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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2011; 13(2):188-192



Carta ao Editor

Um estudo exploratório sobre uso de álcool e outras drogas no trànsito e transtornos psiquiátricos em motoristas no Brasil

An exploratory study about alcohol and other drugs use in traffic and psychiatric disorders among drivers in Brazil

Sibele Faller*; Raquel Brandini De Boni**; Paulina do Carmo Arruda Vieira Duarte***; Flavio Pechansky****

 

 

No Brasil, ainda sao escassos os dados relacionados ao consumo de álcool e outras substâncias psicoativas (SPA) no trânsito, apesar de essa relaçao já ter sido demonstrada em estudos provenientes de outros países. A influência do álcool e de outras drogas no dirigir, associada à alta prevalência de transtornos psiquiátricos, é relatada em vários estudos como um fator determinante para o aumento do risco de acidentes no trânsito(AT)1,2,3. Considerando essas informaçoes, o principal objetivo do estudo foi verificar e comparar as prevalências de transtornos psiquiátricos entre os motoristas que apresentaram e entre os que nao apresentaram alcoolemia positiva e uso prévio de outras SPA no momento do recrutamento da amostra.

A amostra (Figura 1), composta por condutores profissionais e privados de veículos, foi recrutada a partir do estudo "Prevalência de alcoolemias positivas e de outras substâncias psicoativas em motoristas profissionais e privados do Brasil", realizado pelo Núcleo de Estudos em Trânsito e Alcool (NEPTA) em postos da Polícia Rodoviária Federal localizados no perímetro das regioes metropolitanas das capitais dos estados brasileirosa4. A cada participante, foram solicitadas, mediante autorizaçao, informaçoes necessárias para a realizaçao de uma entrevista telefônica posterior, como nome e número de telefone. As entrevistas telefônicas foram compostas por perguntas a respeito de informaçoes sociodemográficas e pelo Mini-International Neuropsychiatric Interview (MINI - CORE) e foram realizadas no serviço Viva Vozb.


Figura 1. Esquema gráfico da logística da coleta de dados



Daqueles que nao foram entrevistados e nao recusaram formalmente sua participaçao, 300 (11,6%) agendaram contato posterior e nao responderam às ligaçoes subsequentes e 947 (36,7%) nao foram encontrados. Assim, a taxa de aceitaçao foi de 43,9%. Aproximadamente 7% (n = 82) da amostra apresentaram alcoolemia positiva medida por etilômetro (n=44; 3,9%) e/ou uso de drogas medido por exame de saliva (n=38; 3,4%), indicando que esses motoristas dirigiam sob influência de SPA. Os participantes foram agrupados em:

1) motoristas com exames positivos para uso de álcool e outras SPA - maconha, cocaína, benzodiazepínicos e anfetaminas;

2) motoristas sem a presença de substâncias psicoativas no sangue.


A inclusao dos participantes do estudo ocorreu no momento do contato telefônico, com a aceitaçao tácita da participaçao mediante a obtençao das respostas. O consentimento foi obtido por etapas (rolling consent), em que o entrevistado foi informado a cada mudança de seçao para que ele pudesse optar entre prosseguir ou finalizar a entrevista17 (Dutton, 2007). Em 7,5% das entrevistas (86 casos), o participante, ao fazer uso das seçoes de rolling consent, interrompeu a entrevista em alguma etapa.


RESULTADOS

A amostra de participantes foi composta principalmente por homens (96%) com média de idade aproximada de 36 anos (DP=11). Os motoristas que dirigiram sob a influência de SPA apresentaram uma maior prevalência de diagnósticos psiquiátricos quando comparados aos motoristas que dirigiam sem a influência de SPA (Tabela 1).




CONSIDERAÇOES FINAIS

Os dados apresentados foram coletados no primeiro ano de implementaçao da Lei 11.705, que, desde junho de 2008, encontra-se em vigência no país, proibindo o consumo de álcool e outras substâncias psicoativas por condutores de veículos. Considerando esse contexto sociopolítico brasileiro, pode-se dizer que a prevalência de motoristas que dirigiram sob a influência de SPA é relativamente elevada e certamente contribui para a manutençao da frequência de AT nas rodovias brasileiras. Em relaçao aos transtornos psiquiátricos, observa-se que sao fatores associados à prática de beber/consumir drogas e dirigir, também no Brasil. Essas informaçoes reiteram o fato de que dirigir sob a influência de substâncias psicoativas é um importante problema de saúde pública.

O conhecimento da realidade dos motoristas brasileiros fundamenta a elaboraçao e o planejamento de estratégias mais amplas também direcionadas a transtornos psiquiátricos para problemas relacionados ao álcool e outras SPA e nao somente medidas relacionadas à educaçao no trânsito, como as campanhas veiculadas na mídia e os cursos de reciclagem realizados nos CFC. Sugere-se às autoridades que sejam utilizados meios de detectar o uso de substâncias psicoativas por motoristas que trafegam nas rodovias do país por meio de testes instantâneos já utilizados em outros países; o delineamento de intervençoes, programas de tratamento e realizaçao de avaliaçoes psiquiátricas adequadas para que danos decorrentes do problema sejam evitados ou, pelo menos, minimizados.

Financiamento: Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD)


REFERENCIAS

1. Lapham S. et al. Prevalence of psychiatric disorders among persons convicted of driving while impaired. Arch Gen Psychiatry, v. 58, n. 10, p. 943-9, Oct 2001.

2. Lapham S. et al. Psychiatric disorders in a sample of repeat impaired-driving offenders. J Stud Alcoho, v. 67, n. 5, p. 707-13, Sep 2006.

3. Mcmillan G. et al. Underdiagnosis of comorbid mental illness in repeat DUI offenders mandated to treatment. J Subst Abuse Trea, v. 34, n. 3, p. 320-5, Apr 2008.

4. Pechansky F. et al. Highly reported prevalence of drinking and driving in Brazil: data from the first representative household study. Rev Bras Psiquiatr, v. 31, n. 2, p. 125-30, Jun 2009.

5. Dutton R. Food and Drug Administration public hearing of the conduct of emergency clinical research: testimony of Dr. Dutton. Acad Emerg Med, v. 14, n. 4, p. e33-6, Apr 2007.










* Psicóloga, especialista em psicoterapia cognitivo-comportamental, mestre em psiquiatria (UFRGS) e pesquisadora do Centro de Pesquisa em Alcool e Drogas (CPAD - UFRGS).
** Médica Psiquiatra, mestre em psiquiatria, doutoranda em psiquiatria (UFRGS) e pesquisadora do Centro de Pesquisa em Alcool e Drogas (CPAD - UFRGS).
***Assistente social, secretária adjunta da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD).
**** Médico Psiquiatra, doutor em ciências médicas pela UFRGS, coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trânsito e Alcool (NEPTA - UFRGS) e diretor do Centro de Pesquisaem Alcool e Drogas (CPAD - UFRGS).

Endereço para correspondência:
Sibele Faller
Rua Ramiro Barcelos, 2350, sala 2201a
Porto Alegre, RS, 90035-903
E-mail: cpad@cpad.org.br Fone: 51 3359.7480

Recebido em: 20/01/2011
Aceito em: 12/11/2011

a O presente estudo foi realizado em 23 estados do total de 26 por ter sido iniciado posteriormente à coleta de dados já em andamento. Nao foram coletados dados no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraíba.
b http://obid.senad.gov.br/OBID/Portal/conteudo.jsp?IdPJ=4269&IdEC=5655

 

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