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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2021; 23(1):247-256



Revisão Narrativa

Reflexos da (in)capacidade de estar só em tempos de isolamento social na pandemia COVID-19

Reflections of the (in)ability to be alone in times of social isolation in pandemia COVID-19

Reflexiones de la (in)capacidad de estar solo en tiempos de aislamiento social en la pandemia COVID-19

Malu Joyce de Amorim Macedoa; Beatriz Lima Costab; Maria João Baptista Fernandesc; Lúcia Helena Freitas Ceitlind

Resumo

As medidas adotadas em diversos países, necessárias como tentativa de contenção da pandemia causada pelo novo coronavírus (COVID-19), desencadearam mudanças radicais no dia a dia dos indivíduos, ocasionando sentimentos de incerteza, angústia, ansiedade e depressão na população em geral. O aumento do sentimento de solidão levou muitos indivíduos a utilizarem recursos internos e pôs à prova a capacidade de estar só. Alguns conceitos psicanalíticos evidenciam que o indivíduo que atinge um ego integrado, através de cuidados maternos suficientemente bons nos momentos primitivos, como bebê, adquire a capacidade de estar só. Isso ressalta a importância das primeiras relações objetais para a construção de um mundo interno satisfatório. Em contrapartida, a interrupção desse amadurecimento emocional pode despertar no sujeito adulto a utilização de mecanismos de ordem externa, como diversos tipos de adições, exposição a comportamentos de risco e, provavelmente, no caso da pandemia, desrespeito às medidas de distanciamento social. Diante disso, observa-se quão importante é o desenvolvimento saudável das primeiras relações objetais para que o indivíduo seja capaz de lidar com a solidão, e adote estratégias saudáveis ao longo da vida, inclusive em situações críticas. Assim, esse artigo se propõe a revisar alguns aspectos da teoria psicanalítica sobre a capacidade de estar só dentro do desenvolvimento emocional e compreender as consequências psíquicas resultantes das falhas nessa etapa da vida psíquica dos indivíduos.

Descritores: Solidão; COVID-19; Capacidade de estar só; Psicanálise; Isolamento social

Abstract

The measures adopted in several countries, necessary as an attempt to contain the pandemic caused by the new coronavirus (COVID 19), triggered radical changes in the daily lives of individuals, causing feelings of uncertainty, anguish, anxiety and depression in the general population. The increased feeling of loneliness has led many individuals to use internal resources and test their ability to be alone. Some psychoanalytic concepts show that the individual who reaches an integrated ego, through maternal care good enough in primitive moments, as a baby, acquires the ability to be alone. This underscores the importance of early object relations for building a satisfying inner world. On the other hand, the interruption of this emotional maturation can awaken in the adult the use of external mechanisms, such as various types of addictions, exposure to risky behaviors and probably, in the case of the pandemic, disrespect to the measures of social distancing. Therefore, it is observed how important the healthy development of the first object relations is for the individual to be able to deal with loneliness, and to adopt healthy strategies throughout life, including in critical situations. Thus, this article set out to review some aspects of psychoanalytic theory about the ability to be alone within emotional development and to understand the psychic consequences resulting from failures in this stage of the psychic life of individuals.

Keywords: loneliness; COVID-19; Ability to be alone; Psychoanalysis; Social isolation

Resumen

Las medidas adoptadas en varios países, necesarias como intento de contener la pandemia por el nuevo coronavirus (COVID 19), desencadenaron cambios radicales en la vida cotidiana de las personas, causando sentimientos de incertidumbre, angustia, ansiedad y depresión en la población en general. El aumento de la sensación de soledad ha llevado a muchas personas a utilizar recursos internos y ha puesto a prueba la capacidad de estar solos. Algunos conceptos psicoanalíticos muestran que el individuo que alcanza un ego integrado, a través del cuidado materno suficientemente bueno en momentos primitivos, como un bebé, adquiere la capacidad de estar solo. Esto resalta la importancia de las primeras relaciones de objeto para la construcción de un mundo interno satisfactorio. Por otro lado, la interrupción de esta maduración emocional puede despertar en el sujeto adulto el uso de mecanismos externos, como varios tipos de adicciones, la exposición a conductas de riesgo y probablemente, en el caso de la pandemia, la falta de respeto a las medidas de distanciamiento social. Por lo tanto, se observa cuán importante es el sano desarrollo de las primeras relaciones de objeto para que el individuo sea capaz de afrontar la soledad y adoptar estrategias saludables a lo largo de la vida, incluso en situaciones críticas. Así, este artículo se propuso revisar algunos aspectos de la teoría psicoanalítica sobre la capacidad de estar solo dentro del desarrollo emocional y comprender las consecuencias psíquicas derivadas de los fracasos en esta etapa de la vida psíquica de los individuos.

Descriptores: Capacidad de estar solo; Soledad; COVID-19; Psicoanálisis; Aislamiento social

 

 

INTRODUÇÃO

Os efeitos da pandemia da doença coronavírus 2019 (COVID-19) sobre a saúde humana, a atividade econômica e o engajamento social foram intensos1. Há evidências emergentes mostrando os impactos dramáticos da pandemia na saúde mental, como o desenvolvimento de sintomas ansiosos e a exacerbação de sintomas depressivos, associados ao maior isolamento social devido às políticas de distanciamento físico introduzidas para o controle da doença2-4.

Dada a velocidade com a qual a pandemia se estabeleceu, a necessidade de adaptação foi muito além da experiência vivida pela a maioria das pessoas, como tem sido evidenciado em frequentes investigações5-8. A sensação de isolamento decorrente da perda da rotina habitual e contato com outras pessoas, associada ao medo e à incerteza sobre os riscos a saúde causados pelo vírus e à cobertura constante da mídia, provavelmente contribuíram para o aumento dos níveis de angústia, ansiedade e depressão experimentadas pela população9, 10.

As medidas de distanciamento também estabeleceram uma redução no acesso a recursos de enfrentamento adaptativos, como apoio social obtido em locais de cultos religiosos, ambientes esportivos, recreativos e serviços de atendimento psicológico11. Assim, hipoteticamente as pessoas precisaram lidar com o isolamento social e a consequente solidão utilizando inicialmente seus recursos internos e pondo à prova sua capacidade de estar só.

A solidão faz parte da existência humana e seus efeitos sobre os indivíduos seguem em elucidação12,13. Autores como Freud14 e Melanie Klein15 contribuíram com o tema e Donald Winnicott apresentou o conceito de capacidade de estar só como um dos eixos centrais da vida adulta. Segundo sua teoria, essa capacidade propicia a aptidão para estar em quietude e para conquistar uma solidão saudável, porém ela não é inata.16 Alguns desdobramentos desse conceito o referem como uma fonte de criatividade pessoal que possibilita um sentimento de identidade e o pressupõem uma condição emocional constituída com base na confiança na comunicação consigo mesmo e com o outro17 .

Winnicott escreve que a capacidade de estar só é um dos sinais mais importantes de maturidade e desenvolvimento emocional e argumenta que embora muitos tipos de experiência levem à formação da capacidade de estar só, há um que é básico e sem o qual ela não se desenvolve: essa experiência é a de ficar só, como lactente ou criança pequena, na presença da mãe7. Ou seja, um paradoxo, é a capacidade de ficar só quando mais alguém está presente. Vivenciar a solidão com o outro ao seu lado é fundamental tanto para o indivíduo se preparar para a ausência (suportar a solidão) quanto para não sentir a presença do outro como uma intrusão permanente16 .

Assim, algumas questões concernentes ao tema irrompem neste momento de crise suscitado pela pandemia. Como essa capacidade ou incapacidade de estar só tem se apresentado no atual contexto vivido pelos indivíduos? Como os adultos, que não alcançaram essa conquista, estão lidando com a angústia gerada pelo isolamento obrigatório e pelas mudanças desencadeadas nos diversos âmbitos de suas vidas?

Por conseguinte, o objetivo deste artigo é realizar uma revisão narrativa de alguns aspectos da teoria psicanalítica sobre a capacidade de estar só dentro do desenvolvimento emocional e compreender os reflexos e as consequências resultantes das falhas nessa etapa do desenvolvimento psíquico observadas no contexto da Pandemia COVID-19 na vida dos indivíduos.


A SOLIDÃO NA CONTEMPORANEIDADE

A vida no século XXI tem características diferentes de qualquer período da história humana. Houve um importante aumento da expectativa de vida da população e o advento da Internet transformou a maneira como trabalhamos, nos divertimos, pesquisamos, fazemos compras, estudamos, nos comunicamos e, consequentemente, como nos relacionamos19. Os indivíduos estão cada vez mais conectados digitalmente, mas a prevalência da solidão também parece estar aumentando. É muito comum encontrarmos nos meios de comunicação a temática da solidão20-24.

Como afirmou a psicanalista portuguesa Maria Teresa Sá25, em um dos textos do livro "Conhecimento de si na sociedade do conhecimento: cinco textos inquietos":


Somos confrontados com a solidão desde que o Eu descobre o Outro, até o momento do fim. Nos damos conta dela quando nos sentimos mais frágeis, na infância, no envelhecimento, na doença, no abandono, à noite, no escuro, mas também nos momentos em que a procuramos como um ponto de equilíbrio que alimenta a criatividade. No movimento de contínua alternância entre estar só e estar com os outros, constrói-se a vida psíquica e o estar no mundo. Para que a solidão nos pese menos, criamos laços e linguagem. Quando os laços se fragilizam (um traço das sociedades contemporâneas, individualistas e liberais) a solidão é mais pesada"24.


Mesmo antes da pandemia COVID-19, a solidão era um problema de saúde pública por estar associada ao aumento do risco de morbidade e mortalidade, sendo um importante fator de risco para resultados prejudiciais de saúde física e mental25,26. No Brasil, por exemplo, segundo a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, a solidão é o maior medo entre os idosos (29%)27.

A atual situação mundial propiciou um importante aumento do uso de tecnologias digitais enquanto ferramentas de aproximação entre as pessoas para lidar com as medidas de distanciamento físico tomadas para controlar a doença21, 22. Processos que antes contavam com enquadramentos físicos específicos, como a psicoterapia, por exemplo, foram obrigados a se adaptarem para que pudessem continuar. No entanto, não sabemos se as mensagens instantâneas, as chamadas de vídeo, as lives ou as dezenas de postagens que estão ao nosso alcance são suficientes para preencher o vazio gerado pela incompletude pessoal exacerbada em muitos indivíduos pelo confinamento social obrigatório.


SOLIDÃO E CAPACIDADE DE ESTAR SÓ - REVISÃO DE CONCEITOS CLÁSSICOS

Do latim solitudo, solidão é o estado de quem está só. Ausência de relações sociais; isolamento. Lugar despovoado e não frequentado pelas pessoas; ermo28. Na crônica "A solidão amiga", publicada em 200229, Rubem Alves escreve:


Incapazes de caminhar sozinhas, vão aos pares, aos bandos. E vão falando, falando, sem ver o mundo maravilhoso que as cerca. Falam porque não suportariam caminhar sozinhas. E, por isso mesmo, perdem a maior alegria das caminhadas, que é a alegria de estar em comunhão com a natureza. Elas não vêem as árvores, nem as flores, nem as nuvens e nem sentem o vento. Que troca infeliz! Trocam as vozes do silêncio pelo falatório vulgar. Se estivessem a sós com a natureza, em silêncio, sua solidão tornaria possível que elas ouvissem o que a natureza tem a dizer. O estar juntos não quer dizer comunhão. O estar juntos, frequentemente, é uma forma terrível de solidão, um artifício para evitar o contato conosco mesmos29.


Freud não dedicou em sua obra nenhum texto exclusivo à solidão, porém, faz referência a ela em trabalhos que abordam as angústias infantis em relação ao silêncio e à escuridão. A ausência da pessoa amada é vista, por Freud, como geradora dessas angústias, juntamente com o medo de estar só e o medo de estranhos. Em seu arcabouço teórico ele concebe a solidão como medo do abandono e frustração14.

Melanie Klein, no clássico ensaio sobre "O sentimento de solidão", avalia que este sentimento está baseado nas ansiedades esquizoparanóides, e que poderia ser atenuado com a aquisição da posição depressiva e com uma maior integração da vida psíquica15.


Embora o sentimento de solidão possa diminuir ou aumentar pelas influências externas, ele nunca será completamente eliminado, porque a tendência para a integração, assim como o pesar experimentado nesse processo, brota de fontes internas que continuam operantes pela vida afora15.


Em outra perspectiva, Winnicott positivou a solidão, enfatizando-a como capacidade, tendo as suas raízes nas experiências de mutualidade e confiabilidade da relação mãe-bebê. Isso quer dizer que a mãe suficientemente boa será promotora da capacidade de o bebê estar só consigo mesmo, ainda que ele não reconheça a figura materna nos momentos de dependência absoluta16 .

A partir da teoria de Winnicott suscita-se a ideia de que o bebê que tem uma mãe suficientemente boa terá melhor capacidade de enfrentar a solidão, ou seja, seu isolamento não será apenas uma fuga de um ambiente ameaçador, mas também uma fuga em direção a "uma privacidade regeneradora"16. Contar com a mãe como ego-auxiliar, promove o fortalecimento do ego do bebê, abrindo, assim, a possibilidade de estar consigo mesmo na presença confiável de alguém, sem sentir-se abandonado e angustiado17.

Winnicott afirma que "muitas pessoas se tornam capazes de apreciar a solidão antes mesmo de sair da infância e podem valorizar a solidão como a sua posse mais preciosa"16. Ficar só é tomar consciência de que se é um ser único e que o outro também o é, o que torna a relação que se mantém consigo mesmo e com o outro preciosa; significa que o indivíduo possui dentro de si uma condição emocional constituída com base na confiança na comunicação consigo mesmo e com o outro18.

Seeward afirma que tanto Klein como Winnicott tratam do mesmo tema com vértices diferentes: Klein trata o tema a partir das angústias primitivas, já Winnicott aborda a solidão a partir da teoria do desenvolvimento emocional, chegando à noção de solidão como capacidade31. Assim, o ponto de convergência entre Klein e Winnicott sobre o tema da solidão se dá na capacidade de internalização de um objeto bom. Seria a confiança do indivíduo quanto ao seu relacionamento com o objeto interno bom que lhe confere a capacidade de estar contente mesmo na ausência do objeto ou estímulos externos31.

Aproximando-se desse contexto, Bion pontuou a importância da relação objetal e desenvolveu alguns conceitos importantes como a capacidade de "rêverie" no qual a mãe transforma os elementos Beta em elementos Alpha, elementos utilizados para o pensamento que devem ser transformados e devidamente devolvidos por ela32.

Portanto, o bebê recebe conforto psíquico e emocional quando se sente amado e compreendido. Como consequência, pode-se pensar em um adulto capaz de sustentar seu mundo interno, identificando e nomeando seus sentimentos de forma adequada, sem necessitar recorrer a artifícios externos para sentir-se seguro.


REFLEXOS DA INCAPACIDADE DE ESTAR SÓ

Artigos publicados ao longo de 2020 mostram que, além dos sintomas ansiosos e depressivos, o isolamento social obrigatório acarretou importante aumento dos comportamentos aditivos como uso de internet e de substâncias psicoativas33,34. Esses resultados nos levam a ponderar sobre a influência da incapacidade de estar só nos mecanismos de defesa menos saudáveis utilizados por muitos indivíduos no atual cenário.

Segundo Lejarraga, o indivíduo que não conquistou a capacidade de estar só, porque não experimentou a solidão acompanhada (a dependência absoluta), a "solidão com", vive o estar só como "solidão sem", caindo no vazio afetivo ou buscando uma interação permanente com outros34. A ausência da integração dessa capacidade no self nuclear poderia resultar numa terrível dificuldade para parar, sem se entrar num estado de impaciência, irritação ou angústia35.

A dificuldade para suportar a solidão aciona defesas como a busca de objetos da realidade para amenizar a angústia e a insatisfação sentida.35 Isso poderia estar se expressando no contexto pandêmico como imersão nas redes sociais, tendências "compulsivas" para estar continuamente a planejar e fazer coisas, nos múltiplos comportamentos aditivos e na negação dos riscos da doença e consequente descumprimento das orientações de isolamento.

A psicanalista francesa Catherine Audibert36 escreveu sobre a temática das adições se centrando no mecanismo das adições e não em seus objetos específicos (drogas, jogo, consumo, etc.) e sugere, como modelo explicativo, que as adições são orientadas predominantemente pelas relações de objeto.Ela extraiu dos textos de Ferenczi a noção de que as adições são formas paliativas de lidar com as consequências de sofrimentos psíquicos antigos, derivados de traumas. O comportamento aditivo seria uma estratégia de sobrevivência que encontra pela fuga na doença uma forma de não sucumbir totalmente. E se trata também de uma forma de buscar prazer em objetos externos pela impossibilidade de encontrá-lo internamente37.

Além dos sintomas aditivos descritos, tem sido observado um importante fenômeno de transgressão das regras de distanciamento social, independente de classe social e grau de conhecimento dos indivíduos38. Isso abre espaço para questionarmos e refletirmos porque é tão insuportável para algumas pessoas suportarem esse distanciamento temporário. Será que a incapacidade de estar só acentua a angústia dos indivíduos a ponto de ignorarem os riscos de vida ocasionados pela convivência social e contato físico?


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A solidão é inerente à condição humana, não surgida na contemporaneidade, ainda que reforçada por ela. Com o isolamento social, necessário no atual panorama pandêmico, torna-se ainda mais importante entender as manifestações decorrentes do aumento do sentimento de solidão. O texto buscou reunir um entendimento da solidão e da capacidade de estar só a partir de seus pressupostos teóricos, abordando principalmente o conceito Winnicottiano associado ao tema.

Nesse sentido, os conceitos descritos buscam evidenciar que o indivíduo que não atinge uma integração do ego pode apresentar falhas na capacidade de estar só e recorrer com mais frequência ao uso de mecanismos de defesa prejudiciais. A questão do ego nos momentos primitivos do bebê, ainda incipiente e evanescente, está vinculada estritamente aos cuidados maternos. Por isso ressalta-se a importância das primeiras relações objetais para a construção de um mundo interno satisfatório e constituição psíquica do indivíduo, para que na fase adulta seja capaz de lidar com a solidão e adote estratégias que possam minimizar os efeitos de situações críticas ao longo da vida, como tem sido o isolamento social imposto pela COVID-19.

É importante salientar que a falha no desenvolvimento dessa capacidade não significa uma sentença. Através da psicoterapia, o indivíduo tem a possibilidade de lidar com as experiências de solidão e incapacidade de estar só utilizando o setting como metáfora dos cuidados maternos. A tarefa do analista nesse sentido é suprir algumas das funções da mãe como escudo protetor e ego auxiliar a fim de reconstruir a história dos mecanismos de defesa das primeiras fases de integração e modificação do ego.

Cabe por fim destacar que na revisão da literatura realizada não foram encontrados artigos que abordam a associação da capacidade de estar só com o cumprimento das recomendações de medidas protetivas, ou sobre as possíveis causas para o fenômeno de desrespeito de tais orientações, que se observa na população. Seria a incapacidade de estar só e de entrar em contato com seu mundo interno um dos motivos para as aglomerações? Como é um fenômeno que ainda está em andamento, acredita-se na necessidade de estudos futuros, psicanalíticos, sociológicos e antropológicos, que esclareçam melhor essa complexa questão.


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aHospital de Clínicas de Porto Alegre, Centro de Estudos Luiz Guedes - Porto Alegre/RS - Brasil; Universidade Federal do Rio Grande do Sul, PPG Psiquiatria e Ciências do Comportamento - Porto Alegre/ RS - Brasil
bUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, PPG Psicologia - Porto Alegre/RS - Brasil
cUniversidade Federal de Ciencias da Saude de Porto Alegre, Residência médica em psiquiatria - Porto Alegre/RS - Brasil
dHospital de Clínicas de Porto Alegre, Centro de Estudos Luiz Guedes - Porto Alegre/RS - Brasil - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Medicina, Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal. - Porto Alegre/RS - Brasil

Correspondência

Malu Joyce de Amorim Macedo
malu7macedo@gmail.com / E-mail alternativo: maluraag@hotmail.com

Submetido em: 20/12/2020
Aceito em: 31/05/2021

Contribuições: Malu Joyce de Amorim Macedo - Conceitualização, Gerenciamento de Recursos, Gerenciamento do Projeto, Metodologia, Redação - Preparação do original; Beatriz Lima Costa - Redação - Revisão e Edição; Maria João Baptista Fernandes - Redação - Preparação do original; Lúcia Helena Freitas Ceitlin - Conceitualização, Redação - Revisão e Edição, Supervisão

Instituição: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Medicina, Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal. - Porto Alegre/RS - Brasil

 

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