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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2011; 13(3):50-62



Artigos Originais

Laboratório de Pesquisa e Intervençao Cognitivo-Comportamental (LaPICC): ensino-pesquisa-extensao no dia a dia da formaçao de psicólogos

Cognitive Behavioral Research and Intervention Laboratory: education-research-intervention in the day by day process of psychologist formation

Carmem Beatriz Neufeld*; Ana Irene Fonseca Mendes**; Caroline da Cruz Pavan***; Renata Panico Gorayeb****; Equipe LaPICC

Resumo

O presente trabalho visa apresentar o Laboratório de Pesquisa e Intervençao Cognitivo-Comportamental (LaPICC) do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirao Preto da Universidade de Sao Paulo. Apesar de sua recente história, apenas três anos e meio, o mesmo já pode auxiliar um grande número de pacientes a manejarem suas dificuldades, e também ofertou formaçao a diversos terapeutas em Terapia Cognitivo- Comportamental e em Terapia Analítico-Comportamental. Como espaço de formaçao ele também tem atuado no aprimoramento de supervisores nestas áreas de atuaçao. O LaPICC conta com diferentes modalidades de intervençoes que variam desde o atendimento terapêutico individual, até processos em grupo visando a promoçao de saúde, passando por diferentes intervençoes em saúde e educaçao. Neste sentido, a metodologia de formaçao (de terapeutas e supervisores), a forma de avaliaçao dos formandos e das intervençoes, bem como do serviço prestado como um todo será discutido. Com um enfoque voltado para a indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensao, as estratégias utilizadas e os resultados alcançados nestes campos sao apresentados e discutidos em termos de avanços e desafios a serem enfrentados.

Descritores: Ensino; Psicoterapia; Terapia Cognitivo-Comportamental; Terapia Analítico-Comportamental; Formaçao de terapeutas; Formaçao de Supervisores; Terapia Cognitiva.

Abstract

This paper aims to present the Cognitive Behavioral Research and Intervention Laboratory (LaPICC) from the Psychology Department of the Philosophy, Science and Languages (Arts/Literature) Faculty of Ribeirao Preto in Sao Paulo University. Despite of its recent history, just three years and a half, the laboratory has helped a big amount of people to deal with their difficulties, and also has offered training for many therapists in Cognitive Behavioral Therapy. As a training program it has also improved the abilities of supervisors in clinical area. It offers different modalities of intervention, from clinical intervention in mental disorders to group intervention with the intention to promote mental health, also as different health and educational interventions. The training methods for therapists and supervisors, the evaluation of the trainees and the interventions, as well as the health services that are offered will be discussed. Focused in the inseparability of education-researchintervention, the strategies that are used and the results that they achieve will be presented and discussed in terms of the advancement and the challenge to be faced.

Keywords: Teaching; Psychotherapy; Cognitive Behavioral Therapy; Behavior Analytical Therapy; Therapists training; Supervisor training; Cognitive Therapy.

 

 

O Laboratório de Pesquisa e Intervençao Cognitivo-Comportamental (LaPICC) tem seu foco principal voltado para as intervençoes cognitivocomportamentais, tomando como base diferentes teorias dentro dessa tradiçao para a compreensao do ser humano. Além destas, o laboratório tem também se voltado, em menor escala, para a difusao e formaçao em terapia analítico-comportamental (TAC). Com sólidos referenciais teóricos, o trabalho do LaPICC tem buscado implantar e concretizar o tripé ensino-pesquisaextensao na formaçao de psicólogos cognitivo-comportamentais e analítico-comportamentais.

Na perspectiva das TCC, o enfoque beckiano surge como referencial privilegiado no LaPICC. Em tal enfoque, as intervençoes visam produzir mudanças nos pensamentos, nos sistemas de significados, além de uma transformaçao emocional e comportamental duradoura, e proporcionar autonomia ao cliente, alcançando assim o alívio ou a remissao total dos sintomas1.

A cogniçao exerce, portanto, papel fundamental na manutençao dos transtornos psicológicos2, pois clientes com essas condiçoes apresentam pensamentos disfuncionais ou distorcidos3. Judith Beck ressalta que as mudanças emocionais e comportamentais serao duradouras se resultarem da modificaçao de crenças disfuncionais básicas dos clientes4. Desta maneira, o foco do terapeuta cognitivo-comportamental será obter mudanças cognitivas por meio de uma avaliaçao realista da situaçao e da modificaçao do pensamento, produzindo, consequentemente, uma melhora no humor e no comportamento dos clientes.

A teoria de Beck tem recebido destaque tanto entre os clínicos quanto na populaçao em geral pela sua atuaçao individual empiricamente validada e sua atestada eficiência no tratamento de uma grande variedade de transtornos psiquiátricos5. Este viés de intervençao individual ocupa apenas parte da atuaçao do LaPICC. O grande enfoque das TCC no laboratório repousa sobre os tratamentos em grupo.

Considerando o fato de o LaPICC estar situado em uma universidade pública, o mesmo tem desde seu nascimento uma forte vocaçao para a produçao de conhecimentos que se revertam em benefícios para a sociedade. A terapia cognitivo-comportamental em grupos (TCCG) congrega várias características que apontam para uma perspectiva da responsabilidade social. Braga et al.6 ressaltam o ganho em termos do treinamento de profissionais de forma mais sistemática do que nas intervençoes individuais, além da sua reconhecida eficácia e da relaçao custo-benefício mais favoráveis do que a terapia individual.

Na perspectiva da terapia analítico-comportamental (TAC), a formaçao dos profissionais no LaPICC tem mantido o foco na terapia individual de adultos. As intervençoes primam pela relaçao terapêutica baseada na audiência nao punitiva e na análise das variáveis ambientais que afetam o comportamento humano. Em uma perspectiva funcional, buscam-se as relaçoes de contingências atuais e históricas7,8.


HISTORIA E APRESENTAÇAO

O LaPICC tem como data de nascimento o dia 7 de outubro de 2008, quando a Prof. Dra. Carmem Beatriz Neufeld assumiu o cargo de Professor Doutor em Regime de Dedicaçao Integral a Docência e Pesquisa. Idealizado com base nas experiências administrativas anteriores (à frente da Coordenaçao de um Curso de Psicologia e da Coordenaçao de uma clínica-escola), nas vivências em pesquisa e na prática clínica da autora, o laboratório veio sendo conduzido no sentido de buscar a integraçao entre a pesquisa, a formaçao de terapeutas e supervisores, e a oferta de um serviço de qualidade para a populaçao. Alocado no Centro de Psicologia e Pesquisa Aplicada (CPA) do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirao Preto da Universidade de Sao Paulo, o LaPICC teve seu registro formal no Departamento de Psicologia e na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirao Preto finalizado em novembro de 2009. Ao final de 2009, o LaPICC também teve seu registro aceito como grupo de pesquisa junto ao CNPq.

Em novembro de 2008, foi aberta a primeira seleçao de estágio e em fevereiro de 2009 foram ofertadas as primeiras vagas para estágio em TCC individual para adultos. Neste período, o LaPICC contou com nove estagiários de quarto e quinto anos de psicologia, além de uma supervisora em formaçao, que foi também a primeira colaboradora de pesquisa do laboratório. Em agosto deste ano, foi dado início ao estágio em TCCG, contando com oito estagiários e inaugurando os programas de intervençao em grupos de emagrecimento, orientaçao de pais e treinamento de habilidades sociais (THS) com adolescentes em escolas públicas e crianças em lista de espera por atendimento.

Foi também neste período que o estágio de TAC com pacientes adultos foi criado, contando com uma supervisora em formaçao, pós-graduanda do Programa de Pós-Graduaçao em Psicologia da FFCLRP. Foram disponibilizadas quatro vagas para terapeutas. Segundo os dados estatísticos, ao longo do ano de 2009 foram realizados mais de 1000 sessoes de atendimento, beneficiando mais de 50 pessoas. No total, em 2009 a equipe do LaPPIC contou com 21 vagas de estágio para formaçao de terapeutas, duas supervisoras em formaçao e uma supervisora já graduada.

O ano de 2010 foi marcado pela expansao na oferta de tipos de atendimentos, uma vez que foi proposto o estágio de TCC em Hospital Geral, coordenado e supervisionado pela Dra. Renata Panico Gorayeb no HCFMRP (Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirao Preto) com quatro vagas de estágio. O estágio de TCC individual de adultos recebeu mais duas supervisoras em formaçao, ambas colaboradoras de pesquisa em estágio probatório para seleçao de mestrado no laboratório. Além disso, esse estágio passou a oferecer também a modalidade de atendimento infantil, mantendo uma supervisora em formaçao, a colaboradora de pesquisa anteriormente citada, sendo que dez vagas para terapeutas em formaçao foram ofertadas.

Os programas de TCCG mencionados anteriormente, neste ano com 14 vagas para terapeutas, passaram por reformulaçoes e, mais sedimentados, passaram a contar com duas supervisoras em formaçao. Uma delas, a primeira colaboradora de pesquisa do laboratório, trouxe a parceria com um grupo da clínica de pacientes especiais da Faculdade de Odontologia de Ribeirao Preto dedicado ao estudo da dor orofacial crônica , com o apoio e colaboraçao do Prof. Dr. César Bataglion. A outra, uma nova colaboradora de pesquisa, foi integrada aos grupos de THS com adolescentes. Os grupos de THS com crianças deixaram de ser direcionados para crianças em lista de espera por atendimento e passaram a ocorrer dentro da escola, nos mesmos moldes dos grupos de THS adolescentes. Esta colaboradora se manteve ligada ao LaPICC até a metade do segundo semestre deste ano. O programa de TCC para grupos de emagrecimento foi integrado ao Programa de Reeducaçao Alimentar (PRAUSP), coordenado pela Dra. Rosane Pilot Pessa Ribeiro da Escola de Enfermagem de Ribeirao Preto.

No estágio de intervençao individual em TAC, que já contava com uma pós-graduanda como supervisora em formaçao, ocorreu a integraçao de mais um supervisor em formaçao, também pós-graduando em Psicologia da FFCLRP, contando esse estágio com seis vagas para estagiários. O ano de 2010 finalizou com mais de 2.000 horas de atendimentos concedidas e mais de 150 pacientes beneficiados pelas intervençoes nas mais diferentes modalidades. Esses atendimentos foram oriundos do trabalho de um programa composto de 34 vagas de estágios para formaçao de terapeutas, sete vagas de formaçao de supervisores e duas supervisoras.

O crescimento de atividades do LaPICC continuou no ano de 2011. Foram mantidos os estágios de 2010 e planejada mais uma possibilidade de intervençao. Tratava-se de Avaliaçao e Intervençao em pacientes de cirurgia ortognática (um tipo de cirurgia corretiva da face) da residência em cirurgia buco-maxilo-facial sob a responsabilidade dos professores Prof. Dr. Cássio Edvard Sverzut e Prof. Dr. Alexandre Elias Trivellato da Faculdade de Odontologia de Ribeirao Preto - USP. Esta parceria foi trazida para o LaPICC pela primeira colaboradora de pesquisa e terapeuta em formaçao, contando com duas vagas de estágio. O estágio de TCC em Hospital Geral manteve as mesmas características do ano anterior. O estágio de TAC passou a ofertar quatro vagas e manteve a mesma estrutura do ano anterior.

Nas intervençoes individuais, foram mantidas duas supervisoras em formaçao, agora pós-graduandas em Psicologia da FFCLRP, e a colaboradora de pesquisa, sendo oferecidas seis vagas de estágio. Já nos programas de TCCG, com 12 vagas de estágio, mais duas supervisoras em formaçao passaram a integrar a equipe, ambas colaboradoras de pesquisa em estágio probatório para seleçao de mestrado no laboratório e formadas terapeutas no LaPICC nos anos de 2009 e 2010.

O programa de grupo para dor crônica cede lugar neste ano ao programa de TCCG para pacientes deprimidos no Laboratório de Transtornos do Humor do Hospital Dia coordenado pelo Dr. Mario Francisco Juruena, ao qual se integra a primeira colaboradora de pesquisa do LaPICC como terapeuta em formaçao. Teve início também o programa de orientaçoes de pais em escola pública, além da manutençao de todos os grupos advindos dos anos anteriores. No balanço deste ano foram registradas mais de 2.000 horas de atendimento e mais de 200 pessoas beneficiadas, frutos de uma equipe distribuída em 28 vagas de estágio para formaçao de terapeutas, oito vagas de formaçao de supervisores e duas supervisoras.

Em suma, o LaPICC conta atualmente com cinco possibilidades de formaçao de terapeutas e supervisores. Destas, três seguem um modelo mais tradicional de intervençao clínica, com tratamento individual voltado para avaliaçao e intervençao em transtornos ou queixas específicas: os trabalhos de TCC individual, de TAC individual e com cirurgia ortognática. As outras duas frentes de formaçao estao voltadas para uma visao de saúde ampliada, atuando em diferentes enfoques, desde a intervençao terapêutica até a promoçao de saúde. Estas intervençoes sao o trabalho em TCCG e o trabalho de TCC em hospital geral.

Os enfoques de TCC individual e de TCCG contam com subdivisoes. Quando o formando (terapeuta ou supervisor) se direciona ao trabalho em TCC individual, duas modalidades de atuaçao sao implementadas paralelamente de acordo com a fase do desenvolvimento do paciente: a intervençao infantil/adolescente e a intervençao em adultos/idosos. Já em TCCG, diferentes modalidades de grupos podem ser implementadas, conforme descrito por Neufeld9. Nesse sentido, o LaPICC conta com grupos terapêuticos (emagrecimento - PRAUSP, depressao e bipolaridade - HUMOR, dor orofacial - PRODOR), grupo de orientaçao/treinamento com enfoque terapêutico (orientaçao de pais de crianças em atendimento - PROPAIS I), grupos de orientaçao/ treinamento com enfoque na promoçao de saúde (crianças e adolescentes na escola e na ONG - THS) e grupo de psicoeducaçao com enfoque na promoçao de saúde (orientaçao de pais em contexto educacional - PROPAIS II). Essas diferentes frentes de trabalho podem se integrar e até mesmo se sobrepor em alguns casos, como, por exemplo, no caso da intervençao clínica em crianças e o PROPAIS I, constituindo a equipe Pais & Filhos. Em anexo (ANEXO A) é apresentado um organograma do funcionamento do LaPICC, visando facilitar o entendimento da estrutura do laboratório.


METODOLOGIA E AVALIAÇAO

A psicologia cognitiva preconiza que qualquer mudança de comportamento relativamente estável ou habilidade de ser flexível em padroes estabelecidos adquirida através da experiência, e nao meramente devido à maturaçao biológica, pode ser considerada aprendizagem10. Nesse sentido, todo e qualquer processo de modificaçao relativamente permanente na disposiçao ou na capacidade do ser humano é um indício de aprendizagem. Porém, os mesmos autores referem que o processo de aprender pode ser facilitado pela oferta de um conhecimento organizado em níveis hierárquicos. Eles ressaltam, no entanto, que a aprendizagem é um processo idiossincrático de organizaçao do conhecimento; portanto, quanto maior for a oferta de oportunidades de acesso à construçao de novas representaçoes mentais, conceitos e esquemas, maior será o número de pessoas passíveis de se beneficiar de um processo formal de ensino e aprendizagem.

Em consonância com os conceitos da psicologia cognitiva, a formaçao em TCC no LaPICC obedece a um modelo em níveis de aprofundamento e experiências. Embasado na indissociabilidade de conhecimentos teóricos e práticos para uma aprendizagem efetiva, todo o processo de aprendizagem visa à integraçao entre atividades de ensino, pesquisa e extensao como preconizam as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Psicologia11. Além disso, toma como pano de fundo a aprendizagem vicariante12, que preconiza que a aprendizagem ocorre pela aquisiçao do conhecimento prático e teórico, mas também pela observaçao de modelos. Adicionalmente, a metodologia empregada visa a criar experiências de sucesso que sirvam como evidências para um melhor desempenho e uma diminuiçao da ansiedade frente ao novo papel (de supervisor ou de terapeuta) a ser desempenhado, assim como proposto por Aaron Beck em sua metodologia baseada em evidências1.

O fomento ao entendimento cognitivo-comportamental do caso, grupo ou prática interventiva é priorizado, sendo necessariamente o viés para a intervençao a ser proposta. Toda atividade do LaPICC deve visar à formaçao de um psicólogo com base teórica sólida, cujas intervençoes sao produçao de conhecimento e, para tanto, precisam ser estruturadas para apresentaçao à comunidade científica e, por fim, mas nao menos importante, precisam gerar atividades de retorno destes conhecimentos para a sociedade como um todo a partir de intervençoes que visam a melhoria da qualidade de vida das pessoas e da sociedade como um todo.

Na formaçao de terapeutas em TAC, parte-se do princípio de que a aprendizagem de comportamentos novos pode ocorrer de três diferentes formas: regras fornecidas pela comunidade verbal, observaçao de modelos e, principalmente, contingências de reforçamento13-15. O fornecimento de regras pelos supervisores e a observaçao de modelos destes e de estagiários mais experientes sao procedimentos importantes para a formaçao dos novos terapeutas analítico-comportamentais. Porém, a principal forma de aprendizagem disponível durante o estágio individual de TAC é a vivência das contingências de uma sessao terapêutica, o contato direto com as emoçoes e os pensamentos que cada atendimento produz16.

Para tanto, os candidatos a terapeuta sao alunos de psicologia de quarto e quinto anos, que podem ou nao ter experiência prévia no LaPICC. Os observadores, por sua vez, sao alunos de terceiro ano de psicologia selecionados para iniciaçao científica no LaPICC e passam a acompanhar os grupos em TCCG. Eles passam por experiências que a visam fortalecer diferentes níveis de responsabilidade, competências e habilidades específicas, atuando como terapeutas principais, coterapeutas ou observadores. Apesar de esta ser uma meta no LaPICC, nem todas as equipes contam com todos os níveis de terapeutas e supervisores em formaçao.

Os candidatos à formaçao como supervisores sao psicólogos com clara vocaçao para pesquisa e intervençao. Os mesmos podem ser colaboradores de pesquisa em estágio probatório para seleçao de mestrado ou mestrandos/ doutorandos em fase inicial de aquisiçao de habilidades clínicas. Eles iniciam suas experiências como observadores/assistentes de supervisores mais experientes, para desenvolver cada vez mais autonomia e as habilidades para se tornar supervisores a fim de ser responsáveis por uma proposta de trabalho específica.

Neste sentido, sao realizadas, além das supervisoes em pequenos grupos e de frequência semanal, reunioes para a discussao de textos, casos ou grupos, apresentaçoes dos casos ou grupos em treinamentos e disciplinas que visam a preparar candidatos aos estágios. Os terapeutas e supervisores em formaçao acompanham o todo do processo buscando criar um modelo de intervençao/supervisao para posterior aplicaçao.

Todos os integrantes da equipe têm ainda a oportunidade de visualizar sua prática como uma atividade de pesquisa, sendo fomentada a apresentaçao das mesmas em congressos na área e sua publicaçao na forma de artigos ou capítulos de livros. O LaPICC conta ainda com a Jornada de TCC do Interior de Sao Paulo (JoTCC) de frequência bienal, congregando participantes de diversas regioes do país. A JoTCC oportuniza a todos os membros o contato com pesquisadores de renome nacional e internacional, além de um espaço para a divulgaçao dos trabalhos realizados pelos diferentes participantes da equipe e a interaçao com a produçao de outros grupos de pesquisa/intervençao.

As intervençoes e a formaçao sao avaliadas a partir de dados quantitativos e qualitativos. No que tange à formaçao dos terapeutas, estes apresentam relatórios semanais e semestrais, além de estudos de caso nas intervençoes individuais. Sao avaliadas também participaçao, presença em reunioes e supervisoes, observância das orientaçoes recebidas e postura ética e profissional. Os supervisores em formaçao sao avaliados com base em suas contribuiçoes nas supervisoes e no aprofundamento teórico que alcançam ao longo de seu tempo de atuaçao.

As intervençoes, por sua vez, passam por constante avaliaçao visando a seu aprimoramento tanto para se tornarem açoes de ensino mais eficazes quanto para gerarem resultados mais efetivos para os usuários dos serviços oferecidos à comunidade. As intervençoes sao avaliadas a partir dos resultados específicos nos pré e pós-testes, além dos feedbacks recebidos pelos usuários dos serviços prestados, onde sao aludidos todos esses dados, advindos das reunioes semestrais de avaliaçao de cada uma das atividades de intervençao. Nessas reunioes, todos os atores envolvidos no processo dao seu parecer, tecem críticas e sugestoes em prol do aprimoramento do processo como um todo.


DESAFIOS E PERSPECTIVAS

A maior dificuldade enfrentada pelo LaPICC é sua juventude. Em apenas três anos e meio de existência, já conta com um volume significativo de horas de atendimento, pessoas atendidas e profissionais formados em algum dos níveis disponíveis. Esta juventude traz vigor, mas sofre em experiência e estrutura. Além disso, sem contar com espaços próprios de atendimento, os serviços funcionam em diversos locais, o que muitas vezes dificulta a criaçao de uma identidade de equipe. Os atendimentos individuais sao todos realizados no CPA, enquanto as intervençoes em grupo sao realizadas cada uma em um determinado local, tais como escolas, hospital dia, sala de aula da pósgraduaçao, casa 22 do campus, hospital geral.

O tamanho de sua equipe é outro ponto que inspira cuidado. Por se tratar do único serviço nesta abordagem no Departamento de Psicologia, tornou-se muito procurado, gerando um aumento gradativo em sua equipe e opçoes de intervençoes. No entanto, com a equipe maior, a coordenaçao torna-se mais difícil e o controle de qualidade também acaba sendo mais um desafio.

Outro desafio é o investimento de tempo e recursos humanos e materiais necessários para se trabalhar com pesquisas de intervençao ou intervençoes geradoras de pesquisas. Todas as atividades do LaPICC geram bancos de dados para fins de avaliaçao e produçao de conhecimento. Isso significa dizer que anualmente uma grande infraestrutura de avaliaçao e tabulaçao de dados é necessária, visando tanto à produçao de trabalhos de pós-graduaçao quanto de iniciaçao científica e de relatos de intervençoes.

Outro desafio é o trabalho em equipe, pois diferentes atividades podem se integrar gerando uma relaçao de interdependência entre diferentes programas. As intervençoes com pais, por exemplo, se relacionam e precisam se comunicar com as intervençoes individuais das crianças. Os projetos para promoçao de saúde na escola também acabam por sobrepor suas avaliaçoes, necessitando de uma comunicaçao afinada e um verdadeiro trabalho em equipe. Os integrantes do LaPICC adquirem, assim, experiências em diferentes frentes e passam a perceber os fenômenos que podem parecer circunscritos a uma complexa teia de variáveis. No entanto, tal complexidade cobra seu preço de dedicaçao e de trabalho nem sempre fácil de coordenar.

Considerando os desafios mencionados, algumas metas norteiam as perspectivas futuras do LaPICC. Destas, algumas já estao sendo implantadas em 2012, e outras deverao nortear as açoes no médio prazo. A diminuiçao da equipe em busca de uma formaçao mais aprofundada já pode ser observada pelo fato de terem sido ofertadas 18 vagas de estágio, três vagas de observadores e nenhuma nova vaga de supervisor em formaçao em 2012. Ocorreu também um aumento no número de grupos de TCCG com os grupos de bipolaridade e de THS crianças e adolescentes em uma ONG de contra turno escolar em fase de implantaçao.

Os terapeutas passam a ter mais de uma experiência prática em grupos distintos, e houve um aumento no número de observadores, visando à formaçao mais completa dos futuros terapeutas e pesquisadores. As reunioes anteriormente organizadas em grande grupo passam a ter características específicas para cada equipe e direcionam seus objetivos para as demandas daquele tipo de intervençao.

Outra mudança direciona-se a um maior enfoque na metodologia pré e pós-teste para as intervençoes individuais, que passam a contar com programas gerais mais estruturados para facilitar o treino de terapeutas inexperientes e supervisores iniciantes. Encontra-se também em fase de finalizaçao o livro de casos que conta com intervençoes cognitivo-comportamentais realizadas em diferentes serviços de formaçao de terapeutas do Brasil. Protagonistas em TCC apresentará uma amostra de sete intervençoes em casos atendidos no LaPICC ao longo destes três anos e meio, tornando-se um marco na reavaliaçao de processos para estabelecimento de novas metas para o laboratório.

Finalizando o presente trabalho, fica a certeza de que o LaPICC é um laboratório jovem e, como tal, ainda tem muito para investir em processos e em estruturaçao. Os dados quantitativos como os números de atendimentos realizados, terapeutas supervisionados e supervisores em formaçao indicam que já há uma história a ser contada. Resta, no entanto, o maior desafio - a dimensao qualitativa do que tais intervençoes e processos de formaçao produziram em todos os envolvidos: terapeutas, pacientes e supervisores. Estes dados demandam a passagem do tempo, para que, após sedimentar-se a aprendizagem, os atores do processo possam avaliá-lo de uma perspectiva nova, a perspectiva de quais valores foram agregados e quais aspectos foram efetivamente relevantes no decorrer do percurso.

Suporte Financeiro

Orgaos financiadores apresentados por ordem de recursos disponibilizados aos diferentes projetos realizados no LaPICC de 2008 a 2011: FAPESP, CNPq, CAPES, Pró-Reitoria de Pesquisa da USP, Pró-Reitoria de Extensao da USP.

Agradecimentos

Equipe LaPICC, obedecendo ao tempo e o número de estágios aos quais estiveram ligados de 2009 a 2011. Psicólogos colaboradores da equipe: Ana Irene Fonseca Mendes; Caroline da Cruz Pavan; Renata Panico Gorayeb; Gabriel Vieira Cândido; Priscila de Camargo Palma; Patrícia Cavalari Nardi; Carla Cristina Cavenage; Marcella Cassiano; Carolina Prates Ferreira Rossetto. Estudantes de Psicologia que participaram da equipe: André Luiz Moreno; Maria Claudia Rodrigues; Victor Cavallari Souza; Gabriela Salim Xavier; Juliana Tomé Garcia; Leandro Miranda Yokoyama; Aysa Roveri Arcanjo; Carla Camilo; Miliane Putti; Ana Paula Uhlmann Corder; Camila Garcia Zanca; Carla Cristina Cavenage; Dayane Rattis Theodozio; Luís Paulo Bertocco Ezequiel; Mariana Ducatti; Mariana Fortunata Donadon; Mariana Pavan; Marina Mara Martins Rodrigues; Matheus Felipe de Souza; Sarah Dobrochinky; Renata de Castro Moda; Vanessa Ruiz Vaz Gomez; André Vilela Komatsu; Camila Spadotto Balarin; Cristiane Rosa Campos; Elienay Eiko Rodrigues Umekowa; Evelyn Fonseca Nogueira; Juliana Siquinelli Padula; Lívia Junqueira Dias; Luiza Campos Menezes; Maria Tereza de França Souza; Mirian Van Der Geest; Nivea Passos Maehara; Rafael Vasques; Taciane Motta Marconato; Wadson Alonso; Carla Cristina Daolio; Gabriela Affonso. A primeira autora deste artigo é a coordenadora e responsável legal pelo LaPICC, detendo os direitos legais sobre o mesmo.


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* Doutora em Psicologia pela PUCRS. Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervençao Cognitivo-Comportamental (LaPICC), Professora Doutora do Departamento de Psicologia, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirao Preto, Universidade de Sao Paulo. Presidente da Federaçao Brasileira de Terapias Cognitivas.
** Doutora e Mestre em Psicobiologia pela FFCLRP - USP. Colaboradora de pesquisa e membro do LaPICC. Terapeuta Cognitivo-Comportamental.
*** Mestranda em Psicologia pela FFCLRP - USP. Especialista em Terapia Analítico- Comportamental pelo Núcleo Paradigma. Psicóloga do HCFMRP - USP. Colaboradora de pesquisa e membro do LaPICC.
**** Doutora em Ciências Médicas pela FMRP - USP. Mestre em Psicologia FFCLRP - USP. Psicóloga Hospitalar junto aos Serviços de Cirurgia Pediátrica, Urologia Infantil e Medicina Fetal HCFMRP - USP. Terapeuta Cognitivo-Comportamental.

Departamento de Psicologia, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirao Preto, Universidade de Sao Paulo, Ribeirao Preto, SP, Brasil.

Correspondência:
Carmem Beatriz Neufeld
Departamento de Psicologia Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirao Preto - FFCLRP Universidade de Sao Paulo - USP
Av. Bandeirantes, 3.900 - Sala 29 Bloco 5 - Bairro Monte Alegre
Ribeirao Preto - SP - Brasil - CEP: 14040-901
Tel: +55(16)3602-3724 / Fax: +55(16)3602-4835
Contato: cbneufeld@ffclrp.usp.br; lapicc@usp.br


 

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