Rev. bras. psicoter. 2023; 25(3):147-155
Falcão AB, Pianca TG. Reflexão a respeito da resposta clínica ao uso de clozapina no controle da agitação e agressividade em um adolescente de 16 anos com deficiência intelectual grave: um relato de caso. Rev. bras. psicoter. 2023;25(3):147-155
Relato de Caso
Reflexão a respeito da resposta clínica ao uso de clozapina no controle da agitação e agressividade em um adolescente de 16 anos com deficiência intelectual grave: um relato de caso
Reflection on the clinical response to the use of clozapine to control agitation and aggressiveness in a 16-year-old adolescent with severe intellectual disability: a case report
Reflexión sobre la respuesta clínica al uso de clozapina para controlar la agitación y la agresión en un adolescente de 16 años con discapacidad intelectual severa: reporte de un caso
Arthur Bezerra Falcão, Thiago Gatti Pianca
Resumo
Abstract
Introdução
O termo deficiência intelectual (DI), mais comumente chamado de retardo mental no passado, é definido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma condição de desenvolvimento interrompido ou incompleto da mente, caracterizado especialmente pelo comprometimento de habilidades manifestadas durante o período de desenvolvimento, que contribuem para o nível global de inteligência, isto é, cognitivas, de linguagem, motoras e habilidades sociais1. Esta deficiência se origina antes dos 18 anos de idade. Uma metanálise que avaliou a prevalência de DI no mundo concluiu que a prevalência média é em torno de 1%, sendo maior no sexo masculino, tanto em adultos quanto em crianças e adolescentes. O mesmo estudo observou que, entre os adultos, a proporção do sexo feminino para masculino variou entre 0,7: 1 e 0,9: 1, enquanto nas crianças e adolescentes, variou entre 0,4:1 e 1:1. As taxas variaram conforme a renda, sendo maior a prevalência nos países de baixa e média renda, nos quais as taxas são quase duas vezes maiores que nos países de alta renda2. De acordo com a gravidade do atraso de desenvolvimento no funcionamento intelectual, nos déficits na função adaptativa social e do quociente de inteligência (QI), são descritos quatro níveis de gravidade de DI3:
- Profundo: QI geralmente inferior a 20. Responde por 1% a 2% de todos os casos. Existe a incapacidade de cuidar de si mesmo e a ausência de linguagem. A capacidade de expressar emoções é limitada e pouco compreendida. Convulsões, deficiências físicas e expectativa de vida reduzida são comuns.
- Grave: QI geralmente entre 20 e 34. Representa 3% a 4% de todos os casos. Existe atraso em cada aspecto do desenvolvimento nos primeiros anos. Tais indivíduos têm dificuldade de pronunciar palavras e possuem um vocabulário muito limitado. Através de considerável prática e tempo, eles podem ganhar habilidades básicas de auto-ajuda, mas ainda precisam de apoio na escola, em casa e na comunidade.
- Moderado: QI geralmente entre 35 e 49. Responde por cerca de 12% de todos os casos. A capacidade de aprender e pensar de forma lógica são prejudicadas, mas estes indivíduos são capazes de comunicar e cuidar de si mesmos com algum apoio. Com supervisão, eles podem realizar trabalhos não qualificados ou semiqualificados.
- Leve: QI geralmente entre 50 e 69. Correspondem a cerca de 80% de todos os casos. Apresentam desenvolvimento durante o início da vida mais lento do que as crianças normais e atraso nos marcos de desenvolvimento. Contudo, tais indivíduos são capazes de se comunicar e aprender habilidades básicas. Existe prejuízo na capacidade de usar conceitos abstratos, analisar e sintetizar, mas eles podem adquirir habilidades de leitura e informática. Podem realizar trabalho doméstico, cuidar de si e fazer trabalho não qualificado ou semiqualificado. Geralmente requerem algum apoio.
Além das dificuldades de aprendizado presentes nos indivíduos com DI, o comportamento desafiador e agressivo é uma outra situação clínica comum nestes casos, sendo um problema significativo desde a infância até a vida adulta e ocorrendo em todos os níveis de funcionamento intelectual, especialmente nos casos mais graves de DI. Estudos indicam uma variação na prevalência de comportamentos desafiadores, como automutilação e agressão, de 10 a 20% de todas as pessoas com DI4. Em relação à prevalência de agressividade na população pediátrica com DI, um estudo longitudinal avaliou o comportamento autolesivo, agressivo e destrutivo de 417 crianças com DI grave que possuem idade entre 2 e 12 anos. Os dados foram coletados por professores em duas ocasiões separadas por 15 a 18 meses. Observou-se que agressão, destruição e automutilação foram persistentes (69%, 57% e 58% respectivamente). Também foi visto que comportamentos e interesses repetitivos e restritos e hiperatividade/impulsividade foram significativamente associados com agressão, destruição e/ou autolesão, concluindo-se que estes últimos sintomas são marcadores de risco para o início de automutilação, agressão e destruição dentro do já alto grupo de risco de crianças com DI grave5.
Um artigo de revisão avaliou a prevalência de agressividade e automutilação em indivíduos com DI ao longo da vida. Em relação à automutilação, observou-se que o risco relativo parece aumentar significativamente com a idade até aproximadamente 30-40 anos, ponto em que o risco começa a diminuir, indicando uma associação curvilínea entre automutilação e idade. A prevalência de agressão também parece aumentar com a idade até a meia-idade, embora essa relação tenha sido encontrada em menos estudos desta revisão4. Um outro estudo avaliou a prevalência e a gravidade de cinco tipos de comportamentos agressivos em 3.165 homens e mulheres adultos (a partir dos 18 anos de idade, com idade média de 40,63 anos) com DI que receberam serviços de três agências de reabilitação em Québec, pesquisando seus cuidadores usando a Escala de Agressividade Manifestada Modificada. Identificou-se que a prevalência de comportamento agressivo em 12 meses foi de 51,8%: 24% danos materiais, 37,6% verbal, 24,4% auto-orientado, 24,4% agressão física e 9,8% comportamento sexualmente agressivo, sendo a maioria de gravidade leve. Apenas 4,9% dos indivíduos apresentaram comportamento agressivo levando à lesão da vítima. Poucas diferenças de gênero foram observadas6.
A clozapina é um antipsicótico que age nos receptores dopaminérgicos, serotoninérgicos, alfaadrenérgicos, muscarínicos e histaminérgicos. Foi o primeiro antipsicótico atípico a ser desenvolvido. Este psicofármaco apresenta algumas vantagens em comparação com outros antipsicóticos, dentre estas o fato de não produzir efeitos extrapiramidais significativos, não elevar os níveis de prolactina e não induzir discinesia tardia com seu uso prolongado7.
Uma metanálise comparou a eficácia da clozapina com a de antipsicóticos de primeira e segunda geração no tratamento da esquizofrenia refratária. Foi observado que a clozapina foi superior para sintomas positivos tanto a curto como a longo prazo. A curto prazo, apenas esta medicação foi superior às demais para sintomas totais e negativos, com maiores taxas de resposta8. Uma outra metanálise que reuniu 212 estudos com dados de 43.049 pacientes (idade média dos participantes de 38,4 anos) comparou a eficácia e a tolerabilidade de 15 antipsicóticos no tratamento da esquizofrenia. Neste estudo, identificou-se que a clozapina foi o psicofármaco mais eficaz em comparação ao placebo, cuja diferença média padronizada com intervalo de confiança de 95% foi 0,88 (0,73-1,03), seguida da amissulprida 0,66 (0,53-0,78), olanzapina 0,59 (0,53-0,65) e risperidona 0,56 (0,50-0,63)9. Além disso, destaca-se que esta é a única medicação aprovada pelo Federal Drug Administration (FDA) para a redução do risco de comportamento suicida em pacientes com esquizofrenia ou transtorno esquizoafetivo10.
Estudos também já demonstraram o papel da clozapina na redução da agressividade e da hostilidade em esquizofrênicos. Uma metanálise com 18 estudos randomizados adequados comparou o uso de antipsicóticos típicos e atípicos por pelo menos 4 semanas no tratamento da hostilidade em pacientes adultos com transtornos psicóticos. Os resultados mostraram um efeito pequeno (0,26), mas significativo, para os antipsicóticos atípicos em relação aos típicos, embora a dose média dos antipsicóticos típicos fosse maior. Uma análise comparando a clozapina com antipsicóticos típicos mostrou um tamanho de efeito moderado (0,415)11.
Estudos sobre o uso da clozapina em outros contextos clínicos já foram realizados. Um exemplo disto ocorre no transtorno bipolar. Uma metanálise identificou que a eficácia desta medicação foi semelhante à de outros antipsicóticos em episódios maníacos, mas foi superior nos casos resistentes a outros tratamentos12.
Apesar da grande eficácia, a clozapina tem sido subutilizada nos Estados Unidos devido aos seus efeitos adversos potencialmente graves, à dificuldade em iniciá-la de forma segura, à necessidade de monitorização sanguínea regular e à natureza geralmente desorganizada dos pacientes que requerem seu uso. Isto acaba ocasionando o uso de altas doses de outros antipsicóticos, muitas vezes em polifarmácia, o que aumenta a probabilidade de efeitos adversos e, muitas vezes, gera uma melhora somente limitada do quadro psiquiátrico dos pacientes8.
Embora a eficácia da clozapina no tratamento da esquizofrenia8,9,11 e do transtorno bipolar12 já tenha sido comprovada, existem poucos estudos até o momento demonstrando seu uso em outras psicopatologias, apesar do uso off-label em inúmeras situações. Um destes exemplos é no tratamento da agitação e agressividade relacionadas à deficiência intelectual. Tal utilização é comumente realizada em nosso meio, embora não esteja regulamentada em nível de saúde pública e não existam diretrizes oficiais que recomendem este uso. Também cabe ressaltar que o número de estudos com clozapina na população pediátrica é ainda menor, fazendo-se necessária uma maior visibilidade sobre este tema.
Pensando na paucidade de estudos sobre o uso da clozapina na deficiência intelectual e no manejo muitas vezes desafiador das alterações comportamentais nestes pacientes, buscou-se discorrer, no caso a ser descrito, sobre um adolescente de 16 anos com DI grave, secundária a uma malformação cerebral, que obteve uma resposta satisfatória no controle da agitação e agressividade com o uso da clozapina. Após o relato do caso, seguiu-se uma discussão sobre as evidências atuais do uso deste psicofármaco em outros contextos clínicos além da esquizofrenia e do transtorno bipolar.
Metodologia
O presente trabalho consiste no relato do caso de um adolescente em acompanhamento ambulatorial em um hospital terciário de Porto Alegre-RS. As fontes das informações do caso foram obtidas através do relato dos pais do paciente e da revisão do seu prontuário eletrônico.
Para a discussão sobre o tema do trabalho, foi realizada uma pesquisa nas bases de dados Pubmed e Embase utilizando os seguintes termos: clozapine, aggressive behavior, intellectual disability, mental retardation e child and adolescent. Não houveram restrições quanto ao ano das publicações, idiomas ou tipo de estudo.
Foi realizado um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e este foi entregue e assinado pelos familiares do paciente para a publicação deste artigo. O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (CAAE 72128123.3.0000.5327).
Relato de caso
Trata-se de um paciente do sexo masculino com 16 anos de idade, portador de deficiência intelectual grave e epilepsia secundárias à uma malformação cerebral (embriopatia diabética, conforme avaliação da genética médica), que está em acompanhamento em um ambulatório especializado em psiquiatria da infância e adolescência de um hospital terciário de Porto Alegre desde os 6 anos de idade. Segundo os familiares, desde pequeno, o paciente vinha apresentando crises frequentes de agitação e agressividade, que ocorrem principalmente ao ser contrariado ou quando não recebe atenção (nestes momentos, também ocorrem episódios de auto e heteroagressão). Além disso, o paciente estava mais hipersexualizado recentemente, chegando a se masturbar em locais públicos e a tocar nos genitais de familiares e desconhecidos. Tais sintomas haviam se intensificado após o início da puberdade.
Para o tratamento do quadro supracitado, a princípio, foram tentadas técnicas de manejo comportamental com o paciente e a família, porém não foi obtido sucesso, e, então, foram prescritos psicofármacos. Inicialmente, foi prescrito haloperidol (fez uso de até 15mg/dia por algumas semanas, mas não teve uma resposta satisfatória e não tolerou doses maiores por apresentar sintomas extrapiramidais). Devido a isso, foi realizada troca do antipsicótico para risperidona (até 6mg/dia) e, posteriormente, olanzapina (até 30mg/dia), ambos utilizados por tempo adequado e de forma regular. Entretanto, o paciente não obteve melhora significativa do quadro neuropsiquiátrico com o uso destas medicações.
Considerando a refratariedade do caso, optou-se pelo início de clozapina (paciente tinha 15 anos de idade quando a iniciou). Após o início deste psicofármaco, segundo os familiares, o paciente evoluiu com melhora considerável das alterações de comportamento. Os pais relataram que, à medida que a dose da clozapina foi progressivamente aumentada, as crises de agitação e agressividade se tornaram menos frequentes e mais controláveis, porém não houve melhora da hipersexualidade, razão pela qual foi iniciado finasterida. Quanto aos efeitos adversos da medicação, ele apresentou enurese noturna (2-3 vezes por semana), aumento do apetite (sem alterações metabólicas associadas) e sialorreia, este último sintoma melhorado com a administração de colírio de atropina sublingual (3 gotas, 2 vezes ao dia). Não houve alterações cardiovasculares, agranulocitose, retorno das crises epilépticas ou outros efeitos adversos potencialmente graves durante o período de uso da clozapina. Apesar dos efeitos adversos, o paciente aceita bem o uso da medicação. No momento, o paciente está em uso de clozapina 600mg/dia, ácido valproico 1500mg/dia (iniciado há vários anos para tratamento da epilepsia), clorpromazina 200mg/dia e finasterida 10mg/dia. A clorpromazina foi iniciada para não precisar aumentar a dose de clozapina, visto que, mesmo com 600mg/dia desta última medicação, o paciente ainda apresentava algumas alterações de comportamento e já manifestava alguns efeitos adversos, os quais poderiam se agravar com o aumento da dose.
Discussão
Uma revisão de literatura sobre a psicofarmacoterapia do comportamento disruptivo na DI em crianças e adultos identificou que as medicações de escolha são as mesmas utilizadas em sujeitos sem DI. A maioria dos estudos incluídos nesta revisão destacou o uso da risperidona no controle do comportamento autoagressivo e de outros problemas de comportamento presentes na DI e no autismo. Antidepressivos, anticonvulsivantes, estimulantes e ansiolíticos também foram efetivos no tratamento do comportamento disruptivo. Recomendouse que, para indivíduos mais jovens ou mais idosos, sejam iniciadas doses baixas e se faça um aumento gradual das medicações13.
Uma metanálise que analisou 14 estudos incluindo 912 crianças com DI identificou que os antipsicóticos parecem ser efetivos na redução das alterações comportamentais deste grupo de pacientes, embora acarretem um risco significativo de efeitos adversos, incluindo aumento da prolactina e ganho de peso14. Apesar da evidência dos antipsicóticos no manejo de alterações comportamentais em pacientes com DI, os estudos com clozapina nessa população ainda são escassos. Esse número é ainda menor na população pediátrica.
Um estudo retrospectivo sobre o uso de clozapina em adultos com DI foi conduzido com 24 pacientes. Destes, 67% apresentavam esquizofrenia, 17% transtorno esquizoafetivo e 8% transtorno bipolar. Os pacientes já não vinham bem há uma média de 6 anos e haviam utilizado em média quatro antipsicóticos anteriormente. A dose máxima média de clozapina foi de 488 mg. Os resultados na escala de impressão clínica global mostraram 29% bastante melhorado, 42% muito melhorado, 21% minimamente melhorado e 8% sem alteração. A droga necessitou de interrupção em quatro pacientes, três dos quais foram devido à agranulocitose15.
Um estudo realizado na Dinamarca, ao combinar os registros nacionais de saúde, identificou os pacientes daquele país com diagnóstico de DI que iniciaram tratamento com clozapina entre 1996 e 2012, totalizando uma quantidade de 405 pacientes (idade média de início de uso da clozapina de 40 anos). Após o início desta medicação, o número de internações psiquiátricas foi reduzido em 0,65 internações (IC 95%: 0,31-1,00), e os dias de internação foram reduzidos em 67,2 dias (IC 95%: 51,2-83,3), com diminuição semelhante para pacientes com DI sem comorbidade psiquiátrica. O tratamento com clozapina não reduziu o número de indivíduos com autoagressão intencional, incidentes de overdose ou uso concomitante de psicofármacos. Nos casos em que houve interrupção do tratamento com clozapina, o número de internações psiquiátricas aumentou em 0,57 internações (IC 95%: 0,01-1,12)16.
Quanto ao uso na população pediátrica, uma revisão de literatura com 57 artigos destacou a eficácia documentada da clozapina no manejo de sintomas psicóticos e não psicóticos refratários nesta faixa etária, com destaque para a esquizofrenia de início precoce não controlada, o comportamento agressivo ou suicida e a patologia não psicótica grave. Contudo, os estudos incluídos nesta revisão eram geralmente pequenos, havendo pouca consistência sobre quando a clozapina foi prescrita, por quanto tempo foi administrada e por quanto tempo os pacientes foram acompanhados17.
É importante ressaltar que não há indicações do FDA para o uso da clozapina nas populações de crianças e adolescentes e o fabricante não lista recomendações estabelecidas para uso em crianças. Apesar disso, ela continua sendo utilizada em benefício dos pacientes jovens. Também vale salientar que pacientes pediátricos com patologia psicótica ou agressiva geralmente se recuperam com clozapina, mas o fazem com o risco de efeitos adversos crônicos e debilitantes, como síndrome metabólica e um perfil de efeitos colaterais maior em relação à população adulta17.
O uso da clozapina no controle da agressividade também já foi estudado, tendo sido mais bem documentado na esquizofrenia. Um estudo retrospectivo avaliou as mudanças de comportamentos agressivos em 13 pacientes (21 ± 5 anos de idade) com autismo tratados com clozapina entre 2011 e 2017. Os comportamentos disruptivos foram monitorados de 1 a 6 meses antes e após o início da medicação. Observou-se que a clozapina resultou em uma diminuição significativa do número de dias com agressão, e nenhum efeito adverso grave foi observado. Desta forma, identificou-se que esta medicação foi eficaz e bem tolerada no tratamento do comportamento agressivo irresponsivo ao uso de outros antipsicóticos neste grupo de pacientes18.
Um outro estudo retrospectivo avaliou pacientes admitidos na emergência de um hospital neuropsiquiátrico da Romênia entre 2010 e 2019 que foram tratados com clozapina devido ao comportamento agressivo. Dos 19.000 pacientes admitidos naquele período, 504 (2,4%) com diagnóstico diferente de esquizofrenia ou transtorno esquizoafetivo receberam clozapina para agressividade (89,5%). Os quatro primeiros diagnósticos identificados foram transtorno bipolar (n = 172), deficiência intelectual (n = 128), comprometimento cognitivo (n = 112) e transtorno de personalidade (n = 92). Outras psicopatologias identificadas foram transtorno depressivo maior (n = 3), transtorno de ajustamento (n = 2), transtorno delirante (n = 2), transtorno obsessivocompulsivo (n = 2) e psicose pós-parto (n = 1). A clozapina foi utilizada como 3ª ou 4ª droga de escolha. Observou-se neste estudo que a dose da medicação foi maior para pacientes maníacos (350,29 ± 98,01 mg/ dia) em comparação com todos os outros diagnósticos. Também foi possível concluir que a clozapina foi eficaz e segura em pacientes com comportamento agressivo refratário a outros tipos de tratamento19.
Conclusões
Dessa forma, apesar de haver poucos estudos demonstrando a associação entre o uso de clozapina e a melhora do comportamento agressivo de pessoas com DI, o caso supracitado apresentou refratariedade às medicações mais estudadas para estes casos e obteve melhora considerável com o uso da clozapina, bem como uma boa tolerabilidade à medicação. Portanto, torna-se necessário a realização de mais estudos para que se possa reforçar o embasamento dessa associação.
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Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência - Porto Alegre / RS - Brasil
Autor correspondente
Arthur Bezerra Falcão
arthurfalcao93@gmail.com / E-mail alternativo: abfalcao@hcpa.edu.br
Submetido em: 05/10/2023
Aceito em: 09/06/2024
Conflito de interesses: Declara-se ausência de conflito de interesse. Não houve apoio financeiro para a publicação deste trabalho.
Contribuições: Arthur Bezerra Falcão - Investigação, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição;
Thiago Gatti Pianca - Gerenciamento do Projeto, Supervisão.
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