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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2012; 14(1):107-110



Resenha de filme: Um Diva para Dois

Um Diva para o Amor

Love Springs

Luiz Carlos Mabilde*

 

 

Era primavera na cidade de Oklahoma e a noite parecia trazer certa esperança para Kay. Ela ajeita seus cabelos, alimenta-se de um leve sorriso e vai até Arnold. Volta para seu quarto arrasada, pois sua tentativa de recuperar o contato, o sexo, em seu casamento de trinta e um anos, fracassara completamente. Arnold apenas dissera que nao se sentia bem após o jantar. Aliás, ele tem sido assim em tudo. Irritado, queixoso, fixado nas questoes financeiras. Nada que nao expresse sua contrariedade ou autoritarismo torna-se objeto de seu afeto. Quer dizer, parecem ser sinais dos assim denominados equivalentes depressivos. No monitor de sua TV, um professor de beisebol ensina como o aluno deve segurar e movimentar o taco para uma boa rebatida, cena que sugere algum tipo de impotência sexual de Arnold. Há cinco anos vivem em quartos separados e sem nenhuma relaçao sexual! A tomada de decisao sobre os quartos fora consequência de um acidente que machucou a coluna vertebral de Arnold, em outra alusao à questao da impotência.

Kay é Kay, mesmo ao tentar deixar de sê-la. Ela lembra aquele tipo de mulher reprimida por dois interiores: o da cultura provinciana, reacionária, de sua cidade e o da repressao intrapsíquica contra sua inexplorada sexualidade. Daí - ante sua crescente angústia - a busca do livro de autoajuda e, a seguir, de um terapeuta de casais. Kay sabe da batalha que terá pela frente por tal proposiçao, mas lá está ela oferecendo, em um prato (órgao genital feminino), uma fatia comprida de bacon disposta entre dois ovos (órgaos genitais masculinos) para o café da manha de Arnold, ignorante dos desafiadores ingredientes que o aguardam. A manha toma seu inevitável itinerário de luz e, a seguir, nao há nada de obscuro em entender como defesa a rotina obsessiva do trabalho de cada um. Kay vende, Arnold audita. Para quê? Terminado o dia, a noite começa e se encerra como um marca-passo: bem no horário e sem a menor inspiraçao!

De fundo, sucedem-se cançoes evocativas de afeto e romantismo, tal como se esforçassem em emprestá-los ao deprimido casal.

Como era previsível, Arnold desdenha e se recusa a participar da ideia de salvar o casamento através de um psiquiatra, mas entra em surto de solidao tao logo vê sua mulher bater a porta rumo ao aeroporto. Sem alternativa ante seu mal súbito e a resoluta Kay, chega a tempo de acompanhá-la até a uma cidade do interior de Maine, local do programa terapêutico.

Comparecem às sessoes de terapia com o dr. Bernie Feld, Arnold tentando de tudo para boicotá-las. Nao conseguindo, sao expostas inibiçoes sexuais de ambos, dando conta da intensa repressao responsável por seu drama. Kay, por exemplo, aponta para o jeito crônico, mecânico e estereotipado de Arnold de fazer sexo, incapaz de olhá-la nos olhos durante as relaçoes sexuais. Arnold retruca ao protestar contra o repúdio com que sua mulher sempre encarou a prática do sexo oral, assim como destaca sua acomodaçao se nao era procurada sexualmente.

Além da conturbada terapia, tentam exercícios de reaproximaçao conjugal, em parte difíceis, em parte frustrantes. Nos intervalos, andam pelas ruas. Arnold toma o rumo da praia e dá para sentir o homem prisioneiro de si mesmo. Olha o mar, avista os pontiagudos postes de luz e a prisao de Alcatraz ao fundo. Kay chega a um bar, bebe e ri junto dos homens que nunca teve em sua vida. Porém, os últimos acontecimentos invertem os papéis. E há Bernie, imperturbável, objetivo, mas também humano o suficiente para, na última sessao, acentuar para Arnold o tamanho do sofrimento de sua mulher. Sim, seu paciente comparecera sozinho para encerrar o tratamento. Afinal, nada mais havia a fazer. Perdera a ereçao ao fixar os olhos de Kay, justamente no último dos exercícios, em um fino quarto de hotel, onde nao faltara a chama da lareira, música, champanhe e caviar. Fracassaram. Era o fim. Já em casa, a antiga rotina se instala, mas a cena seguinte mostra as malas feitas de Kay prontas para a iminente despedida, até que surge Arnold.

Vem resoluto, como se deixasse a depressao e regressao anal no seu quarto, no dinheiro, nos números, para trás. Vem lutar pelo seu amor por Kay, demonstrá-lo como nunca fizera antes. Seu olhar, tal como o abraço e beijo, é fortemente caloroso e é para ela mesma. Descobre a doaçao, o coraçao. Esquece a mae, a ereçao. Declara-se, entrega-se, flui seu sangue, ao penetrar Kay, numa comoçao que até entao desconhecera. Sente, no orgasmo, Kay como sendo sua própria vida e o dela como parte de si mesmo. Nao a perdeu graças a Kay e a 'Maine', retranscritas pelo indefectível Bernie.

Casam-se, novamente, ali mesmo, na praia onde todos sonharam com nao morrer em vida, se sucesso tivessem em recuperar a única coisa pela qual a vida vale a pena, tornando-a perfeita para ser vivida com alegria e paixao.

Sim, ali estava resgatado o grande amor de cada um deles, dançando um com o outro sobre o imenso tapete de areia macia. Nele, encontraram uma espécie de diva para o amor, para o qual se comprometeram voltar em um ano para a devida revisao.










* Psiquiatra e Psicanalista.

Correspondência
Luiz Carlos Mabilde
Rua Tobias da Silva, 99/303 - Moinhos de Vento
90570-020 - Porto Alegre/RS, Brasil
E-mail: mabilde@terra.com.br

 

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