Rev. bras. psicoter. 2024; 26(1):75-90
Fadel GDL, Fernandes JAR, Ribeiro JCS, Oliveira MS. Esquemas iniciais desadaptativos, modos esquemáticos e ideação suicida em uma amostra de indivíduos com Transtorno Depressivo Persistente. Rev. bras. psicoter. 2024;26(1):75-90
Artigo Original
Esquemas iniciais desadaptativos, modos esquemáticos e ideação suicida em uma amostra de indivíduos com Transtorno Depressivo Persistente
Early Maladaptive Schemas, Schema Modes and Suicidal Ideation In a Sample of Individuals with Persistent Depressive Disorder
Giulia De Lellis Fadel; Júlio Antônio da Rosa Fernandes; Julio Cesar de Souza Ribeiro; Margareth da Silva Oliveira
Resumo
Abstract
Resumen
Introdução
O suicídio é um fator problemático a nível global que tira em torno de 700.000 vidas por ano, sendo a causa de estimadamente 1,3% de cada 100 mortes no mundo e a quarta maior causa de morte entre indivíduos com 15 a 29 anos1. A ideação suicida, que está relacionada com sintomas depressivos2, tem alta prevalência no Brasil, o tornando o país com maior índice de depressão na América Latina3 e o 8º no ranking mundial de países com maiores índices de suicídio4. Tal dado sugere que intervenções em saúde mental são necessárias. Considerando a importância de a ciência continuar produzindo estudos que possam aprimorar o entendimento e o tratamento para esses sintomas, entende-se que a pesquisa acerca destes fenômenos tem caráter de interesse para a sociedade brasileira.
O conceito de ideação suicida pode ser entendido como um espectro, desde pensamentos questionando se "vale a pena viver" até dúvidas intensas sobre o sentido de viver ou não, podendo levar a um planejamento de suicídio5. A ideação suicida pode ser entendida como um dos maiores fatores indicativos de que o sujeito poderá tentar cometer suicídio. De acordo com uma metanálise realizada, o risco de suicídio é claramente maior em indivíduos que tem ideação suicida do que os que não a experienciam. Também foi constatado que a incidência de ideação suicida é significativamente maior em pacientes psiquiátricos do que em uma população não clínica6. Assim como uma tentativa prévia de suicídio aumenta as chances de outra tentativa consumada e a existência de algum transtorno mental é um fator de risco para suicídio4.
Se sabe que sujeitos com depressão persistente possuem experiências mais frequentes de ideação suicida e tentativa de suicídio do que a população geral7. O Transtorno Depressivo Persistente (TDP), descrito pelo Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5 TR8, é uma psicopatologia que engloba indivíduos com depressão crônica. Um sujeito que fecha os critérios para o diagnóstico de Transtorno Depressivo Maior por mais de dois anos recebe também o diagnóstico de TDP. O tratamento mais eficaz para esse Transtorno é a psicoterapia combinada com tratamento medicamentoso9.
Considerando que, em função de seu caráter crônico, o TDP apresenta dificuldades em ser tratado por abordagens como a Terapia Cognitivo-Comportamental, a Terapia do Esquema (TE) se torna mais adequada para trabalhar10. Conclui-se isso pois a TE se propõe a atender demandas crônicas, assim como as presentes nos indivíduos com esse diagnóstico11. Sendo assim, a pesquisa acerca de técnicas e conceitos que se relacionam com o trabalho na Terapia do Esquema pode contribuir para a potencialização de sua efetividade quando analisadas em relação à sintomatologia depressiva, como ideação suicida e a tentativa de suicídio. Entretanto, não existem estudos que relacionem a ideação suicida com os conceitos centrais trabalhados na TE, como Esquemas Iniciais Desadaptativos (EIDs) e Modos Esquemáticos (MEs)12. Essa lacuna na literatura pode impactar no trabalho do terapeuta do esquema que não possui subsídios em termos de evidência científica para entender quais EIDs e MEs quando mais ativados no paciente podem indicar um maior risco de ideação suicida, por exemplo. Assim, pesquisas que promovam um melhor entendimento da relação dos conceitos com a ideação suicida podem potencializar o impacto da TE em casos depressivos crônicos.
Os Esquemas Iniciais Desadaptativos dizem respeito a 18 padrões disfuncionais perpetuados pelo indivíduo que consistem em emoções, sensações corporais, memórias e atividades cognitivas. Eles são divididos em 5 categorias temáticas chamadas de Dompinios e moldam a forma de percepção de mundo subjetiva, mediando as interações do indivíduo com o ambiente. Tais padrões representam maneiras disfuncionais de interpretação de informações, ou seja, geram algum prejuízo na vida do sujeito12. No caso de indivíduos com TDP, os EIDs podem ajudar na manutenção dos sintomas, assim como o de ideação suicída. Por exemplo, o EID de Negatividade e Pessimismo diz respeito a crenças negativas em relação a sí, os outros e o futuro, condizendo com o sintoma de desesperança da pessoa deprimida. Dessa forma, um estudo que busque entender quais EIDs se relacionam com a ideação suicída pode ajudar no trabalho do terapeuta do esquema ao tratar um paciente comTDP pois indica quais Esquemas devem ser trabalhados priomordialmente com o intuito de diminuir o sintoma.Já o conceito de Modos Esquemáticos diz respeito ao comportamento e estratégias de enfrentamento do sujeito frente a variados Esquemas Iniciais Desadaptativos ativados. Alguns Modos são descritos como adaptativos, como o Adulto Saudável e Criança Feliz. O restante é tido como desadaptativo e pode manter sintomas como a ideação suicida em TDP. Por exemplo, no caso do Modo Protetor Desligado, a pessoa evita enfrentar os EIDs, podendo ter ideação suicida, pensando no suicídio como a mais extrema forma de evitação12. No entanto, o conceito ainda carece de estudos e evidências que possam auxiliar sua identificação e trabalho em psicoterapia com base na Terapia dos Esquemas. Sendo assim, tornam-se necessárias e relevantes pesquisas que busquem analisar os Modos Esquemáticos de maneira a poder contribuir com a efetividade clínica da condução do Terapeuta do Esquema e analisar a validade do conceito contido na teoria do desenvolvimento da personalidade proposta por Jeffrey Young. Além disso, pesquisar a relação dos Modos Esquemáticos com diferentes sintomas em distintas amostras recebe destaque justamente pela falta de estudos e conhecimento sobre este tema. Considerando tais afirmações, justifica-se a realização de um estudo que possa abranger essa temática e aumentar o escopo de estudos acerca dos Modos Esquemáticos.
Através da teoria de Young se pode criar hipóteses de que pacientes com ideação suicida teríam mais EIDs do primeiro domínio ativados em comparação aos que não tem essa sintomatologia. Assim como os MEs Adulto Saudável e Criança Feliz não estariam tão presentes em pacientes com ideação suicida quando comparados aos sem. Entende-se como o problema de pesquisa desse estudo a questão: quais EIDs e MEs estão mais relacionados com a ideação suicida?
Dada a necessidade de maior compreensão acerca dos EIDs, MEs e ideação suicida em pacientes com TDP, o presente estudo tem como objetivo identificar as diferenças dos EIDs e MEs entre um grupo com ideação suicida e TDP e outro grupo sem ideação suicida e com TDP. Como objetivos específicos temos: identificar quais esquemas e modos são predominantes nos indivíduos com ideação suicida, identificar quais EIDs e MEs são predominantes nos indivíduos sem ideação suicida e analisar se os resultados encontrados correspondem com os achados na literatura. Assim pode-se desenvolver um entendimento mais específico e aprofundado sobre os achados e aumentar a chance de impactar no trabalho de um terapeuta do esquema. Além de preencher em parte uma lacuna importante da literatura com relação aos conceitos da Terapia do Esquema e ideação suicida.
Método
Delineamento
Trata-se de um estudo quantitativo com delineamento descritivo, observacional, transversal e comparativo entre grupos13.
Participantes
A pesquisa é composta por 100 indivíduos (N=100), com TDP, sendo a minoria inclusa no grupo sem ideação suicida (N=30) e a maioria no grupo com ideação suicida (N=70), de acordo com a entrevista inicial e a pontuação do BDI-II, de ambos os gêneros, com idades entre 18 e 59 anos. Os participantes são provenientes de um ambulatório de saúde mental e internação de Porto Alegre, assim como de clínicas de psicoterapia.
Critérios de inclusão e exclusão
Os critérios de inclusão foram os seguintes: a) Consentir de forma livre e espontânea em participar da pesquisa, afirmando o mesmo através do TCLE; b) Ter entre 18 e 59 anos; c) Ter ensino médio completo d) Atender aos critérios para Transtorno Depressivo Persistente; e) Estar realizando algum tipo de acompanhamento terapêutico, seja ele por meio de médico psiquiatra ou de psicólogo; d) Concluir o preenchimento de todos os instrumentos até o final.
Como critérios de exclusão foram considerados: a) Declarar ter tido algum destes diagnósticos: Transtorno Obsessivo Compulsivo, Transtorno Por Uso de Substâncias (exceção aos casos em abstinência há 2 anos ou mais), Transtorno Afetivo Bipolar (todos os tipos); b) Estar em um momento de crise; c) Manifestar o desejo de não terminar o processo de coleta de dados; d) Manifestar por qualquer razão o desejo de não ser incluído na pesquisa em qualquer etapa da mesma.
Seleção da amostra
A seleção da amostra foi não probabilística, sendo utilizado o método de conveniência, podendo impactar na generalização dos resultados. Como a amostra era proveniente de contextos como internação psiquiátrica, ambulatório psiquiátrico e clínica de psicoterapia, os indivíduos com Transtorno Depressivo Persistente foram previamente diagnosticados através de avaliação psiquiátrica, sendo esse um critério de inclusão para participação na pesquisa. Ocorreu uma triagem inicial com os participantes onde foram avaliados em forma de perguntas os critérios de inclusão e exclusão. Ou seja, foi avaliado se o participante possuia o diagnóstico de TDP para incluí-lo na amostra, ou outros diagnósticos, em especial os que compõem critério de exclusão.
Instrumentos
Foram utilizados os seguintes instrumentos: Questionário de Dados Sociodemográficos, que objetiva caracterizar a amostra em seus dados sociodemográficos, como idade, escolaridade, estado civil, renda, entre outros; Inventário de Esquemas de Young- versão breve (YSQ-S3), que é um questionário de 90 itens avaliando os 18 EIDs, onde os participantes são solicitados a classificar os itens usando uma escala likert de 6 pontos (de 1=completamente falso, para 6=descreve perfeitamente) e que mostrou uma alta consistência interna, com um coeficiente alfa do Cronbach (α) de .96514; Inventário de Modos Esquemáticos (SMI), para avaliar a ativação dos MEs dos indivíduos desta pesquisa foi escolhido o IME, validado e traduzido para o português do Brasil, constituído de 124 questões que cobrem os 14 modos, onde os sujeitos devem avaliar a frequência em uma escala de 6 pontos variando de "nunca ou quase nunca" a "sempre" e o coeficiente de consistência interna foi α=.96, mostrando uma excelente confiabilidade15; Inventário de Depressão de Beck (BDI-II), para avaliar os sintomas de tristeza, o Inventário de Depressão de Beck (BDI-II) representa o padrão ouro, sendo utilizado em diversas outras pesquisas semelhantes à deste projeto e sendo de autoaplicação é composto por 21 itens, subdivididos em afirmações pontuadas de 0 a 3, baseado na severidade da depressão, onde o respondente deverá marcar em cada um dos 21 itens aquela afirmação que melhor corresponde a sua experiência subjetiva16.
Procedimento de coleta de dados
O estudo coletou os dados necessários através de dados secundários da pesquisa "O MAPEAMENTO DA ATIVAÇÃO ESQUEMÁTICA EM INDIVÍDUOS COM TRANSTORNO DEPRESSIVO PERSISTENTE". A coleta de dados da referida pesquisa foi realizada entre o mês de maio e junho de 2023. Foi efetuada presencialmente em um ambulatório e em uma unidade de internação. A coleta online foi feita por vídeo chamada a partir de uma busca em grupos do facebook com finalidade de troca entre indivíduos com depressão. Também foram realizados anúncios no Instagram e Facebook para captar participantes e divulgação através do Instagram do Grupo de Avaliação e Atendimento em Psicoterapia Cognitivo Comportamental (GAAPCC) da PUCRS. Os aplicadores da coleta foram estudantes de graduação vinculados ao GAAPCC e o autor da pesquisa. Para a finalidade do presente estudo foram analisados os dados provenientes de um recorte do banco de dados da pesquisa cujo grupo controle (sem TDP) foi retirado, afim de mapear dados relacionados a sujeitos que fecham diagnóstico de TDP e possuem ou não ideação suicida, avaliada através do item 2 do BDI-II.
Procedimento de análise de dados
A análise dos dados foi realizada através do programa estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 27.0 para Windows. A apresentação dos resultados ocorreu pela estatística descritiva através das distribuições absoluta e relativa (n - %), bem como, pela mediana e amplitude interquartil com a assimetria das distribuições analisada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Na comparação das variáveis contínuas, entre os grupos independentes Com Ideação Suicida e Sem Ideação Suicida, foi utilizado o teste U de Mannwhitney. Esse teste não paramétrico foi escolhido em função da amostra se caracterizar com distribuição não normal, conforme verificado pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. As variáveis independentes foram provenientes do BDI-II, especificamente da questão referente a presença de ideação suicída ou não. Para critérios de decisão estatística, adotou-se o nível de significância de p<0,05.
Procedimento éticos
A realização da pesquisa originária do presente estudo foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da PUCRS, sendo o parecer de número 5.588.733 e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAEE) de protocolo número 59827422.0.0000.5336. A norma utilizada foi orientada pela Resolução CNS nº 466/2012. Os participantes realizaram a sua participação na pesquisa somente após assinarem o Termo de Conscentimento Livre e Esclarecido (TCLE), onde foi explicado o caráter voluntário da participação, assim como possíveis riscos. Todos os participantes ficaram com uma cópia do TCLE, assim como o pesquisador responsável.
Resultados
A maioria da amostra foi composta por indivíduos do sexo Feminino, sendo no grupo SI 66,7% e no CI 69,6%. Majoritariamente os sujeitos do grupo SI tem Ensino Superior Incompleto (26,7%) e no CI Ensino Superior Completo (35,7%), além de serem brancos (SI= 73,3%; CI=60%). No grupo CI 64% da amostra relatou ser Heterosexual, já no grupo SI 50% declarou essa orientação sexual.
Ao analisar os resultados dos dados sóciodemográficos da amostra, a partir do teste U de Mann-Whitney, observou-se que os grupos não possuem diferença significativa. Foram comparados dados como Sexo (U= 1005,000; Z= -0,284; p=0,776), Escolaridade (U= 1025,000; Z= -0,195; p=0,845), Renda (U= 915,000; Z= -1,053; p=0,292), Etnia (U= 950,000; Z= -0,887; p=0,375), Orientação Sexual (U= 849,000; Z= -1,729; p=0,084), Idade (U= 1021,500; Z= -0,215; p=0,830) e Tempo de Tratamento (U= 943,000; Z= -0,808; p=0,419). Também foram avaliados os índices de gravidade do TDP através do BDI-II, como demonstrado na Tabela 1
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