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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2012; 14(3):9-11



Editorial a convite

O ensino em psicoterapia e os diversos instrumentos para a edificaçao de novos cenários

The teaching of psychotherapy and the various instruments for the edification of new sceneries

Cássia Regina Rodrigues Varga*

 

 

A finalizaçao dos três números temáticos sobre o ensino da psicoterapia no Brasil, idealizados em meados de 2011 e finalizados com a ediçao do volume 2 de 2012 da Revista Brasileira de Psicoterapia, materializa a conquista de uma ideia original, gestada durante uma semana em 1989 e outra em 1991 e historiada por Sidnei Schestatsky, de focalizar preferencialmente conteúdos ligados à teoria e prática das psicoterapias. A época, o eixo central do projeto editorial era alimentado pela "convicçao da importância de se vincular a psicanálise e suas aplicaçoes a instituiçoes universitárias, tanto como uma forma de propiciar um desenvolvimento e um debate mais amplo e rigoroso dos seus conceitos e processos, como uma oportunidade de interagir de forma menos ideológica e mais acadêmica com modelos alternativos da mente e seu tratamento"1.

Embora no nascedouro o referencial psicanalítico ocupasse um lugar central, o novo formato editorial consagra a diversidade e a pluralidade metodológica da formaçao em psicoterapia e dos desejos de 1989. Na atualidade brasileira, o convite para a realizaçao de mudanças na educaçao no campo da saúde tem sido expresso desde meados da década de 90, e suas diretrizes sao marcadas pelo: reconhecimento do outro como sujeito; processo de cuidado baseado na relaçao dialógica; enfoque interdisciplinar na construçao do conhecimento, na responsabilizaçao profissional e na demoliçao das fronteiras entre pesquisa, trabalho e ensino-aprendizagem2.

Por essa razao, a apresentaçao dos diferentes cenários de ensino que configuram a formaçao brasileira permite a identificaçao de necessidades tanto das instituiçoes formadoras quanto dos profissionais que buscam tais instituiçoes, como, ainda, das necessidades do próprio contexto ético, social, político e cultural. A despeito das controvérsias de posiçoes sobre modernidade e pós-modernidade, a ciência contemporânea, invadida pelo ideário da especializaçao, produziu avanços vitais ao nosso desenvolvimento em paralelo com uma racionalidade técnica calcada no reducionismo e no objetivismo, cuja repercussao precisa ser analisada e pesquisada por todos nós.

A contemporaneidade, constituída por amplas cineses, mutaçoes, revoluçoes tecnológicas - biotecnologia, nanotecnologia e robótica -, coloca as pessoas em constante movimento e imprime problematizaçoes ao campo e aos fazeres psicoterápicos. Dessa forma, o ensino das psicoterapias é instigante e exige de todos nós reflexoes permanentes e revisoes sistemáticas.

Além disso, do ponto de vista histórico, os processos de análise e avaliaçao da competência profissional sempre foram realizados na informalidade ou estiveram vinculados à fiscalizaçao dos conselhos profissionais, associaçoes ou, ainda, sociedades. Estamos pouco acostumados a processos de avaliaçao formais do fazer na área da saúde, e, como o ensino-aprendizagem sistematizado em psicoterapia necessariamente ocorre após a graduaçao em cursos Latu Sensu, tanto em psicologia como em medicina, o espaço que publica esses diferentes matizes promove, a meu ver, nao só o conhecimento sobre as instituiçoes, as diferentes estratégias construídas e a visibilidade desses serviços, mas também se edifica como espaço de formaçao e avaliaçao formal, contribuindo para o desenvolvimento dessa discussao e assumindo uma importância ainda maior.

Partindo da premissa de que a tarefa de cada psicoterapeuta de identificar, individualmente, os próprios aspectos que precisam ser melhorados, como capacidades, potencialidades e necessidades, é, por si só, difícil, árdua e, às vezes, limitante, considero que, tanto o auxílio de outros colegas e/ou supervisores mobiliza conflitos pessoais, quanto a leitura de manuscritos que versem sobre a formaçao pode proporcionar indagaçoes e especulaçoes sobre o próprio fazer, pois, na maioria das vezes, as transformaçoes que sao necessárias nao sao possíveis de imediato e, em muitos momentos, impulsiona a evasao das questoes que nos pressionam. Seja de uma forma ou de outra, a vivência desses conflitos sao essenciais para o desenvolvimento ético-profissional.

Por fim, finalizo esta carta com a ideologia, fortalecida com a leitura dos diversos artigos apresentados nos três volumes, de que falar em formaçao do psicoterapeuta implica promover o desenvolvimento de capacidades. Ancorando-me nas palavras de Roosevelt Cassorla, hoje, o processo de ensino-aprendizagem obriga "a se defrontar com questoes éticas. Essas questoes já devem ser levadas em consideraçao quando se selecionam pretendentes a uma formaçao em psicoterapia. O "conhece-te a ti mesmo" socrático envolve preceitos éticos que fazem o psicoterapeuta entrar em contato com sofrimento e conflitos próprios para poder vivenciar o sofrimento do outro e ajudá-lo a desenvolver-se de forma que o paciente usufrua e desenvolva seus recursos próprios. O psicoterapeuta precisa ter consciência de seu poder e de como ele pode ser usado para o bem e para o mal"3. Esse vértice sintetiza o que constitui o pilar central para o ensino da psicoterapia brasileira no século XXI.


REFERENCIAS

1. Schestatsky, S. S. Revista Brasileira de Psicoterapia: uma história sobre a busca de um espaço para o diálogo, crescimento e integraçao. Revista Brasileira de Psicoterapia. 2011;13(3):11-13.

2. Feuerwerker, L. C. M. Gestao dos processos de mudanças na graduaçao em medicina. In Educaçao Médica em transformaçao: instrumentos para a construçao de novas realidades. Sao Paulo: Hucitec, 2004, 17-39.

3. Cassorla, R. M. S. Editorial - A capacidade de sonhar e a ética do psicoterapeuta. Revista Brasileira de Psicoterapia. 2012;14(1):9-12.










*Professora Adjunta do Departamento de Medicina do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Federal de Sao Carlos e membro filiado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Ribeirao Preto.

Correspondência
Cássia Regina Rodrigues Varga
Av. Miguel Damha, 1400/27 - Parque Ecológico Damha
CEP 13565904 - Sao Carlos - SP, Brasil

 

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