Rev. bras. psicoter. 2024; 26(2):49-60
Leite DNT, Toni LP, Medeiros YDP, Lombardi MEM, Pereira JVNeM. Adversidades na infância e o risco de suicídio em pacientes com Transtorno de Personalidade Borderline: um estudo transversal. Rev. bras. psicoter. 2024;26(2):49-60
Artigo Original
Adversidades na infância e o risco de suicídio em pacientes com Transtorno de Personalidade Borderline: um estudo transversal
Childhood adversity and the risk of suicide in patients with Borderline Personality Disorder: a cross-sectional study
La adversidad en la infancia y el riesgo de suicidio en pacientes con Trastorno Límite de la Personalidad: un estudio transversal
Darlana Nalrad Teles Leite; Leonardo Pereira Toni; Ygor Daniel Pereira Medeiros; Maria Eduarda Medeiros Lombardi; João Vítor Nóbrega e Mélo Pereira
Resumo
Abstract
Resumen
Introdução
O Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) é uma condição prevalente, com uma maior incidência em mulheres, afetando aproximadamente 1 a 2% da população em geral no mundo. Ele se caracteriza por um padrão volátil de emoções, de comportamentos e de relações interpessoais e manifesta-se por oscilações abruptas e intensas no estado de ânimo, sensações de vazio, impulsividade e dificuldades na manutenção de relacionamentos estáveis e saudáveis. No processo diagnóstico, é crucial realizar um diferencial com outras condições, como transtorno bipolar, depressão e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Pesquisas recentes nos últimos cinco anos têm destacado uma correlação substancial entre a adversidade na infância e o desenvolvimento do TPB. Este termo abrange uma ampla gama de experiências, incluindo abuso físico, emocional e sexual, negligência, bem como eventos adversos como a perda de um dos pais ou o enfrentamento de uma doença crônica1.
A violência física e psicológica pode levar a uma série de consequências negativas para a saúde mental, incluindo o aumento do risco de desenvolvimento de transtornos de personalidade, incluindo o TPB. Quando uma pessoa é exposta a violência física e psicológica, ela pode sentir-se desamparada e impotente, o que pode levar a sentimentos de desesperança, de abandono e de inadequação. Esses sentimentos podem levar a comportamentos impulsivos e autolesivos, que são sintomas comuns do TPB2.
A exposição a traumas como a violência pode afetar o sistema nervoso central, resultando em uma resposta de "luta ou fuga" intensificada. Isso aumenta a vulnerabilidade ao estresse e prejudica a regulação emocional, influenciando os sintomas do Transtorno de Personalidade Borderline (TPB). A adversidade na infância pode impactar o desenvolvimento cerebral, especialmente nas áreas relacionadas à emoção e à resposta ao estresse. A associação entre adversidade na infância e TPB envolve caminhos como dificuldades na regulação emocional e na formação da identidade3,4.
As tentativas de suicídio são uma preocupação séria para indivíduos com TPB. Pesquisas indicam que uma parcela significativa dessas pessoas se envolve em comportamentos autodestrutivos ou possui histórico de ideação e tentativas de suicídio. O risco é mais elevado em comparação à população em geral, dada a desregulação emocional, uma característica central do TPB, que pode levar a sentimentos de desesperança e de desamparo. Sendo assim, a relação entre maus tratos na infância, TPB e comportamento suicida é complexa e influenciada por diversos fatores. A desregulação emocional gera dificuldades em lidar com emoções intensas e pode ocasionar pensamentos e comportamentos autodestrutivos, a exemplo da ideação e do comportamento suicida, como forma de aliviar o sofrimento emocional. Estudos recentes ressaltam que, entre os pacientes com transtorno de personalidade que sofreram maus tratos e tentaram suicídio em 2020, 35% deles possuíam TPB. Fornecer apoio adequado, terapia e intervenções especializadas é crucial para lidar com o trauma e com suas consequências emocionais5,6.
Assim, há uma carência de estudos no Brasil e no estado da Paraíba que levantem a associação entre a exposição de pacientes com TPB a traumas na infância (violência psicológica e física) e seu impacto no comportamento suicida desses pacientes. Este é um estudo transversal que foi realizado em ambulatórios de psiquiatria nas cidades de Cabedelo e João Pessoa, entre setembro e novembro de 2023. O objetivo deste trabalho foi avaliar se a presença de traumas na infância está associada a maior ideação e comportamento suicida em indivíduos com TPB.
Métodos
Participantes
Este estudo adota uma abordagem transversal, observacional e descritiva. Para o cálculo amostral, levou-se em consideração a prevalência de 2,7% do TPB na população geral7, e o valor da população adulta de 487.217 das cidades de João Pessoa e Cabedelo8. Através dos parâmetros, estimou-se o número mínimo de 41 participantes, considerando nível de confiança de 95% e erro amostral de 5%. Assumindo uma possível perda amostral de aproximadamente 5% dos participantes (por motivos como desistência de participação ou descontinuidade da coleta de dados), estimamos um total de 43 participantes. A amostra foi selecionada de forma não probabilística, por conveniência. Como critérios de inclusão, foram adotados idade igual ou superior a 18 anos e diagnóstico de transtorno de personalidade borderline. O transtorno por uso de álcool ou outras drogas foi adotado como critério de exclusão.
Procedimento
Os testes foram aplicados em sala silenciosa e privativa em um ambulatório de psiquiatria e em três Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) nas cidades de João Pessoa e Cabedelo, com duração aproximada de 30 minutos. O procedimento iniciou-se com uma breve apresentação do pesquisador e da temática do trabalho, seguida do questionamento acerca do interesse em participar da pesquisa, leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os participantes foram avaliados pelos critérios de inclusão e de exclusão e em seguida foi realizada uma apresentação instrutiva de cada teste antes da aplicação dos instrumentos de pesquisa.
Ferramentas de coleta de dados
Foi utilizado um formulário para a coleta de dados sociodemográficos relativos à data de nascimento, raça (branco, pardo, negro, amarelo, indígena, outro), sexo (masculino, feminino), estado civil (solteiro, casado/união estável, separado/divorciado, viúvo), anos completos de estudo, renda mensal e histórico de internação psiquiátrica.
A subseção contemplando a investigação diagnóstica de TPB da Entrevista Clínica Estruturada para os Transtornos de Personalidade do DSM-5 (SCID-5) foi utilizada para confirmação diagnóstica do TPB9. Trata-se de uma entrevista diagnóstica semiestruturada, sendo um dos instrumentos mais utilizados com esta finalidade em pesquisa. Para a avaliação de eventos adversos na infância e adolescência foi utilizado o Questionário de Trauma Infantil - Versão Reduzida (CTQ-SF). Trata-se de uma versão reduzida do Questionário de Trauma Infantil (CTQ) e possui 28 itens, cujas respostas baseiam-se na graduação da frequência em uma escala Likert de cinco pontos e variam entre: nunca, poucas vezes, às vezes, muitas vezes e sempre10, visando a detectar a prevalência de traumas ocorridos na infância e na adolescência. O questionário divide-se em cinco esferas: abuso físico, abuso emocional, abuso sexual, negligência física e negligência emocional. O CTQ-SF foi traduzido e adaptado ao português brasileiro11 e possui testes de consistência interna de subescalas com índices satisfatórios12.
Para avaliação do risco de suicídio, foi utilizada a Escala de Avaliação do Risco de Suicídio de Columbia (C-SSRS), que inclui duas subescalas da versão de referência: Gravidade da Ideação Suicida e Comportamento Suicida. A subescala de gravidade da ideação é classificada em uma escala ordinal de 5 pontos: 1 = desejo de estar morto, 2 = pensamentos suicidas ativos não específicos, 3 = pensamentos suicidas com métodos, 4 = intenção suicida e 5 = intenção suicida com plano. A subescala de comportamento suicida é uma escala nominal que inclui tentativas efetivas, tentativas abortadas e interrompidas, comportamento preparatório e comportamento autolesivo não-suicida13.
Análise de dados
Os bancos para armazenamento e para análise dos dados foram todos desenvolvidos no programa SPSS para Windows (versão 28)14. A significância estatística foi considerada quando p ≤ 0,05. Os dados demográficos foram descritos por frequência absoluta, relativa e, quando cabível, por média e por desvio-padrão. A normalidade dos dados foi avaliada através do teste de Kolmogorov- Smirnov. A correlação entre as variáveis contínuas comoidade, renda mensal, anos de estudo, escores do CTQ-SF, quantidade de critérios diagnósticos para TPB e intensidade da ideação suicida (C-SSRS) foi analisada através do teste de correlação de Pearson. A associação entre os escores do CTQ-SF e comportamento suicida (C-SSRS) foi analisada através de regressão logística. A associação entre os escores do CTQ-SF e variáveis ordinais (níveis de gravidade de ideação suicida e tentativa de suicídio da C-SSRS) foi analisada através de regressão logística ordinal. Por fim, os escores das subescalas do CTQ-SF foram transformados em variáveis dicotômicas: ausência ou presença da experiência adversa (pontos de corte: ≥13 abuso emocional, ≥10 abuso físico, ≥8 abuso sexual, ≥15 negligência emocional e ≥10 para negligência física)15, cuja associação com o comportamento suicida foi analisada através do teste exato de Fisher (pelo menor tamanho amostral, alguns eventos apresentaram frequência inferior a cinco, impossibilitando a análise dos dados através do chi- quadrado).
Declaração de ética
Este estudo obteve o Termo de Anuência do Núcleo de Ensino e Pesquisa dos serviços de Psiquiatria de João Pessoa e de Cabedelo. Também foi cadastrado na Plataforma Brasil, conforme a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP). O trabalho foi submetido à avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário de João Pessoa apresentando CAAE 72830423.4.0000.5176 e, após aceitação, iniciou-se a coleta de dados. Foi seguida a Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
Resultados
Ao todo, 44 participantes foram rastreados para elegibilidade; destes, um não foi incluído por não atender aos critérios de elegibilidade (ausência de diagnóstico de TPB). Portanto, a amostra foi composta por 43 indivíduos cujas características sociodemográficas da amostra estão apresentadas na Tabela 1.
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