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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2011; 13(3):63-69



Artigos Originais

Atendimento de crise no Ambulatório de Psiquiatria do Hospital de Clínicas da Unicamp Neury

Crisis care at the Psychiatry Ambulatory of the Unicamp Hospital de Clínicas

José Botega*; Egberto Ribeiro Turato**; Joel Sales Giglio***; Joao Baptista Laurito Jr.****; Antonio Carvalho de Avila Jacintho*****; Amilton dos Santos Júnior******

Resumo

O artigo descreve a história do ensino da psicoterapia na Residência Médica em Psiquiatria da Faculdade de Ciências Medicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Inicialmente baseado no referencial psicanalítico, o ensino da psicoterapia acabou perdendo espaço, devido à crescente demanda assistencial, ao agravamento do perfil clínico dos pacientes e a uma prática clínica mais descritiva e pautada em tratamento farmacológico, juntamente a aposentadoria da primeira geraçao de professores psicanalistas na década de 1990. Nesse contexto surgiu a proposta de um atendimento de crise que incluísse os aspectos psicoterápicos na assistência ao paciente como uma primeira tentativa de sanar essa deficiência. A experiência está em pleno andamento. O programa atual do Atendimento de crise no Ambulatório de Psiquiatria do Hospital de Clínicas da Unicamp é apresentado, bem como seus os pontos fortes e os perigos inerentes e cuidados a serem tomados nesse tipo de atendimento.

Descritores: ensino; psicoterapia; atendimento de crise; atendimento ambulatorial; psicoterapia focal; residência e internato; psiquiatria; atendimento multidisciplinar.

Abstract

The article describes the story of the teaching of psychotherapy in the Psychiatry Residency of the School of Medicine of the Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Initially adopting the psychoanalytical referential, psychotherapy teaching ended up losing space due to the increasing demand for assistance, aggravation of patients' clinical profile and a more descriptive and drug-oriented clinical practice along with the retirement of the first generation of psychoanalyst teachers in the 1990s. In this context, the idea of a crisis treatment came by, including psychotherapeutic aspects in the assistance to the patient as the primary option to overcome this deficiency. The experience is functioning well. The current program of crisis treatment in the Psychiatry Ambulatory of the Hospital de Clínicas at Unicamp is presented, as well as its strong points and inherent dangers and the care that must be taken in this type of treatment.

Keywords: teaching; psychotherapy; crisis treatment; ambulatory care; focal psychotherapy; residency and internship; psychiatry; multidisciplinary care.

 

 

O ensino de psicoterapia no Programa de Residência Médica em Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) tem se baseado no referencial psicanalítico. Vivemos diferentes fases: no início, algumas macas transformavam-se em divas; no meio do caminho, conhecemos as técnicas breves e focais; e, nos últimos tempos, chegamos a seminários esparsos no programa teórico, com oferecimento de supervisao para residentes (em duplas) que mantivessem pacientes em psicoterapia formal, essa última situaçao tendo se tornado rara.

A psicoterapia de grupo veio sendo ensinada ininterruptamente, ainda que o atendimento em grupo nao seja amplamente utilizado. Cada residente tem a experiência de conduzir pelo menos um grupo, sob supervisao. No começo, a abordagem era de matriz psicanalítica; nos anos recentes, adotou-se um referencial fenomenológico-existencial.

A aposentadoria da primeira geraçao de professores psicanalistas, na década de 1990, a crescente demanda assistencial, o agravamento do perfil clínico dos pacientes (com maior frequência de transtornos psicóticos e de transtornos de personalidade), bem como uma prática clínica mais descritiva e pautada em tratamento farmacológico levaram a um enfraquecimento do ensino de psicoterapia. Em consequência, ao residente de psiquiatria passou a faltar o instrumental para lidar, com mais sensibilidade e continência, com a turbulência das crises humanas.

A proposta de um atendimento de crise, mostrada no programa anexo, nao visa a resolver o impasse que atualmente enfrentamos no ensino das psicoterapias. Tal impasse deverá ter soluçao própria a fim de que se cumpram os requerimentos exigidos pela Comissao Nacional de Residência Médica. Nao se pode negar, no entanto, que essa proposta de "atendimento" (de propósito evitou-se o termo "psicoterapia") tem uma abordagem psicoterapêutica e que nasce, também, de uma crise por qual passa a especialidade; uma crise de identidade: que psiquiatra estamos formando?

A experiência encontra-se em pleno andamento. Talvez alguns de seus pontos fortes possam ser destacados: a formaçao, entre os profissionais, de um "espírito de grupo" voltado para a tarefa; o atendimento "psiquiátrico" mais compreensivo, com lente voltada para a subjetividade; a valorizaçao da interaçao que se estabelece entre médico e paciente como um dos fatores que levam a mudanças; o atendimento em dupla (docente e residente, um como observador) com discussao sobre o que se passou no "aqui e agora", ao final da consulta; a necessidade de intercâmbio com profissionais da rede pública a fim de garantir a continuidade do tratamento e a própria sobrevivência de uma proposta em que o atendimento é de tempo limitado; avaliaçao crítica dos resultados (do quadro clínico, do projeto assistencial, do ensino/aprendizagem) como um dos objetivos da proposta (planeja-se participaçao de alunos de iniciaçao científica e de pós-graduaçao).

De antemao, podemos mencionar alguns dos perigos inerentes a esse tipo de atendimento, bem como os vários cuidados que deverao ser tomados: o referencial eclético (embora centrado em uma postura rogeriana e um olhar que privilegia o campo intersubjetivo, pode-se lançar mao, quando necessário, de estratégias cognitivo-comportamentais) e o desejável aprofundamento em uma das abordagens psicoterápicas; a seleçao de casos que se adéquem à proposta assistencial; sintonia, capacidade de continência e conduçao dos casos em conformidade com o projeto assistencial sao requeridas da dupla de psiquiatras "terapeutas"; a dificuldade de se viabilizar a continuidade de tratamento na rede pública; a efetividade (para cada participante do processo e sob quais critérios) de tal proposta docente-assistencial.

ATENDIMENTO DE CRISE

Integrado ao Ambulatório de Interconsulta Psiquiátrica (AIC) e ao Ambulatório de Substâncias Psicoativas (ASPA)

Hospital de Clínicas e Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp Ano acadêmico de 2012


Objetivo

Atender prontamente e intensivamente, por período de tempo limitado, pessoas em situaçao de crise que se beneficiem de uma abordagem psiquiátrica e psicoterapêutica integrada.

Prontamente: primeira consulta dentro de no máximo uma semana;

Intensivamente: frequência de uma vez por semana; apoio por meio de telefonemas, inclusao de familiares;

Período de tempo limitado: até oito consultas idealmente;

Crise: situaçao de sofrimento agudo, geralmente em resposta a uma perda, conflito ou acontecimento estressante;

Abordagem psiquiátrica: inclui diagnóstico formal e planejamento terapêutico; avaliaçao complementar e tratamento psicofarmacológico, quando necessários;

Abordagem psicoterapêutica: utilizaçao de recursos da psicoterapia de crise (que mescla técnicas de apoio psicológico e de psicoterapia focal) com referencial teórico eclético (psicodinâmico, interpessoal e cognitivocomportamental).

Integraçao: Nao só de abordagem clínica, como também, desde o início, a continuidade em serviço da rede pública será buscada, por meio de contatos pessoais e, sempre que possível, de reunioes entre as equipes do hospital e do centro de referência.

O atendimento de crise nao se configura em um ambulatório específico. É a utilizaçao de uma estratégia de atendimento a ser desenvolvida e testada em dois ambulatórios já existentes.

Clientela

Indivíduos a partir de 14 anos de idade, provenientes do pronto-socorro ou de outros serviços do hospital. Exemplos de condiçoes clínicas a serem atendidas: crise suicida, estresse agudo, estresse pós-traumático, reaçoes de ajustamento. Essa proposta adéqua-se a situaçoes de crise nao psicótica (eventualmente, casos de psicose reativa poderao ser atendidos).

Equipe Docente

Psiquiatras: Neury José Botega (coord.), Joel Sales Giglio, Egberto Ribeiro Turato, Joao Baptista Laurito Jr., Amilton dos Santos Jr., Antonio Carvalho de Avila Jacintho

Enfermeira: Celina Matiko Hori Higa

Assistentes social: Rosana Márcia Sartori

Horário de Funcionamento

Sextas-feiras, das 10h15 às 12h (AIC), com residentes do segundo ano (R2)

Segundas-feiras, das 8h30 às 10 h30 (ASPA), com residentes do terceiro ano (R3)

Algumas características do atendimento

  • A marcaçao da consulta é realizada somente após discussao do caso com um profissional da equipe docente do Atendimento de Crise.
  • Na primeira consulta, o paciente deve vir acompanhado de familiares.
  • Já na recepçao, explicam-se as principais características do serviço: intensivo e limitado no tempo. Deixa-se claro que, ao final de seis consultas, o paciente será encaminhado para outro serviço da rede pública ou instituiçoes parceiras do projeto (por exemplo, clínicasescola, profissionais liberais disponíveis, ONGs).
  • Desde a primeira consulta, o serviço social faz levantamento dos recursos assistenciais existentes, visando à continuidade do atendimento fora da instituiçao.
  • Os atendimentos sao sempre em dupla de terapeutas, um dos quais permanece na posiçao de observador. Ao final de cada atendimento, breve discussao, em dupla, em torno de 15 minutos, sobre a dinâmica do atendimento.
  • Inicialmente, o docente é o terapeuta e o residente, o observador. Ao se concluir o primeiro tratamento, invertem-se as funçoes da dupla.
  • É incentivada a participaçao de familiares, que sao atendidos por um dos profissionais.
  • Paralelamente ao atendimento formal, dentro do consultório, podemos lançar mao de outros recursos com finalidade terapêutica, durante o período do ambulatório, como, por exemplo, técnicas de relaxamento.
  • O encaminhamento do paciente para outro serviço é personalizado e combinado em termos pessoais com o profissional responsável pelo seguimento.
  • Telefonemas rotineiros sao utilizados a fim de:
  • Dar apoio a pacientes e familiares;
  • Incentivar o paciente a manter-se no seguimento após alta de nosso ambulatório;
  • Manter contato com profissional responsável pelo seguimento;
  • Avaliar adesao e desfechos, após período de seis e de doze meses da alta de nosso serviço.


  • Parcerias

    Como o Atendimento de Crise propoe-se dar acolhimento e tratamento inicial intensivo e limitado no tempo, temos que contar com vários serviços parceiros para dar conta da continuidade do tratamento, como também para fortalecer a rede de apoio social.

    A proposta inclui o mapeamento e contato pessoal com serviços da rede pública (UBS, CAPS, ambulatórios, regulaçao de vagas), clínicas-escola de psicologia, ONGs, instituiçoes religiosas e outros serviços ligados à promoçao de saúde.

    Em contrapartida, oferecemos reunioes conjuntas entre equipes para a discussao de casos clínicos, como também cursos de treinamento, usando os recursos do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria.

    Seminários e reuniao clínica

    Durante os dois primeiros meses letivos, realizam-se seminários teóricos às sextas-feiras, das 10h15 às 12h. Nao há atendimento.

    Nesse período, o grupo do Atendimento de Crise tem quatro tarefas principais:

  • Aprofundamento em psicoterapia em situaçoes de crise;
  • Discussao de detalhes da implantaçao do serviço;
  • Mapeamento de recursos assistenciais da cidade e regiao;
  • Estabelecimento de parcerias.


  • Posteriormente, realizam-se reunioes clínicas das 11h30 às 12h30, com discussao de casos em acompanhamento ou encontro com profissional/equipe externa ao HC Unicamp responsável pelo seguimento do paciente.

    Grupo de Estudo

    Há proposta de um grupo de estudo quinzenal, em horário fora do período de atendimento. Futuramente, este, ou um novo grupo, poderá incluir alunos de graduaçao, residentes e outros profissionais da área da saúde.

    Bibliografia

    Os textos abaixo se referem aos dois primeiros meses de seminários.

    1º seminário

  • O diagnóstico do paciente e a escolha da psicoterapia
    Cordioli AV, Gomes FA. In: Cordioli AV (org). Psicoterapias: abordagens atuais. Porto Alegre: Artmed; 2008. p.85-124.
  • Psicoterapia de apoio
    Cordioli AV, Wagner CJP, Cechim EM, Almeida EA. In: Cordioli AV (org.). Psicoterapias: abordagens atuais. Porto Alegre: Artmed; 2008.p.188-203.


  • 2º seminário

  • Como atuam as psicoterapias: os agentes de mudança e as principais estratégias e intervençoes psicoterápicas
    Cordioli AV, Giglio L. In: Cordioli AV (org). Psicoterapias: abordagens atuais. Porto Alegre: Artmed; 2008. p.42-57.
  • Fatores comuns e mudanças em psicoterapia
    Isolan L, Pheula G, Cordioli AV. In: Cordioli AV (org.). Psicoterapias: abordagens atuais. Porto Alegre: Artmed; 2008.p.58-73.


  • 3º seminário

  • A entrevista de ajuda (p. 1- 57)
    Benjamin A. Sao Paulo: Martins Fontes; 2008.


  • 4º seminário

  • A entrevista de ajuda (p. 59-121)
    Benjamin A. Sao Paulo: Martins Fontes; 2008.


  • 5º seminário

  • A entrevista de ajuda (p. 123-202)
    Benjamin A. Sao Paulo: Martins Fontes; 2008.


  • 6º seminário

  • Os eixos do processo terapêutico (pp. 85-88)
  • O conceito de foco (p. 89-108)
  • Tipos de intervençao verbal do terapeuta (p. 159-186)
    Fiorini HJ. Teoria e técnica de psicoterapias. Sao Paulo: Martins Fontes; 2004.


  • 7º seminário

  • Uma descriçao da terapia interpessoal (p. 11-16)
  • Começando a terapia interpessoal (p. 29-46)
  • Técnicas e o papel do terapeuta (p. 81-87)
    Psicoterapia interpessoal
    Weissman M, Markowitz JC, Klerman GL. Psicoterapia interpessoal: guia prático do terapeuta. Porto Alegre: Artmed; 2009.


  • 8º seminário

  • A crise e o cuidar (p. 11- 25)
  • Por telefone (p. 49 - 75)
  • Mobilizar mentes e coraçoes (p. 71 - 79)
    Telefonemas na crise: percursos e desafios na prevençao do suicídio. Botega NJ, Silveira IU, Mauro MLF. Rio de Janeiro: Editora da ABP; 2010.











  • * Psiquiatra, Professor Titular, Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria (DPMP, Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
    ** Psiquiatra, Professor Titular, DPMP FCM Unicamp.
    *** Psiquiatra, Professor Adjunto, DPMP FCM Unicamp.
    **** Psiquiatra assistente, Hospital das Clínicas da Unicamp.
    ***** Psiquiatra assistente, DPMP FCM Unicamp.
    ****** Psiquiatra assistente, DPMP FCM Unicamp.

    Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria, FCM Unicamp.

    Correspondência:
    Neury José Botega
    FCM Unicamp, Departamento de Psiquiatria
    Rua Tessália Vieira de Camargo 126, Cidade Universitária
    Campinas, SP, Brasil, CEP 13083-887
    botega@fcm.unicamp.br

     

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