Rev. bras. psicoter. 2011; 13(1):39-50
Petersen CS. Evidências de efetividade e procedimentos básicos para Terapia Cognitivo-Comportamental para crianças com transtornos de ansiedade. Rev. bras. psicoter. 2011;13(1):39-50
Artigo de Revisao
Evidências de efetividade e procedimentos básicos para Terapia Cognitivo-Comportamental para crianças com transtornos de ansiedade
Effectiveness and basic procedures evidence in Cognitive-Behavioral Therapy for childhood Anxiety Disorders
Circe Salcides Petersen1
Resumo
Abstract
Este artigo de revisao apresentará estudos baseados em evidências e procedimentos clínicos, para os transtornos de ansiedade na infância. A justificativa para o estudo deste tópico se deve à alta prevalência do transtorno, bem como à necessidade de disseminaçao de tratamentos flexíveis, porém observando fidelidade aos resultados de pesquisas na área. Os transtornos de ansiedade sao os quadros mais comuns que afetam as crianças e adolescentes, com uma prevalência entre 4% e 20%. O surgimento dessas manifestaçoes na infância tem sido indicado como forte preditor de transtornos de ansiedade na vida adulta. O diagnóstico clínico é realizado seguindo os mesmos critérios aplicados aos adultos, com exceçao do transtorno de ansiedade de separaçao que é típico da infância e adolescência1.
Os fundamentos empíricos para a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) dos transtornos de ansiedade iniciaram em 1994 com o primeiro ensaio clínico randomizado que avaliou o programa de intervençao Coping Cat. Neste, 47 crianças entre 8 e 13 anos portadoras de transtorno de ansiedade social, ansiedade generalizada, e com evitaçoes foram investigadas. Os resultados indicaram significativa melhora. Um total de 66% da amostra nao preenchia mais os critérios diagnósticos após intervençao. Os resultados foram mantidos após um ano de tratamento. Um segundo estudo com 94 crianças entre 7 e 14 anos foi conduzido e indicou que 50% das crianças tratadas tiveram remissao dos sintomas. Estudos sobre o modelo Coping Cat foram realizados em outras culturas na Austrália, onde foi denominado Coping Koala, e no Canadá, onde foi denominado Coping Bear, sendo que nos diferentes estudos foi demonstrada efetividade na intervençao2, 3, 4, 5.
No processo de investigaçao das diferentes variáveis envolvidas na determinaçao do transtorno de ansiedade, deve ser contemplado o contexto ecológico da criança. É pertinente a coleta de dados durante o período de avaliaçao envolver a família e a escola. É importante investigar, nessas circunstâncias, os possíveis estressores familiares e/ou sociais envolvidos nos seus sintomas, já que nos transtornos de ansiedade os conflitos conjugais dos pais sao possíveis complicadores. Na avaliaçao inicial cabe especial atençao aos fatores de risco e proteçao que a família e os outros sistemas que envol-vem a criança podem representar. Risco/proteçao sao fatores dinâmicos e a escola, que é um contexto/fator de proteçao em uma área da vida da criança pode representar um risco em outra. Os estilos parentais, as relaçoes com os pares e as relaçoes familiares também devem ser observadas.
A ansiedade tem sua expressao em quatro dimensoes bem definidas: emoçoes, comportamento, pensamentos e o corpo. A intervençao deve abarcar, portanto, as dimensoes comportamental, cognitiva, emocional e social. No âmbito do tratamento isso ocorrerá através de práticas, recompensas, tarefas para casa, observaçao do processamento da informaçao, nomeaçao de sentimentos e participaçao dos pais e pares. A TCC nao é uma receita de bolo a ser aplicada na qual os terapeutas têm as respostas. É um processo de descoberta guiada em que o envolvimento da criança, a relaçao terapêutica e a flexibilidade do terapeuta sao preditores do sucesso do tratamento. Os fatores que podem predizer o êxito na relaçao terapêutica sao colaboraçao, nao ter foco exagerado na ansiedade e atitude verdadeira dos terapeutas6.
Os transtornos de ansiedade têm em sua etiologia a combinaçao de variáveis biológicas e ambientais. O modelo diátese estresse de psicopatologia ressalta que a história da aprendizagem tem um papel fundamental. Alguns fatores de risco têm sido identificados para os transtornos de ansiedade, incluindo estilos de apego inseguro, temperamento da criança, presença de transtorno de ansiedade nos pais, determinadas características dos estilos parentais, tais como superproteçao e comportamentos de evitaçao. A característica temperamental de inibiçao no bebê está associada à irritabilidade, medos difusos entre 18 e 30 meses e tem se mostrado correlacionada aos transtornos de ansiedade. Ansiedade nos pais tem sido apontada como preditor do mesmo transtorno nas crianças. Estilos parentais de superproteçao e controle demasiado estao associados à baixa autoeficácia em crianças, fator diretamente relacionado aos transtornos de ansiedade. O modelo etiológico dos transtornos de ansiedade pode ser resumido pela interaçao dos fatores: 1) influências genéticas e ambientais, 2) circuitos neurais envolvidos nas emoçoes, 3) processos psicológicos, e 4) tendências comportamentais incluindo temperamento7,1,8,9.
A etiologia comportamental é baseada no paradigma da evitaçao aprendida. Dois fatores combinados explicam esse fenômeno: condicionamento clássico e operante. O pareamento do estímulo causador de medo com um lugar pode resultar em medos fóbicos específicos. Por outro lado, reforçamentos resultantes de evitaçoes desse lugar pela reduçao de desconforto caracterizam a aprendizagem operante. O oposto de evitaçao é exposiçao, por isso, é a técnica de intervençao de primeira linha para os quadros de evitaçao. A exposiçao resultará em um nova aprendizagem adaptativa. Outra possibilidade de comportamento aprendido é reforçamento de condutas de evitaçao da criança por parte dos cuidadores10. A etiologia cognitiva baseia-se no papel de percepçoes nao realísticas e interpretaçoes ameaçadoras dos fatos. O diálogo interno dessas crianças comumente é marcado por previsoes de falhas e perigo. Indivíduos ansiosos sao pessimistas em relaçao à magnitude dos eventos. Em geral, seu erro de processamento de informaçao clássico é o catastrofismo. Além de superestimar eventos externos, o ansioso subestima sua capacidade de enfrentamento a respeito de eventos negativos. As pessoas que experimentam ansiedade acreditam que estao sob ameaça de dano físico ou social. A interpretaçao do evento ou estímulo como ameaçador é essencial nos transtornos de ansiedade. É relevante observar a presença de viés atencional comum nessas circunstâncias, já que a criança provavelmente ficará hipervigilante aos estímulos corporais e/ou potencialmente perigosos. A pessoa ansiosa percebe mais sinais de perigo e pode erroneamente interpretar o aumento de ameaças eminentes, aumentando sua preocupaçao e reforçando ainda mais a interpretaçao superdimensionada11,10.
Os transtornos de fobia social, ansiedade generalizada e ansiedade de separaçao sao entendidos a partir dos mesmos constructos e tratados com intervençoes semelhantes. No entanto, a fobia social apresenta comorbidades com transtornos do humor e tem menor resposta a TCC do que os outros dois quadros12,13. Ensaio clínico randomizado sugere que as crianças portadoras de transtorno de ansiedade melhoram com TCC tanto em grupo quanto individual, porém, aquelas com altos escores em ansiedade social parecem responder preferencialmente a tratamento individual14.
A TCC para os transtornos de ansiedade envolve diferentes técnicas comportamentais e cognitivas relacionadas aos problemas etiológicos anteriormente descritos. O tratamento comumente se divide em duas etapas: estratégias facilitadoras e exposiçao às situaçoes temidas. O tratamento deve iniciar com educaçao afetiva e familiarizaçao com o modelo de tratamento através de psicoeducaçao10. O tratamento para os transtornos de ansiedade tem como objetivo principal ensinar a criança a reconhecer sinais de ansiedade, utilizando esses sinais para enfrentar a mesma. A criança aprende a identificar os processos cognitivos envolvidos no estado de excessiva ansiedade e recebe treinamento em relaxamento. Para atingir essas metas, algumas estratégias têm demonstrado efetividade e algumas sao compiladas no modelo de tratamento Coping Cat. O programa Coping Cat é um protocolo manualizado de TCC para os transtornos de ansiedade na infância que demonstrou critérios de efetividade baseados em evidências bem estabelecidas, segundo os critérios da American Psychological Association15,16.
O desenvolvimento do tratamento nao depende somente do conjunto de técnicas selecionadas, enfatiza-se que a sensibilidade dos terapeutas in-fantis é um fator muito significativo. Algumas variáveis sao significativas e devem ser observadas na avaliaçao inicial: as comorbidades, o nível de desenvolvimento, estressores familiares e ambientais e, finalmente, a condiçao socioeconômica. É necessário o ajuste da fina sintonia entre fidelidade às técnicas que mostraram efetividade e flexibilidade indispensável a um terapeuta. Os protocolos baseados em evidências podem ser bons guias quando conduzidos por um terapeuta empático, habilidoso e com boa formaçao, capaz de individualizar a proposta observando a subjetividade de cada criança4 .
Os tratamentos manualizados podem ser utilizados como subsídios aos clínicos para a inclusao de módulos personalizados aos pacientes em tratamento. Fidelidade tem sido definida como o grau em que uma intervençao é empregada e de acordo como ela foi originalmente delineada17.
O Coping Cat18 tem em sua estrutura as seguintes técnicas como eixo central: ajudar a criança a identificar e nomear seus sentimentos tanto negativos quanto positivos, usar estratégias para manejar ansiedade, treinamento comportamental de relaxamento. As estratégias básicas sao técnicas de role-play, educaçao afetiva, modelagem para uso de estratégias de coping mais eficazes, identificaçao de reaçoes corporais, técnicas de relaxamento, controle de contingências pelo uso de recompensas, exposiçao na imaginaçao e in-vivo18.
Os conceitos básicos do modelo Coping Cat sao introduzidos para a criança ao longo do tratamento e podem ser sintetizados com o anacronismo FEAR. F = Feeling Frightened (sentindo medo), E = Expecting bad things to happen (esperando coisas ruins acontecerem), A = Attitudes and actions that can help (atitudes e açoes que podem ajudar) e R = Results and rewards (resultados e recompensas). Para auxiliar a criança a lembrar foram adaptados livremente à língua portuguesa os quatro passos do medo, bem como a transiçao oferecida pelo tratamento.
Os elementos-chave da transiçao de paralizaçao frente ao medo para enfrentamento foram traduzidos livremente e sao apresentados na Tabela 1.
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