Rev. bras. psicoter. 2023; 25(3):103-114
Polli GM, Sampaio EVQ. A terapia cognitivo comportamental no tratamento da obesidade: revisão sistemática. Rev. bras. psicoter. 2023;25(3):103-114
Artigos de Revisao
A terapia cognitivo comportamental no tratamento da obesidade: revisão sistemática
Cognitive behavioral therapy in the treatment of obesity: a systematic review
Terapia cognitivo conductual en el tratamiento de la obesidad: una revisión sistemática
Gislei Mocelin Polli, Erik Vinicius Querolin Sampaio
Resumo
Abstract
Resumen
Introdução
A organização Mundial de Saúde1 define a obesidade como acúmulo de gordura corporal de modo a comprometer a saúde física do indivíduo. É considerada com obesidade uma pessoa cujo índice de massa corporal (IMC), calculado como a divisão do peso, em quilogramas, pelo quadrado da altura, em metros, seja igual ou maior a 30kg/m2. Em 2016 a OMS indicou que 13% da população mundial com 18 anos ou mais estava com obesidade e 39% com sobrepeso (IMC entre 25 e 29,99 Kg/m2), o que indica que 52% da população mundial apresenta condições relacionados ao peso1. No Brasil, em 2019, 55,4% da população adulta estava com excesso de peso e 20,3% com obesidade2, o que indica uma prevalência ainda maior que da população mundial.
Levando em conta que o conceito ampliado de saúde adotado pela OMS considera a saúde como um completo estado de bem-estar físico, mental e social3, é importante discutir as consequências da obesidade para a saúde para além das condições físicas. Sabe-se que a obesidade é considerada fator de risco para desenvolvimento de doenças físicas como hipertensão arterial, diabetes, cardiopatias e diversos tipos de câncer, entre outras4,5. No entanto, a obesidade também apresenta fatores de riscos importantes para o bem-estar mental e social das pessoas. A relação entre a obesidade e os transtornos psicológicos vem sendo estudada e há uma forte associação entre obesidade, baixa autoestima, depressão ansiedade e transtornos alimentares, principalmente 6, 7. Do ponto de vista da saúde social, a obesidade interfere significativamente nos relacionamentos sociais, e está relacionada ao bullying e outras formas de preconceito 8-11 e no acesso aos espaços físicos, empregabilidade, tratamentos adequados de saúde etc.12,13.
Considerando os prejuízos advindos da obesidade para a saúde física, mental e social, muitas formas de tratamento para obesidade foram sendo desenvolvidas nas décadas mais recentes. Os tratamentos para obesidade se dividem em convencionais (suporte nutricional, físico e psicológico), farmacológico e cirúrgico. É consenso entre profissionais de diversas áreas que o tratamento convencional deve ter por base intervenções multiprofissionais com objetivo de alterar o estilo de vida, gerando modificações nos hábitos alimentares e de atividades físicas14. No entanto, mudanças no estilo da vida não costumam ser fáceis, pois os hábitos a serem alterados tem lugar ao longo da vida e estão relacionados ao contexto social e cultural15, 6. Os tratamentos convencionais não costumam obter resultados satisfatórios, especialmente em virtude da baixa adesão5 e costumam ser percebidos como caros, difíceis e ineficazes4. Parte do insucesso dos tratamentos convencionais pode estar relacionada a uma expectativa irreal sobre o peso a ser atingido.
Em uma sociedade em que a beleza é fortemente associada a magreza e o corpo gordo é considerado feio, incapaz, ineficaz e fruto de uma falência pessoal7,9,12,13, muitas pessoas buscam uma magreza que não é compatível com a maior parte dos biótipos8. Ao olhar para o indivíduo com obesidade é preciso ter em conta um emagrecimento possível, compatível com seu corpo, para que a busca por um corpo inalcançável não se torne fonte de adoecimento. O medo de ganhar peso está associado à ocorrência de transtornos alimentares, ansiedade e depressão, insatisfação corporal, baixa satisfação com a vida e baixa autoestima6.
Os tratamentos psicoterapêuticos para obesidade podem ser parte de um trabalho multiprofissional e tem como objetivo a melhoria na qualidade de vida dos pacientes. Tem foco na saúde mental, buscando e redução do sofrimento e aumento do bem-estar, não se limitando a auxiliar na busca do emagrecimento 17. Dentre as diversas formas de psicoterapia que podem auxiliar no tratamento da obesidade, a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) tem apresentado contribuições relevantes, tanto no contexto individual como grupal18-20.
A TCC foi inicialmente desenvolvida por Aaron Beck para o tratamento da depressão e atualmente é aplicada ao tratamento de uma gama de transtornos mentais, apresentado ótimos resultados19. No tratamento da obesidade, o foco primário é a reestruturação cognitiva de crenças associada ao peso e à imagem corporal, para a qual são utilizadas diversas técnicas cognitivas. Já para a mudança dos hábitos alimentares, são utilizadas técnicas comportamentais como auto monitoração, técnicas para controle de estímulos, treinamento em resolução de problemas, além de técnicas de prevenção de recaídas21.
Entende-se que as pessoas com obesidade e sobrepeso apresentam crenças disfuncionais sobre o peso e a alimentação. Esquemas cognitivos decorrentes destas crenças podem levar a sentimentos de culpa e impotência, tristeza, ansiedade e preocupações que atrapalham relacionamentos sociais e podem levar ao desenvolvimento de transtornos psicológicos22. A TCC auxilia o paciente na compreensão de seus padrões de alimentação e dos fatores que influenciam esses padrões, possibilitando a reestruturação cognitiva e a modificação de estilo de vida que podem ser mantidas mesmo ao final do tratamento18.
Atualmente existem evidências dos ganhos advindos da TCC no tratamento de pessoas portadoras de obesidade. Aspectos físicos, psicológicos e sociais são favorecidos pelo tratamento individual19. No tratamento em grupo, a TCC propiciou melhora nos relacionamentos interpessoais, autoestima e bem-estar, redução de ansiedade e compulsão alimentar, bem como redução de peso22, tais mudanças estão relacionadas à reestruturação cognitiva e mudança do comportamento alimentar18.
Apesar de haver evidências de que a TCC pode contribuir no tratamento da obesidade, tanto no tratamento individual como em grupo, no Brasil há carência de publicações sobre o tema. Como forma de atualizar o conhecimento produzido, essa pesquisa bibliográfica pretendeu realizar uma revisão sistemática da literatura com o objetivo de realizar um levantamento das publicações que apresentam estudos sobre a utilização da Psicoterapia de base Cognitivo Comportamental para o tratamento da obesidade. Considerando que o contexto cultural possui grande importância na efetividade da psicoterapia, foram considerados estudos realizados no Brasil publicados em português, inglês e espanhol.
Método
O presente estudo trata de uma revisão sistemática da literatura científica, que apresenta o potencial de contribuir para a sistematização de publicações científicas sobre um assunto específico, favorecendo uma visão abrangente sobre a área investigada23. Foram utilizadas as diretrizes, procedimentos e recomendações do Relatório Preferencial para Revisões Sistemáticas e Meta-Análises (PRISMA)24. As buscas aconteceram no mês de outubro de 2022, e foram adaptadas às diferentes bases de dados: Scientific Eletronic Library Online (SciELO), Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePSIC), Periódicos CAPES e Web of Science, utilizando as seguintes palavras-chave: Obesidade OR sobrepeso OR emagrecimento AND "Terapia cognitiva comportamental" OR "Terapia cognitiva-comportamental" OR "Terapia cognitivo comportamental" OR "Terapia cognitivo comportamental" OR "Terapia cognitiva". O termo OR, foi utilizado para que fossem consideradas diferentes formas de se referir à Terapia Cognitivo Comportamental, a obesidade, sobrepeso e emagrecimento. O termo AND, foi utilizado para alcançar artigos que combinassem a TCC com obesidade, sobrepeso e emagrecimento. Foram utilizadas apenas palavras-chave em português porque o objetivo foi encontrar estudos realizados no Brasil. As palavras-chave utilizadas compõem o banco de dados de Descritores em Ciências da Saúde (DECS/ MeSH).
Para a inclusão dos artigos iniciais, que posteriormente foram triados conforme preconizado pelo procedimento PRISMA, o procedimento de busca utilizou como critérios de inclusão artigos publicados em periódicos científicos que tivessem como tema o tratamento ou prevenção da obesidade por meio da Terapia Cognitivo-Comportamental, apresentando dados sobre a intervenção realizada. Não foi estabelecido um período pré-determinado para os anos de publicação, tendo sido considerados todos os artigos que retornaram da pesquisa, independente da data de publicação. Como critério de exclusão foram considerados artigos cujo tema não contemplasse o objetivo proposto neste estudo, bem como, pesquisas não empíricas (estudos teóricos e de revisão), teses, dissertações, monografias, livros, relatórios, resumos expandidos, resenhas e outros documentos.
Resultados
A partir dos critérios estabelecidos para a revisão sistemática da literatura, foram identificados ao todo 57 materiais, dos quais 10 foram excluídos por duplicidade, dois por se tratar de resumos expandidos e sete por não terem sido realizados no Brasil, restando 38 artigos. Após a leitura dos títulos e resumos foram excluídos 28 textos. Três foram excluídos por não tratar de questões relacionadas à obesidade, cinco por não utilizar TCC, cinco por tratar de temas diferentes da proposta desta análise. Além disso, 15 estudos foram excluídos por serem teóricos, bibliográficos ou de revisão de literatura, totalizando 10 materiais para leitura integral. Após a leitura na íntegra de cada artigo, foram excluídos três deles. Os estudos de Finger and Oliveira25, de-Matos, Machado26 e Camargos, Montagnero27 não apresentavam relato de intervenção, totalizando sete artigos incluídos. A Figura 1 demonstra estas diferentes fases da revisão sistemática.
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