Rev. bras. psicoter. 2024; 26(1):57-73
Süss D, Feijó LP, Evaldt VMT, Serralta FB. Aliança terapêutica na psicoterapia psicodinâmica online: percepção dos pacientes. Rev. bras. psicoter. 2024;26(1):57-73
SEÇÃO ESPECIAL
Aliança terapêutica na psicoterapia psicodinâmica online: percepção dos pacientes
Therapeutic alliance in online psychodynamic psychotherapy: Patient perception
Denise Süssa; Luan Paris Feijób; Vitoria Maria Tabosa Evaldtc; Fernanda Barcellos Serraltac
Resumo
Abstract
Resumen
Introdução
A psicologia clínica é uma das diversas áreas que se aproxima do uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) na aplicação de suas práticas. No entanto, as determinações do Conselho Federal de Psicologia (CFP) acerca de atendimentos psicológicos remotos ainda são recentes, estas datam de 2018 e autorizam a realização de consultas e atendimentos psicológicos online, assim como supervisão, avaliação psicológica e seleção de pessoal, mediante a realização de cadastro junto ao conselho profissional1.
Em 2020, mesmo com poucos estudos sobre o assunto, a prática de atendimentos online foi alavancada por ser o modo de atendimento possível a fim de colaborar com o distanciamento social e a evitar o aumento da transmissão por COVID-19. Diante dessa situação de pandemia, em nova resolução, artigos da resolução anterior foram suspensos, especialmente direcionados ao público a ser atendido e facilitando o cadastro dos profissionais2.
Apesar da prática de psicoterapia online ter sido adotada por muitos psicólogos, especialmente após o início do distanciamento controlado, nota-se ainda a escassez de diretrizes para que os profissionais da área possam estar qualificados para este tipo de atendimento. No Brasil, em especial, evidencia-se a falta de estudos sobre a utilização de videoconferência em psicoterapia. A maioria dos estudos feitos utiliza a abordagem cognitivo comportamental, o que denota a necessidade de se estudar a psicoterapia psicodinâmica neste novo contexto, principalmente sobre componentes do processo psicoterápico e a aliança terapêutica (AT)3.
A Aliança Terapêutica é formada por um vínculo de afeto e de confiança mútua entre paciente e terapeuta, bem como por acordos da dupla sobre os objetivos do tratamento, e sobre as tarefas e procedimentos para alcançar tais objetivos4. Este conceito multidimensional da aliança é atualmente o mais utilizado na literatura e nas diversas abordagens psicoterapêuticas. Sendo assim, para que se estabeleça uma aliança é preciso que a dupla deseje o processo e, além disso, que desenvolvam entre si empatia, confiança e procedimentos comumente acordados4,5.
Sendo um conceito relacional, características e habilidades pessoais de ambos, paciente e terapeuta supostamente influenciam o seu desenvolvimento. Quanto às características dos terapeutas, a empatia, a criação de um clima terapêutico acolhedor e de apoio, a demonstração de interesse e preocupação pelo paciente, bem como a aceitação e validação das experiências relatadas pelos pacientes, favorecem o desenvolvimento da aliança6,7,8. Características demográficas como sexo, idade e etnia também podem influenciar7,9.
Outro ponto a destacar refere-se à importância de o terapeuta observar as sutilezas que possam indicar oscilações na relação colaborativa e assim explorar o que está acontecendo. Conversar sobre as rupturas da aliança oportuniza uma exploração mais profunda do que está ocorrendo entre a dupla e sobre a experiência do paciente com o acontecido. Ainda, é importante ouvir de forma aberta e não defensiva a expressão dos sentimentos negativos do paciente em relação ao tratamento e ao terapeuta e avaliar sua corresponsabilidade8.
Da mesma forma, características do paciente e seu funcionamento, também podem colaborar para o desenvolvimento ou impedimento da AT. Um grupo de pesquisadores identificaram tipos de pacientes em relação ao desenvolvimento da aliança, eles classificaram os pacientes em três grupos: aqueles que não sabem por que estão fazendo psicoterapia, os queixosos que atribuem o motivo de seus problemas a questões externas e os clientes verdadeiros, que procuram ajuda para aprender a resolver seus problemas. Dessa forma, entendese que os dois primeiros tipos precisam de maior investimento na aliança, a fim de ser possível aprofundar e dar continuidade a seu processo psicoterapêutico, incluindo o contexto online, no qual as falhas tecnológicas podem impactar na qualidade do trabalho ofertado.
No contexto da psicoterapia online, as pesquisas têm mostrado que a AT é preditora de resultados10, 11. Em relação aos elementos que constituem o desenvolvimento da aliança nesta modalidade, considera-se que o uso da empatia, apoio e disposição para falar mais sobre si na comunicação virtual tem a potencialidade de contribuir no estabelecimento de uma aliança tão robusta quanto a presencial12.
Um estudo pioneiro no Brasil sobre o tema comparou o desenvolvimento da aliança em dois grupos de psicoterapia de orientação psicanalítica, por Skype e presencial, e concluiu não existir diferença significativa nos níveis de aliança. Ainda, a pesquisa apresentou como temas associados à aliança, a presença, a confiança, a conexão, a compreensão e a participação do paciente13. Por outro lado, uma pesquisa qualitativa com psicoterapeutas psicodinâmicos que realizavam atendimentos online revelou que estes avaliam que o desenvolvimento da aliança neste contexto é possível, porém ocorre de forma mais lenta e trabalhosa em comparação com a modalidade presencial, o que demanda mais esforço e atenção do terapeuta14.
Apesar da psicoterapia online permitir o desenvolvimento da aliança e de um relacionamento psicoterapêutico, ela também pode ser limitada. Na abordagem online, o contato visual nem sempre é direto, dependendo do foco da câmera, e pode não possuir uma boa sincronização, gerando entraves na comunicação de modo que o relacionamento pode se desenvolver de forma insegura15. Diante disto o estilo do terapeuta pode influenciar na dificuldade assíncronas na comunicação, no manejo da situação em si, e na verificação de como o paciente está após o ocorrido16. É possível supor, portanto, que a psicoterapia online demande mais atividade do terapeuta de atenção, manutenção e reparação da aliança.
Neste sentido, destaca-se a importância de uma boa conexão de internet e equipamentos adequados. Além disso, outros ajustes podem ser necessários para que se instale um relacionamento terapêutico efetivo no formato online. Um exemplo é a presença e como ela acontece. Ela não é uma presença física, mas uma presença comunicativa, que considera os espaços individuais de reflexão do paciente e do terapeuta, mas também o espaço de troca e construção conjunta, a partir da interação que se estabelece entre eles17. Para desenvolver a presença, o terapeuta precisa adotar atitudes facilitadoras, tais como, maior atividade, regularidade do setting, e maior uso de comunicação gestual e facial14.
Com base nestas considerações este estudo teve como objetivo identificar os elementos que os pacientes consideram importantes para a formação da aliança nos processos de psicoterapia psicodinâmica online. Secundariamente o estudo visa contribuir para a prática da psicoterapia online baseada em evidências científicas.
Método
Delineamento
O estudo realizado foi qualitativo, transversal e exploratório. A escolha deste delineamento se deu por ser um tipo de estudo que visa estudar relações subjetivas e complexas18.
Participantes
O presente trabalho foi desenvolvido com seis pacientes que haviam recebido 24 sessões psicoterapia psicodinâmica online, por videoconferência, no contexto de um estudo do grupo de pesquisa com foco no processo-resultado desta modalidade de psicoterapia com pacientes ansiosos. Conforme os critérios de inclusão do estudo supramencionado, as entrevistadas, no início do tratamento, apresentavam sintomatologia de ansiedade moderada ou grave, conforme Generalized Anxiety Disorder19, eram domiciliadas na região metropolitana de Porto Alegre e não faziam uso de medicação psiquiátrica. Consideravam-se usuárias avançadas de tecnologia, pois não possuíam dificuldade para usar internet no computador. Além disso, utilizavam a internet e seus aplicativos quase todos os dias. Informações sociodemográficas sobre as pacientes podem ser encontradas na Tabela 1.
Uma coisa que eu questionei muito inicialmente 'será que vai ser seguro mesmo?' 'Será que vai ter aquele vínculo profissional-paciente?' [...]. Foi tudo muito explicado [...] foi me dado espaço no meu tempo certinho pra superar esses medos iniciais que eu tinha. [...]. Consegui me desenvolver bem e foi bem tranquilo de construir laços e conseguir superar tudo isso (Talita).
[sobre quando se deu a superação do medo inicial com o tratamento] no momento em que a gente conversou né. Eu e a Elena [terapeuta] e ela me contou como seria ela me explicou direitinho e tal e daí nesse momento eu já fiquei mais tranquila com relação a isso assim - já tive mais confiança (Paula).
Eu senti que ela teve intervenções bem diretas que era bem o que eu estava precisando e rápidas assim sabe na primeira segunda sessão ela já me disse uma que outra coisa que já me marcou e ai e o processo aconteceu de uma maneira bem dinâmica assim isso foi uma coisa bem positiva (Daiana).
Com essa terapeuta [atual, em relação ao psicoterapeuta anterior] eu não sabia absolutamente nada sobre a vida dela fora do contexto terapêutico e eu gosto disso enfim é algo que eu nunca tinha experienciado. Eu tive duas experiências de terapia antes desse momento e nas duas eu tinha essa sensação de que eu perdia meu espaço terapêutico para que o terapeuta falasse de si, isso me incomodava um pouco (Alessandra).
Tinha coisas que vinham depois né da sessão terminar assim. [...]. Depois que passava a sessão daí eu ficava tentando sei lá, analisar e fazer alguma reflexão sobre isso assim e daí eu trazia assim na outra sessão sabe e na seguinte [...] eu também fazia eu procurei fazer algumas anotações (Paula).
Foi mais dela com certeza porque inicialmente era uma coisa que eu não queria falar muito, mas depois que a gente começou a conversar e desenrolar toda a situação eu notei que era muito importante então quando eu notei que era muito importante que era o meu foco, que eu tinha que trocar de foco e literalmente pra poder superar isso eu comecei a conversar mais sobre essa situação da perda (Talita).
Eu percebo que talvez ela [terapeuta] realmente entendeu que eu estava preparada para ouvir essas questões e mexer nessas questões né que eu não ia fugir, que eu não ia ter medo que eu não ia né questionar nesse sentido assim e eu acho que isso foi bem importante dessa dela estar muito atenta a isso [...] (Daiana).
Facilitou bastante porque assim normalmente quando tu precisa te deslocar né até o lugar, dependendo do lugar onde tu mora, aquela coisa, tu vai ter ali 50 minutos de atendimento, mas às vezes tu precisa de uma hora antes e uma hora depois né pra se locomover até o lugar, então uns 50 minutos se transformam em três horas (Daiana).
[em relação a perder o sinal de internet durante uma crise de choro]: "A gente nunca chegou a perder o rumo da conversa, a única coisa que quando eu estava assim bem no ápice da minha emoção daí desligava daí tu para de chorar daí tu vai lá reinicia o troço volta né daí dá um tempinho ali até que aí eu voltava um pouco mais calma mas no mesmo rumo" (Renata).
[percepções referentes ao início do tratamento] Quando tu tá na no computador tu perde um pouco aquela questão, sei lá da leitura corporal assim né de como tu te posiciona e como o terapeuta tá se posicionando", já ao final do tratamento, "[...] eu acho que o que mais importa na verdade nesse quesito é a troca né, é a troca naquele horário de conteúdos né assim tão pessoais, esse é o mais importante da relação né pra mim, não só essa questão física (Daiana).
É difícil né a gente lidar com coisas que nos incomodam né, é bem complicado. E daí no começo assim eu ficava meio resistente pra falar alguma coisa porque eu sabia que eu ia ter que mexer em alguma coisa que ia me doer. Mas conforme a sessão ia passando assim nossa no final de cada sessão eu tava sempre muito diferente sabe a sensação assim era de aí eu não sei um alívio sabe tão grande que eu me sentia muito melhor (Paula).
Às vezes eu estava surtada e daí ela [a terapeuta] estava me olhando assim com aquela carinha e sabe que só de olhar assim ela daí eu pensava 'cara tu tá surtando por nada' daí ela começava a me falar a me explicar as situações a me dar as consequências a enfim, a me explicar sobre as coisas que eu estava falando e aquilo já me acalmava assim já - já fazia eu parar de agir impusionalmente e a raciocinar sobre o que eu estava falando e o que eu estava fazendo por que que eu estava chorando (Renata).
[...] eu me enxergava muito incapaz, eu me enxergava muito insuficiente então quando eu comecei [...] a me valorizar começou a dar resultados de outras várias formas, quando eu comecei a não ser dependente tanto da minha mãe e da minha chefe de estar o tempo inteiro correndo pra elas esperando que elas me defende me defendessem e quando eu comecei a me defender sozinha é eu comecei a criar mais forças e eu comecei a crescer tanto no meu lado pessoal da minha vida quanto ao meu lado profissional (Renata).
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