Rev. bras. psicoter. 2012; 14(2):17-29
Varga CRR, Turato ER. Proposiçoes curriculares para a formaçao em Psicoterapias de Orientaçao Psicanalítica: o ensaio com metodologias ativas de aprendizagem da Universidade Federal de Sao Carlos. Rev. bras. psicoter. 2012;14(2):17-29
Artigos Originais
Proposiçoes curriculares para a formaçao em Psicoterapias de Orientaçao Psicanalítica: o ensaio com metodologias ativas de aprendizagem da Universidade Federal de Sao Carlos
Curricular propositions for training in Psychoanalytic Psychotherapy: the essay with active teaching methods at the Universidade Federal de Sao Carlos
Cássia Regina Rodrigues Varga*; Egberto Ribeiro Turato**
Resumo
Abstract
INTRODUÇAO
O fazer em psicoterapia exige cada vez mais que o profissional seja capaz de aplicá-la considerando seu sentido mais estrito: "um método de tratamento mediante o qual um profissional treinado, valendo-se de meios psicológicos, especialmente a comunicaçao verbal e a relaçao terapêutica, realiza, deliberadamente, uma variedade de intervençoes, com o intuito de influenciar um cliente ou paciente, auxiliando-o a modificar problemas de natureza emocional, cognitiva e comportamental, já que ele o procurou com essa finalidade"1.
A análise das dificuldades que os profissionais enfrentavam no mercado de trabalho durante a década de 1980 para dar conta das necessidades de saúde das pessoas, em paralelo à discussao sobre os pilares da formaçao no campo da saúde, evidenciou a falta de habilidades com que os profissionais concluíam a graduaçao, consequência das limitaçoes de um processo de ensino-aprendizagem fundado na teoria, na transmissao do conhecimento, entre outros aspectos. Portanto, essa análise apontou as lacunas dos processos de ensino-aprendizagem e a negaçao da formaçao como "ato, efeito ou modo de formar; maneira por que se constituiu uma mentalidade, um caráter, ou um conhecimento profissional"2.
Essa ruptura paradigmática possibilitou que as instituiçoes formadoras da área médica que estavam redefinindo seus modelos de ensino também redefinissem o ensino-aprendizagem em psicoterapia. Até entao, essas escolas realizavam cursos sobre temáticas específicas e/ou seminários clínicos com carga horária delimitada, ofertados a partir das necessidades dos profissionais e/ou de outras instituiçoes. Em funçao desses fatores, o Projeto Político-Pedagógico do Curso de Psicoterapias de Orientaçao Psicanalíticaª foi estruturado de modo a atender três pressupostos: 1) ser orientado por competência; 2) integrar prática e teoria; 3) apresentar uma orientaçao educacional construtivista. A partir desses pressupostos, a estrutura curricular foi organizada em três eixos educacionais: sistematizaçao, prática profissional e avaliaçao que objetivam, respectivamente: 1) desenvolver os elementos teóricos que compoem o processo psicoterápico através de atividades de ensino-aprendizagem, tais como: situaçoes-problema, conferências e grupos de estudos; 2) explorar o fazer por meio de supervisoes, seminários clínicos e psicoterapia pessoal; e 3) acompanhar o desenvolvimento cognitivo e a capacidade crítico-reflexiva alcançados pelos profissionais através de exercícios cognitivos e da elaboraçao de um artigo.
O PROJETO PEDAGOGICO
Este projeto pedagógico e toda a fundamentaçao apresentada para o método do processo de ensino-aprendizagem foram retirados do Projeto Político- Pedagógico do Curso de Medicina da Universidade Federal de Sao Carlos (UFSCar), cuja proposta busca substituir processos de memorizaçao e de transferência de informaçoes e habilidades pela construçao e significaçao de saberes a partir do confronto com situaçoes reais e/ou simuladas da prática profissional, estimulando o desenvolvimento das capacidades crítico-reflexivas e de aprender a aprender3.
As situaçoes simuladas ou reais cumprem o papel de disparadoras do processo de reflexao e de teorizaçao, favorecendo a relaçao com a realidade dos participantes do curso e possibilitando a exploraçao dos desempenhos esperados para o fazer em psicoterapia. A exploraçao das situaçoes-problema objetiva a explicitaçao dos saberes prévios (conhecimentos, valores, percepçoes, experiências, entre outros) trazidos por cada profissional e a identificaçao das necessidades individuais e daquelas comuns ao grupo, propiciando que haja o desenvolvimento da percepçao do que nao se conhece e do que se conhece e estimulando, assim, a construçao de novos significados e saberes que possibilitem o desenvolvimento de competência para o cuidado psicoterápico3. Pautando-se nos referenciais da aprendizagem significativa e de adultos, tanto a problematizaçao das experiências prévias como o encontro com a experiência de outros profissionais potencializam a assimilaçao do conhecimento novo, cuja construçao requer fundamentalmente que o conteúdo seja potencialmente significativo e que haja uma atitude favorável para aprender.
Os momentos do processo de ensino-aprendizagem sao a) identificaçao do problema e formulaçao de explicaçoes e hipóteses: os participantes exploram os contextos que se articulam e conferem singularidade à experiência de saúde-doença apresentada, o que lhes permite expressar o conhecimento preexistente e identificar as capacidades presentes e ausentes em cada um; b) elaboraçao de questoes de aprendizagem: o processo de aprendizagem constitui um enfrentamento dos próprios limites e fronteiras e, em algum grau, produz desconfortos e incômodos que mobilizam e desafiam as pessoas, abrindo-as para o novo, o que significa que as questoes de aprendizagem orientam a busca de novas informaçoes e, embora possam ser produzidas ao longo de todo o trabalho, o grupo nesse momento seleciona as que considera fundamentais para o estudo; c) busca de novas informaçoes: realizada através de pesquisas e visa à ampliaçao do conhecimento; além disso, espera-se que essa açao favoreça a seleçao e eleiçao de fontes de informaçao mais científicas; d) construçao de novos significados: a discussao das novas informaçoes permite a análise e a crítica tanto das fontes como das próprias informaçoes. A construçao de novos significados se dá pelo confronto entre os saberes prévios dos participantes e as novas informaçoes. A articulaçao entre os novos saberes e a situaçao-problema permite transpor as novas capacidades para outras situaçoes da realidade3.
Em síntese, a reflexao sobre a situaçao, a explicaçao do problema e a busca e discussao de novas informaçoes, orientadas por questoes de aprendizagem, permitem a teorizaçao e a construçao de novos significados, à luz dos quais se deve conduzir a prática em psicoterapia de orientaçao psicanalítica. A Figura 1 permite a visualizaçao do processo descrito.
[...] como meta principal a abordagem do conflito atual com as devidas modificaçoes desejáveis e possíveis do comportamento e da estrutura do caráter, entretanto, sem o objetivo amplo de resolver a patologia caracterológica por meio da análise do conflito genético reeditado na relaçao transferência/contratransferência. [...] Aspectos parciais da transferência sao interpretados de forma selecionada, circunscrita e com objetivos bem específicos, como, por exemplo, quando resistências se apresentam estagnando o processo psicoterápico10 (p. 376).
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