Rev. bras. psicoter. 2013; 15(3):83-90
Libermann Z. Tempo, memória e ressignificaçao. Rev. bras. psicoter. 2013;15(3):83-90
Artigos Especiais
Tempo, memória e ressignificaçao*
Time, memory and re-signification*
Zelig Libermann
Resumo
Abstract
TEMPO E TEMPORALIDADE
Nas diversas teorias psicanalíticas sobre o desenvolvimento psíquico encontramos descriçoes sobre a continuidade e a tendência inata ao crescimento pessoal. A medida que o sujeito alcança autonomia e cria uma identidade, percebe-se como um ser individualizado com uma subjetividade própria.
Nesse processo de desenvolvimento, a noçao de tempo, fruto da evoluçao acima referida, constituise (junto com a noçao de espaço) em um importante elemento na formaçao da subjetividade.
O tempo, segundo Jacques André1,
"(...) nao é um dado imediato da subjetividade. A temporalidade, as temporalidades têm uma gênese psíquica mais ou menos cumprida, mais ou menos bem-sucedida, muitas vezes fracassada, esboçada, às vezes até mesmo nao constituída. A inscriçao psíquica no tempo, a temporalizaçao, nao é um dado, é quando muito um resultado"1 (p. 56).Em psicanálise, a noçao de que o tempo nao é um a priori do ser humano, mas algo a ser construído, tem origem na obra de Freud. Para ele, a representaçao do tempo está ligada ao sistema percepçaoconsciência, mas nao se aplica ao sistema inconsciente: "Isto significa que [os conteúdos inconscientes] nao se ordenaram temporalmente, que o tempo nao os altera em nada, que nao há representaçao de tempo para eles"2 (p. 28).
(...) no capítulo Psicoterapia da histeria, que Freud escreveu [em Estudos sobre histeria], ele nos mostra um modelo muito preciso, e ele vê a mente constituída de camadas concêntricas de memória (...) e caminhos radiais que atravessam essas camadas e estabelecem ligaçoes entre elementos pertencentes a diferentes camadas4 (p.1030).Ao de atemporalidade do inconsciente, Freud acrescentou outros conceitos relacionados a essa transformaçao: fantasias primordiais, pulsao, compulsao à repetiçao, repressao e a amnésia infantil decorrente, fixaçao, regressao, sonho, entre outros, sao elementos do psiquismo que condicionam a simultaneidade dos tempos.
[...] Tu sabes que trabalho com a hipótese de que nosso mecanismo psíquico se gerou por uma estratificaçao sucessiva, pois de tempo em tempo o material pré-existente de marcas mnêmicas experimenta uma reordenaçao segundo novos nexos, uma retranscriçao. O essencialmente novo em minha teoria é, entao, a tese de que a memória nao pré-existe de maneira simples, senao múltipla, está registrada em diversas variedades de signos5 (p. 274).A diferença do que se poderia considerar em um primeiro momento, isto é, que nosso "baú" da memória se formaria apenas pela "deposiçao" de acontecimentos que seriam registrados subsequentemente e conforme cada época da vida, Freud propôs que um mesmo registro pode sofrer diferentes transcriçoes à medida que as lógicas do desenvolvimento se sucedem.
"Nos tempos do despertar, as recordaçoes da infância nao afloraram, como se costuma dizer, senao que foram formadas nesse momento; e uma série de motivos, aos quais é alheio o propósito da fidelidade histórico-vivencial, influenciou sobre essa formaçao e sobre a seleçao de recordaçoes"8 (p. 315).A partir dessas ideias iniciais e da intuiçao da importância da fantasia confrontada com a realidade, Freud formulou um modelo da mente cada vez mais centrado na importância da realidade psíquica; nesse modelo, progressivamente, a relevância da verdade vivencial passou a ser considerada lado a lado com a importância da verdade factual.
(...) Nao basta uma única operaçao do aparelho. A circulaçao, o percurso do circuito, exige sua reproduçao para estabilizar o processo. A marca deixada por uma só operaçao solicita sem cessar uma nova passagem por ela, necessária para a constituiçao do sujeito. (...) O sujeito se constitui na repetiçao que marca a passagem renovada por marcas anteriores7 (p. 106).
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