Rev. bras. psicoter. 2013; 15(3):53-70
Padoan CS, Gastaud MB, Eizirik CL. Objetivos terapêuticos para psicanálise e psicoterapia psicanalítica: Freud, Klein, Bion, Winnicott, Kohut. Rev. bras. psicoter. 2013;15(3):53-70
Artigo de Revisao
Objetivos terapêuticos para psicanálise e psicoterapia psicanalítica: Freud, Klein, Bion, Winnicott, Kohut*
Therapeutic Objectives for Psychoanalysis and Psychoanalytic Psychotherapy Freud, Klein, Bion, Winnicott, Kohut*
Carolina Stopinski Padoana; Marina Bento Gastaudb; Cláudio Laks Eizirikc
Resumo
Abstract
INTRODUÇAO
"Todos nós acabamos nos acostumando com uma coisa extraordinária: esta conversa esquisita, que denominamos psicanálise, funciona - é inacreditável, mas ela funciona."1
Enfrenta-se na prática clínica cotidiana o seguinte dilema: há uma alta procura de ajuda oriunda das elevadas necessidades de performance nos dias atuais, aliada à grande expectativa por resultados nas áreas afetivas e profissionais, competitividade e pressa2;3;4;5. Ao mesmo tempo, os pacientes parecem cada vez mais preocupados com a duraçao de um tratamento e com seu alto custo, o que favorece as altas taxas de abandono do atendimento6.
A teoria da técnica psicanalítica, a psicopatologia e os estudos sobre metapsicologia foram constantemente revisados e ampliados desde os achados de Freud. Essa evoluçao tem ajudado a contemplar os mais variados tipos de pacientes e tem possibilitado que diferentes queixas possam ser atendidas7. A duraçao da psicoterapia e sua capacidade de tratar sao importantes aspectos da técnica que devem ser constantemente revisados e ampliados para que possam se aplicar ao tempo contemporâneo e à demanda atual de pacientes. Espera-se que a dupla terapêutica seja capaz de transformar fantasias de adoecimento e cura em planos para combater o adoecimento e buscar a cura.
Complicaçoes nessa tarefa podem estar por trás das altas taxas de abandono8. A pessoa pode se imaginar alcançando seus objetivos e decidir finalizar o serviço; pode estar satisfeita com alguns resultados obtidos, mas nao desejar investir mais tempo e dinheiro para a consecuçao de outras metas que nao sao criadas por sua experiência de vida, mas pela análise (mesmo que cuidadosa) de seu terapeuta9. Por isso, interessa revisar os objetivos terapêuticos da psicanálise e da psicoterapia psicanalítica, instrumentando melhor os clínicos para avaliar conquistas e para decidir o momento final do tratamento. É necessário levar em consideraçao, para a realizaçao desta tarefa, que cada teoria psicanalítica propoe objetivos específicos. O presente trabalho irá percorrer importantes contribuiçoes para o tema abordado, revisando autores para os quais a concepçao ontológica da psicanálise envolve uma abordagem terapêutica, à semelhança dos demais tratamentos na área da saúde.
AS DIFERENÇAS ENTRE A ANALISE E A PSICOTERAPIA PSICANALITICA
A psicoterapia psicanalítica nasceu para aliar a psicanálise com a psicologia, a medicina e a psiquiatria, enriquecendo a pesquisa e a produçao de conhecimento4. Os objetivos da psicoterapia de orientaçao analítica sao, entretanto, mais circunscritos e, consequentemente, menos ambiciosos do que aqueles de um tratamento por análise10, sendo relevante apresentá-los separadamente.
Parece necessário, portanto, fazer a ressalva de que o objetivo da psicoterapia psicanalítica seria o tratamento focado no conflito atual do paciente. Mesmo considerando que há relaçao entre o conflito primário e o conflito atual, na psicoterapia psicanalítica os conflitos sao tratados com algum grau de independência. Neste caso, o objetivo seria possibilitar ao indivíduo a ampliaçao do entendimento sobre seu funcionamento, a que, por sua vez, acarretaria o uso de defesas mais maduras e a melhora do padrao das relaçoes objetais; a psicanálise, ao contrário, tem por objetivo a elaboraçao do conflito primário11. Segundo Kernberg12, o objetivo da psicanálise seriam as alteraçoes da estrutura - a integraçao dos conflitos inconscientes recalcados ou dissociados no ego consciente -, enquanto o objetivo das psicoterapias psicanalíticas seria a reorganizaçao parcial da estrutura psíquica num contexto de mudanças sintomáticas significativas.
A literatura a respeito dos objetivos terapêuticos para a psicoterapia psicanalítica é escassa e desatualizada, ao passo que a literatura sobre esse tema em análise é abundante. Assim, o psicoterapeuta psicanalítico pode se beneficiar da literatura disponível sobre análise para formular objetivos terapêuticos para a sua prática. Para justificar a validade da importaçao dos conceitos da técnica analítica para a prática psicoterápica, recorre-se a Green:
Vemos bem que o polimorfismo da populaçao de pacientes que estao em psicoterapia com psicanalistas e que nao se contentam em receber ajuda de outros, a nao ser de analistas, constitui uma populaçao original e única em que um autêntico trabalho psicanalítico pode, às vezes, se dar. Pode-se concluir que o aprendizado da psicoterapia exercida por um psicanalista é uma necessidade nova na formaçao do psicanalista.13Nas diferenciaçoes entre a análise propriamente dita e a psicoterapia psicanalítica, sabe-se que a primeira se caracteriza por ser um processo mais longo e profundo de autoconhecimento, o qual promove mudanças estruturais para a vida toda. Já a psicoterapia psicanalítica trata de pontos de urgência, é mais breve e promove mudanças circunstanciais. De qualquer maneira, como o próprio Green mencionou acima, mesmo em uma psicoterapia, um trabalho autenticamente psicanalítico pode às vezes se dar... Para ele, a psicoterapia nasce essencialmente da impossibilidade de se pôr em prática uma situaçao que respeite as exigências do modelo13. E isso pode ocorrer por diagnóstico, problemas financeiros, ou pelo simples desejo do contratante. Pesquisas de resultados têm demonstrado a efetividade de ambas as formas de tratamento para os distúrbios emocionais14;15;16;17;18;19;20;21.
(...) em primeiro lugar, que o paciente nao mais esteja sofrendo de seus sintomas e tenha superado suas ansiedades e inibiçoes; em segundo, que o analista julgue que foi tornado consciente tanto material reprimido, que foi explicada tanta coisa ininteligível, que foram vencidas tantas resistências internas, que nao há necessidade de temer uma repetiçao do processo patológico em apreço.25A partir desse argumento, pareceria que a tarefa seria da ordem do impossível e que, para se obter algum sucesso, ter-se-ia de empreender análises intermináveis ou demasiadamente longas. Nesse sentido, Freud pergunta-se: é possível que o tratamento analítico promova normalidade psíquica absoluta? E por acaso, isso existe? Assim, concluir que a alta ou o término do tratamento estejam ligados a alcançar os objetivos firmados no contrato - ou seja, transformar queixas e pedidos de ajuda em demanda para tratamento - parece razoável e esperado.
Mesmo que a análise retroceda aos estágios mais antigos do desenvolvimento (...), os resultados ainda assim poderao variar de acordo com a severidade e estrutura do caso. Em outras palavras, apesar do progresso feito em nossa teoria e nossa técnica, devemos ter em mente as limitaçoes da terapia psicanalítica28.Dessa forma, os psicoterapeutas psicanalíticos reavaliam suas expectativas juntamente com Klein26 e percebem como metas para o tratamento: 1) que as ansiedades persecutória e depressiva nao sejam excessivas; 2) que o ego seja estável; 3) que o paciente tenha senso de realidade e profundidade (riqueza da vida de fantasia e capacidade para experienciar emoçoes livremente); e 4) que a vivência do término do tratamento, a dessidealizaçao do analista e o trabalho exaustivo da transferência negativa sejam alcançados.
Ao praticar psicanálise, tenho o propósito de me manter vivo, me manter bem, me manter desperto. Objetivo ser eu mesmo e me portar bem. Uma vez iniciada uma análise espero poder continuar com ela, sobreviver a ela e terminá-la32.Como primeiro objetivo de um tratamento, o autor indica que todo o processo terapêutico deve visar a seu fim. Os psicoterapeutas responsáveis avaliam-se constantemente quanto a sua capacidade para manter pacientes em tratamento, evitando abandonos e analisando tanto material inconsciente quanto possível. Deve-se admitir ser infinita a necessidade do terapeuta de investigar, construir e reconstruir histórias e fantasias junto com os pacientes de acordo com as diversas teorias que acaba aprendendo ao longo do seu desenvolvimento profissional. Eis o paradoxo do treinamento de todo o terapeuta: deve aprender a manter seus pacientes, mas, ao mesmo tempo, precisa desejar que seu trabalho chegue ao fim no menor tempo possível; também se espera que nao se façam muitos estragos ao longo desse percurso. Os objetivos sao do paciente e o mérito também. Diz o autor: "Sempre me adapto um pouco às expectativas do indivíduo, de início. Seria desumano nao fazê-lo. Ainda assim, me mantenho manobrando no sentido de uma análise padrao"32.
Se nosso objetivo continua a ser verbalizar a conscientizaçao nascente em termos de transferência, entao estamos praticando análise; se nao, entao somos analistas praticando outra coisa que acreditamos ser apropriada para a ocasiao. E por que nao haveria de ser assim?34Para ele, o trabalho terapêutico acaba modificando o eu do paciente de diversas formas. Daí sua insistência em que os terapeutas sejam sujeitos discretos e simples nas vidas de seus pacientes. Levando em consideraçao a ideia heideggeriana da continuidade da própria existência, acreditava que os seres humanos nasciam dotados de um impulso para o desenvolvimento que, quando nao atrapalhado por provisoes ambientais falhas, levava o sujeito adiante. Criou, entao, uma teoria de objetos rumo à independência,35 preceito que se repetiria durante a psicoterapia.
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