o negativo, sabendo como entrar em contato com o prestador de serviço e ajudar o filho a proteger suas configuraçoes de privacidade ou bloquear os remetentes24 (veja sites em que se pode obter mais informaçoes no Quadro 2, ao final do texto), e também escolher cuidadosamente as informaçoes que compartilham em suas redes sociais, evitando fazer do seu Facebook um diário aberto.




    (2) CRIAR, EDUCAR

    Depois de estruturar o ambiente, os pais poderiam perguntar-se: Como fariam para seu filho nao ser agressivo e cruel no mundo off-line? E se ele recebesse ameaças na escola? O seu comportamento está de acordo com a idade? É bem provável que uma criança de 4 anos agrida e uma de 11 venha a rir ao ver outra sendo ridicularizada, sendo isso uma oportunidade de aprendizado pra ela. Ou seja, educar implica pensar na idade da criança.8

    Seu filho propaga o bullying sem remorso? Medidas como falar sobre os episódios e encontrar uma maneira de compensar e reparar o relacionamento, estabelecer consequências que o faça refletir sobre o seu comportamento, como devolver ou restaurar um objeto destruído ou roubado, redirecionar sua habilidade como líder por uma via mais saudável, como ensinar um esporte a uma criança mais nova, e um contato com a escola se fazem necessárias. Os pais também devem ter cuidado com os próprios comportamentos, uma vez que as crianças aprendem por observaçao. Refletir sobre o vídeo "Criança vê, criança faz" (link no Quadro 2) pode se tornar significativo. Ele está constantemente sendo vítima? Talvez seja importante estimular sua autonomia, reconhecer e reforçar suas qualidades e o elogiar nas situaçoes em que foi proativo e fez algo de positivo.8,30 Seu filho tem uma comunicaçao aberta e sem julgamentos contigo quando está com algum problema?8 É importante nao reagir excessivamente retirando o telefone ou o acesso à internet caso esteja sendo um alvo on-line, visto que ele nao mais lhe comunicará sobre os próximos episódios, e as crianças nao devem hesitar em procurar ajuda. Para obter a confiança dos pais, os filhos precisam sentir-se valorizados e ouvidos e que seus pais responderao de forma positiva e sem julgamento. Outro aspecto bastante importante é reforçar que nao há vergonha em ser intimidado e que provavelmente o problema se encontra com o agressor24, pois o bullie tenta inconscientemente esconder suas deficiências projetando-as sobre sua vítima10. Assinalar isso pode ser efetivo17.


    (3) PARTICIPAR DO MUNDO DA CRIANÇA

    Quando queremos a atençao de uma criança de 3 anos e saber como ela está se desenvolvendo, nao a observamos de longe, e sim nos ajoelhamos e brincamos com ela. Da mesma maneira, ao se lidar com crianças mais velhas, precisamos conversar de igual pra igual. Se a criança ou o adolescente tiver Facebook, é válido os pais considerarem a criaçao de um perfil e adicioná-lo como amigo8 e verificar se ele ou seus amigos acessam o Ask.fm (rede social que iniciou em 2010 e permite perguntas anônimas, sendo frequentemente noticiada pela mídia em associaçao aos casos de cyberbullying que terminam em suicídio31,32). Mas nao abusar dessas oportunidades escrutinando os aspectos do perfil e comentando suas conversaçoes. Intervir apenas quando necessário, respeitando a privacidade do jovem, a menos que ele dê motivos para reavaliar isso. Ele costuma frequentar um site de um artista ou programa de TV? Veja que tipo de conversas ou fotos sao postadas lá. Além disso, os pais também podem introduzir sites que gostem, com conteúdo familiar e jogos educacionais, uma vez que escolhas parentais lembrarao as crianças de valores pessoais.8

    Os pais devem agir caso suspeitem do envolvimento do seu filho com bullying, tendo em mente que as crianças podem ser simultaneamente vítimas e agressores virtuais. Além disso, o cyberbullying aumenta as chances de envolvimento concomitante com o bullying4,14,24. Por conseguinte, familiarizar-se com a política de notificaçao e investigaçao de casos de bullying e cyberbullying da escola é importante.

    Existem muitos softwares de controle parental, mas nenhum substitui os cuidados parentais. Para reduzir o risco de ver o filho envolto no bullying, os pais precisam ser encorajados a promover boas habilidades sociais, como a gentileza on-line, a empatia, o bom raciocínio moral, a autoestima e a resiliência.14,24 E também estar cientes de que mesmo os ambientes mais estruturados serao testados, obrigando-os a agirem quando necessário, mas sem serem excessivamente repreensivos.8


    RECOMENDAÇOES AOS PROFESSORES

    É importante que os professores sejam tanto um sistema de continência quanto uma fonte de recursos aos alunos nos casos de bullying. Assim como os pais, eles também devem ser modelos do uso da tecnologia de forma profissional, através do manuseio acurado de sites de busca, e-mails, e também de empreendimentos criativos, como blogs, sites de vídeos e de fotografias33, e nao usarem o Facebook como uma via de escape para suas frustraçoes. Através de uma busca no Google (ou no Quadro 2), pode-se aprender nao apenas a ser mais seletivo com quem deseja compartilhar suas postagens ou fotos, como também a respeito das configuraçoes de privacidade das redes sociais. O professor também deve ilustrar os perigos do mau uso da tecnologia e como ela pode se transformar em prejuízo na candidatura a cargos ou empregos no futuro33, pois, infelizmente, exemplos de vítimas nao faltam na mídia34.

    Os professores precisam ser orientados e apoiados pela direçao da escola para saberem como agir diante de algum incidente, ajudar os alunos a dar apoio às vítimas, a impedir os ataques do agressor e, principalmente, encorajar a denunciá-los. Os estudantes estao em uma posiçao única para lidar com o bullying24 e podem realmente salvar vidas, uma vez que, na maioria dos tiroteios estudados pelo Serviço Secreto Americano de 1974 a 2000, as outras crianças sabiam do evento previamente mas nao relataram a um adulto35.

    Englander propoe o seguinte plano ao se ter notícia de um caso de cyberbullying: o professor deve ter uma conversa com o cyberbullie e as cyber-testemunhas a respeito dos perigos do cyberbullying e informá-los de que agora a escola está ciente da situaçao2. Para se discutir as implicaçoes legais do cibercrime, pode-se usar uma cartilha da OAB de Sao Paulo (Quadro 2) ou convidar um policial para esclarecimentos. O professor também deve informar a consequência da atitude na escola, além de comunicar os adultos relevantes, inclusive motoristas de ônibus escolares, a respeito da situaçao com potencial de bullying para que possam se manter de olhos abertos, ter um plano de cobertura para melhorar a segurança em locais menos estruturados, como cantinas e ônibus escolares, certificar-se de que a vítima tem uma pessoa de confiança que goste na escola e que tenha a liberdade de procurar, independente do horário de aula, mas limitar a procura quando a situaçao for controlada, e, claro, avisar aos pais dos envolvidos sobre as medidas que estao sendo tomadas.2

    Seria interessante também que os professores se atualizassem em relaçao às tendências de comportamento cibernético24, sendo o site youPIX (Quadro 2) uma boa fonte para isso. Deveriam também ensinar aos alunos meios de desenvolver suas habilidades para resolver problemas sociais. A gerência da escola também deveria permitir aos professores incrementar pesquisas e avaliar respostas ao bullying ou cyberbullying24, aplicando frequentemente questionários aos alunos36 e verificando o impacto das medidas tomadas.


    RECOMENDAÇOES AS ESCOLAS

    Um aspecto positivo em relaçao ao cyberbullying é que o bullying em si deixou de ser uma responsabilidade apenas da escola. Por se disseminar predominantemente através do acesso à internet fora do ambiente escolar, o problema pode entao ser compartilhado com os pais. Välimäki24, na sua revisao de guidelines abordando a prevençao de cyberbullying, lembra que nao se trata de uma questao de decidir ou julgar quando termina a responsabilidade da escola e quando começa a dos pais, mas sim de como se pode assumir uma responsabilidade mais compartilhada. Muito além de um problema doméstico ou escolar, o bullying é um problema social, e, quanto mais a escola conseguir incluir a comunidade na discussao, mais fácil será abordar o problema.

    O principal desafio da escola é o desenvolvimento de uma cultura escolar positiva e de apoio, construída entre funcionários e estudantes24. Esse estado de paz começa pelo ambiente de trabalho, uma vez que o bullying também pode ocorrer entre os professores. Um clima hostil faz com que a atençao dos professores seja direcionada mais aos pares do que aos sinais de bullying ou cyberbullying entre os seus alunos. Além disso, é importante que a escola promova modelos de disciplina positivos em vez de abordagens punitivas24,30.

    A escola também deve oferecer um contexto ideal para o desenvolvimento de habilidades de comunicaçao on-line e de outras habilidades sociais, tais como a cidadania digital24. Portanto, é importante criar um senso de pertencimento do aluno com a escola e com a comunidade, o que pode ser alcançado com atividades extracurriculares esportivas, culturais e sociais que facilitem a interaçao positiva entre os alunos e deles com seus pais. A ideia é fornecer uma oportunidade para os alunos chamarem positivamente a atençao dos pais, caso contrário podem fazê-lo de forma negativa, tornando-se um dos agravantes do bullying. Um site interessante a se visitar é o do Programa Abrindo Espaços no Brasil, da Unesco (Quadro 2), que apresenta cartilhas de atividades para se trabalhar a cultura de paz, ética, relaçoes étnico-sociais e direitos humanos.

    Outra oportunidade importante a se oferecer aos alunos é a de exercitarem o papel de testemunhas seguras, uma vez que, muitas vezes, nao relatam incidentes por medo de lhe retirarem o computador ou a internet24.

    Desta forma, professores e membros da comunidade escolar precisam de apoio, informaçoes claras e procedimentos para prevenir, detectar, denunciar e responder ao cyberbullying24. Uma forma de iniciar uma discussao mais ampla é através do envio de materiais sobre o tema utilizando os e-mails dos pais. Assim sendo, estes autores deixam à disposiçao para download uma coletânea de cartilhas sobre bullying e cyberbullying encontradas na internet, que pode ser acessada no link: goo.gl/UJmQsm.


    CONCLUSAO

    Algumas pessoas podem encarar os tempos modernos como tempos confusos, nos quais estamos perdendo a essência do ser humano ao migrarmos para um mundo virtual muito menos caloroso. Os autores consideram melhor encará-lo nao só como confuso, mas também como um período de desafio e crescimento, que naturalmente é turbulento para os jovens e para a sociedade. A possibilidade de dar apoio e parceria para que crianças e jovens possam explorar o mundo virtual pode favorecer a volta e valorizaçao dos encontros do mundo real, mais interessantes e afetivos.


    REFERENCIAS

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    a. Médico psiquiatra pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba - Hospital Nossa Senhora da Luz (PUCPR). Psiquiatra da Infância e da Adolescência (HCPA-UFRGS)
    b. Médica psiquiatra pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Especialista em Psiquiatria da Infância e Adolescência (AMB/ABP). Mestre e Doutora em Psiquiatria (UFRGS). Psicanalista e membro associado pela Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA). Professora adjunta do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Coordenadora do curso de Psicoterapia da Infância e Adolescência do CELG. Preceptora da residência e do curso de especializaçao em Psiquiatria da Infância e Adolescência (HCPA/UFRGS)

    Instituiçao: Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência (SPIA) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, RS, Brasil

    Correspondência:
    André Rafael Simioni
    Rua Professor Alvaro Alvim, 169 / 805, bairro Rio Branco
    CEP: 90420-020 Porto Alegre/RS
    andresimi@gmail.com

    Submetido em: 12/01/2014
    Solicitaçao de reformulaçoes em: 12/03/2014
    Retorno dos autores em: 05/04/2014
    Solicitaçao de novas reformulaçoes em: 12/05/2014
    Retorno dos autores em: 26/05/2014
    Aceito em: 28/05/2014

     

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