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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2025; 26(3):49-62



Artigo Original

Além dos limites: um caso de terapia dos esquemas em comorbidade de Transtorno de Personalidade Borderline e Transtorno por Uso de Substâncias

Beyond limits: a case study of schema therapy in comorbidity of Borderline Personality Disorder and Substance Use Disorder

Más allá de los límites: un caso de terapia de esquemas en la comorbilidad del Trastorno de Personalidad Borderline y el Trastorno por Uso de Sustancias

Alexandre Kieslich Silvaa; Milene Petryb

Resumo

INTRODUÇÃO: Este estudo explora a aplicação da Terapia do Esquema (TE) no tratamento de comorbidades entre Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) e Transtorno por Uso de Substâncias (TUS), analisando sua eficácia clínica e contribuições para a prática terapêutica.
OBJETIVO: Descrever a eficácia da TE no manejo de esquemas disfuncionais e modos de enfrentamento em pacientes com TPB e TUS.
MÉTODO: Trata-se de um estudo de caso único, com análise qualitativa dos registros de sessões terapêuticas realizadas de janeiro a dezembro de 2023. A paciente recebeu intervenções baseadas na Terapia do Esquema, com foco em esquemas maladaptativos e estratégias de enfrentamento.
RESULTADOS: A intervenção com TE demonstrou melhorias significativas na redução dos comportamentos relacionados ao uso de substâncias e no funcionamento psicossocial. Além disso, identificaram-se os principais esquemas desadaptativos e avanços no manejo emocional da paciente.
CONCLUSÃO: O caso reforça a eficácia da TE para tratar comorbidades entre TPB e TUS, destacando a importância de abordar esquemas centrais e modos de enfrentamento. Este estudo contribui para o entendimento do uso da TE no manejo de casos clínicos complexos.

Descritores: Psicoterapia; Terapia do esquema; Transtornos relacionados ao uso de substâncias; Transtorno da Personalidade Borderline

Abstract

INTRODUÇÃO: Este estudo explora a aplicação da Terapia do Esquema (TE) no tratamento de comorbidades entre Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) e Transtorno por Uso de Substâncias (TUS), analisando sua eficácia clínica e contribuições para a prática terapêutica.
OBJETIVO: Descrever a eficácia da TE no manejo de esquemas disfuncionais e modos de enfrentamento em pacientes com TPB e TUS.
MÉTODO: Trata-se de um estudo de caso único, com análise qualitativa dos registros de sessões terapêuticas realizadas de janeiro a dezembro de 2023. A paciente recebeu intervenções baseadas na Terapia do Esquema, com foco em esquemas maladaptativos e estratégias de enfrentamento.
RESULTADOS: A intervenção com TE demonstrou melhorias significativas na redução dos comportamentos relacionados ao uso de substâncias e no funcionamento psicossocial. Além disso, identificaram-se os principais esquemas desadaptativos e avanços no manejo emocional da paciente.
CONCLUSÃO: O caso reforça a eficácia da TE para tratar comorbidades entre TPB e TUS, destacando a importância de abordar esquemas centrais e modos de enfrentamento. Este estudo contribui para o entendimento do uso da TE no manejo de casos clínicos complexos.

Keywords: Psychotherapy; Schema therapy; Substance-related disorders; Borderline Personality Disorder

Resumen

INTRODUCCIÓN: Este estudio explora la aplicación de la Terapia de Esquemas (TE) en el tratamiento de la comorbilidad entre el Trastorno Límite de la Personalidad (TLP) y el Trastorno por Consumo de Sustancias (TCS), analizando su efectividad clínica y contribuciones a la práctica terapéutica.
OBJETIVO: Describir la efectividad de la TE en el manejo de esquemas disfuncionales y modos de afrontamiento en pacientes con TLP y TCS.
MÉTODO: Se trata de un estudio de caso único con análisis cualitativo de los registros de sesiones terapéuticas realizadas entre enero y diciembre de 2023. La paciente recibió intervenciones basadas en la TE, enfocándose en esquemas desadaptativos y estrategias de afrontamiento.
RESULTADOS: Las intervenciones con TE demostraron mejoras significativas en la reducción de los comportamientos relacionados con el consumo de sustancias y en el funcionamiento psicosocial. Además, se identificaron los principales esquemas desadaptativos y se observaron avances en el manejo emocional de la paciente.
CONCLUSIÓN: Este caso refuerza la efectividad de la TE para tratar la comorbilidad entre TLP y TCS, destacando la importancia de abordar esquemas centrales y modos de afrontamiento. Este estudio contribuye a la comprensión del uso de la TE en el manejo de casos clínicos complejos.

Descriptores: Psicoterapia; Terapia de esquemas; Trastornos relacionados con sustancias; Trastorno de Personalidad Limítrofe

 

 

Introdução

A coexistência de Transtornos de Personalidade (TP) com Transtornos por Uso de Substâncias (TUS) representa um desafio significativo na prática clínica. Entre os TP, os subtipos Borderline (TPB) e Antissocial (TPA) destacam-se como os mais prevalentes em pacientes com TUS, com taxas que chegam a ser quatro vezes maiores que na população geral2. Essa comorbidade frequentemente agrava o sofrimento psíquico, impacta as relações interpessoais e dificulta o funcionamento psicossocial3.

Além disso, a presença concomitante de TP e TUS impõe desafios terapêuticos, incluindo dificuldades na formação de aliança terapêutica, maior resistência ao tratamento e taxas elevadas de abandono6. No entanto, estudos indicam que pacientes com essa comorbidade podem apresentar melhorias significativas quando aderem ao tratamento, com redução do uso de substâncias e ganhos no funcionamento geral5.

A Terapia do Esquema de Foco Duplo (DFST) é uma abordagem promissora para esses casos complexos. Ela combina intervenções específicas para TUS com estratégias para modificar esquemas mal adaptativos associados aos TP, oferecendo um modelo integrado para lidar com os desafios dessa população7.

Este estudo tem como objetivo descrever a interação entre TPB e TUS, enfatizando os desafios clínicos e estratégias terapêuticas empregadas na DFST, utilizando o método de estudo de caso como ferramenta para análise aprofundada8.

Referencial teórico

Terapia do Esquema de Foco Duplo (DFST)

A DFST é uma psicoterapia manualizada com duração de 6 meses, que combina técnicas de prevenção de recaída com treinamento de habilidades focadas em esquemas. A DFST é composta por 16 tópicos principais e 12 tópicos opcionais, permitindo uma avalição de personalidade e dos esquemas iniciais desadaptativos (EIDS)9. Atualmente, existem ensaios clínicos randomizados que compararam a DFST com a terapia padrão e o programa de 12 passos dos Alcoólicos Anônimos adaptado para dependentes de opióides. Nos estudos, as taxas de abandono foram altas (cerca de 60%) tanto no grupo que recebeu DFST quanto no grupo controle, possivelmente devido ao contexto dos ambientes de tratamento - centro de atendimento para sem-teto e hospital forense10.

Entre os indivíduos adictos, tanto o uso de substâncias como uma recaída podem ser desencadeados por vários fatores, como conflitos interpessoais, pressões sociais, estados de humor, sintomas de abstinência e fissura11. Adictos com TP podem ser ainda mais sensíveis a estes fatores de recaída. A DFST postula que o uso de substâncias pode ocorrer por dois fatores principais: a) esquemas de autocontrole/autodisciplina insuficientes ou relacionamentos que ativam esquemas como subjugação e busca de aprovação; b) dificuldade de enfrentamento para evitar ou compensar a ativação de EIDs que ativa esquemas desadaptativos iniciais, como abandono/instabilidade, desconfiança/abuso, privação emocional, defectividade/vergonha, isolamento social/alienação, dependência/incompetência, emaranhamento, inibição emocional, padrões inflexíveis e postura punitiva12,13.

A DFST inclui técnicas tradicionais de prevenção de recaída para fatores interpessoais, afetivos e fissura, além de técnicas para estilos de enfrentamento de EIDs. Por exemplo, a análise funcional é usada para entender os episódios recentes de uso e fissura bem como o esquema desadaptativo e seu enfrentamento. São usadas técnicas de auto-monitoramento, solução de problemas e treinamento de habilidades (por exemplo, para emoções, conflitos e pressões interpessoais). As crenças disfuncionais sobre o uso de substâncias são conceituadas como um componente ou expressão dos principais esquemas subjacentes10.

Em um estudo longitudinal com uma amostra de homens dependentes de substâncias, evidenciou-se que os EIDs podem ser modificados após intervenções de 28 a 30 dias. Houve diminuição nos scores dos esquemas de Defectividade/Vergonha, Dependência/Incompetência, Inibição emocional, Arrogo/Grandiosidade, Isolamento social e Vulnerabilidade ao Dano ou Doença. Apesar da relevância destas informações, os autores apontam que o resultado na mudança EIDs pode ter ocorrido tanto pela abstinência das substâncias como também pelo desenvolvimento de habilidades sociais através do programa de tratamento12.

Em uma revisão sistemática, com amostra de 7 artigos, foi verificado a relação entre os EIDs e o TUSP. Os cinco EIDs mais frequentes foram: autocontrole/ autodisciplina insuficientes, autossacrifício, abandono/ instabilidade, padrões inflexíveis e privação emocional. Já os três EIDs que apareceram com menos frequência foram: defectividade/vergonha, emaranhamento e fracasso. Os esquemas de arrogo/ grandiosidade, busca de aprovação/busca de reconhecimento e negativismo/pessimismo não apareceram em nenhum dos sete artigos analisados13. Os autores descreveram a relação do álcool com os 5 domínios descritos por Young:

Domínio I - desconexão e rejeição - o mal-estar causado pela perda e dificuldade de vínculos seguros acaba sendo ocupado pelo álcool, através de uma estratégia de evitação. Neste sentido o EID de abandono/ instabilidadade está relacionado ao fato de as pessoas com transtorno por uso de álcool muitas vezes não lidarem bem com a rejeição e solidão. Já EID de privação emocional faz com que a pessoa tenha dificuldades de interação e uso de álcool auxiliaria como desinibidor.

Domínio II - autonomia e desempenho prejudicados - O álcool é usado para auxiliar na autoestima, fazendo com que o uso seja uma tentativa de se distinguir do meio ou do grupo no caso dos EID de emaranhamento e fracasso. Isto seria uma estratégia de hipercompensação.

Domínio III - limites prejudicados- o EID de autocontrole/autodisciplina insuficientes faz com que as pessoas não tenham controle sobre suas frustações e tenham dificuldade de limitar a expressão excessiva das próprias emoções e impulsos. Estas pessoas podem fazer uso de álcool ou substâncias como uma saída prazerosa a fim de esquivar-se do desconforto ou de responsabilidades, evitando, assim, ter contato direto com seus limites.

Domínio IV - direcionamento para o outro - no esquema de autosacrificio os indivíduos deixam sua vontade de lado para satisfazer um terceiro, isso favorece o surgimento emoções e sentimentos negativos, que podem ter no álcool uma estratégia de evitação ou fuga. Indivíduos com esse esquema podem usar o álcool para lidar com a falta de realização pessoal/pouco foco nas próprias necessidades ou também podem usar alguma substância psicotativa pela dificuldade de resistir à pressão social e a necessidade de satisfazer a vontade alheia.

Domínio V - supervigilância e inibição - o uso do álcool pode ser entendido como uma forma de reduzir a tensão e busca alívio, ou seja, seria uma estratégia de evitação, principalmente do esquema de padrões inflexíveis, uma vez que a pessoa busca suprimir sentimentos, impulsos e escolhas, o que gera sentimentos de pressão, dificuldade de relaxar e postura crítica.

Modos esquemáticos

Os modos esquemáticos podem ser definidos como um conjunto de esquemas que são ativados em determinadas situações gerando respostas fisiológicas, emocionais, cognitivas e comportamentais específicas. Young15 define como uma faceta da personalidade que não está totalmente integrada às demais facetas do eu. São o fruto da combinação de um ou mais esquemas ativados associados às reações comportamentais aprendidas.

Da mesma forma com que existem padrões esquemáticos comuns nos TP e no TUSP, estudos também sugerem existir modos esquemáticos mais frequentes em dependentes de álcool e cocaína. Kersten sugere que os modos esquemáticos mais frequentes em pacientes com TUA são os modos Protetor Desligado e Protetor Autoaliviador. Por outro lado, no Transtorno por Uso de Cocaína, os modos mais usados são Provocativo, Ataque e Autoengrandecedor16. No entanto outro estudo corroborou parcialmente com estes achados, salientando a presença dos modos Crianças (Vulnerável, Raivosa e Impulsiva) além do modo Pais Punitivos nesta população e evidenciou a relação entre a presença dos modos Criança Impulsiva e Raivosa a severidade no uso de álcool17.


Método

O presente estudo adotou uma abordagem metodológica fundamentada no estudo de caso, uma técnica frequentemente utilizada na pesquisa qualitativa em ciências da saúde. Ao contrário da pesquisa quantitativa, que busca quantificar e mensurar fenômenos, a pesquisa qualitativa visa compreender em profundidade os contextos, processos e experiências dos participantes. O estudo de caso permite investigar fenômenos em seus contextos reais, proporcionando uma compreensão aprofundada das vivências e interações dos indivíduos. Essa metodologia é especialmente relevante na psicologia, pois possibilita explorar as experiências subjetivas e os processos intrapsíquicos que influenciam o comportamento humano, os quais muitas vezes não podem ser capturados por métodos quantitativos18.

Neste estudo, o foco foi em uma única paciente atendida em psicoterapia, com dados coletados a partir dos registros das sessões terapêuticas. Esse método é útil para examinar em detalhes as complexidades das experiências individuais e dos processos terapêuticos.

A pesquisa foi realizada ao longo de um período de tempo específico, entre janeiro e dezembro de 2023, seguindo uma série de etapas. Inicialmente, foi realizada uma fase exploratória para definir a questão de pesquisa e os objetivos do estudo, seguida pela coleta de dados a partir dos registros das sessões terapêuticas. Por fim, os dados foram analisados para identificar padrões, temas e insights relevantes, com base em uma revisão da literatura existente sobre o tema.

Ressalta-se que, por se tratar de um relato de caso originado na prática clínica, o estudo não necessitou de aprovação formal pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), conforme descrito por Goldim, relatos de casos com até três participantes, provenientes da prática clínica, não exigem submissão ao CEP19. Para garantir a privacidade e o anonimato do paciente, foram adotadas medidas rigorosas de proteção dos dados, incluindo a alteração de informações identificáveis e o uso de pseudônimos, conforme descrito no termo de consentimento. O paciente foi informado sobre os objetivos do estudo e deu seu consentimento verbal para a utilização de suas informações de forma anônima, assegurando o sigilo das mesmas.


Resultados

Dados demográficos e histórico clínico:

Paula, 36 anos, foi encaminhada para tratamento após uma tentativa de suicídio, com diagnóstico de TUSP e dependência de benzodiazepínicos. Ela apresenta histórico de uso de múltiplas substâncias, incluindo ecstasy, LSD e maconha, com o álcool sendo a substância de preferência. Paula cresceu em um ambiente familiar marcado por rigidez e pouca afetuosidade, o que contribuiu para o desenvolvimento de esquemas disfuncionais. Ela tem uma relação tensa com suas irmãs, o que aumenta sua vulnerabilidade a padrões de busca de aprovação e autoimagem negativa.

Conceitualização de caso:

A análise esquemática revelou que Paula apresenta uma série de esquemas disfuncionais que influenciam diretamente sua saúde mental e comportamento aditivo. Os esquemas de Fracasso, Vulnerabilidade, Busca de Aprovação e Subjugação estão profundamente enraizados em suas experiências familiares e pessoais. A comparação constante com as irmãs e a falta de validação emocional por parte dos pais parecem ter contribuído para a formação desses esquemas. Paula também apresenta dificuldades de relacionamento e engajamento emocional, com evidências de comportamentos impulsivos e de evitação, como o abandono do estudo para concurso público e comportamentos passivo-agressivos.

Esquemas identificados e impacto no comportamento:

Os esquemas identificados foram analisados por meio do Young Schema Questionnaire - Short Form 3 (YSQ-S3)15. Esses esquemas refletem tanto o contexto familiar quanto os padrões atuais de comportamento. A tabela a seguir resume os esquemas mais relevantes e seus impactos no tratamento de Paula:




Comportamentos observados no tratamento:

Durante o processo terapêutico, foram observados vários comportamentos de rendição, evitação e compensação, que são comuns em indivíduos com esquemas disfuncionais. Esses comportamentos, de acordo com os modos esquemáticos de Paula, refletem suas tentativas de lidar com a dor emocional associada aos esquemas identificados:







As cognições centrais de Paula, como "Se não beber, não terei uma vida social normal" e "O tratamento me faz defeituosa", refletem claramente a presença de esquemas de Fracasso, Vulnerabilidade e Busca de Aprovação. Essas distorções cognitivas estão diretamente relacionadas aos seus comportamentos de uso de substâncias e resistência ao tratamento. Além disso, Paula acredita que todos os homens com quem se envolve têm que usar substâncias, uma crença que está relacionada ao seu esquema de Vulnerabilidade e reforça a sua dependência de substâncias para lidar com a ansiedade e os sentimentos de inadequação.

Modos Esquemáticos e Comportamento Terapêutico:

O relacionamento terapêutico de Paula também foi caracterizado por um forte enfrentamento dos seus modos esquemáticos:

 Modo Criança Impulsiva/Indisciplinada: Paula frequentemente contestou as regras terapêuticas, desafiando as combinações estabelecidas e mostrando resistência à mudança.

 Modo Hipercompensador: Comportamentos de subordinação e passividade, buscando agradar os outros para evitar críticas, muitas vezes relacionadas à sua infância, com o bullying sofrido e o casamento problemático.

 Modo Protetor Desligado: Paula cumpre as atividades terapêuticas de forma mecânica, sem envolvimento emocional, o que dificulta o progresso emocional necessário para a reestruturação de seus esquemas.




As intervenções terapêuticas apresentadas foram selecionadas e desenvolvidas com base nos desafios específicos apresentados por pacientes com comorbidades de TP e TUSP. A DFST permite uma abordagem flexível, que combina estratégias para modificar crenças disfuncionais profundamente enraizadas, enquanto trabalha habilidades práticas para lidar com os desafios do dia a dia.

No caso descrito, a paciente demonstrou esquemas de Fracasso e Busca de Aprovação, que estavam diretamente relacionados a comportamentos aditivos. Através das técnicas como Reparação Parental e Reestruturação Cognitiva, foi possível reduzir a ativação desses esquemas e proporcionar uma visão mais equilibrada de si mesma. Estratégias adicionais, como o Treinamento de Assertividade e a Prevenção de Recaídas, foram aplicadas para reforçar habilidades funcionais e prevenir o retorno a padrões desadaptativos.

Este conjunto de intervenções representa apenas parte do potencial da DFST no tratamento de pacientes com comorbidades complexas. Futuras pesquisas e aplicações clínicas devem continuar explorando a eficácia dessas estratégias em populações mais amplas, contribuindo para a validação e refinamento dessa abordagem terapêutica.


Aprofundamento dos resultados: dificuldades, recaídas e desafios no tratamento

1. Resistência inicial à mudança:

No início do tratamento, a paciente apresentou resistência a explorar memórias dolorosas associadas a experiências de abandono e rejeição na infância. Esse comportamento refletia uma ativação intensa do esquema de Abandono e Defeito/Vergonha. Foi necessário construir um forte vínculo terapêutico para aumentar a confiança e permitir que ela se sentisse segura ao abordar essas questões sensíveis.

2. Conflito com o Eu Crítico:

A paciente mostrou grande dificuldade em dissociar o "Eu Crítico" do "Eu Adulto Saudável", frequentemente invalidando seus próprios progressos. Esse conflito gerou frustração e exigiu a implementação de diálogos internos estruturados e consistentes durante várias sessões para fortalecer o "Eu Saudável" e reduzir a influência do "Eu Crítico".

3. Falta de Rede de Apoio Consistente:

A ausência de uma rede de suporte social saudável foi um obstáculo. Embora a paciente tivesse familiares próximos, as relações eram conflitantes, frequentemente ativando os esquemas disfuncionais. Foi necessário incluir estratégias de fortalecimento de rede social, como identificar amigos confiáveis e encorajá-la a buscar grupos de apoio.


Recaídas no tratamento

1. Episódios de recaída no uso de substâncias:

Durante momentos de alto estresse emocional, como conflitos familiares, a paciente recorreu ao uso de substâncias. Esses episódios reforçaram a necessidade de trabalhar com prevenção de recaídas, incluindo a criação de um plano personalizado com estratégias para identificar e evitar gatilhos emocionais e contextuais.

2. Dificuldade em Sustentar Habilidades Assertivas:

Embora o treinamento de assertividade tenha sido bem-sucedido em ambiente terapêutico, a paciente teve dificuldade em aplicá-lo em situações de alta pressão social, especialmente com amigos que ainda usavam substâncias. Esses episódios reforçaram a importância de técnicas de role-playing e exposições graduais a contextos sociais desafiadores.


Desafios terapêuticos

1. Manutenção da motivação:

A motivação flutuante foi um desafio constante, especialmente em períodos em que os progressos não eram tão perceptíveis. Sessões de revisão de objetivos e celebração de pequenas conquistas foram essenciais para manter o engajamento.

2. Integração das técnicas experienciais:

Técnicas como a Reparação Parental com Imagens Mentais enfrentaram resistência inicial devido à dificuldade da paciente em visualizar figuras parentais idealizadas. Foi necessário adaptar o exercício, introduzindo elementos concretos, como símbolos de proteção e segurança, para facilitar a conexão emocional.

2. Lidar com gatilhos familiares:

Os esquemas disfuncionais eram frequentemente reativados por interações familiares negativas, dificultando a consolidação das mudanças terapêuticas. Isso exigiu a inclusão de estratégias como limites claros e trabalho com cartas terapêuticas para expressar sentimentos não verbalizados.


Discussão

Análise dos resultados:

O uso da versão YSQ-S3 foi crucial para a avaliação precisa dos esquemas disfuncionais que afetam o comportamento de Paula, especialmente em relação aos esquemas de Fracasso e Busca de Aprovação, frequentemente observados em pacientes com transtornos aditivos. Estudos recentes apontam que indivíduos com TUS frequentemente apresentam esquemas disfuncionais relacionados a sentimentos de inferioridade, rejeição e incapacidade de lidar com o fracasso (20).

A literatura recente tem destacado a importância da DFST como abordagem eficaz para tratar comorbidades entre transtornos de personalidade e adição. Pesquisas indicam que a presença de esquemas disfuncionais pode levar a uma maior vulnerabilidade ao desenvolvimento de transtornos aditivos, com os esquemas de Abandono, Defeito/Veracidade e Fracasso sendo comuns entre indivíduos com dependência química21,22.

Esquemas e o comportamento aditivo:

O estudo de esquemas como fatores predisponentes para o comportamento aditivo tem sido cada vez mais reconhecido. Pacientes com esquemas de Fracasso podem sentir uma grande pressão para se provar constantemente, o que os torna vulneráveis ao uso de substâncias como uma forma de lidar com sentimentos de inadequação23. De maneira semelhante, os esquemas de Busca de Aprovação podem levar ao uso de substâncias em contextos sociais, buscando aceitação e pertencimento. Estes achados estão em linha com a teoria da DFST, que sugere que o uso de substâncias em pacientes com esquemas disfuncionais pode ser uma tentativa de aliviar o sofrimento emocional, resultante de crenças centrais negativas sobre si mesmos21.

Além disso, o uso da técnica de reparação parental se mostrou promissor, com a literatura sugerindo que esse tipo de intervenção pode ajudar a modificar as memórias e crenças limitantes relacionadas à infância, permitindo que o paciente forme novas representações de si e de seus relacionamentos24. A reinterpretação dessas experiências contribui para o processamento emocional necessário para lidar com os esquemas disfuncionais e facilita a mudança de comportamento.

Implicações clínicas:

Com base nos resultados, é evidente que a DFST oferece um modelo robusto para tratar pacientes com transtornos de uso de substâncias. Estudos recentes indicam que a combinação de DFST com intervenções comportamentais pode ser particularmente eficaz, abordando tanto os esquemas disfuncionais quanto os padrões de uso compulsivo de substâncias. Além disso, a avaliação e a intervenção precoce em pacientes com esquemas disfuncionais podem ajudar a prevenir recaídas e a promover a abstinência sustentada22,25.

Limitações metodológicas:

Este estudo apresenta limitações importantes devido ao seu design de estudo de caso único, o que restringe a generalização dos resultados para outras populações ou contextos. A ausência de um grupo de controle ou de comparação com outros casos impede uma avaliação mais precisa da eficácia da DFST para pacientes com comorbidade entre TP e TUSP. Além disso, a falta de dados longitudinais limita a análise da durabilidade dos efeitos terapêuticos ao longo do tempo. Essas limitações devem ser levadas em consideração na interpretação dos resultados, e sugere-se que estudos futuros incluam amostras maiores, grupos de controle e seguimento a longo prazo para validar as conclusões apresentadas.


Conclusão

Este estudo reforça a importância de integrar o modelo de esquemas no tratamento de adições, destacando que esquemas disfuncionais podem atuar como fatores de risco cruciais para o desenvolvimento e manutenção de comportamentos aditivos. A utilização de ferramentas como o YSQ-S3 e técnicas de reparação parental, aplicadas dentro do contexto da DFST, demonstrou ser uma abordagem promissora na modificação de padrões de comportamento e crenças disfuncionais, favorecendo mudanças duradouras. Além disso, o acompanhamento contínuo e a adaptação da terapia às necessidades individuais do paciente são essenciais para o sucesso a longo prazo no tratamento do TUSP.

O tratamento de pacientes com comorbidade de TP e TUSP apresenta desafios significativos, mas a DFST surge como uma abordagem promissora, que pode ser eficaz na redução de sintomas e na melhoria do funcionamento emocional desses indivíduos. Embora a literatura sobre DFST ainda seja limitada, nossa experiência clínica com esta abordagem foi altamente encorajadora, especialmente no que diz respeito à combinação de técnicas de intervenção como a TCC e intervenções experienciativas, como o Trabalho com Imagens Mentais para Reparação Parental.

As técnicas experienciais, em particular, mostraram-se extremamente eficazes no caso de Paula, permitindo identificar e abordar gatilhos emocionais profundos, como sentimentos de inadequação e medo de abandono. Tais técnicas possibilitaram a reestruturação de crenças centrais disfuncionais e promoveram a ressignificação das experiências traumáticas da infância. No entanto, a necessidade de integrar diferentes abordagens terapêuticas foi evidente, já que os pacientes com comorbidades complexas exigem intervenções multifacetadas e personalizadas para lidar com as múltiplas camadas de sofrimento.

Embora os resultados deste estudo sejam promissores, algumas limitações devem ser reconhecidas. Por ser um relato de caso não há como generalizar os achados. Além disso, a falta de um grupo controle limita a avaliação rigorosa da eficácia comparativa da DFST em relação a outras abordagens terapêuticas. Futuros estudos mais amplos, com maior número de participantes e grupos controle, são necessários para validar esses resultados e explorar ainda mais os mecanismos pelos quais a DFST pode ser eficaz no tratamento de TUA e TP. Ademais, a pesquisa futura deve focar na formação e familiarização de terapeutas com essa abordagem para garantir uma maior aplicação clínica e explorar sua eficácia em cenários diversos, como ambientes de tratamento em larga escala.

Em resumo, enquanto a DFST ainda é uma área em evolução, nossa experiência clínica sugere que ela pode oferecer benefícios significativos na abordagem de pacientes com comorbidades de TP e dependência química. Este estudo contribui para a crescente evidência sobre a importância dessa abordagem e espera-se que incentive mais pesquisas na área para aprimorar as estratégias de tratamento e oferecer soluções mais eficazes para esses pacientes complexos.

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a Universidade do Vale do Taquari - Univates, Curso de Medicina - Lajeado/RS - Brasil
b Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Unidade de Transtornos Aditivos - Porto Alegre/RS - Brasil

Autor correspondente

Alexandre Kieslich Silva
akieslich@gmail.com / E-mail alternativo: alexandre.silva2@univates.br

Submetido em: 13/05/2024
Aceito em: 30/03/2025

Contribuições: Alexandre Kieslich Silva - Coleta de Dados, Conceitualização, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição; Milene Petry - Coleta de Dados, Conceitualização, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição.

 

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