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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2012; 14(1):49-61



Artigos Originais

Intervalo produtivo: a experiência do "Curso de Psicoterapia de Orientaçao Psicanalítica" em Ribeirao Preto

Productive interval: the experience of the Psychoanalytic Psychotherapy Specialization Course

Suad Haddad de Andrade*; Beatriz Troncon Busatto**; Guiomar Papa de Morais**; Maria Lucimar Fortes Paiva Defino***

Resumo

Os autores descrevem o modelo de funcionamento do "Curso de Psicoterapia de Orientaçao Psicanalítica" em Ribeirao Preto. O intervalo de tempo entre a graduaçao dos profissionais de psicologia e medicina e a sua definiçao profissional, que se caracteriza como um período de intensas angústias, pode se tornar um Intervalo Produtivo para todos os alunos. O curso possibilita que profissionais da área troquem experiências e encontrem maiores estímulos para seus estudos, assim como constitui um acolhimento das dificuldades através do encontro entre profissionais, iniciantes ou com alguma experiência em suas atividades. O curso também se configura como uma forma de preencher as lacunas da formaçao que as faculdades, inevitavelmente, apresentam em funçao dos seus objetivos curriculares. A difusao da psicanálise como método para se conceber e interpretar o mundo se apresentou também como um aspecto bastante relevante, sendo essa concepçao levada pelos alunos aos diversos ambientes e atividades em que desenvolvem seus trabalhos.

Descritores: Ensino, Psicoterapia, Psicoterapia de Orientaçao Psicanalítica, Difusao da Psicanálise, Teoria e Técnica Psicanalítica.

Abstract

The authors describe the functioning model of the "Psychoanalytic Psychotherapy Course" in Ribeirao Preto. The time interval between graduation of psychologists and physicians and their professional definition, characterized by great anxiety, can become a Productive Interval for all students. The course enables professionals to exchange experiences and find more encouragement to their studies, as well as constitutes an acceptance of difficulties by fostering acquaintanceship between novice and experienced professionals. The course is also a form of fulfilling the gaps in university teaching. The diffusion of psychoanalysis as a method for conceiving and interpreting the world also showed to be a very relevant aspect, a conception which is transmitted by the students in the environments in which they perform their activities and works.

Keywords: Teaching; Psychotherapy; Psychoanalytic Psychotherapy; Diffusion of Psychoanalysis; Psychoanalytic Theory and Technique.

 

 

INTRODUÇAO

Nosso universo profissional requer hoje dos recém-formados de quase todas as áreas de conhecimento uma bagagem cada vez mais aprimorada e especializada. Ao mesmo tempo, a amplitude e a rápida divulgaçao dos conhecimentos transformam o aprendizado, em especial no período de graduaçao, numa verdadeira maratona, com prazos muito exíguos a serem cumpridos. Raramente é possível que se desfrute, nesse período inicial, do prazer de aprofundar conhecimentos, sendo às vezes inviável escolher uma área específica a partir de reflexoes. A orientaçao chamada generalista para a formaçao nas universidades nem sempre é efetiva e, como consequência, nem sempre privilegia uma de formaçao de fato. O grande volume de informaçoes nao permite uma metabolizaçao adequada, gerando um excedente que, muitas vezes, permanece carente de sentido. Em consequência disso, nossos recém-formados nao se sentem instrumentalizados para essa grande prova que se configura com o término da graduaçao e início da atuaçao profissional. Por outro lado, profissionais com algum tempo de experiência necessitam sedimentar suas aquisiçoes, trocar experiências e encontrar um ambiente favorável à evoluçao de suas atividades.

Quando se trata da área de atendimento psicoterapêutico, essas dificuldades sao ainda maiores pela própria natureza do aprendizado que se requer. A experiência clínica implica cuidados e uma forma de aprender que exige contato estreito e profundo com nossa própria mente. Necessitamos de um acolhimento experiente que se disponha a acompanhar de perto nossas aquisiçoes.

A proposiçao deste curso ocorreu em funçao de nossos questionamentos sobre uma demanda que se avolumava em nossos consultórios. Profissionais iniciantes ou com algum tempo de experiência solicitavam orientaçoes para os atendimentos clínicos que realizavam em seus consultórios. Questoes frequentes sobre técnica e ética, sobre o que se considera uma psicoterapia psicanalítica, suas diferenças em relaçao à psicanálise e o claro desejo de se privilegiar a abordagem psicanalítica mobilizaram a organizaçao deste curso. Os princípios que nos nortearam estao baseados nos estudos psicanalíticos que podemos identificar como os que historicamente contribuíram para essas e outras definiçoes. Desde autores como Knight, Stone e Gill1 até Etchegoyen (1987)2, Zimmerman (2004)3 e Eizirik (2005)4, buscamos partilhar nossas dúvidas e anseios por respostas, mas temos considerado, sobretudo, o desenvolvimento de um trabalho dedicado e preenchido pela crença psicanalítica de estarmos transmitindo nossa experiência possível.


HISTORIA DO CURSO

A iniciativa de organizar um "Curso de Psicoterapia de Orientaçao Psicanalítica" em Ribeirao Preto nasceu de algumas observaçoes da nossa prática cotidiana: em nossos consultórios temos uma procura contínua de pessoas interessadas em psicanálise que desejam se analisar, profissionais interessados em supervisionar seus casos e em discutir sua prática com outro profissional mais experiente. Atividades, tais como palestras e conferências, com a participaçao de psicanalistas da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Ribeirao Preto - SBPRP, de outras sociedades brasileiras e de outros países, sempre atraíram para a nossa cidade um público grande, respeitoso e interessado. A procura de um contato maior com a teoria e a técnica psicanalíticas já existe em nosso meio há algumas décadas, mas um curso organizado com os objetivos como os que definimos nunca havia sido oferecido pelos psicanalistas de nossa regiao.

Pensando na necessidade de algum programa sistematizado de estudos, tentamos sensibilizar nossas universidades locais no sentido de se criar um curso de especializaçao em psicoterapia de orientaçao psicanalítica. Quando percebemos que este caminho traria algumas dificuldades e implicaria revisao de alguns dos objetivos iniciais, passamos a pensar num curso independente. Talvez por termos aceitado de certo modo que os objetivos da universidade e aqueles que pensávamos em privilegiar sao mesmo distintos. A universidade parece ter como meta oferecer uma visao global, macroscópica e generalista, que contemple mais a extensao e abrangência de diferentes teorias e modelos, com pouca ênfase nas técnicas e no ensino de abordagens específicas. Por outro lado, as sociedades de psicanálise têm por objetivo desenvolver reflexoes teóricas aprofundadas sobre diversos temas e autores psicanalíticos e fundamentalmente acompanhar a formaçao do psicanalista no desenvolvimento de condiçoes pessoais que o instrumentalizem cada vez mais para o atendimento clínico psicanalítico. Sao objetivos que se aprofundam em especificidades, orientados para metas particulares.

Assim, consideramos que aqueles que nos procuravam em nossos consultórios para desenvolver suas habilidades clínicas e adquirir também um maior conhecimento sobre a teoria e prática em psicoterapia nao estavam sendo atendidos conforme suas demandas. Continuavam indicando que suas necessidades e interesses para atender melhor seus pacientes nao estavam sendo contemplados. Sua procura evidenciava, a nosso ver, a lacuna desse momento de formaçao, o hiato entre a graduaçao e a escolha de um aprofundamento teórico-clínico em uma abordagem específica.

Um grupo de profissionais, psicanalistas da SBPRP, organizou, entao, o "Curso de Psicoterapia de Orientaçao Psicanalítica" como extensao. Inicialmente procuramos conhecer os cursos que já haviam sido implantados por psicanalistas em outras cidades como Sao Paulo, Porto Alegre e Campo Grande. Através desses contatos e da generosa contribuiçao desses colegas, pudemos conhecer os seus programas e as suas experiências.

Nossos contatos com profissionais recém-formados indicam que a maior parte deles, psicólogos e médicos, termina a faculdade com poucas definiçoes do caminho a seguir para a evoluçao de suas carreiras. O espaço de tempo entre o fim da faculdade e o momento em que se delineiam concretamente os projetos de desenvolvimento da carreira, em nossa especialidade, é muitas vezes bastante angustiante e sujeito a dúvidas e reformulaçoes. Este curso tem se apresentado como uma oportunidade para esses profissionais pensarem e decidirem em que direçao e de quais instrumentos mais necessitam para se desenvolverem. Tal como temos percebido, o curso se configurou, entao, como um intervalo de reflexao e de escolhas: um Intervalo Produtivo, como o denominamos. Um insight para alguns, uma abertura para experiências mais elaboradas ou a procura pela formaçao psicanalítica para outros. De acordo com nossas percepçoes, e as dos próprios alunos, o curso tem proporcionado estímulos para desenvolver e ampliar a capacidade de observaçao dos fenômenos psíquicos e maior reflexao teórica sobre os mesmos. Nesse processo, sua definiçao profissional torna-se mais bem delineada e consequentemente ocorre o desenvolvimento da sua identidade profissional e pessoal. A evoluçao na forma de atender os pacientes é percebida tanto pelos professores como pelos próprios alunos, que comentam sobre suas aquisiçoes.

A iniciativa de organizar um curso de maneira mais formal trouxe, em primeiro lugar, um espaço de reflexao entre os psicanalistas que passaram a se reunir, tentando elaborar um programa coerente a ser oferecido e que formasse um contexto introdutório adequado para profissionais da área clínica. O programa do curso é bastante abrangente, abordando os princípios básicos fundamentais numa linha de desenvolvimento que se inicia com Freud e passa por Klein e Bion, atendo-se à sequência histórica e funcional dos conceitos psicanalíticos.

Desde o início, tivemos uma grande procura: recém-formados, pessoas que já contavam com experiência de atendimento em consultório e profissionais de serviços públicos e/ou médicos das áreas de neurologia, pediatria e psiquiatria. Em todos os casos, percebemos que os alunos têm claramente demonstrado um desejo de adquirir conhecimentos e habilidades práticas para exercer o difícil trabalho de psicoterapeuta.

A concepçao deste curso é psicanalítica em sua essência, no modo como foi idealizado e na maneira de lidar com as possibilidades dos alunos e dos docentes: o que pretendemos é despertar e ampliar continuamente o olhar psicanalítico para as suas experiências e evocar constantemente a postura e o pensamento psicanalíticos. Assim, nao nos preocupamos com correçao ou avaliaçao, mas enfatizamos a evoluçao e ampliaçao de possibilidades e a reflexao sobre os diferentes modelos de trabalho em psicoterapia psicanalítica.


ESTRUTURA DO CURSO

O foco deste curso sao as técnicas psicoterapêuticas de orientaçao psicanalítica, já que nossa experiência, como comentado anteriormente, indica que essa é a maior lacuna na formaçao, bem como o maior interesse e necessidade, dos profissionais em nossa regiao. Pela própria natureza do curso, o público-alvo foi restrito a psicólogos e médicos, embora muitos outros profissionais da área da saúde o tenham procurado. Nao ampliamos para outras especialidades como assistentes sociais, enfermeiros, fonoaudiólogos, psicopedagogos e foniatras em funçao do foco na prática clínica e nas técnicas psicoterapêuticas, prerrogativas dos profissionais com formaçao em psicologia e medicina.

Como os objetivos definidos para este curso visam predominantemente à extensao de conhecimento e nao à titulaçao, nao aplicamos nenhum processo seletivo ou avaliativo. Sao solicitados apenas os comprovantes de formaçao em psicologia ou medicina. Da mesma forma, os alunos sao estimulados a realizar suas análises pessoais, mas nao há uma cobrança formal ou pedido de comprovaçao das mesmas, embora os participantes do curso compartilhem da importância do processo e estejam, em sua maioria, sob análise ou psicoterapia.

O curso foi iniciado em 2009 e concebido para transcorrer em um ano. Porém, com a repercussao bastante favorável, tanto na procura quanto na intensidade e seriedade do envolvimento com que professores e alunos se engajaram no projeto, foi organizado o segundo ano em 2010 e o terceiro em 2011. Procuramos manter uma relativa independência entre esses períodos e denominamos o primeiro ano Módulo Básico; o segundo ano, Módulo Complementar; e o terceiro, Módulo Avançado. Os certificados sao oferecidos para cada módulo que é concluído. O curso vem sendo ministrado semanalmente, para cada um dos módulos, totalizando 500 horas ao final dos três anos. Os módulos Básico e Complementar sao assim estruturados:

  • Duas horas de aulas teóricas, enfocando conceitos e a história do desenvolvimento teórico em Freud e seguindo até os autores contemporâneos;
  • Duas horas sobre teoria da técnica, onde um tema é exposto em cada aula e em seguida é discutido material clínico, apresentado por um dos alunos do grupo;
  • Uma hora e meia de seminário clínico em pequenos grupos, realizado nos consultórios dos docentes, onde um caso clínico é apresentado a cada semana.


  • As aulas teóricas e de teoria da técnica dos módulos Básico e Complementar ocorrem num horário comum a todos os participantes do determinado módulo e sao ministradas por membros da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Ribeirao Preto- SBPRP. O programa cumprido no Módulo Básico está apresentado nos Anexos 1 e 2. Os seminários clínicos semanais ocorrem no consultório do coordenador de cada um dos grupos. Os supervisores sao alternados, e os grupos rearranjados a cada mês, de modo que os alunos tenham contato com os diferentes supervisores bem como com seus colegas. Essa proximidade com diferentes supervisores, no seu próprio local de trabalho, tem se mostrado um dos aspectos importantes do curso, pois constitui uma oportunidade para que as diferentes formas de manejo da técnica sejam apreendidas a partir das peculiaridades e do olhar de cada supervisor. A experiência tem demonstrado ser esta a nossa principal característica, uma espécie de "marca registrada" do curso.

    O Módulo Complementar consiste nos estudos de diferentes autores como Winnicott, Bion, Meltzer, Ogden e outros, e temas como atendimento de crianças e de adolescentes, conforme Anexos 3 e 4. No Módulo Avançado, ocorrem as aulas teóricas em horário comum aos participantes do módulo e os seminários clínicos em pequenos grupos, no mesmo esquema dos módulos anteriores. Porém, visando a um maior aprofundamento de conceitos, as aulas teóricas consistem na leitura e discussao de artigos teóricos e de técnica psicanalíticos (Anexo 5), nao sendo realizadas as aulas específicas da teoria da técnica. Há incentivo para que os alunos tentem sistematizar seus estudos teóricos através da escrita dos próprios casos clínicos apresentados nos seminários.

    Vale enfatizar novamente que nao tem havido lista de presença formal, cobranças para a leitura da bibliografia apresentada a cada aula, avaliaçao de qualquer natureza nem a obrigatoriedade da apresentaçao do caso clínico nos seminários. O que se observa é que a motivaçao para a presença nas aulas, nos seminários, nas apresentaçoes do material clínico é o interesse, vontade e disposiçao para aprender. Por outro lado, observamos as ausências mais frequentes e procuramos saber o motivo, mais por interesse e preocupaçao na situaçao particular que por cobrança formal.

    Pensamos que a motivaçao dos alunos para solicitar a ampliaçao e duraçao do curso e o incentivo deles para a sua manutençao decorreram do fato de que a psicanálise, que costuma parecer incompreensível, distante da realidade e muito idealizada de um modo geral, adquiriu outra dimensao no transcorrer do curso. A medida que os conhecimentos teóricos e práticos passaram a ser absorvidos, puderam naturalmente ser aplicados nos atendimentos de consultórios, nas atividades dentro das unidades de saúde em que trabalham (tanto com os pacientes como com a equipe de trabalho), nas escolas, creches ou onde quer que o aluno esteja desenvolvendo sua atividade profissional. A teoria, a técnica e a prática psicanalítica passam a adquirir, entao, um significado e um sentido, com uma possibilidade real de serem compreendidas e aplicadas, uma escolha de fato embasada em experiências e que se transforma num valioso instrumento de trabalho.

    A mobilizaçao de angústias frente ao contato com o pensar psicanalítico, teórico ou prático, é quase sempre inevitável. Assim sendo, a procura pela análise pessoal e por supervisoes individuais tem sido uma consequência imediata para aqueles que ainda nao se encontram nesse processo.


    CARACTERISTICAS GERAIS DO CURSO

    As experiências do grupo que propôs este curso contribuíram para definir as diretrizes que seriam priorizadas. Os princípios fundamentais do curso foram definidos como aprofundamento e rigor técnico, refletidos em aulas e seminários clínicos que apresentam a fundamentaçao dos conceitos e sua evoluçao e buscam explorar a compreensao de suas raízes bem como os motivos pelos quais foram formulados ou reformulados pelos diferentes autores; e ampliaçao do vértice clínico, em que privilegiamos a observaçao clínica e a inter-relaçao com a teoria. Além disso, privilegia-se a atençao ao método psicanalítico na sua adaptaçao à psicoterapia, sua compreensao e aplicaçao. Nesse sentido, nao se fala de um método para remitir sintomas e curar psicopatologias, mas para a compreensao do funcionamento mental, conduzindo a uma melhor qualidade de vida psíquica.

    A importância que atribuímos à existência desse modelo de curso nao implica que esse possa substituir outros cursos de pós-graduaçao stricto sensu (mestrado e doutorado) ou lato sensu (especializaçao), muito menos a formaçao psicanalítica dos institutos de psicanálise. Cada um tem sua aplicaçao e relevância inolvidáveis. Apontamos insistentemente as diferenças da formaçao de psicanalistas e de psicoterapeutas, havendo o incentivo constante à procura de formaçao nos institutos de psicanálise, porque essa é a nossa crença, derivada da nossa experiência profissional. De todo modo, o incentivo maior é sempre no sentido de uma evoluçao, de acordo com a escolha e a possibilidade de cada um.

    Acreditamos que submeter-se a psicoterapia ou psicanálise é parte do desenvolvimento do aluno, mas nao se impoe como requisito. Sabemos de sua importância e o incentivamos nessa conquista, mas deixamos para cada um a escolha do momento e a opçao de fazê-lo.


    PROFESSORES E ALUNOS

    Os professores, em sua maioria, sao psicanalistas, membros associados e efetivos da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Ribeirao Preto. Alguns possuem pós-graduaçao, mestrado e/ou doutorado. Constam também quatro aulas com psiquiatras e quatro aulas com um especialista em psicologia na área jurídica. Essas aulas com outros enfoques têm a finalidade de ajudar o profissional a utilizar parâmetros médicos ou contribuem para ele adequar-se a solicitaçoes legais, muito comuns na clínica psicoterapêutica.

    Na relaçao professor-aluno, os alunos sao considerados essencialmente profissionais, responsáveis pelos próprios estudos, respeitados na conduta profissional. Suas opinioes ouvidas e sugestoes constantemente oferecidas para o melhor funcionamento do curso. Nos seminários clínicos em pequenos grupos, os supervisores têm a oportunidade de conhecer mais nosso público. Detectamos uma grande necessidade de discutir aspectos do setting, principalmente para aqueles que nao estao em análise ou psicoterapia. Aspectos éticos, limites de nossa prática, atuaçoes, muitas vezes contratransferenciais, sao questoes frequentes.

    Para os professores, o desafio da transmissao de nosso conhecimento e dos conceitos teóricos também auxiliou a organizar estudos, escritas, ideias e experiências. Nesse sentido, desenvolvem nao somente sua maneira pessoal de conceber e aplicar a psicanálise, como também de se relacionar, apresentar sua cultura e sua visao de mundo. E os alunos têm a oportunidade de verificar que nao seguimos um padrao rígido e nao buscamos esquemas prontos para aplicar.

    Nos seminários clínicos, nos damos conta de que, para os alunos que já têm prática em clínica, a identificaçao com as experiências relatadas é mais fácil. Aqueles que ainda nao atuam em consultório ou que trabalham em serviços públicos percebem a autenticidade do que estamos discutindo e tentam aproveitar em sua própria prática aquilo que é discutido nas aulas. Os alunos contribuem com suas experiências durante a aula e trazem situaçoes que estao vivenciando em seu trabalho clínico ou institucional. Tentamos fazer sempre uma correlaçao entre teoria e clínica a partir do material que emerge na sala. Sao situaçoes de vida que sao expostas e compreendidas sob um vértice psicanalítico.

    A escuta atenta dos alunos também é um aprendizado para os professores. Aprendemos, por exemplo, que uma das funçoes muito significativas do curso parece ser a de congregar, identificar-se com o grupo, saber mais sobre as inúmeras variáveis desta profissao tao nova ainda. Assim, contatos sociais e afetivos ligados a esse contato profissional sao fundamentais, porque nesse espaço podem ser partilhadas com seus pares as angústias próprias de seu momento profissional, já que vivenciam situaçoes semelhantes. A aproximaçao e a troca de vivências entre os alunos e os professores sobre questoes do dia a dia como, por exemplo, funcionamento de consultório, funçao da secretária, encaminhamento de pacientes, contrataçao de serviços, pagamento, cobrança judicial, relacionamento com equipes de trabalho e tantas outras questoes, comparecem sempre.

    A medida que o olhar e a escuta psicanalítica se ampliam, os alunos passam a apresentar condutas diferenciadas, mais solidamente fundamentadas na teoria e na experiência, em qualquer setor em que estejam trabalhando. O profissional passa a se diferenciar pela percepçao e sensibilidade à dor psíquica, pela indicaçao de atendimento e até mesmo nas exigências de condiçoes mínimas para prestar um atendimento com qualidade (sigilo e privacidade).


    REPERCUSSAO GERAL DO CURSO

    Os profissionais que atuam em instituiçoes têm se mostrado um instrumento interessante de difusao do método psicanalítico em áreas nao clínicas. Esses apresentam a outros profissionais a possibilidade de um olhar psicanalítico para pensar as situaçoes e experiências. Falam de suas vivências nas atividades nao clínicas e relatam também a outros como têm se desenvolvido, como se pode aprender psicanálise, o que é a psicanálise, sua especificidade e diferenças em relaçao a outras abordagens.

    A difusao da psicanálise é, entao, um dos resultados relevantes de nossa atividade. Os alunos passam a entender melhor a teoria e a técnica psicanalíticas, descobrem possibilidades e benefícios de sua aplicaçao, buscam com mais embasamento a sua própria análise pessoal, suas supervisoes individuais e grupos de estudos mais específicos. A divulgaçao do curso é, fundamentalmente, feita pelos alunos e professores. Por mais essa razao acreditamos que a procura constante do curso confirma sua necessidade em nosso contexto.

    Ao organizar concretamente este curso, acabamos por atender a uma demanda que podemos agora qualificar e quantificar melhor. Estamos conseguindo perceber mais nitidamente o alcance do curso, que vai além do simples interesse pelo pensamento psicanalítico. É uma forma de pensar nosso trabalho e a importância de nossa tarefa como profissionais de saúde mental.

    A psicanálise, quando transmitida apenas teoricamente em aulas, fica destituída de significaçao emocional. Ela nao pode ser apreendida distante da clínica. O ensino teórico isolado corre o risco de acabar criando situaçoes esdrúxulas que configuram um saber engessado, verdadeiras mimetizaçoes: o profissional usa o diva, tenta fazer interpretaçoes, propoe ao paciente várias sessoes semanais, repetindo superficialmente modelos aprendidos, mas sem uma compreensao interna do que está fazendo. Em nosso modelo de curso, as aulas sao embasadas o tempo todo em experiência clínica, o que propicia um aprendizado vivo, integrado em seus diversos aspectos.

    Reconhecemos em cada um de nós uma vontade genuína de partilhar conhecimentos, de estar com o outro e de ensinar. Podemos, num curso como este, mostrar o que nos propomos realizar, quais as peculiaridades dessa experiência que pode nos diferenciar. Nao temos interesses ou condiçoes de nos confrontarmos com os padroes acadêmicos e o fato de estarmos isentos da preocupaçao de oferecer títulos e diplomas nos deixa com maior liberdade para escolhermos como transmitir a experiência psicanalítica.

    Nao podemos afirmar que o intervalo produtivo a que nos referimos tem de ser preenchido sempre dessa maneira, com cursos estruturados. Mas estamos convencidos de que os profissionais de nossa área precisam manter contato com colegas para intercâmbio de vivências, e essa situaçao do curso aqui apresentado favorece isso. Estamos transmitindo uma experiência que privilegia reflexoes, discussao de ideias, conversas sobre temas diversos e supervisoes. É um incentivo a nao permanecer em isolamento: nossa prática, nossos conhecimentos existem e se desenvolvem nas relaçoes. Precisamos muito de outros olhares para nao sucumbir às angústias que nosso trabalho inevitavelmente provoca.


    REFERENCIAS

    1. Stone MH. História da Psicoterapia. In: Eizirik CL, Aguiar RW, Schestatsky SS, org. Psicoterapia de Orientaçao Psicanalítica: Fundamentos Teóricos e Clínicos. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2005.

    2. Etchegoyen RH. Fundamentos da Técnica Psicanalítica. Porto Alegre: Artes Médicas; 1987.

    3. Zimmerman DE. Manual de Técnica Psicanalítica: uma re-visao. Porto Alegre: Artmed; 2004.

    4. Eizirik CL, Aguiar RW, Schestatsky SS, org. Psicoterapia de Orientaçao Psicanalítica: Fundamentos Teóricos e Clínicos. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2005.










    * Membro Efetivo e Analista Didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Ribeirao Preto (SBPRP) e da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Sao Paulo (SBPSP), SP, Brasil.
    ** Membro Efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Ribeirao Preto (SBPRP), SP, Brasil.
    ***Membro Associado da Sociedade brasileira de Psicanálise de Ribeirao Preto (SBPRP), SP, Brasil.

    Instituiçao: Sociedade brasileira de Psicanálise de Ribeirao Preto (SBPRP), SP, Brasil.

    Correspondência
    Suad Haddad de Andrade
    Av. Presidente Vargas 2001- conj.128 - Jd Irajá
    14020-260- Ribeirao Preto - SP
    suadandrade@gmail.com

    Beatriz Troncon Busatto
    R. Bernardino de Campos 1001 - conj. 405
    14015-130 - Ribeirao Preto - SP
    beatrizbusatto@convex.com.br

    Guiomar Papa de Morais
    R. Bernardino de Campo 1001- conj.1005
    14015-130 - Ribeirao Preto - SP
    guiomar.papa.morais@hotmail.com

    Maria Lucimar Fortes Paiva Defino
    R. Maria Quitéria 165 - Alto B. Vista
    14025-325 - Ribeirao Preto - SP
    aclpaiva@uol.com.br










     

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