ISSN 1516-8530 Versão Impressa
ISSN 2318-0404 Versão Online

Revista Brasileira de Psicoteratia

Submissão Online Revisar Artigo

Rev. bras. psicoter. 2013; 15(3):71-80



Relato de Caso

Atendimento em psicoterapia dinâmica breve: relato de caso

Care in brief dynamic psychotherapy: case report

Simone Salviano Alves

Resumo

Neste trabalho, é apresentado um caso de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) de início tardio, encaminhado para atendimento na área de psicoterapia dinâmica breve (PDB). O trabalho com o paciente se centrou nos aspectos relacionados ao evento estressor e às dificuldades acarretadas por ele, buscando minimizar os prejuízos do paciente e ajudá-lo a alcançar objetivos determinados. A análise deste caso veio a corroborar que pacientes com TEPT de início tardio também podem ser beneficiados com a PDB.

Descritores: Transtornos de Estresse Pós-Traumático; Psicoterapia Breve; Psicoterapia.

Abstract

In this work, a case of delayed onset Post-Traumatic Stress Disorder (PTSD) referred for attendance at the brief dynamic psychotherapy (BDP) area. The work with the patient centered around the aspects related to the stressor event and the difficulties brought about by it, seeking to minimize the patient's losses and help him achieve certain goals. The analysis of this case corroborates that delayed onset PTSD can also benefit through BDP.

Keywords: Stress Disorders, Post-Traumatic; Psychotherapy, Brief; Psychotherapy.

 

 

INTRODUÇAO

Os avanços dos estudos psicanalíticos entre os anos de 1946 e 1965, aliados às mudanças sociais e econômicas, exigiram uma maior flexibilidade nos modelos de assistência à saúde mental estabelecidos até entao. A crescente procura de ajuda terapêutica por parte da massa consultante, dotada de recursos econômicos limitados, propiciou o surgimento da chamada psicoterapia breve de orientaçao psicanalítica ou psicoterapia dinâmica breve (PDB)1.

Apesar de ter como base os pressupostos teóricos conceituais da psicanálise, a PDB possui características que lhe configuram uma estrutura própria2. É uma técnica psicoterápica ativa, com tempo objetivos limitados, que visa à superaçao de sintomas críticos e de problemas atuais da realidade cotidiana do paciente, dentro de uma abordagem flexível e individualizada3.

Na PDB, trabalha-se visando à estimulaçao e ao reforço das capacidades autônomas do paciente, sem, no entanto, perder de vista as limitaçoes dos objetivos terapêuticos em funçao das necessidades mais imediatas4. Essa reduçao de metas levou muitos autores a se interrogarem acerca de quem pode ou nao ser beneficiado com essa abordagem5.

Alguns estudiosos afirmam que os indivíduos que melhor respondem à PDB sao os que dispoem de uma boa força egoica e de boa capacidade para a abstraçao e a interaçao, enquanto outros dizem que sao o caso clínico e o psicoterapeuta os que definirao a indicaçao (ou nao) para esse tipo de psicoterapia tendo em vista os princípios e possibilidades da própria abordagem6,7. Postulam, ainda, que, embora possa haver variaçao, a PDB oferece grandes possibilidades de beneficiar praticamente a totalidade de pacientes que procuram auxílio psicológico5.

Como a maioria das terapêuticas breves, a PDB adota, especialmente, o princípio da flexibilidade, buscando se organizar em funçao de uma avaliaçao geral da situaçao apresentada no ato da primeira sessao. Avalia-se nao só o grau de debilidade do paciente, como também o potencial adaptativo de sua personalidade, objetivando realizar uma orientaçao que possibilite, entre outras coisas, o fortalecimento das áreas do ego que se encontram livres de conflitos. Assim, trata-se de uma abordagem especialmente adequada para pacientes com essa margem de possibilidade, como aqueles que apresentam fobias, estresses e traumas. No entanto, cabe destacar que, para o tratamento de alguns quadros, tais como os de psicoses severas, as contribuiçoes da psicoterapia dinâmica breve continuam sendo consideravelmente limitadas5,7.

No presente trabalho , é apresentado o relato de um caso clínico atendido com PDB envolvendo um paciente com transtorno de estresse Pós-Traumático (TEPT) de início.

Para tanto, tecemos consideraçoes breves sobre o TEPT, além de apontarmos possibilidades e desafios que emergiram durante o atendimento do caso. Ressalta-se que a abordagem, as intervençoes psicoterápicas e psicossociais do TEPT, indicadas tanto para prevençao como para o tratamento, devem se basear em intervençoes breves, compostas por discussoes sobre o evento traumático e a "normalizaçao" das reaçoes psicológicas associadas, devendo envolver apoio, aconselhamento e foco em medidas adaptativas em curto prazo. Assim, é possível identificar a compatibilidade dessas condiçoes com os objetivos e as propostas de açao da PDB2,8,13.


TEPT - BREVES CONSIDERAÇOES

A ideia de que vivências traumáticas trazem consequências danosas para a mente humana nao é recente: o próprio termo "neurose traumática" aparece já em 1889, na Alemanha, para fazer referência a alteraçoes orgânicas que decorreriam de eventos traumáticos8. No entanto, o termo "transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) surgiu apenas em 1980, configurando uma nova possibilidade de diagnóstico, proposto pelo Manual de Diagnósticos e Estatísticas dos Distúrbios Mentais (DSM III). Essa validaçao significou o reconhecimento do padecimento de pessoas cujas histórias traumáticas nao eram aceitas como determinantes de seu sofrimento9.

A quarta ediçao com texto revisado do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV TR), apresenta seis itens contendo vários critérios para o diagnóstico de TEPT. Sao eles: 1) exposiçao a um evento traumático com morte, grave ferimento ou real ameaça e resposta de medo intenso, impotência ou horror; 2) revivência do evento traumático que leve o paciente a agir como se o evento estivesse ocorrendo novamente, ou que se manifeste mediante recordaçoes aflitivas, recorrentes e intrusivas do evento; sonhos aflitivos e recorrentes com o evento; sofrimento psicológico intenso ou reatividade fisiológica quando exposto a alguma lembrança do evento; 3) esquiva persistente de estímulos associados ao trauma; 4) sintomas persistentes de excitabilidade aumentada. Além disso, os sintomas, de acordo com o referido manual, envolvem um quadro de resposta tardia ou prolongada de intenso medo, impotência ou horror, após a exposiçao a um evento traumático extremo10.

A diferença do DSM-IV, a Classificaçao Internacional de Doenças (CID 10) apresenta diretrizes menos específicas em relaçao aos critérios para a realizaçao do diagnóstico do TEPT, listando dez sintomas clínicos que devem ser observados nos pacientes, a saber: episódios de repetidas vivências do trauma como memórias intrusas, ou sonhos; sensaçao de entorpecimento emocional; afastamento de outras pessoas; falta de responsividade ao ambiente; anedonia e evitaçao de atividades que recordam o trauma; hiperexcitaçao com hipervigilância e insônia (CID). Assim, a sintomatologia do TEPT é dividida em três grupos principais: o relacionado à experiência traumática; à esquiva e ao distanciamento emocional; e, por fim, à hiperexcitabilidade psíquica (p. 4)11,12

Comparados com os do DSM-IV, os critérios de diagnósticos para o TEPT do DSM-V detalham a constituiçao de eventos traumáticos condutores de desvios da rotina de vida do paciente. Na nova versao, o foco passa para os sintomas comportamentais divididos em quatro grupos diagnósticos principais: 1) reexperimentar, que abrange aspectos como memórias do evento traumático e flashbacks constantes; 2) esquiva, que se refere a pensamentos negativos recorrentes relacionados ao trauma e que provocam comportamentos evitativos que limitam o indivíduo socialmente; 3) cogniçoes negativas e humor, com a presença de sentimentos de culpa e a distorçao das memórias do evento estressor; 4) excitaçao, marcada pela agressividade, imprudência e distúrbios do sono. Nessa nova versao do Manual, o diagnóstico passa a depender da continuidade dos sintomas, que devem persistir por mais de um mês, e é suprimida a distinçao entre as fases aguda e crônica, dispostas na versao anterior13.

Diante do exposto, é possível afirmar que o TEPT é um transtorno psicológico que ocorre em resposta a uma situaçao ou evento estressante de natureza ameaçadora ou catastrófica. Por outro lado, o subtipo em questao, ou seja, o transtorno de estresse pós-traumático de início tardio, caracteriza-se, especialmente, pelo aparecimento dos sintomas pelo menos seis meses após o evento estressor (p. 4)14

Sabe-se que eventos traumáticos também podem desencadear outros tipos de transtorno; por isso, antes de diagnosticar um TEPT, é necessário levar em consideraçao questoes referentes ao diagnóstico diferencial. O transtorno dissociativo, por exemplo, envolve um evento estressor, porém, nesse caso, o paciente reprime as lembranças relacionadas a ele e forma uma nova identidade. O transtorno de ajustamento também se assemelha em parte ao TEPT, mas supoe sintomas que se apresentam em um espaço de tempo relativamente mais curto. Observa-se que o diagnóstico do TEPT é uma tarefa complexa, o que faz com que a divulgaçao de casos que envolvam tal situaçao possa contribuir para a construçao e divulgaçao do conhecimento na área.


RELATO DO CASO

Identificaçao e descriçao do paciente


Joao (nome fictício), 26 anos, sexo masculino, solteiro, caucasiano branco, brasileiro, segundo grau completo, trabalhador autônomo, evangélico, estatura e peso médios, proveniente do Estado da Paraíba, Brasil.

Impressoes iniciais

Na primeira sessao, Joao chegou pontualmente, mas demonstrando receio em relaçao ao ambiente. Aguardou ser chamado para entrar na sala e só sentou quando solicitado. Após as devidas apresentaçoes, afirmou nao saber como funcionava a terapia e que a havia procurado por orientaçao de um amigo. A terapeuta fez esclarecimentos acerca da PDB de modo geral, percebendo interesse e um bom nível de compreensao por parte do paciente. O desenrolar positivo do encontro possibilitou o estabelecimento do vínculo terapêutico já na primeira sessao.

Queixa principal

Ao ser questionado sobre o motivo da procura, Joao mencionou o fato de nao conseguir sucesso nos exames de autoescola apesar de já ter tentado quatro vezes.

Sintomas apresentados

Insônias e pesadelos constantes que envolviam conteúdos de agressao e humilhaçao; reaçoes de fuga e esquiva exageradas, especialmente em relaçao a atividades que envolvessem o uso de motocicletas ou a conversas relacionadas à sua família; falta de concentraçao, especialmente no trânsito; episódios de pânico (taquicardia, transpiraçao, tremores e medo de morrer); e a referida dificuldade em conduzir motocicletas.

Síntese da história pregressa e atual

Até os seis anos de idade, Joao morou com os pais e os irmaos, desfrutando de uma família bem estruturada. Seus pais sofreram um acidente de automóvel em decorrência do qual sua mae faleceu; o pai, entao, começou a ingerir bebida alcoólica de forma abusiva, chegando a entregar os filhos a parentes e desaparecer. Separado dos irmaos, Joao passou a morar com a avó paterna e um tio. Nessa época, começou a ser responsável por todas as atividades domésticas (lavar, passar, cozinhar e varrer), enquanto a a avó e o tio permaneciam deitados fumando, tomando café e vendo televisao.

Só aos dez anos de idade começou a estudar e, aos treze anos, começou a trabalhar como entregador de gás, fazendo as entregas em uma bicicleta. Nessa época, precisava realizar as atividades domésticas, estudar e trabalhar. Por conta do acúmulo de tarefas, a avó do paciente passou a acompanhar de perto a realizaçao do serviço doméstico, alegando que estava sendo mal feito. Quando nao gostava do resultado, repreendia o neto com agressoes físicas e verbais. Ao completar 18 anos, Joao realizou o que ele disse ser o seu maior sonho na época: sair de casa e morar só. Ele se mudou para uma cidade vizinha e conseguiu um emprego de caixa de supermercado, morando sozinho ali por três meses, até conseguir um amigo para dividir as despesas de um apartamento. Apesar de tímido, relatou conseguir se relacionar satisfatoriamente com as pessoas, principalmente no ambiente de trabalho.

Aos 24 anos, nos tempos livres, começou a vender roupas de porta em porta para complementar a renda e, assim, poder comprar uma motocicleta. Realizou a compra aos 25 anos, mas, como nao tinha muita prática, passou a receber instruçoes de direçao de um amigo. Logo começou a conduzir o veículo sozinho, apesar de ainda nao possuir a carteira nacional de habilitaçao (CNH). Com maior facilidade de locomoçao para vender roupas, Joao abandonou o emprego fixo.

Depois de muito tempo sem ver a avó, em um dia de trabalho, Joao a encontrou ocasionalmente na rua. Ao reconhecê-lo, ela se dirigiu até ele, que estava em sua motocicleta parado em um sinal de trânsito e o agrediu com uma bolsa no momento em que Joao dava a partida no veículo, provocando uma queda que provocou uma forte pancada na cabeça. Em decorrência disso, o paciente passou dois dias no Centro de Terapia Intensiva (CTI) e aproximadamente dois meses com a perna direita imobilizada. Na ocasiao, por nao possuir a CNH, sua motocicleta foi apreendida. Cinco meses depois, já recuperado, Joao voltou a trabalhar com vendas, utilizando a motocicleta de um amigo. Resolveu iniciar as aulas na autoescola para obter a CNH e realizar o seu trabalho de forma legal. Porém, nas quatro tentativas feitas até a primeira sessao de psicoterapia, sofreu com todos os sintomas anteriormente citados e, consequentemente, nao obteve êxito. O paciente relatou ainda que passou a ter uma dificuldade repentina para conduzir o veículo em questao, mesmo para fazer as vendas como de costume, pois nao conseguia se concentrar como antes no trânsito e, por isso, tinha receio de sofrer outro acidente. Os prejuízos físicos e materiais que resultaram do acidente foram apontados por ele na tentativa de justiçar as dificuldades que se apresentavam, mas também foi relatada a associaçao direta do veículo à imagem da avó.

Os principais sintomas apresentados pelo paciente foram: insônias e pesadelos constantes que envolviam conteúdos de agressao e humilhaçao; reaçoes de fuga e esquiva exageradas, especialmente em relaçao a atividades que envolvessem o uso de motocicletas ou a conversas relacionadas à sua família; falta de concentraçao, especialmente no trânsito; episódios de pânico (taquicardia, transpiraçao, tremores e medo de morrer); e a dificuldade em conduzir motocicletas

Súmula

Paciente lúcido, cooperativo, globalmente orientado. Memória, inteligência, sensopercepçao e linguagem sem alteraçoes. Consciência do eu preservada, humor ansioso, vontade e pragmatismo preservados, consciência da dificuldade atual. Imagem narcísica levemente alterada.

Hipóteses de trabalho

- Hipótese diagnóstica: transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) de início tardio. Para o DSM-IV (1994/1995), um requisito para esse diagnóstico é identificar o evento traumático (agente estressor) que tenha representado ameaça à vida do portador do distúrbio ou de uma pessoa querida e perante o qual se sentiu impotente para esboçar qualquer reaçao. Esclarecemos que, na época em que o paciente foi atendido, os critérios diagnósticos vigentes eram os da referida versao do manual de diagnósticos (DSM-IV); atualmente, o DSM-V propoe algumas alteraçoes em relaçao a essa problemática.

- Hipóteses psicodinâmicas: a) dificuldade em elaborar o evento traumático vivido; b) dificuldade em relacionar o evento estressor com a problemática apresentada; c) sentimento de culpa em relaçao ao evento traumático; d) frustraçao por nao ter sido aprovado nos exames da autoescola.

- Foco: trabalhar aspectos relacionados ao evento estressor e à dificuldade de aprovaçao na autoescola.

- Atendimento: Inicialmente foram propostas doze sessoes, mas, posteriormente, houve a necessidade de quatro encontros adicionais, totalizando dezesseis sessoes.

Evoluçao do caso

O paciente foi acompanhado sistematicamente, nos dois meses em que frequentou as sessoes de PDB, em encontros que ocorriam em média duas vezes por semana. O ponto de partida para o estabelecimento da relaçao terapêutica em PDB foi a entrevista preliminar, realizada mediante as duas primeiras sessoes com o paciente e conduzida pelo terapeuta com o objetivo de: estabelecer uma relaçao terapêutica, viabilizar a elaboraçao de uma história clínica (anamnese), avaliar o diagnóstico-prognóstico, promover uma devoluçao diagnóstica-prognóstica, estipular metas terapêuticas, delimitar a duraçao do tratamento, explicitar o método de trabalho e fixar as normas de trabalho

A sequência de atendimento desenvolveu-se em torno do foco anteriormente descrito, com base nos princípios da referida abordagem. A terapeuta buscou estabelecer uma relaçao de indagaçao centralizada, esclarecendo as conexoes significativas entre a biografia, a transferência de vínculos básicos conflituosos para as relaçoes atuais e os sintomas apresentados. Assim, o objetivo principal do atendimento em PDB foi proporcionar uma imagem global das inter-relaçoes em foco a fim de clarificar as situaçoes de crise. Para isso, foi indispensável criar um contexto sem ambiguidades, livre de discriminaçoes, frustraçoes e privaçoes sensoriais. Tais aspectos foram instaurados paulatinamente em sessoes semanais com duraçao de aproximadamente 45 minutos que se estenderam por quatro meses de atendimento.

Após duas semanas de acompanhamento, o paciente já estava conseguindo confrontar seus sentimentos ambivalentes, principalmente em relaçao à avó e ao evento estressor vivenciado. Nessa época, retomou as aulas na autoescola, dedicando-se integralmente a essa atividade. A medida que o novo teste de direçao se aproximava, as questoes direcionadas à remissao dos sintomas eram enfatizadas. A terapeuta optou por trabalhar a tríade apoio-esclarecimento-docência, visando a fortalecer o paciente, elucidar questoes pouco elaboradas por meio da auto-observaçao por parte do paciente e proporcionar informaçoes de ordem prática, úteis para a resoluçao da problemática. Algumas dificuldades emergiram em forma de insegurança e intençao de desistir do exame, mas foram contornadas por posturas motivacionais e compreensivas da terapeuta. Na penúltima sessao, Joao havia sido aprovado na autoescola e verbalizado que considerava seu caso resolvido. A terapeuta marcou uma última sessao, na qual realizou um balanço geral do caso, discutiu os avanços alcançados e sinalizou estratégias de manutençao da estabilizaçao do quadro.


DISCUSSAO

Diante da situaçao apresentada pelo paciente, inicialmente a terapeuta suspeitou tratar-se de um caso de TEPT, porém, considerando maiores detalhes da situaçao e dos intervalos de tempo envolvidos, constatou o início tardio da instalaçao dos sintomas que caracterizam o transtorno.

O subtipo TEPT de início tardio surge como resposta tardia (pelo menos seis meses de intervalo) após o evento estressor potencialmente traumático; mas apresenta os mesmos enquadramentos sintomáticos do TEPT, podendo ser considerado uma extensao desse transtorno. No caso relatado, o paciente havia sofrido um acidente seis meses antes de começar a apresentar os sintomas referidos anteriormente, quais sejam: insônias e pesadelos constantes, reaçoes de fuga e esquiva exageradas, falta de concentraçao, especialmente no trânsito, e episódios de pânico (taquicardia, transpiraçao, tremores e medo de morrer). Antes disso, havia conseguido retomar sua rotina normalmente, por um curto período de tempo8,13.

O quadro descrito no DSM IV-TR caracteriza o TEPT (de início tardio ou nao), por uma revivência persistente do evento traumático (inclusive por pesadelos) e, consequentemente, uma esquiva também recorrente de estímulos associados ao trauma, além de um alheamento geral e de excitabilidade aumentada. Esses sintomas foram apresentados pelo paciente diante da necessidade de fazer uso da motocicleta para realizar as aulas e os exames da autoescola.

De acordo com o Manual, para ser diagnosticado o transtorno, o quadro precisa ser importante a ponto de causar um sofrimento clinicamente significativo, ou um prejuízo no funcionamento social e/ou ocupacional. Tal prejuízo pode ser identificado na dificuldade de trabalhar que o paciente estava encontrando: por nao conseguir conduzir o veículo com segurança, ele estava impossibilitado de realizar o seu trabalho e ter êxito no exame de direçao10,11.

As limitaçoes decorrentes do quadro clínico de Joao também se refletiam em sentimentos de culpa, rejeiçao e humilhaçao, tanto em relaçao ao ocorrido com a avó, causa do acidente, quanto em relaçao ao fracasso nas avaliaçoes. Pacientes com TEPT de início tardio, em alguns casos, podem demonstrar culpa, rejeiçao e humilhaçao associadas a todos os demais sintomas. Nesses casos, a necessidade de intervençao é ainda mais proeminente, pois a referida associaçao sinaliza maior risco de comorbidades14.

Diante dessa constataçao, a terapeuta pôde traçar um plano de açao visando, em um curto período de tempo, promover o controle dos sintomas e a elaboraçao das principais questoes relacionadas ao foco do processo terapêutico em questao. Como meta principal do paciente, foi colocada a aprovaçao no exame da autoescola, sucesso que veio como resultado de uma açao ancorada no tripé apoio-esclarecimento-docência. Visando a esse êxito, a terapeuta precisou oferecer um vínculo protetor, motivador, diretivo e orientador. Dessa forma, o paciente teve a oportunidade de desenvolver a capacidade de colaborar ativamente com o seu tratamento, facilitando o desenrolar do processo terapêutico como um todo.


CONSIDERAÇOES FINAIS

Como foi possível observar neste relato, o atendimento ao paciente com TEPT de início tardio é bastante específico, principalmente por se tratar de um quadro que acarreta limitaçoes e prejuízos imediatos e funcionais à vida do paciente. O fato de a PDB proporcionar o desenvolvimento de uma imagem global das inter-relaçoes centralizadas em focos de descompensaçao, clarificando a situaçao de crise, coloca essa abordagem como uma opçao a ser considerada no tratamento desse transtorno. Outro motivo para isso sao as suas propostas de tratamentos breves e planejados. É possível concluir que a conduçao do caso levantou questoes relevantes acerca do tema em foco, porém nao pretendeu esgotá-lo, visto que muito ainda se tem a percorrer visando a contribuir com a construçao de conhecimento na área.


REFERENCIAS

1. Cunha PJ Azevedo MASB. Um caso de transtorno de personalidade borderline atendido em psicoterapia dinâmica breve. Brasília: Psicologia Teoria e Pesquisa; 2001;17(1):05-7.

2. Azevedo MASB. Psicoterapia breve: consideraçoes sobre suas características e potencialidade de aplicaçao na psicologia clínica brasileira. Rio de Janeiro: Arquivos Brasileiros de Psicologia; 1983;35(1):92-13.

3. Cordioli AV. Psicoterapias: abordagens atuais. Porto Alegre: Artes Médicas; 2007.

4. Braier EA. Psicoterapia breve de orientaçao psicanalítica. Sao Paulo: Martins Fontes; 2008.

5. Fiorini HJ. Teoria e técnicas de psicoterapias. Rio de Janeiro: Martins Fontes; 2008.

6. Wolberg LR. Short-term psychotherapy. Nova York: Grune & Stratton; 1969.

7. Marmor J. Short-Term Dynamic Psychotherapy. Nova York: American Journal of Psychiatry; 1979;136(1):149-7.

8. Soares BGO, Lima MS. Estresse pós-traumático: uma abordagem baseada em evidências. Sao Paulo: Revista Brasileira de Psiquiatria; 2003;25(1):62-6.

9. American Psychiatric Association. Manual de diagnóstico e estatística dos distúrbios mentais: DSM-III. Lisboa: Portuguesa de Livros Técnicos e Científicos; 1986.

10. Wilson JP. The historical evolution of PTSD Diagnostic criteria: from Freud to DSM-IV-TR. In: Everly Jr GS, Lating JM. Psychotraumatology: key papers and core concepts in post- traumatic stress. New York: Plenum; 1995. p. 9-26.

11. American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-IV. 4a ed. Porto Alegre: Artes Médicas; 1995.

12. Organizaçao Mundial da Saúde. Classificaçao de transtornos mentais e de comportamento da CID-10: Descriçoes clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artes Médicas; 1993.

13. Posttraumatic Stress Disorder. Disponível em: http//www.dsm5.org. Acessado em dez. 2013.

14. Filho JWC, Sougey EB. Transtorno de estresse pós-traumático: formulaçao diagnóstica e questoes sobre comorbidade. Sao Paulo: Revista Brasileira de Psiquiatria; 2001;23(4):221-8.

15. Sadock BJ, Sadock VA. Transtorno de estresse pós-traumático. In: Compêndio de psiquiatria. Porto Alegre: Artmed; 2007 p. 665-9.










Graduada em Psicologia - UFPB (mestranda em Psicologia Social - UFPB) - Joao Pessoa - PB - Brasil

Instituiçao: Universidade Federal da Paraíba

Correspondência
Simone Salviano Alves
Rua Professor Francisco das Chagas Almeida, Nº 187, Bairro Bancários
58051500, Joao Pessoa, Paraíba/Brasil
simone.psico@bol.com.br

Submetido em 06/09/2013
Devolvido ao autor em 31/10/2013
Retorno do autor em 25/11/2013
Devolvido ao autor em 28/11/2013
Retorno do autor em 11/12/2013
Aceito em 07/01/2014

 

artigo anterior voltar ao topo próximo artigo
     
artigo anterior voltar ao topo próximo artigo