Rev. bras. psicoter. 2012; 14(2):86-88
Isolan L. "Em um mundo melhor": Algumas reflexoes sobre a violência no mundo atual. Rev. bras. psicoter. 2012;14(2):86-88
Resenha de Filme
"Em um mundo melhor": Algumas reflexoes sobre a violência no mundo atual
In a Better World: Some reflections on violence in the world today
Luciano Isolan*
"Em um mundo melhor" (Haevnen) é um filme dinamarquês, ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro de 2011, dirigido por Susanne Bier. Seu enredo é composto por várias tramas que se entrecruzam e nos fazem refletir sobre as diversas formas de violência e as maneiras de lidar com ela em diferentes contextos e faixas etárias.
Em uma dessas tramas está Elias (Markus Rygaard), filho de Anton (Mikael Persbrandt), um médico que viaja frequentemente a um país da Africa para trabalhar em um campo de refugiados e passa por problemas conjugais com sua esposa Marianne (Trine Dyrholm). Paralelamente, temos a história de Christian (William Johnk Nielsen), que volta da Inglaterra para sua terra natal na Dinamarca com seu pai Claus (Ulrich Thomsen) após a morte de sua mae por câncer.
Elias é um estudante que sofre episódios diários de bullying na sua escola, sendo vítima de agressoes físicas e verbais perpetuadas por outro estudante e seu grupo. Christian está em processo de luto pela perda da mae e tem uma relaçao conturbada com o pai, frio e distante emocionalmente, o qual culpa por ter sido omisso nos cuidados em relaçao à mae. O pai de Christian é um homem de negócios muito ocupado que nega a situaçao sofrida pelo filho e os vários indícios de que ele passa por dificuldades emocionais. As histórias de Elias e de Christian se encontram quando os dois se conhecem na escola. Apesar de muito diferentes, já que Elias é proveniente de uma família de classe média de pais que estao se divorciando e Christian é filho de uma família rica que morava em Londres, ambos sao excluídos e logo ficam amigos. Christian observa atentamente as agressoes sofridas por Elias e decide se vingar por ele. Age de uma forma extremamente violenta contra o agressor principal do amigo, cessando assim os ataques contra Elias. Christian encontra, através da violência, uma forma de canalizar sua raiva e tristeza pela morte da mae.
Em outra trama, aparece Anton, o pai de Elias, que em uma das cenas iniciais do filme está exercendo sua funçao de médico atendendo predominantemente vítimas de violência em uma regiao da Africa extremamente miserável e perigosa. Anton nos é apresentado como um pacifista, com grande preocupaçao social e que acredita que a violência apenas gera mais violência. Em uma das cenas, ao ser esbofeteado no rosto por um homem, após um desentendimento banal entre seus filhos, Elias e Christian observam espantados a atitude passiva de Anton e se perguntam como ele pode simplesmente nao fazer nada. Anton resolve ir ao local de trabalho desse homem para conversar sobre a situaçao que ocorrera e dar um exemplo para o filho e para Christian de como lidar com a violência. Após ser novamente agredido e nao reagir, Anton tenta passar a mensagem aos filhos de como a violência nao resolve nada e diz ao homem que o agrediu que ele é um tolo por agir daquela maneira. Essa reaçao do personagem nos faz refletir sobre as formas adequadas de lidar com situaçoes de violência e nos faz pensar na complexidade do tema.
Elias encontra-se confuso e dividido frente a essas duas formas de lidar com a violência. Enquanto o pai é partidário de uma forma pacífica de resoluçao de conflitos, o amigo Christian é movido por um sentimento de raiva e vingança e parece visualizar o mundo de uma forma cruel e injusta, vendo na violência a única saída. Tal violência, tao idealizada por Christian, em determinado momento do filme sai do seu controle. Elias é um personagem ético e bondoso. Sofre pela ausência de amigos, pelo distanciamento físico do pai, pela situaçao conjugal dos pais e encontra em Christian uma possibilidade de ter um amigo em um ambiente tao hostil e ameaçador quanto a escola. O medo de perder a amizade de Christian é o que torna Elias vulnerável e solidário à violência perpetuada pelo seu único amigo. Sabe-se que indivíduos que possuem um "melhor amigo" em sala de aula apresentam um risco menor de se tornarem vítimas de bullying.
O bullying vem sendo um tema cada vez mais discutido no mundo atual e é uma forma de violência que ocorre no âmbito escolar com graves consequências a curto e longo prazo. Este é um problema social sério e complexo e, provavelmente, o tipo mais frequente de violência na infância e adolescência. Bullying é uma palavra que tem origem no termo inglês bully, que quer dizer "valentao", "tirano", "brigao", e ainda nao tem uma traduçao adequada para o português. Por muito tempo, o bullying foi considerado uma ocorrência normal e esperada na interaçao entre os estudantes que nao estaria associado a prejuízos para os indivíduos envolvidos nessa prática. Esse e outros mitos estao associados, sendo um dos mais equivocados o de que o bullying seria uma brincadeira de criança e que nao traria repercussoes a curto ou longo prazo. Porém, pesquisas têm demonstrado o contrário, evidenciando uma ampla gama de prejuízos e uma alta prevalência de problemas psiquiátricos associados a esse problema, tais como depressao, ansiedade, abuso/dependência de substâncias, sintomas psicóticos e suicídio. o filme aqui discutido retrata essa forma de violência, tao antiga quanto a própria escola, de uma forma que transcende padroes de linguagem e cultura e nos permite entrar em contato com um sofrimento que muitas crianças vivenciam diariamente.
"Em um mundo melhor" é um filme instigante e interessante que aborda a questao da violência no mundo atual e nos faz pensar sobre as diferentes formas de lidar com ela a partir de diversos pontos de vista. o filme nao oferece soluçao fácil. O expectador é convidado a refletir e a tirar as suas próprias conclusoes, buscando quem sabe chegar de fato a um mundo melhor.
* Psiquiatra e Psiquiatra da Infância e Adolescência. Mestre e Doutor em Psiquiatria pela
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Luciano Isolan
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