Rev. bras. psicoter. 2025; 26(1):37-39
Braga DT, Fabris RC, Cima MS, Petry M. Incertezas ambientais e suas consequências psicológicas: estratégias de resiliência para um futuro sustentável. Rev. bras. psicoter. 2025;26(1):37-39
SEÇÃO ESPECIAL
Incertezas ambientais e suas consequências psicológicas: estratégias de resiliência para um futuro sustentável
Incertezas ambientais e suas consequências psicológicas: estratégias de resiliência para um futuro sustentável
Daniela Tusi Bragaa,b,c; Raul Costa Fabrisd; Marcos da Silveira Cimae; Milene Petryf
A intolerância à incerteza é um inimigo silencioso da saúde mental, capaz de alimentar medos irracionais, conectar sintomas de ansiedade e depressão em uma espiral devastadora e roubar a capacidade de encontrar estabilidade em meio ao caos1. Pessoas com baixa tolerância à incerteza vivem em constante estado de alerta, lidando com pensamentos catastróficos e um senso de vulnerabilidade elevado. Esse traço não é apenas uma característica individual, mas um fator de risco significativo para a saúde mental, com implicações em diversas áreas: emocional (ansiedade e medo), cognitiva (ruminação e preocupações excessivas) e comportamental (evitação e congelamento). A ligação direta da intolerância à incerteza com transtornos como ansiedade generalizada (TAG), transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e depressão2,3 reforça a urgência de incluí-la como alvo central em intervenções psicoterapêuticas4.
As enchentes de maio de 2024 no sul do Brasil, em especial no Rio Grande do Sul, ilustram de forma alarmante como desastres naturais amplificam a vulnerabilidade das comunidades afetadas. Mais de 420 mil pessoas foram deslocadas, e os impactos imediatos, como mortes e ferimentos, foram seguidos por consequências psicológicas a longo prazo. Estudos indicam que eventos como inundações podem desencadear e agravar transtornos como TEPT, ansiedade e depressão, além de intensificar o sofrimento psicológico devido ao medo constante de futuros desastres5,6. Nesse cenário, a percepção de risco, somada à ansiedade antecipatória, exacerba os impactos emocionais e compromete a capacidade das pessoas de reconstruírem suas vidas com resiliência4.
A intolerância à incerteza desempenha um papel crucial nesse contexto, pois amplifica o sofrimento ao tornar o desconhecido insuportável e ameaçador. A falta de previsibilidade alimenta a ansiedade e reduz a autoeficácia, dificultando tanto a adaptação individual quanto a coesão comunitária. Assim, abordar essa questão não é apenas uma necessidade clínica, mas uma estratégia fundamental de saúde pública para mitigar os impactos emocionais de desastres naturais. A percepção dos riscos atuais e futuros relacionados à crise climática pode desencadear uma variedade de respostas emocionais e cognitivas, como impotência, apatia, tristeza, luto e ansiedade. Essas reações têm sido agrupadas na literatura sob o termo "emoções climáticas", com a ecoansiedade destacando-se como uma das mais estudadas atualmente7. A ecoansiedade é definida como um estado emocional e mental associado a uma maior consciência das mudanças climáticas, caracterizado por sentimentos de tristeza, apreensão e impotência diante das ameaças futuras8-10. A maior parte das apresentações de ecoansiedade aparenta não ser uma manifestação patológica. Formas paralisantes desse estado de alerta podem representar um processo disfuncional e mal-adaptativo, mas, em geral, tal fenômeno parece refletir o papel evolutivo do estresse e da incerteza na comunidade11, desde que identificado e manejado adequadamente pela sociedade e seus agentes. Assim, estratégias de resiliência tornam-se essenciais para a construção de um futuro sustentável.
Resiliência é definida como a capacidade do indivíduo ou comunidade de enfrentar, absorver e se adaptar a adversidades, mantendo sua funcionalidade, estrutura e identidade essencial, mesmo diante de pressões significativas12. Essa habilidade, que pode ser treinada, permite não apenas a recuperação após situações de estresse, mas também a reorganização de recursos internos e externos para lidar de forma eficaz com desafios futuros. Na esfera pessoal, a resiliência envolve a regulação emocional, a capacidade de aprendizado a partir de experiências difíceis e a busca de equilíbrio, transformando adversidades em oportunidades de crescimento.
Aceitar os riscos e incertezas associados às mudanças climáticas é um passo fundamental para mitigar os impactos negativos sobre a saúde mental. Estratégias como a prática de mindfulness, exercícios físicos regulares, engajamento social e busca por apoio comunitário podem fortalecer a resiliência e promover um senso de controle em meio ao caos. Educar-se sobre os desafios ambientais e participar de ações coletivas também ajudam a canalizar a ecoansiedade para mudanças positivas, transformando a preocupação em impulso para soluções práticas. O uso de técnicas cognitivas e comportamentais9, como gerenciamento do estresse e exercícios de relaxamento, contribui para desenvolver uma mentalidade de aceitação dos riscos e adversidades, reduzindo o impacto do sofrimento causado pela incerteza.
Por fim, o fortalecimento da resiliência individual e comunitária não apenas melhora a saúde mental, mas também cria uma base para lidar com adversidades futuras de forma proativa. A mobilização de recursos pessoais e sociais, como apoio de redes comunitárias e entidades governamentais, é essencial para promover a adaptação a riscos ambientais. Ferramentas tecnológicas, como aplicativos, têm se mostrado promissores para complementar essas estratégias, ajudando indivíduos a monitorar e gerenciar suas respostas emocionais de maneira responsável e eficiente. Assim, trabalhar com a aceitação dos riscos da incerteza, aliada ao engajamento e à resiliência, oferece um caminho para enfrentar os desafios climáticos com maior equilíbrio e esperança4.
Referências
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02. Carleton R, Mulvogue M, Thibodeau M, McCabe R, Antony M, Asmundson G. Increasingly certain about uncertainty: Intolerance of uncertainty across anxiety and depression. Journal of anxiety disorder. 2012; 26(3), 468-479.
03. McEvoy P, Hyett M, Shihata S, Price J, Strachan L. The impact of methodological and measurement factors on transdiagnostic associations with intolerance of uncertainty: A meta-analysis. Clin Psychol Rev. 2019;73:101778.
04. Fothergill LJ, Disney AS, Wilson EE. A qualitative exploration of the psychological impacts of living with the uncertainty of persistent flood risk. Public Health. 2021;198:141-5.
05. Fernandez A, Black J, Jones M, Wilson L, Salvador-Carulla L, Astell-Burt T, et al. Flooding and mental health: a systematic mapping review. PLoS One. 2015;10(4):e0119929.
06. Greene G, Paranjothy S, Palmer SR. Resilience and vulnerability to the psychological harm from flooding: the role of social cohesion. Am J Public Health. 2015 Sep;105(9):1792-5.
07. Pihkala P. Toward a taxonomy of climate emotions. Front Clim. 2022;3:738154.
08. Clayton S, Manning C, Krygsman K, Speiser M. Mental health and our changing climate: impacts, implications, and guidance. ecoAmerica; 2017.
09. Baudon P, Jachens L. A scoping review of interventions for the treatment of eco-anxiety. Int J Environ Res Public Health. 2021 Sep 13;18(18):9636.
10. Pihkala P. Climate Anxiety. Helsinki: MIELI Mental Health Finland; 2019. 25 p.
11. Pihkala P. Anxiety and the ecological crisis: an analysis of eco-anxiety and climate anxiety. Sustainability. 2020;12.
12. Furberg M, Evengård B, Nilsson M. Facing the limit of resilience: perceptions of climate change among reindeer herding Sami in Sweden. Glob Health Action. 2011;4.
aLaboratory of Molecular Psychiatry, Centro de Pesquisa Experimental (CPE) and Centro de Pesquisa Clínica (CPC), Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Porto Alegre/RS - Brazil
bUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, School of Medicine, Graduate Program in Psychiatry and Behavioral Sciences, Department of Psychiatry, Porto Alegre/RS - Brazil
cInstituto de Neurociências e Terapias Cognitivas (INTCognitivas), Porto Alegre/RS - Brazil
dEscola de Medicina, PUCRS - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre/RS - Brazil
eHospital Psiquiátrico São Pedro, Porto Alegre/RS - Brazil
fMestrado Profissional em Saúde Mental e Transtornos Aditivos, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre/RS - Brazil
Autor correspondente
Daniela Tusi Braga
dtbraga@gmail.com
Submetido em: 01/12/2024
Aceito em: 20/12/2024
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