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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2013; 15(3):53-70



Artigo de Revisao

Objetivos terapêuticos para psicanálise e psicoterapia psicanalítica: Freud, Klein, Bion, Winnicott, Kohut*

Therapeutic Objectives for Psychoanalysis and Psychoanalytic Psychotherapy Freud, Klein, Bion, Winnicott, Kohut*

Carolina Stopinski Padoana; Marina Bento Gastaudb; Cláudio Laks Eizirikc

Resumo

A concepçao ontológica da psicanálise envolve tanto uma forma de compreender os fenômenos humanos e sociais quanto uma abordagem terapêutica. Para aqueles clínicos que percebem a prática psicanalítica como um tratamento, parece importante revisar quais os objetivos terapêuticos do método psicanalítico e os fatores a serem considerados ao analisar a efetividade desse tipo de intervençao. Para tanto, os autores revisam as contribuiçoes de cinco escolas do movimento psicanalítico, as de Freud, Klein, Bion, Winnicott e Kohut. Como a maior parte da literatura disponível refere-se à psicanálise, justifica-se a importaçao de alguns de seus postulados à psicoterapia psicanalítica e à discussao de especificidades da última. A noçao de ética aplicada ao trabalho do psicoterapeuta/analista aparece como princípio norteador na prática psicoterapêutica e dá coesao às distintas abordagens teóricas.

Descritores: Psicoterapia; Psicanálise; Cura Mental; Terapia Psicanalítica.

Abstract

The ontological conception of psychoanalysis involves both a way of understanding human and social phenomena and a therapeutic approach. For those clinicians who perceive the psychoanalytic practice as a treatment, it seems important to review the therapeutic goals of the psychoanalytic method and what factors should be considered when analyzing the effectiveness of this type of intervention. For this purpose, the authors review the contributions of five schools of the psychoanalytic movement - Freud, Klein, Bion, Winnicott and Kohut. As most of the available literature refers to psychoanalysis, it is justified to import some of its postulates to psychoanalytic psychotherapy and to discuss specificities of the latter. The notion of ethics applied to the work of psychotherapists / analysts appears as a guiding principle in psychotherapeutic practice and gives cohesion to the different theoretical approaches.

Keywords: Psychotherapy; Psychoanalysis; Mental Healing; Psychoanalytic Therapy.

 

 

INTRODUÇAO

"Todos nós acabamos nos acostumando com uma coisa extraordinária: esta conversa esquisita, que denominamos psicanálise, funciona - é inacreditável, mas ela funciona."1

Enfrenta-se na prática clínica cotidiana o seguinte dilema: há uma alta procura de ajuda oriunda das elevadas necessidades de performance nos dias atuais, aliada à grande expectativa por resultados nas áreas afetivas e profissionais, competitividade e pressa2;3;4;5. Ao mesmo tempo, os pacientes parecem cada vez mais preocupados com a duraçao de um tratamento e com seu alto custo, o que favorece as altas taxas de abandono do atendimento6.

A teoria da técnica psicanalítica, a psicopatologia e os estudos sobre metapsicologia foram constantemente revisados e ampliados desde os achados de Freud. Essa evoluçao tem ajudado a contemplar os mais variados tipos de pacientes e tem possibilitado que diferentes queixas possam ser atendidas7. A duraçao da psicoterapia e sua capacidade de tratar sao importantes aspectos da técnica que devem ser constantemente revisados e ampliados para que possam se aplicar ao tempo contemporâneo e à demanda atual de pacientes. Espera-se que a dupla terapêutica seja capaz de transformar fantasias de adoecimento e cura em planos para combater o adoecimento e buscar a cura.

Complicaçoes nessa tarefa podem estar por trás das altas taxas de abandono8. A pessoa pode se imaginar alcançando seus objetivos e decidir finalizar o serviço; pode estar satisfeita com alguns resultados obtidos, mas nao desejar investir mais tempo e dinheiro para a consecuçao de outras metas que nao sao criadas por sua experiência de vida, mas pela análise (mesmo que cuidadosa) de seu terapeuta9. Por isso, interessa revisar os objetivos terapêuticos da psicanálise e da psicoterapia psicanalítica, instrumentando melhor os clínicos para avaliar conquistas e para decidir o momento final do tratamento. É necessário levar em consideraçao, para a realizaçao desta tarefa, que cada teoria psicanalítica propoe objetivos específicos. O presente trabalho irá percorrer importantes contribuiçoes para o tema abordado, revisando autores para os quais a concepçao ontológica da psicanálise envolve uma abordagem terapêutica, à semelhança dos demais tratamentos na área da saúde.


AS DIFERENÇAS ENTRE A ANALISE E A PSICOTERAPIA PSICANALITICA

A psicoterapia psicanalítica nasceu para aliar a psicanálise com a psicologia, a medicina e a psiquiatria, enriquecendo a pesquisa e a produçao de conhecimento4. Os objetivos da psicoterapia de orientaçao analítica sao, entretanto, mais circunscritos e, consequentemente, menos ambiciosos do que aqueles de um tratamento por análise10, sendo relevante apresentá-los separadamente.

Parece necessário, portanto, fazer a ressalva de que o objetivo da psicoterapia psicanalítica seria o tratamento focado no conflito atual do paciente. Mesmo considerando que há relaçao entre o conflito primário e o conflito atual, na psicoterapia psicanalítica os conflitos sao tratados com algum grau de independência. Neste caso, o objetivo seria possibilitar ao indivíduo a ampliaçao do entendimento sobre seu funcionamento, a que, por sua vez, acarretaria o uso de defesas mais maduras e a melhora do padrao das relaçoes objetais; a psicanálise, ao contrário, tem por objetivo a elaboraçao do conflito primário11. Segundo Kernberg12, o objetivo da psicanálise seriam as alteraçoes da estrutura - a integraçao dos conflitos inconscientes recalcados ou dissociados no ego consciente -, enquanto o objetivo das psicoterapias psicanalíticas seria a reorganizaçao parcial da estrutura psíquica num contexto de mudanças sintomáticas significativas.

A literatura a respeito dos objetivos terapêuticos para a psicoterapia psicanalítica é escassa e desatualizada, ao passo que a literatura sobre esse tema em análise é abundante. Assim, o psicoterapeuta psicanalítico pode se beneficiar da literatura disponível sobre análise para formular objetivos terapêuticos para a sua prática. Para justificar a validade da importaçao dos conceitos da técnica analítica para a prática psicoterápica, recorre-se a Green:

Vemos bem que o polimorfismo da populaçao de pacientes que estao em psicoterapia com psicanalistas e que nao se contentam em receber ajuda de outros, a nao ser de analistas, constitui uma populaçao original e única em que um autêntico trabalho psicanalítico pode, às vezes, se dar. Pode-se concluir que o aprendizado da psicoterapia exercida por um psicanalista é uma necessidade nova na formaçao do psicanalista.13
Nas diferenciaçoes entre a análise propriamente dita e a psicoterapia psicanalítica, sabe-se que a primeira se caracteriza por ser um processo mais longo e profundo de autoconhecimento, o qual promove mudanças estruturais para a vida toda. Já a psicoterapia psicanalítica trata de pontos de urgência, é mais breve e promove mudanças circunstanciais. De qualquer maneira, como o próprio Green mencionou acima, mesmo em uma psicoterapia, um trabalho autenticamente psicanalítico pode às vezes se dar... Para ele, a psicoterapia nasce essencialmente da impossibilidade de se pôr em prática uma situaçao que respeite as exigências do modelo13. E isso pode ocorrer por diagnóstico, problemas financeiros, ou pelo simples desejo do contratante. Pesquisas de resultados têm demonstrado a efetividade de ambas as formas de tratamento para os distúrbios emocionais14;15;16;17;18;19;20;21.

A separaçao conceitual entre o que seria uma psicanálise "propriamente dita" e uma psicoterapia de orientaçao analítica vem sendo tratada de forma cada vez menos radical nos meios psicanalíticos22. Os critérios externos utilizados para definir a psicanálise (uso compulsório do diva, mínimo de quatro sessoes semanais, emprego sistemático de interpretaçoes transferenciais...) estao cedendo lugar a critérios intrínsecos (acessibilidade do paciente a seu inconsciente e capacidade de processar mudanças psíquicas, por exemplo). Embora existam diferenças óbvias entre psicanálise e psicoterapia a zona de interseçao entre ambas vem se ampliando notoriamente. Sendo assim, nao parece haver motivo suficiente para que um psicoterapeuta psicanalítico nao possa se munir de postulados teóricos da psicanálise e de suas recomendaçoes, embora fique a ressalva de que nao se trata de tratamentos indiferenciados.


AS TEORIAS CLASSICAS

A seguir, serao apresentadas teorias tradicionalmente estudadas no meio psicanalítico no que diz respeito aos objetivos terapêuticos propostos por elas. No recorte deste trabalho, dada a limitaçao de espaço, recorre-se a cinco autores selecionados pela relevância clínica de suas teorias e pela pluralidade conceitual que representam: Freud, Klein, Bion, Winnicott e Kohut.


FREUD

Tornar consciente o inconsciente sempre foi e continua sendo um dos principais objetivos do tratamento psicanalítico. Essa fórmula, originária do modelo topográfico da mente, foi reformulada como "onde estava o id, ali estará o ego"23, articulando a ideia de que preencher as lacunas mnêmicas seria o objetivo central dos tratamentos psicanalíticos. Freud também descreveu a capacidade adquirida ou aumentada do paciente de amar e trabalhar24 como um objetivo terapêutico. Embora Freud tenha escrito, ao longo da sua vasta obra, inúmeros textos relevantes para a presente revisao, esta se aterá ao texto de 1937, "Análise terminável e interminável".

Freud descreve a finalidade de um tratamento analítico como sendo a libertaçao de alguém de seus sintomas, inibiçoes e anormalidades de caráter neurótico, ou seja, para ele, o analista trabalha para devolver ao paciente grande parte de sua independência, despertar seu interesse pela vida e ajustar suas relaçoes com as pessoas que sao importantes para ele24. Outra conquista considerada por Freud acontece quando o paciente é capaz de se apropriar de sua melhora, vencendo as resistências que a doença revela quando está prestes a ser dominada24. Afinal, costuma-se comentar e justificar imperfeiçoes nas pessoas com o argumento de que suas análises nao foram terminadas. A respeito dos objetivos e marcadores de uma análise bem-sucedida, ele escreve:
(...) em primeiro lugar, que o paciente nao mais esteja sofrendo de seus sintomas e tenha superado suas ansiedades e inibiçoes; em segundo, que o analista julgue que foi tornado consciente tanto material reprimido, que foi explicada tanta coisa ininteligível, que foram vencidas tantas resistências internas, que nao há necessidade de temer uma repetiçao do processo patológico em apreço.25
A partir desse argumento, pareceria que a tarefa seria da ordem do impossível e que, para se obter algum sucesso, ter-se-ia de empreender análises intermináveis ou demasiadamente longas. Nesse sentido, Freud pergunta-se: é possível que o tratamento analítico promova normalidade psíquica absoluta? E por acaso, isso existe? Assim, concluir que a alta ou o término do tratamento estejam ligados a alcançar os objetivos firmados no contrato - ou seja, transformar queixas e pedidos de ajuda em demanda para tratamento - parece razoável e esperado.

Outro importante fator considerado na teoria freudiana para a análise de resultados terapêuticos se refere ao tipo de sofrimento do paciente, à estrutura psicopatológica e à etiologia da doença (endógena - pulsoes resistentes; exógena - trauma). A única análise que poderia ser completamente terminada seria a que se dispoe a tratar fatores exógenos ou traumáticos, a qual substitui a resoluçao do trauma criadora de sintomas e inibiçoes por outra mais adequada. O problema reside na ausência de um caráter profilático para tais tratamentos, pois a saúde do indivíduo dependeria em princípio de que sua vida fosse poupada de quaisquer acontecimentos penosos.

Assim, questiona-se: seria objetivo de um tratamento psicanalítico livrar o paciente de qualquer moléstia emocional até o fim de sua vida? Acredita-se que, para um tratamento ser bem-sucedido, o paciente, após a alta, nao pode adoecer, atrapalhar-se ou deprimir-se? Quando se fala em melhora ou cura como um objetivo terapêutico, pode ser útil tomar de empréstimo as experiências das outras modalidades de tratamento. Quando um pneumologista cura uma pneumonia, por exemplo, há alguma garantia de que essa doença nao acometerá aquele paciente novamente? Seria coerente, entao, falar de profilaxia psíquica? Ao separar a noçao de cura das ideias de prevençao e estabilidade dos resultados, Freud dá um grande passo para conceituar o objetivo de um tratamento.

O caráter preventivo e permanente que variadas pesquisas de follow-up buscam como indicador de um tratamento bem-sucedido, assim como a opiniao geral da sociedade, segundo Freud, é o que pode acabar ofuscando o estabelecimento dos objetivos do tratamento. Se terapeuta e paciente estao lidando com forças pulsionais que devem ser amansadas, conteúdos inconscientes que devem emergir e inibiçoes que devem ser vencidas, mas essa luta toda deve ocorrer à mercê das intempéries da vida, a ideia de profilaxia produz algo como um curto-circuito de conceitos. Quando o objetivo está associado a uma conquista permanente, nao parece ser possível diferenciar fantasia de cura de objetivos terapêuticos. O objetivo da análise para Freud, em 1937, era fazer com que o sujeito tivesse direito de participar da vida24.

A vida em si pode enfraquecer o eu de diversas maneiras, como por exaustao, acidente ou doença. Nesses casos, a pulsao pode renovar suas exigências de formas mais ou menos traumáticas. Para Freud, o tratamento deveria entao: 1) capacitar o eu para atingir certo grau de maturidade que lhe permita revisar antigas repressoes geradas na primeira infância, 2) substituir medidas de defesa primitivas criadas por um eu imaturo por mecanismos de maior firmeza e confiabilidade, 3) trocar repressoes inseguras por controles egossintônicos confiáveis e, finalmente, 4) recrutar no potencial para a saúde do paciente ferramentas para enfrentar tanto o ambiente em si, que clama por adaptaçao, quanto a reaçao do eu e de suas pulsoes a esse mesmo ambiente.

Ademais, prevenir significa antecipar conflitos que nao estao na demanda atual do paciente. Para que a regra essencial da abstinência seja preservada, nao se deve criar material no campo analítico que nao tenha sido trazido pelo paciente, pois demandas unilaterais criam um clima inamistoso e prejudicial à transferência24. Em suma, para Freud, o tratamento psicanalítico pode resolver os sofrimentos neuróticos, mas jamais os infortúnios da vida.


KLEIN

A contribuiçao de Melanie Klein selecionada no recorte desta revisao refere-se ao artigo de 1950, "Sobre os critérios para o término de uma psicanálise". Sua inovaçao teórica está no postulado de que o final da análise, como experiência emocional, oportuniza o término do trabalho com as ansiedades persecutórias e depressivas, as quais sao reativadas pelo rompimento da relaçao analítica e oferece a finalizaçao da elaboraçao das posiçoes infantis esquizo-paranoide e depressiva26.

Para a autora, posiçoes emocionais que surgem precocemente na vida do bebê vao se interpondo ao longo do desenvolvimento, marcando o processo de saúde e/ou adoecimento. A posiçao esquizoparanoide surge durante os primeiros meses de vida e é marcada por ansiedades persecutórias relacionadas a perigos e ameaças contra o eu. Essas ansiedades podem ter origem tanto interna quanto externa. A medida que o ego se desenvolve, por volta da metade do primeiro ano, vai se criando na mente do recémnascido o medo da ameaça ao objeto amado, que é constantemente operada pela agressividade própria do bebê. Quando os aspectos bons e ruins dos objetos e do próprio sujeito podem começar a se integrar dentro de um processo de síntese, alcança-se uma maior integraçao no ego e entra-se na posiçao depressiva. Nesse estágio, a mae pode ser representada como um objeto total, formado por defeitos e qualidades. Essa harmonizaçao dos aspectos dos objetos internos diminui a ansiedade persecutória, porém desenvolve um sentimento de culpa, originado nas fantasias de ataques destrutivos e de inveja. Dessa ansiedade depressiva manifesta na culpa pela agressao surge a superaçao da experiência de reparaçao, a qual é responsável pela criaçao da possibilidade de relaçoes de objeto maduras e de aprofundamento dos sentimentos.

Portanto, pode-se considerar como meta principal a ser atingida dentro de um tratamento analítico alcançar e manter a posiçao depressiva, pois isso tornaria possível que o sujeito se identificasse com seus objetos de amor e fosse capaz de ter um relacionamento amoroso feliz, ficar satisfeito com a maternidade/paternidade, conquistar sua independência, desenvolver amizades ao longo da vida e ser criativo. Ao se identificar com as pessoas que ama, o sujeito demonstra sua capacidade de satisfaçao com aquilo que pode oferecer aos outros, pois a possibilidade de se colocar no lugar de alguém exige a suspensao temporária de seus próprios interesses e ambiçoes pessoais em prol dos de outra pessoa. Em um relacionamento amoroso feliz, deve existir, para Klein, forte apego, capacidade mútua para sacrifícios e grande habilidade para compartilhar interesses, dor e prazer. Nas questoes tocantes à luta pela independência, o sujeito deve ser capaz de substituir aquele primeiro alimento, cujo símbolo é o leite materno, representante das primeiras sensaçoes de bem-estar e segurança, por derivados adequados a cada fase da vida. Assim, a experiência do desmame deve estar analisada suficientemente até o ponto de nao existir mais ódio intenso por sua privaçao, sob pena de o sujeito nao conseguir se adaptar a outras frustraçoes no futuro, ficando indevidamente preso à segurança artificial da dependência. Na criatividade, a presença de um sentimento de culpa mitigado pela capacidade de reparaçao produz a sensaçao de uma açao criadora e transformadora das relaçoes e do mundo interno dos sujeitos. As sensaçoes de bem-estar sao entendidas intrapsiquicamente como genitores bons e generosos, capazes de dar vida27.

Para que a análise das ansiedades depressivas e persecutórias possa promover reduçao e modificaçao das angústias a ponto de se indicar alta ao paciente, deve ter ocorrido uma análise das experiências primitivas de luto durante o tratamento26. Porém, a advertência é feita:
Mesmo que a análise retroceda aos estágios mais antigos do desenvolvimento (...), os resultados ainda assim poderao variar de acordo com a severidade e estrutura do caso. Em outras palavras, apesar do progresso feito em nossa teoria e nossa técnica, devemos ter em mente as limitaçoes da terapia psicanalítica28.
Dessa forma, os psicoterapeutas psicanalíticos reavaliam suas expectativas juntamente com Klein26 e percebem como metas para o tratamento: 1) que as ansiedades persecutória e depressiva nao sejam excessivas; 2) que o ego seja estável; 3) que o paciente tenha senso de realidade e profundidade (riqueza da vida de fantasia e capacidade para experienciar emoçoes livremente); e 4) que a vivência do término do tratamento, a dessidealizaçao do analista e o trabalho exaustivo da transferência negativa sejam alcançados.


BION

Bion considerava o objetivo de um tratamento a obtençao de crescimento mental, o qual nao deve ser confundido com o conceito de cura que se costuma utilizar nas outras áreas da saúde. Dessa forma, sua proposta para um tratamento nao se baseava no propósito de diminuir sintomas e angústias, mas na oportunidade criada pela dupla paciente-terapeuta de promover espaços mentais com cada vez mais verdade, criatividade e complexidade. Para ele, o desejo de curar era algo que se prestava mais a atrapalhar o processo terapêutico do que a ajudar. A ansiedade própria da vontade de acabar com as dores emocionais e com a sintomatologia tomaria o lugar da busca pela verdade. A difícil tarefa de sustentar a abertura de espaço psíquico que promove crescimento mental poderia ser substituída pela fácil tarefa de tornar a pessoa mais adaptada ao seu meio social.

Bion acreditava que havia duas maneiras pelas quais um sujeito poderia escapar da dor mental: ou canalizando seus máximos esforços para fugir dela, ou enfrentando, experimentando, sentindo e aprendendo com ela. Esta última seria a única maneira de transformar ou modificar as frustraçoes29;30. A propósito, as frustraçoes sao experiências extremamente importantes para a formaçao dos pensamentos dentro da teoria bioniana. É a partir do encontro entre pré-concepçao (como uma expectativa de algo, inata) e frustraçao (nao realizaçao dessa expectativa) que nasce um pensamento, quando o sujeito nao opta pela fuga. No tratamento psicanalítico, o trabalho deve centrar-se na formaçao ou estimulaçao de uma mente capaz de tolerar e manejar as dores emocionais e as frustraçoes, o que permitirá a expansao de uma mente criativa, cada vez mais capaz de suportar a vida. O aprender com a experiência desenvolve justamente essa capacidade criadora de pensamentos, bem como o aparelho capacitado para pensá-los, propiciando a aquisiçao de um estilo de vida promotor de saúde emocional.

Bion entende que as relaçoes se passam nao em termos de simples amor versus ódio, mas entre emoçao e antiemoçao, ou seja, entre a normalidade e a patologia do amor, do ódio e do conhecimento31. Esses vínculos estao presentes o tempo todo e em todas as relaçoes, sendo eles os marcadores do tipo de funcionamento mental e psicológico de cada pessoa em cada momento. As transformaçoes seriam o objetivo principal de todo o tratamento emocional, devendo-se buscar a evoluçao dos diversos estágios da capacidade de pensar. As principais transformaçoes propostas se referem a: 1) transformar conhecimento (K) em O, que seria a origem, a coisa em si mesma, e, nesse movimento, haver sempre a possibilidade da inversao de sentido - O em K; 2) transformar elementos chamados beta (ideias coisificadas, protopensamentos destinados à evacuaçao) em elementos alfa (que permitem sonhos, criam capacidade para pensar e instauram a barreira consciente/inconsciente); 3) transformar quantidade em qualidade, nao objetivando liquidar a dor, mas aumentar a capacidade do paciente para sofrer.

Concluindo, é importante lembrar que, além de todas as intervençoes técnicas do terapeuta, baseadas nos elementos explicitados anteriormente, para Bion, uma identificaçao bem-sucedida com a pessoa real do analista é de fundamental importância para o bom andamento do tratamento e para que os resultados alcançados adquiram o status de crescimento mental. A expressao "funçao psicanalítica da personalidade" remete ao aprender com a experiência, no caso, com a experiência terapêutica. O grau de sucesso de um tratamento depende de algo ter se criado e seguido em andamento, em construçao e em expansao na mente do paciente mesmo depois que a terapia/análise esteja encerrada.


WINNICOTT

As contribuiçoes de Winnicott conseguiram expandir e renovar a teoria clássica com a mesma intensidade com que o autor lutou para mantê-la viva em sua originalidade.
Ao praticar psicanálise, tenho o propósito de me manter vivo, me manter bem, me manter desperto. Objetivo ser eu mesmo e me portar bem. Uma vez iniciada uma análise espero poder continuar com ela, sobreviver a ela e terminá-la32.
Como primeiro objetivo de um tratamento, o autor indica que todo o processo terapêutico deve visar a seu fim. Os psicoterapeutas responsáveis avaliam-se constantemente quanto a sua capacidade para manter pacientes em tratamento, evitando abandonos e analisando tanto material inconsciente quanto possível. Deve-se admitir ser infinita a necessidade do terapeuta de investigar, construir e reconstruir histórias e fantasias junto com os pacientes de acordo com as diversas teorias que acaba aprendendo ao longo do seu desenvolvimento profissional. Eis o paradoxo do treinamento de todo o terapeuta: deve aprender a manter seus pacientes, mas, ao mesmo tempo, precisa desejar que seu trabalho chegue ao fim no menor tempo possível; também se espera que nao se façam muitos estragos ao longo desse percurso. Os objetivos sao do paciente e o mérito também. Diz o autor: "Sempre me adapto um pouco às expectativas do indivíduo, de início. Seria desumano nao fazê-lo. Ainda assim, me mantenho manobrando no sentido de uma análise padrao"32.

Para Winnicott33, é possível fazer diversos tipos de psicanálise. Com o paciente que preenche os critérios clássicos de analisabilidade (condiçoes de insight e enfermidades neuróticas), trabalham-se fantasias inconscientes, padroes de relacionamento e funcionamento defensivo por meio da neurose de transferência e da abstinência do terapeuta. Para os demais, adapta-se a técnica. Durante sua prática clínica e no decorrer de suas contribuiçoes teóricas, Winnicott acabou expandindo consideravelmente as indicaçoes técnicas e as recomendaçoes éticas para a clínica psicanalítica. demovido por seu interesse pelas fantasias que os pacientes mostravam a respeito de suas próprias formas de organizaçao mental, criou uma nova ferramenta e uma nova ênfase para os terapeutas utilizarem e considerarem em seus trabalhos com diferentes tipos de pacientes33. Nesse sentido, classificou as formas de trabalho da seguinte maneira: existem momentos ou tipos de patologia que fazem o terapeuta ter de trabalhar como um analista e outros nos quais o terapeuta realiza a psicoterapia psicanalítica:
Se nosso objetivo continua a ser verbalizar a conscientizaçao nascente em termos de transferência, entao estamos praticando análise; se nao, entao somos analistas praticando outra coisa que acreditamos ser apropriada para a ocasiao. E por que nao haveria de ser assim?34
Para ele, o trabalho terapêutico acaba modificando o eu do paciente de diversas formas. Daí sua insistência em que os terapeutas sejam sujeitos discretos e simples nas vidas de seus pacientes. Levando em consideraçao a ideia heideggeriana da continuidade da própria existência, acreditava que os seres humanos nasciam dotados de um impulso para o desenvolvimento que, quando nao atrapalhado por provisoes ambientais falhas, levava o sujeito adiante. Criou, entao, uma teoria de objetos rumo à independência,35 preceito que se repetiria durante a psicoterapia.

Nos primeiros momentos da dependência absoluta, quando nao há diferenciaçao entre eu e nao eu, constrói-se uma experiência de ilusao por meio de uma mae identificada com seu bebê e que satisfaz completamente suas necessidades. Tem-se uma unidade. Pela repetiçao dessas vivências, o bebê sentese criador de suas experiências, no controle de sua satisfaçao - onipotência. Desse modo, pela ilusao, cria-se o objeto subjetivo. Nesta fase, algo chamado mundo interno é constituído36. No tratamento, essa é uma fase especial caracterizada pelo sucesso logrado com a instalaçao de um tratamento psicanalítico padrao, o qual, sendo bem feito, recobre o eu de força para enfrentar os períodos de resistência.

Em um segundo momento, a desilusao é que acaba instaurando a realidade e, com ela, o objeto objetivamente percebido. Nesse caminho, a agressao ocupa um papel especial ao fundar a realidade, pois é parte componente do impulso amoroso primitivo. No início da vida, a agressao é motilidade, iniciativa, um desejo de possuir o objeto. Se a agressao traz destruiçao nessa fase, é sempre incidental e secundária à satisfaçao do impulso amoroso. No início, o papel da mae-ambiente é tolerar essa derivaçao da energia - o ataque. Pouco a pouco, oferecendo resistência ou oposiçao, inaugura-se a percepçao eunao eu. Quando isso ocorre no momento adequado, que é sempre após a experiência de fusao, funda o descobrimento, por parte do bebê, de seus limites. Os impulsos passam a ser percebidos como algo proveniente de seu interior, e passa a haver diferença entre força vital e agressao. Começa a experiência dos sentimentos de ambivalência, culpa e reconstruçao. Nessa fase, algo chamado realidade compartilhada se constitui36. Na terapia, quando a confiança na dupla está estabelecida, inicia-se um processo de experimentaçao rumo à independência do eu. Para isso, o eu precisa ter sido anteriormente fortalecido para nao depender, necessita ser livre e poder reconhecer a fonte dessa energia dentro de si.

Por fim, chega-se ao objeto transicional, que nao é algo alucinado, pois tem materialidade; forma parte do mundo externo, porém nao é qualquer objeto fortuito e singular, já que deve ser eleito como tal. É a primeira aquisiçao nao eu do bebê. É um paradoxo que nao deve ser corrigido, pois é um objeto da realidade, visto por todos, mas que nao é visto por todos nas características e significados que contém para seu dono. É da mente e é do mundo. Nesta fase, algo chamado criatividade se constitui36. No trabalho terapêutico, finalmente, o eu de um paciente independente começa a experimentar suas características e formas de viver e se organizar. Isso nao significa estar livre de sintomas, mas livre de defesas imaturas e da patologia incapacitante, o que permite ao paciente retomar o rumo natural do desenvolvimento.


KOHUT

Professor de metapsicologia freudiana, Kohut fez de suas ideias sobre o narcisismo, a denominada psicologia do self, uma ferramenta útil para a clínica contemporânea.

O conceito de self objetal é importante para a clínica porque influencia a percepçao da relaçao transferencial dentro desta teoria. Para Kohut, o bebê nao nasce sentindo ódio e raiva, privado de satisfaçoes. Ele nasce otimista. Para o autor, a ênfase está colocada menos nas fantasias e mais na relaçao com as pessoas de verdade, as quais formarao a unidade primitiva self-objeto37. Na sua teoria sobre o desenvolvimento, existe um bebê que necessita de experiências de satisfaçao que promovam nele a sensaçao de perfeiçao. Em seguida, por meio de experiências de frustraçao, essa sensaçao de perfeiçao é abalada de maneira irremediável. A sensaçao de impotência de ser alguém pequeno e cheio de necessidades que desesperadamente necessita do ambiente para sobreviver implora pelo nao abandono da ilusao de perfeiçao. Esse acontecimento toma entao dois rumos: quando o bebê se exibe aos pais, recebendo em troca sua admiraçao e satisfaçao pelo exibicionismo, tem em retorno a construçao do self grandioso; quando as necessidades do bebê sao satisfeitas, sao os pais que se oferecem como destinatários da perfeiçao na formaçao da imago parental idealizada37.

Nas patologias narcísicas ou na sintomatologia narcísica, o que se verifica é um ambiente que nao consegue sintonizar com as necessidades de perfeiçao e exibicionismo do sujeito, que nao se presta a ser o reservatório de perfeiçao, que frustra repetidamente. Com um trauma desse porte, a internalizaçao fica prejudicada, o self grandioso (ambiçoes) e a imago parental idealizada (ideais) nao sao devidamente integrados à personalidade do sujeito37 e acabam restando em estado inalterado, como uma fantasia arcaica inconsciente, pressionando constantemente o sujeito e modificando seu jeito de ser e conviver no mundo. Nao ter um modelo é sentido como um vazio (depressao), e o modelo precisa ser sempre buscado desde fora, ao contrário do que acontece com a experiência da imago parental idealizada, a qual, quando é integrada à personalidade adulta, promove desde dentro os ideais norteadores do sujeito38.

Kohut39 descreve realizaçoes e atitudes que o eu deve empreender ao longo da construçao da personalidade - as transformaçoes do narcisismo. A expansao do amor objetal, aquisiçao gradual do desenvolvimento, estaria permeada pelo desenvolvimento da criatividade, capacidade de empatia, capacidade para encarar sua própria transitoriedade, senso de humor e sabedoria.

Para a psicologia do self, os tratamentos nao têm por objetivo tratar conflitos, mas déficits. O objetivo terapêutico pretendido é o de trabalhar nos déficits do desenvolvimento do sujeito em relaçao às transformaçoes de seu narcisismo ou parada no desenvolvimento de tais transformaçoes, que podem estar podadas em funçao da falta de um ambiente sensível e empático. Os pacientes buscam em seus terapeutas apoio, sentimento genuíno de orgulho em relaçao aos êxitos e conquistas e capacidade de refletir acerca das qualidades desses resultados. Os objetivos do tratamento dizem respeito a promover uma internalizaçao transmutadora. Implicam refazer com o paciente essa sintonia ambiental por meio de interpretaçoes e reconstruçoes empáticas. A repetiçao das interpretaçoes, reconstruçoes, frustraçoes (na medida certa), interrupçoes, ansiedades acalmadas, confiança e o trabalho nas transformaçoes do narcisismo vao produzindo mudanças internas e criando reservatórios de energia que trazem força ao self do paciente. Em relaçao à imago parental idealizada, o objetivo é ter ideais mais claros, uma melhor percepçao do futuro, do que o sujeito gostaria de ser e crer tanto pessoalmente quanto profissionalmente. Quanto ao self grandioso, o objetivo consistiria em transformar algo primitivo e arcaico em ambiçoes mais maduras e apropriadas e, assim, o paciente sentir-se confortável com suas ambiçoes. Com essas transformaçoes, o que se espera é um sujeito que sinta mais prazer em suas açoes e em seus êxitos.


ATUALIDADES NA LITERATURA SOBRE OBJETIVOS TERAPEUTICOS

Recentemente, os psicanalistas suecos Wezbart e Levander40 realizaram um estudo qualitativo a respeito das vicissitudes das ideias de cura de analisandos e seus analistas, de como a dupla lida com as incompatibilidades inevitáveis dessas ideias e de como essas diferenças influenciam o processo psicanalítico, considerando cura como um dos possíveis objetivos terapêuticos. Emergiram das entrevistas nove distintos conceitos de cura para pacientes e analistas: 1) refazer-se, corrigir-se e construir-se por inteiro; tornar-se uma nova pessoa em um mundo novo, 2) refazer o desenvolvimento por meio da regressao; novo começo, 3) repetir o trauma ou aproximar-se do que é perigoso e do que está encapsulado com o objetivo de encontrar uma saída melhor, 4) recuperar algo perdido ou faltante no passado; resgatar o paciente, 5) entender e perceber conexoes, encontrar explicaçoes e obter novas perspectivas, 6) fazer o trabalho analítico, ou deixar o analisando fazer o trabalho, sem ajuda do terapeuta (todos os analisandos entrevistados desejavam fazer eles próprios a maior parte do trabalho na análise), 7) fortalecer a capacidade do analisando de lidar com os problemas; apoiar as capacidades do ego, 8) valorizar a estrutura analítica e suas particularidades (os analisandos e analistas entrevistados acreditavam que um componente importante da cura seria a apreciaçao da atitude analítica como um todo - frequência, continuidade, regularidade, neutralidade, abstinência, atençao flutuante), 9) gostar ou apreciar um ao outro (analisandos e analistas descreveram como fundamental para a cura a relaçao e a combinaçao pessoal da dupla - paciente e terapeuta terem um senso de humor semelhante, desafiarem-se um ao outro a experimentar emoçoes, serem compatíveis e colaborativos). Outro dado interessante do estudo foi o de que, apesar de os analistas desejarem conduzir uma "análise padrao" ao início dos tratamentos, os analisandos expressaram medo de que isso ocorresse e expressaram seu desejo de evitar um tratamento desse tipo; os analistas que relutantemente abandonaram seus objetivos iniciais quanto a uma análise padrao reconheceram que os objetivos terapêuticos que haviam traçado inicialmente para seus pacientes - mudança intrapsíquica, aumento da capacidade de autorreflexao e de padroes interpessoais mais adaptativos - foram alcançados.

A tentativa de pesquisar quantitativa ou qualitativamente este tema é rara, e este foi um dos poucos estudos encontrados neste sentido. Mesmo valorizando sua relevância, o estudo parece abordar de forma indiscriminada a cura e as ferramentas utilizadas pela dupla terapêutica para atingir seus objetivos.

Ancorado em Bion e Lacan, Lander41 defende que o objetivo terapêutico nao deve ser guiado simplesmente pela cura sintomática ou pelo aumento da capacidade de amar e trabalhar, como defendia Freud. Para Lander41, a melhora ocorreria quando o sujeito aceita ser o que ele é, quando encontrou e aceitou seu fantasma sexual (fantasias sexuais criadas na primeira infância que, quando nao patologizadas pelo paciente e pelo terapeuta, perdem o poder de produzir sintoma e passam a produzir satisfaçao) e aceitou suas limitaçoes e incompletudes. Um tratamento termina, idealmente, quando o analista nao mais ocupa o lugar de sujeito de suposto saber e aparece também como um sujeito limitado e incompleto. Isso significa que o sujeito aceita sem conflito e sem culpa as marcas indeléveis da infância que resultaram na formaçao de seu caráter.

Determinar objetivos terapêuticos baseando-se na resoluçao do sintoma também é algo questionado por Ogden e Gabbard42. O desejo intrínseco de curar o paciente, sempre presente no campo analítico, é afetado pelas demandas de melhora rápida e pela pressao de demonstrar eficácia no trabalho do analista, fazendo com que ele acabe dirigindo suas intervençoes diretamente aos sintomas. O analista que intenciona acabar com os sintomas pode ser percebido pelo paciente como coercitivo, o que pode intensificar a necessidade do paciente de se agarrar ao sintoma. Para os autores, o paciente que inicia uma análise traz a sensaçao inconsciente de "nao ser ele mesmo". Assim, embasando-se em Bion, afirmam que ajudar o paciente a melhorar seria ajudá-lo a sonhar (a se engajar em um trabalho psicológico produtivo inconsciente com suas experiências prévias nao pensadas/nao sonhadas), a tornar-se ele mesmo. O objetivo da psicanálise, nesta perspectiva, estaria focado na verdade, nao no sintoma.

Para Ferro43, a melhora se dá pela relaçao entre uma mente que necessita de outra mente para se desenvolver. O tratamento deve se prestar para encontrar as falhas intersubjetivas da experiência do paciente, reparar as feridas e possibilitar o surgimento de maior capacidade para a saúde. O terapeuta deve ser dotado de uma capacidade criativa, de um aparato para sonhar os sonhos, e deve ser capaz de criar uma narraçao figurativa que dê sentido às experiências até entao desterritorializadas na história da pessoa.

Há ainda autores contemporâneos que se debruçaram sobre a tarefa de estabelecer objetivos terapêuticos, especificamente para a psicoterapia psicanalítica breve, como Braier44. Para este autor, os objetivos terapêuticos seriam atingidos pela obtençao de insights quanto à problemática focal, a resoluçao do foco, a melhora sintomática, a consciência da enfermidade, a recuperaçao da autoestima, a formulaçao de projetos para o futuro e por modificaçoes favoráveis na vida sexual, nas relaçoes de casal, no estudo, no trabalho e no lazer.

Em suma, mesmo que muito ainda precise ser feito no sentido de atualizaçao dos critérios classicamente propostos, é válida a tentativa de recorrer aos autores clássicos quando se deseja conceituar fenômenos complexos como este. Entretanto, deve-se seguir constantemente investigando e atualizando a compreensao deste fenômeno por meio de estudos empíricos, clínicos e teóricos, tendo em vista que, desde seus tempos mais remotos, a psicanálise defronta-se com o trabalho de adaptar sua técnica às novas condiçoes45.


CONSIDERAÇOES FINAIS

Tendo em vista os conceitos analisados nesta revisao, parece impossível priorizar um autor em detrimento de outro, afirmar qual escola seria mais capaz de traçar objetivos terapêuticos para os pacientes de hoje em dia. As diferenças existentes nas variadas escolas revisadas parecem refletir a diversidade de casos atendidos nos consultórios. É preciso ter ciência da delicadeza inerente ao trabalho do analista/terapeuta, bem como da sutileza envolvida no bem-estar e na saúde das pessoas. Talvez, a ética seja o ponto chave que pode ser absorvido da presente revisao. Embora ele nao fale especificamente de ética para a psicanálise, para Deleuze46, a ética busca fundamentar o bom modo de viver através do pensamento humano e se diferencia da moral, a qual persegue a obediência a normas, tabus ou mandamentos culturais.

Portanto, é fundamental que o treinamento de todo o psicoterapeuta inclua o estudo das variadas teorias psicanalíticas com seus preceitos (as normas, ligadas à moral). Eles aprimoraram os atendimentos prestados e já trouxeram benefícios à saúde de muitos. Todavia, para além das normas, fica premente a necessidade de se falar sobre a ética dos tratamentos. Figueiredo47 aponta que o vasto arcabouço psicanalítico restringe e modula as consideraçoes técnicas na prática clínica, mas exige que se conceda um maior relevo à posiçao do terapeuta para que o trabalho ocorra. E é por isso que defende um deslocamento das questoes técnicas para as questoes éticas. Nao significa dar maior valor ao papel do terapeuta, mas sim de instrumentá-lo melhor para a tarefa.

Todos os autores aqui citados parecem demonstrar uma preocupaçao genuína com seus pacientes. Entende-se, assim, que para cada sujeito e suas dores existem recursos técnicos disponíveis para transformar doença e prisao em potencial para saúde e libertaçao.

Troca-se a busca da cura nos pacientes e o desejo de que eles melhorem pela busca de um desejo no terapeuta de portar-se bem, manter-se atento e vivo dentro do tratamento - essa é a ética do trabalho terapêutico. Tem-se de contar com um paciente que tenha paciência com o terapeuta e com suas limitaçoes. O terapeuta deseja realizar um bom trabalho e almeja ter sucesso. O sucesso, entretanto, parece ser dos pacientes que, sessao após sessao, entram nos consultórios em uma contagem regressiva paradoxal: quanto mais conhecem seus terapeutas e quanto mais próximos deles ficam, mais chegam perto do fim. Cada sessao é uma a menos. Durante o treinamento de um psicoterapeuta, a preocupaçao legítima com a melhora e o fim do tratamento continua sendo de intensa relevância e requer de grande delicadeza, pois pensar em objetivos terapêuticos tende a trazer sentimentos de utopia e pessimismo.

Espera-se que, em contrapartida, o sentimento despertado com esta leitura tenha sido o de curiosidade.


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a. Psicóloga, mestranda em Ciências Médicas: Psiquiatria (UFRGS)
b. Psicóloga, doutora em Ciências Médicas: Psiquiatria (UFRGS), pós-doutoranda em Psicologia Clínica (UNISINOS)
c. Médico psiquiatra, psicanalista (Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre - SPPA), ex-presidente da International Psychoanalytical Association (IPA), doutor em Ciências Médicas: Psiquiatria (UFRGS), professor adjunto UFRGS

Instituiçao: UFRGS - FAMED - PPG Psiquiatria

Correspondência
Marina Bento Gastaud
Rua Comendador Caminha 312/205 - Moinhos de Vento
90430-030 Porto Alegre (RS)
marinagastaud@hotmail.com

Submetido em 14/07/2013
Devolvido aos autores em 18/09/2013
Retorno dos autores em 24/09/2013
Aceito em 16/10/2013

*Apoio financeiro: Este artigo faz parte da tese de doutorado da segunda autora, orientada pelo terceiro autor. O doutorado foi realizado no Programa de Pós-Graduaçao em Ciências Médicas do departamento de Psiquiatria da UFRGS com bolsa da CAPES. A tese é intitulada "Indicaçao, concordância em iniciar tratamento e melhora inicial na psicoterapia psicanalítica".

 

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