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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2011; 13(3):14-25



Artigos Originais

Terapia interpessoal: teoria, formaçao e prática clínica em um serviço de pesquisa e atendimento em violência

Interpersonal therapy: theory, training and clinical practice in a service of research and treatment on violence

Rodrigo Almeida Carvalho*; Mariana Cadrobbi Pupo**; Marcelo Feijó Mello***

Resumo

A psicoterapia interpessoal (TIP) é uma terapia estruturada breve e focal desenvolvida inicialmente para o tratamento da depressao. Esse modelo psicoterápico foi adaptado para outros transtornos mentais, incluindo transtorno do estresse pós-traumático. O programa de atendimento e pesquisa em violência (PROVE) é um ambulatório ligado à Universidade Federal de Sao Paulo (UNIFESP) que presta assistência a vítimas de violência. A terapia interpessoal individual e de grupo é umas das formas de atendimento psicológico utilizado no PROVE. Um curso de formaçao anual é realizado com o objetivo de produçao de conhecimento e pesquisa em TIP.

Descritores: Ensino; Psicoterapia; Psicoterapia Interpessoal; TIP; Pesquisa; Violência; Assistência; Psicoterapia de Grupo; Transtorno de Estresse Pós-Traumático; TEPT.

Abstract

The Interpersonal Psychotherapy (IPT) is a structured and focal therapy that was initially developed to treat depression. This psychotherapy model was adapted to other medical disorders including post-traumatic stress disorder. The Program for victims of Violence (PROVE) is a clinical attendance connected to Federal University of Sao Paulo (UNIFESP) that supports violence victims. The individual and groups interpersonal psychotherapy is one of the ways of psychology attendance utilized in PROVE. An annual training course is offered with the purpose of producing knowledge and research in IPT.

Keywords: Teaching; Psychotherapy; Interpersonal Psychotherapy; IPT; Research; Violence; Assistance; Group Psychotherapy; Post-traumatic Stress Disorder; PTSD.

 

 

CONSIDERAÇOES INICIAIS

A terapia interpessoal (TIP) é uma psicoterapia breve e focal desenvolvida inicialmente para o tratamento de pacientes deprimidos unipolares e nao psicóticos. Foi definida em um manual por Gerald Klerman e cols.1 e posteriormente atualizada por Weisman e cols.2

Ao longo dos anos, a terapia interpessoal foi intensamente avaliada em relaçao à sua eficácia por vários ensaios clínicos controlados para o tratamento da depressao. Duas metanálises foram realizadas com esse intuito3,4. A primeira avaliou 13 estudos, a segunda analisou 38 ensaios clínicos. Podemos afirmar com forte evidência científica que a TIP é uma terapia eficaz no tratamento da depressao, tanto para a fase aguda como na prevençao da recorrência. É um dos tratamentos mais bem avaliados para esse transtorno, seja sozinha ou combinada com medicamentos, devendo ser considerada dentro das diretrizes de conduta para o tratamento da depressao.

O modelo psicoterápico para depressao foi adaptado e mostrou-se eficaz para o tratamento de inúmeros outros transtornos psiquiátricos, incluindo depressao recorrente5, distimia6,7, ansiedade8, transtorno bipolar9, estresse pós-traumático10,11, transtornos alimentares12(entre os quais, bulimia nervosa13 e transtorno de compulsao alimentar periódica)14, quadros depressivos em grupos especiais de pacientes - adolescentes15 e idosos16,17 e pacientes deprimidos com HIV18.


BASES TEORICAS DA TERAPIA INTERPESSOAL

A TIP baseia-se em um modelo biopsicossocial para compressao dos transtornos mentais, ou seja, a doença mental é resultado da interaçao de fatores biológicos e interpessoais. Pessoas que apresentam uma predisposiçao genética maior para transtornos mentais quando passam por uma situaçao de estresse interpessoal tem maior chance de desenvolvê-lo. Suas bases referências sao a teoria do apego (Bowlby), da comunicaçao (Kiesler e Benjamin), social (Henderson) e interpessoal (Sullivan)19.

Todos os serem humanos têm uma predisposiçao biológica intrínseca e instintiva para formar relacionamentos. A capacidade para desenvolver relacionamentos íntimos é crucial para a sobrevivência. A teoria do apego descreve as formas nas quais os indivíduos formam, mantêm e interrompem relacionamentos e, consequentemente, os problemas que decorrem disso. O estilo de apego (seguro ou inseguro) determina o comportamento da pessoa nos seus relacionamentos com os outros. O desejo de ser amado e ser ajudado sao parte integral da experiência humana desde a infância à vida adulta sendo aumentado em momentos de dificuldades ou doença. Para a TIP, os problemas psicológicos ocorrem quando necessidades de apego nao sao satisfeitas.

A teoria da comunicaçao está intimamente conectada à teoria do apego e lida com a forma que o individuo comunica suas necessidades de apego. Pessoas com estilo de apego mal adaptativo possuem uma comunicaçao inadequada, ou seja, relacionamentos interpessoais disfuncionais sao caracterizados por formas de comunicaçao disfuncionais. A teoria social vê o baixo suporte social como um fator causal para problemas psicológicos, sendo a qualidade dos relacionamentos mais importante que a quantidade. A intervençao nos relacionamentos interpessoais atuais promoverá melhora do funcionamento.

Assim, indivíduos com estilo de apego inseguro, ao vivenciarem uma situaçao de estresse, tendem de se comunicar mal e nao procurar ajuda no seu meio social. No fim, eles nao têm suas necessidades de apego satisfeitas, sentem-se frustrados e isolados e apresentam maior propensao a desenvolver algum transtorno mental.


PRINCIPIOS BASICOS

A terapia interpessoal é uma forma de tratamento de tempo limitado, focal, centrado no aqui e agora, que tem por objetivo aliviar o sofrimento através da melhora do funcionamento interpessoal. O terapeuta irá intervir nos relacionamentos interpessoais atuais do paciente melhorando sua capacidade de comunicaçao e ajudando-o a usar seu suporte social.

A TIP contextualiza os problemas interpessoais em quatro áreas problemas, consideradas focos do trabalho ao longo da terapia. Sao elas:

1. Luto complicado
2. Disputas interpessoais
3. Transiçao de papéis
4. Sensibilidade interpessoal


As problemáticas interpessoais podem agir como desencadeadores ou mantenedores dos sintomas psiquiátricos.

As metas da psicoterapia breve sao diminuir as resistências, potencializar a esperança de melhora no paciente e mobilizar uma necessidade de trabalhar o mais rapidamente as habilidades de comunicaçao para a construçao de uma rede social, que em conjunto levarao à diminuiçao dos sintomas. A restriçao do tempo associa-se à característica focal da psicoterapia. Terapeuta e paciente elegerao uma ou duas áreas problemas como focos interpessoais a serem tratados. Essa limitaçao é necessária, pois tentar abarcar muitas questoes interpessoais em um tempo curto de tratamento poderá gerar sensaçao de falha ao término da terapia. O terapeuta interpessoal deve ser pragmático e nao se propor mudar as características da personalidade ou mesmo do estilo pervasivo do apego.

A TIP está dividida em três fases de tratamento (inicial, intermediária e final), existindo a possibilidade de manutençao para casos específicos. O modelo clássico de tratamento está estruturado em 12 sessoes.


ESTRUTURA DE TRATAMENTO

Fase inicial


A fase inicial tem duraçao de duas a quatro sessoes e terá por objetivo: 1) diagnóstico do transtorno mental, 2) inventário interpessoal e 3) identificaçao da área problema, 4) formulaçao interpessoal do caso, 5) verificar se há indicaçao para TIP, 6) contrato terapêutico.

Através da revisao dos sintomas, confirma-se o diagnóstico, conforme algum critério padronizado (CID-10 e DSM-IVR). Este diagnóstico é informado ao paciente dentro de um processo de psicoeducaçao, com o intuito de dar ao paciente o papel de doente. Dar ao paciente esse papel pode aliviar sua culpa por nao atingir um bom funcionamento social e ocupacional assim como passa a responsabilidade em promover sua melhora ao longo da terapia ao próprio paciente. O papel de doente é transitório e ligado ao período de tratamento.

O inventário se dá com a revisao dos relacionamentos atuais e antigos e permite identificar a área-problema (foco). Apesar de o terapeuta interpessoal investigar os relacionamentos antigos em busca de estilo de apego e vulnerabilidades, o foco sempre serao os relacionamentos atuais, particularmente mudanças recentes que poderao estar relacionadas ao foco do tratamento.

Através do inventário interpessoal e da identificaçao da área problema, o terapeuta constrói uma formulaçao interpessoal do caso para o paciente. Esta é uma hipótese sobre o contexto associado ao desenvolvimento do transtorno mental, os fatores de manutençao e o que pode ser feito, incluindo como a TIP ajudará o paciente a melhorar os seus sintomas. A fase inicial termina quando terapeuta e paciente concordam sobre qual área está problemática e que será o foco da fase intermediária.

Fase intermediária

Tem duraçao de quatro a oito sessoes, onde terapeuta e paciente trabalharao juntos para resolver o foco interpessoal responsável pelo aparecimento dos sintomas. Existirao estratégias específicas conforme a área interpessoal problemática.

Luto

O luto é compreendido como a perda real de uma pessoa querida. Nos lutos prolongados, geralmente encontramos uma negaçao da perda ou sentimentos de revolta com a pessoa falecida. Isso leva a uma estagnaçao na vida afetiva e funcional do paciente. O terapeuta irá trabalhar a relaçao existente entre o paciente e o falecido. Os objetivos do tratamento será ajudar o paciente: 1) passar por esse processo e 2) incentivar o desenvolvimento de novos relacionamentos.

As estratégias utilizadas serao relacionar o início dos sintomas depressivos à perda da pessoa querida, aceitar os afetos difíceis ligados à perda, reconstruir a relaçao do paciente com o falecido, explorar aspectos negativos e positivos e considerar maneiras possíveis de se envolver com outras pessoas.

Disputas de papéis interpessoais

É caracterizada por um conflito em uma relaçao significativa. Sao comuns os conflitos conjugais e nas relaçoes profissionais. Nestes casos existe uma falta de acordo entre os participantes da relaçao conflituosa quanto ao que cada um pensa sobre o próprio papel e do outro. Criam-se assim disputas pela imposiçao das opinioes discordantes. As disputas podem estar em variados estágios: confronto ou distanciamento ("guerra fria"). Cabe ao terapeuta e o paciente conseguir encontrar qual seria a meta a ser atingida no trabalho de foco: a dissoluçao, a reaproximaçao ou retomada do diálogo para se encontrar o objetivo. Pacientes deprimidos frequentemente têm dificuldade em ser assertivos sobre seus desejos e necessidades, e também em expressar raiva de forma adequada, o que dificulta a capacidade dos mesmos em resolver as situaçoes que podem ter desencadeado o processo depressivo, tornando- se assim um fator de manutençao do quadro depressivo.

As metas sao 1) ajudar o paciente a entender a natureza da disputa e reconhecer seus sentimentos conflitantes de raiva, medo e tristeza e 2) encontrar estratégias para manejá-los e evitar situaçoes onde estes possam surgir. A estratégia será de estabelecer uma comunicaçao e tentar um novo acordo entre os participantes do conflito.

Transiçao de papeis interpessoais

É diagnosticado quando a pessoa apresenta dificuldades em lidar com mudanças na vida. Como exemplo, podemos pensar na aposentadoria, na aquisiçao de uma posiçao hierárquica superior que exige muita responsabilidade, na perda de uma situaçao de poder ou econômica, ou ainda em uma doença, divórcio e até situaçoes mais sutis como a perda do lazer em funçao do nascimento de um filho. Nessa situaçao, o indivíduo nao consegue se adaptar ao novo papel e tem a tendência de olhar o passado como maravilhoso e o presente e o futuro como algo caótico e miserável.

As metas do terapeuta sao 1) ajudar no luto e perda do antigo papel, 2) auxiliar o paciente a encarar o novo papel de forma mais positiva e 3) recuperar a autoestima através do desenvolvimento de novas responsabilidades.

Sensibilidade interpessoal

A última área problemática é a mais difícil de lidar por ser geralmente crônica. Esta se caracteriza pela dificuldade do paciente em se relacionar devido à sua forma de ser. Pacientes com tal deficiência podem nunca ter estabelecido uma relaçao íntima e duradoura ou ter sentimentos persistentes de solidao e isolamento social, nao especificamente relacionados a transiçoes recentes ou disputas interpessoais. Muitas vezes, na TIP, o paciente consegue detectar este problema e relacioná-lo ao seu transtorno psiquiátrico, levando a uma melhora da sintomatologia depressiva.

As metas do tratamento serao 1) reduzir o isolamento social do paciente e 2) encorajar a formaçao de novos relacionamentos. Em geral, este paciente deve ser encaminhado para uma forma de psicoterapia tradicional, nao focal, após a melhora sintomática.

Fase final

Ao longo das três a quatro últimas sessoes, terapeuta e paciente vao revisar o processo terapêutico. Novamente correlacionam-se os sintomas com o contexto interpessoal e com a melhora ou nao das habilidades sociais, incluindo a comunicaçao e o uso do suporte social. Essa fase tem por finalidade promover o senso de independência e competência do paciente na resoluçao dos seus problemas e a consolidaçao dos ganhos terapêuticos. O terapeuta também ajuda o paciente a antecipar e desenvolver maneiras de identificar e lidar com sintomas, caso eles surjam no futuro.

Fase de manutençao

Deve ser considerada para os pacientes que responderam ao tratamento, mas apresentam grande risco de recaída ou recorrência. Essa fase é menos intensa, com sessoes menos frequentes (quinzenais ou mensais). Ao invés do tratamento de uma crise interpessoal atual, tem por finalidade manter o funcionamento adquirido e prevenir o retorno dos sintomas.

Adaptaçoes da técnica

Inicialmente a TIP foi desenhada para o tratamento de episódios depressivos agudos. Ao longo dos anos, foi adaptada para outros transtornos mentais, mantendo como características o formato breve e focal e as questoes interpessoais. Houve um aumento do número de sessoes em quadros mais crônicos como distimia (16 sessoes), bulimia nervosa (16 sessoes) e transtorno bipolar (20 sessoes) e também no formato de grupo (20 sessoes). E tem sido testada em um formato ultrabreve de quatro a oito sessoes em depressao pós-parto e em nosso serviço para casos de transtorno de reaçao aguda ao estresse. No transtorno bipolar há a existência de um quinto foco de tratamento (perda do self saudável) e a inclusao da terapia dos ritmos sociais para regularizaçao dos ritmos biológicos. Na TIP para crianças, o brincar e a participaçao dos pais sao tidos como ferramenta de trabalho no setting terapêutico. Nos transtornos alimentares a avaliaçao social negativa pode operar como promotora de disfunçoes interpessoais.


O CENTRO DE TERAPIA INTERPESSOAL E O TRABALHO DE PSICOTERAPIA NO PROVE/UNIFESP

O centro de terapia interpessoal (C-TIP) iniciou suas atividades em 2007 com um grupo de psicólogos e psiquiatras liderados pelo representante da técnica no Brasil, Marcelo Feijó de Mello. Vinculada ao PROVE, tem como objetivos a formaçao de terapeutas e a produçao de conhecimento e pesquisa em TIP. As atividades de ensino sao desenvolvidas através de cursos anuais de formaçao teórica-prática de terapeutas e cursos específicos de adaptaçoes da TIP para outras condiçoes clinicas. Mais de 100 terapeutas das diversas regioes do Brasil foram formados e hoje praticam a técnica individualmente e/ou em grupo no tratamento de varias condiçoes clinicas, como depressao, transtornos alimentares, distimia, transtorno bipolar e TEPT.

Desde sua origem em 2004, a proposta do PROVE consiste em dar assistência ao sujeito vítima da violência e nao somente da doença. Diante da ruptura causada pelo traumático na estrutura do indivíduo e de sua família, o trabalho de psicoterapia significa, antes de tudo, nao permitir que o sujeito traumatizado permaneça em silêncio, preso na repetiçao do trauma. O foco na clínica visa à organizaçao da vivencia traumática como parte da história do indivíduo, possibilitando o seu reconhecimento como nao atual. O paciente com TEPT apresenta uma vivência de medo e desconfiança que interfere nas relaçoes interpessoais e também na adesao ao tratamento.

A ligaçao entre o C-TIP e a psicoterapia do Prove deve-se à estreita relaçao entre os integrantes de ambos os serviços e também à percepçao da equipe do quanto a TIP poderia beneficiar esses pacientes na adesao ao tratamento e na melhora deste funcionamento interpessoal tao prejudicado.


FORMAÇAO EM TERAPIA INTERPESSOAL PELO C-TIP

O curso de formaçao em TIP é anual, com carga horária teórica-prática de 72 horas, sendo 48 de aulas e 24 horas práticas, em atendimento. Tem como público alvo profissionais da saúde; psicólogos, psiquiatras, médicos com prática em saúde mental, terapeutas ocupacionais, enfermeiros e assistentes sociais. O enfoque do curso é a formaçao para o atendimento dos casos de depressao. A parte teórica inclui desde aulas expositivas a seminários clínicos apresentados pelos alunos. A parte prática consta de atendimento, supervisao geral e em minigrupos e treino de técnicas interpessoais, como role-playing, em oficinas. Além do curso introdutório, sao ministrados cursos das adaptaçoes da TIP a outros contextos clínicos, tais como: transtorno bipolar, transtorno alimentares, TEPT e terapia interpessoal de grupo. O curso segue as diretrizes propostas pela Sociedade Internacional de Terapia Interpessoal (ISIPT). A avaliaçao dos alunos leva em conta presença no curso, atendimento de casos e participaçao nas atividades propostas. No ano de 2009 o grupo do C-TIP e colaboradores convidados publicaram o livro Psicoterapia Interpessoal Teoria e Prática18.


ADAPTAÇAO DA TIP PARA O TEPT NO PROVE

O paradigma no tratamento de TEPT é a confrontaçao da evitaçao, ou seja, a habituaçao ao trauma por exposiçao imaginária ou in vivo a memórias ou lembranças ambientais que levam a uma diminuiçao da ativaçao das vias do circuito do medo. Inegavelmente a terapia de exposiçao prolongada e a terapia cognitivo-comportamental atingem esses objetivos. Entretanto, muitos pacientes nao toleram essas modalidades de tratamento focadas na exposiçao.

Na própria classificaçao do DSM-IVR, notamos a existência de muitos aspectos interpessoais no TEPT: "evitar conversaçoes e pessoas que relembram o trauma, sentimento de estranhamento e distanciamento das outras pessoas, sensaçao de futuro abreviado, incluindo contextos de carreira, casamento e de filhos". Os aspectos interpessoais no TEPT estao relacionados ao desenvolvimento, cronificaçao e possibilidade de tratamento. Markowitz (2009) propoe uma adaptaçao da TIP para o tratamento do TEPT18. Ele sugere direcionar a terapia para a ruptura provocada pelo trauma no funcionamento interpessoal do paciente.

O foco se baseia no prejuízo que o trauma acarretou na capacidade do indivíduo de utilizar os recursos do meio ambiente para processar e elaborar a experiência traumática, perdendo a confiança nos relacionamentos sociais e destruindo a noçao de segurança e pertencimento com o mundo. Ao experimentar o mundo e os relacionamentos como inseguros, o sujeito passa a apresentar um comportamento funcional mal adaptado que perpetua (cronifica) o TEPT. Os sintomas, por outro lado, reforçam o distanciamento e o mau funcionamento.

O tratamento se propoe lidar com as questoes interpessoais atuais, prejudicadas e desorganizadas pela vivência traumática. Na medida em que os indivíduos conseguem resgatar a sensaçao de pertença e confiança nas relaçoes sociais, eles também se sentem mais seguros para se aproximar de situaçoes e lembranças que evoquem o trauma. Há alguns estudos na literatura que demonstram resultados positivos da TIP para o TEPT10,20-28.

A TIP em grupo foi desenvolvida Wilfley e cols.21 e adaptada para o tratamento do TEPT por Krupnick e Markowitz. No PROVE, utilizamos essa adaptaçao, acrescida de sessoes individuais, visando à melhora da adesao ao tratamento. Os objetivos do grupo sao semelhantes aos do tratamento individual, mas esse formato permite também que se trabalhem questoes como o isolamento, desconfiança e identificaçao entre os integrantes. O grupo será como um laboratório interpessoal para vivência e treino de novas habilidades sociais e de comunicaçao.

Além disso, o grupo propicia a reintegraçao social e a percepçao pelo sujeito de que ele nao é o único a apresentar dificuldades. Os indivíduos, antes isolados pela incompreensao de sua rede social sobre a vivência disruptiva do trauma, identificam-se com o sofrimento uns dos outros, aproximando-se deles e ao mesmo tempo percebendo a dimensao subjetiva da experiência, uma vez que cada um significa a experiência de um modo muito particular e singular. A experiência deixa de ser vivida como uma situaçao estritamente individual e de responsabilidade do individuo. O grupo promove apoio mútuo e fornece suporte a cada um de seus integrantes. Um estudo realizado no PROVE avaliando a eficácia do TIP-Grupo como add-on no tratamento de pacientes com TEPT11, demonstrou resultados positivos na reduçao de sintomas e na melhora do funcionamento interpessoal dos pacientes.


ATENDIMENTO PSICOLOGICO NO PROVE

A entrada dos pacientes no ambulatório se dá através de uma avaliaçao multiprofissional composta por um acolhimento realizado pela enfermagem, avaliaçao médica-psiquiátrica e aplicaçao de escalas por médicos e psicólogos. Posteriormente, todos os casos sao discutidos em reuniao de triagem com o objetivo de verificar o critério de inclusao e exclusao do ambulatório e planejamento terapêutico inicial dos casos.

O trabalho de psicoterapia do PROVE pode ser realizado em grupo ou individualmente. Como dito previamente, o grupo funciona como um laboratório para vivência e treino das habilidades sociais e de comunicaçao. Entretanto, a modalidade individual é indicada para casos de violência doméstica, casos expostos à mídia e situaçoes clínicas graves, como risco de suicídio e pessoas usuárias de drogas e álcool ou com comportamento caprichoso e teatral como nos transtornos de personalidade.

Os atendimentos individuais levam em torno de 12 sessoes e os grupais, de 16 sessoes com 90 minutos de duraçao, acrescidos de duas sessoes individuais pré-grupo, uma individual intermediária e outra final. Na grande maioria, os casos sao atendidos por profissionais do PROVE/CTIP, mas, contamos também com residentes e estagiários de psicologia que poderao atender com um olhar interpessoal através da supervisao.

Os pacientes com indicaçao para um atendimento psicológico de longo prazo após o manejo focal no trauma pela TIP sao encaminhados para instituiçoes parceiras ou a rede publica.


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* Médico psiquiatra e terapeuta interpessoal. Colaborador do Programa de Atendimento e Pesquisa em Violência (PROVE), SP, Brasil.
** Psicóloga clínica, estudante de doutorado, coordenadora do PROVE, Departamento de Psiquiatria, UNIFESP, SP, Brasil.
*** Professor Adjunto do departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP). Coordenador do PROVE, SP, Brasil.

Universidade Federal de Sao Paulo (UNIFESP), SP, Brasil.

Correspondência:
Instituto Prove
Rua Botucatu, 431
CEP: 04023-061, Sao Paulo, SP, Brasil

 

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