Rev. bras. psicoter. 2012; 14(2):14-16
Mabilde LC. Espectro do Ensino Psicoterápico em Universidades do Brasil. Rev. bras. psicoter. 2012;14(2):14-16
Editorial
Espectro do Ensino Psicoterápico em Universidades do Brasil
The Specter of Psychotherapy Teaching in Brazilian Universities
Luiz Carlos Mabilde*
O prestigioso convite da editora Dra. Simone Hauck para escrever este editorial dá-me a oportunidade de comentar três importantes aspectos relacionados à Revista Brasileira de Psicoterapia (RBP).
O primeiro captura a origem da Revista, pois é de se destacar a sua peculiaridade: elege a psicoterapia e a insere no âmbito nacional. Foi, sem dúvida, um raro momento de inspiraçao e iniciativa o de seus fundadores. Saibam eles da admiraçao de todos nós, profissionais da área psicoterápica, que, desde entao, contamos com esse veículo de comunicaçao e difusao científica.
O aspecto dois decorre do primeiro. Estamos todos a par de que vivemos - como costumo dizer - a época da nossa terceira idealizaçao de método terapêutico. Depois da psicanálise e da psiquiatria de comunidade, agora o cetro coube à psiquiatria biológica. Assim sendo - tal como ocorreu com os predecessores -, temos, por um lado, grandes contribuiçoes e avanços no combate às doenças mentais, fruto das pesquisas sobre o cérebro e das descobertas empíricas sobre os neurotransmissores e psicofármacos. Por outro lado, há um afastamento dos aspectos subjetivos, e as revistas psiquiátricas praticamente esgotam seus atuais espaços com artigos dedicados à área biológica, deixando de lado as psicoterapias. E é aí, exatamente, que entra a nossa RBP, como espécie de salvaguarda da abordagem psicoterápica, sem ligaçao direta com a psicanálise, mas sim com a psiquiatria e a psicologia clínica.
Como se nao bastassem tais conquistas e méritos, a RBP houve por bem preparar um número temático sobre Ensino em Psicoterapia, dividido em três volumes, sendo este o derradeiro. Sim, foram necessários três volumes, pois sao tantas as técnicas psicoterápicas atualmente em uso que chega ser difícil discernir a origem, o desenvolvimento histórico e as particularidades práticas de cada uma.
Neste terceiro volume, o leitor terá à sua disposiçao uma preciosa coleçao de quatro trabalhos sobre o ensino em psicoterapia de orientaçao psicanalítica, realizados em distintas instituiçoes de ensino. E, ainda, um trabalho sobre o ensino da Gestalt-terapia em cursos de graduaçao em psicologia.
No primeiro artigo dos acima citados, torna-se muito interessante acompanhar de que maneira, na Universidade Federal de Sao Carlos, foi estruturado um programa/curso de psicoterapia de orientaçao psicanalítica, elaborado na perspectiva de metodologias ativas de aprendizagem. Sua estrutura foi organizada em três eixos: 1) desenvolvimento teórico do processo psicoterápico por meio de atividades de ensino-aprendizagem, tais como situaçoes- problema, conferências e grupos de estudos; 2) exploraçao da prática clínica mediante supervisoes, seminários clínicos e psicoterapia pessoal; 3) acompanhamento do desenvolvimento cognitivo. Como se pode constatar, baseado na teoria psicanalítica e no trabalho clínico - devidamente acompanhados/ supervisionados -, o curso busca nao certificar pessoas com deficiências e sem qualificaçao para a tarefa psicoterápica. Aliás, essa é a sua mensagem para as demais instituiçoes.
Os demais artigos sobre a abordagem psicoterápica com base psicanalítica, respectivamente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade de Sao Paulo (USP) e Universidade Federal de Sao Paulo (UNIFESP), têm em comum apresentarem a evoluçao histórica e institucional das ideias psicanalíticas em seu meio, desde espaços específicos em suas residências psiquiátricas até a criaçao do Curso de Especializaçao em Psicoterapia de Orientaçao Analítica.
O artigo da UFRGS, por exemplo, descreve a forte influência da Psicanálise e da inserçao de professores psicanalistas, concursados ou convidados, no meio acadêmico, ensinando psicoterapia analítica na residência psiquiátrica e no Curso de Especializaçao. Os autores também especificam a orientaçao teórica e o funcionamento atual do Curso. Já nos artigos da USP e da UNIFESP, a ênfase é dada ao ensino de psicoterapia de orientaçao psicanalítica dentro dos Serviços de Psicoterapia. No caso da USP, esse serviço foi criado, em 1963, no Instituto de Psiquiatria do Hospital de Clínicas, da Faculdade de Medicina, local onde os pacientes sao atendidos em psicoterapia analítica e onde também sao oferecidas outras formas psicoterápicas e psicofarmacologia. Na UNIFESP, isso ocorre pelo programa de residência médica do departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina. Os autores salientam três diretrizes básicas do seu ensino: a importância das psicoterapias de base analítica na formaçao dos residentes em Psiquiatria; o modelo adotado de assistência a pacientes previdenciários; e o tipo do processo de avaliaçao utilizado nos últimos anos. Essa avaliaçao, cuja metodologia incluiu questionário de autoavaliaçao e registros de sessoes dos alunosterapeutas, serviu de objeto de pesquisa. Entre os resultados, o leitor encontrará interessantes conclusoes sobre as limitaçoes dessa tarefa, tanto no âmbito da medicina baseada em evidências, assim como no da psiquiatria contemporânea.
"Last but not least", temos o artigo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC - Campinas) sobre o ensino da Gestalt-terapia em cursos de graduaçao em psicologia. O artigo constitui um excelente "ponto de corte" dentro da estrutura do volume, pois seu autor discute humanismo, psicologia humanista, nos Estados Unidos, nas décadas de 1940-1960. Nesse período, em 1951, é quando surge a Gestalt-terapia como proposta de oposiçao aos modelos tradicionais de psicoterapia. Quer dizer, o artigo serve de contraponto, de antítese aos demais dedicados aos movimentos psicanalíticos, oferecendo ao leitor momentos instrutivos e de reflexao.
O artigo ainda traz uma experiência de ensino da Gestalt-terapia como estágio supervisionado em rede de atençao primária à saúde, da qual extrai a conclusao de que a Gestalt-terapia é um acréscimo à psicoterapia tradicional por revelar-se um instrumento útil dentro das concepçoes e políticas contemporâneas de saúde.
* Psiquiatra e Psicanalista
Correspondência
Luiz Carlos Mabilde
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