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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2023; 25(3):103-114



Artigos de Revisao

A terapia cognitivo comportamental no tratamento da obesidade: revisão sistemática

Cognitive behavioral therapy in the treatment of obesity: a systematic review

Terapia cognitivo conductual en el tratamiento de la obesidad: una revisión sistemática

Gislei Mocelin Polli, Erik Vinicius Querolin Sampaio

Resumo

A obesidade é um problema de saúde pública e além de trazer prejuízos à saúde física, compromete a saúde mental e social. A Terapia Cognitivo Comportamental tem o potencial de contribuir com o bem-estar geral no tratamento da obesidade. O objetivo desse estudo foi realizar uma revisão sistemática da literatura sobre a utilização da Psicoterapia de base Cognitivo Comportamental para o tratamento de pessoas portadoras de obesidade. Foram utilizadas as diretrizes PRISMA. Os dados foram coletados em outubro de 2022 nas bases de dados: Scientific Eletronic Library Online (SciELO), Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePSIC), Periódicos CAPES e Web of Science, utilizando as palavras-chave: Obesidade ou sobrepeso ou emagrecimento e "Terapia cognitivo comportamental". Sete trabalhos foram incluídos. Todos os estudos apontam modificações advindas das intervenções realizadas. Foram verificadas melhorias em aspectos relacionados à saúde física e mental, destacando a adoção de estilo de vida mais saudável, com mudanças nos hábitos alimentares e engajamento na realização de atividades físicas.

Descritores: Terapia cognitivo-comportamental; Psicoterapia; Obesidade

Abstract

Obesity is a public health problem and, in addition to harming physical health, it compromises mental and social health. Cognitive Behavioral Therapy has the potential to contribute to general well-being in the treatment of obesity. The PRISMA guidelines were used. The objective of this study was to carry out a systematic review of the literature on the use of Cognitive Behavioral Psychotherapy for the treatment of people with obesity. Data were collected in October 2022 in the databases: Scientific Electronic Library Online (SciELO), Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePSIC), CAPES Periodicals and Web of Science, using the keywords: Obesity or overweight or weight loss and "Therapy behavioral cognitive". Seven works were included. All studies point to changes arising from the interventions carried out. Improvements were observed in aspects related to physical and mental health, highlighting the adoption of a healthier lifestyle, with changes in eating habits and engagement in physical activities.

Keywords: Cognitive behavioral therapy; Psychotherapy; Obesity

Resumen

La obesidad es un problema de salud pública y, además de perjudicar la salud física, compromete la salud mental y social. La terapia cognitivo-conductual tiene el potencial de contribuir al bienestar general en el tratamiento de la obesidad. El objetivo de este estudio fue realizar una revisión sistemática de la literatura sobre el uso de la Psicoterapia Cognitivo Conductual para el tratamiento de personas obesas. Los datos fueron recolectados en octubre de 2022 en las bases de datos: Scientific Electronic Library Online (SciELO), Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePSIC), Periodicos CAPES y Web of Science, utilizando las palabras clave: Obesidad o sobrepeso o pérdida de peso y "Terapia cognitiva conductual". Se incluyeron siete obras. Todos los estudios apuntan a cambios derivados de las intervenciones realizadas. Se observaron mejoras en aspectos relacionados con la salud física y mental, destacándose la adopción de un estilo de vida más saludable, con cambios en los hábitos alimentarios y la realización de actividades físicas.

Descriptores: Terapia cognitivo-conductual; Psicoterapia; Obesidad

 

 

Introdução

A organização Mundial de Saúde1 define a obesidade como acúmulo de gordura corporal de modo a comprometer a saúde física do indivíduo. É considerada com obesidade uma pessoa cujo índice de massa corporal (IMC), calculado como a divisão do peso, em quilogramas, pelo quadrado da altura, em metros, seja igual ou maior a 30kg/m2. Em 2016 a OMS indicou que 13% da população mundial com 18 anos ou mais estava com obesidade e 39% com sobrepeso (IMC entre 25 e 29,99 Kg/m2), o que indica que 52% da população mundial apresenta condições relacionados ao peso1. No Brasil, em 2019, 55,4% da população adulta estava com excesso de peso e 20,3% com obesidade2, o que indica uma prevalência ainda maior que da população mundial.

Levando em conta que o conceito ampliado de saúde adotado pela OMS considera a saúde como um completo estado de bem-estar físico, mental e social3, é importante discutir as consequências da obesidade para a saúde para além das condições físicas. Sabe-se que a obesidade é considerada fator de risco para desenvolvimento de doenças físicas como hipertensão arterial, diabetes, cardiopatias e diversos tipos de câncer, entre outras4,5. No entanto, a obesidade também apresenta fatores de riscos importantes para o bem-estar mental e social das pessoas. A relação entre a obesidade e os transtornos psicológicos vem sendo estudada e há uma forte associação entre obesidade, baixa autoestima, depressão ansiedade e transtornos alimentares, principalmente 6, 7. Do ponto de vista da saúde social, a obesidade interfere significativamente nos relacionamentos sociais, e está relacionada ao bullying e outras formas de preconceito 8-11 e no acesso aos espaços físicos, empregabilidade, tratamentos adequados de saúde etc.12,13.

Considerando os prejuízos advindos da obesidade para a saúde física, mental e social, muitas formas de tratamento para obesidade foram sendo desenvolvidas nas décadas mais recentes. Os tratamentos para obesidade se dividem em convencionais (suporte nutricional, físico e psicológico), farmacológico e cirúrgico. É consenso entre profissionais de diversas áreas que o tratamento convencional deve ter por base intervenções multiprofissionais com objetivo de alterar o estilo de vida, gerando modificações nos hábitos alimentares e de atividades físicas14. No entanto, mudanças no estilo da vida não costumam ser fáceis, pois os hábitos a serem alterados tem lugar ao longo da vida e estão relacionados ao contexto social e cultural15, 6. Os tratamentos convencionais não costumam obter resultados satisfatórios, especialmente em virtude da baixa adesão5 e costumam ser percebidos como caros, difíceis e ineficazes4. Parte do insucesso dos tratamentos convencionais pode estar relacionada a uma expectativa irreal sobre o peso a ser atingido.

Em uma sociedade em que a beleza é fortemente associada a magreza e o corpo gordo é considerado feio, incapaz, ineficaz e fruto de uma falência pessoal7,9,12,13, muitas pessoas buscam uma magreza que não é compatível com a maior parte dos biótipos8. Ao olhar para o indivíduo com obesidade é preciso ter em conta um emagrecimento possível, compatível com seu corpo, para que a busca por um corpo inalcançável não se torne fonte de adoecimento. O medo de ganhar peso está associado à ocorrência de transtornos alimentares, ansiedade e depressão, insatisfação corporal, baixa satisfação com a vida e baixa autoestima6.

Os tratamentos psicoterapêuticos para obesidade podem ser parte de um trabalho multiprofissional e tem como objetivo a melhoria na qualidade de vida dos pacientes. Tem foco na saúde mental, buscando e redução do sofrimento e aumento do bem-estar, não se limitando a auxiliar na busca do emagrecimento 17. Dentre as diversas formas de psicoterapia que podem auxiliar no tratamento da obesidade, a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) tem apresentado contribuições relevantes, tanto no contexto individual como grupal18-20.

A TCC foi inicialmente desenvolvida por Aaron Beck para o tratamento da depressão e atualmente é aplicada ao tratamento de uma gama de transtornos mentais, apresentado ótimos resultados19. No tratamento da obesidade, o foco primário é a reestruturação cognitiva de crenças associada ao peso e à imagem corporal, para a qual são utilizadas diversas técnicas cognitivas. Já para a mudança dos hábitos alimentares, são utilizadas técnicas comportamentais como auto monitoração, técnicas para controle de estímulos, treinamento em resolução de problemas, além de técnicas de prevenção de recaídas21.

Entende-se que as pessoas com obesidade e sobrepeso apresentam crenças disfuncionais sobre o peso e a alimentação. Esquemas cognitivos decorrentes destas crenças podem levar a sentimentos de culpa e impotência, tristeza, ansiedade e preocupações que atrapalham relacionamentos sociais e podem levar ao desenvolvimento de transtornos psicológicos22. A TCC auxilia o paciente na compreensão de seus padrões de alimentação e dos fatores que influenciam esses padrões, possibilitando a reestruturação cognitiva e a modificação de estilo de vida que podem ser mantidas mesmo ao final do tratamento18.

Atualmente existem evidências dos ganhos advindos da TCC no tratamento de pessoas portadoras de obesidade. Aspectos físicos, psicológicos e sociais são favorecidos pelo tratamento individual19. No tratamento em grupo, a TCC propiciou melhora nos relacionamentos interpessoais, autoestima e bem-estar, redução de ansiedade e compulsão alimentar, bem como redução de peso22, tais mudanças estão relacionadas à reestruturação cognitiva e mudança do comportamento alimentar18.

Apesar de haver evidências de que a TCC pode contribuir no tratamento da obesidade, tanto no tratamento individual como em grupo, no Brasil há carência de publicações sobre o tema. Como forma de atualizar o conhecimento produzido, essa pesquisa bibliográfica pretendeu realizar uma revisão sistemática da literatura com o objetivo de realizar um levantamento das publicações que apresentam estudos sobre a utilização da Psicoterapia de base Cognitivo Comportamental para o tratamento da obesidade. Considerando que o contexto cultural possui grande importância na efetividade da psicoterapia, foram considerados estudos realizados no Brasil publicados em português, inglês e espanhol.

Método

O presente estudo trata de uma revisão sistemática da literatura científica, que apresenta o potencial de contribuir para a sistematização de publicações científicas sobre um assunto específico, favorecendo uma visão abrangente sobre a área investigada23. Foram utilizadas as diretrizes, procedimentos e recomendações do Relatório Preferencial para Revisões Sistemáticas e Meta-Análises (PRISMA)24. As buscas aconteceram no mês de outubro de 2022, e foram adaptadas às diferentes bases de dados: Scientific Eletronic Library Online (SciELO), Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePSIC), Periódicos CAPES e Web of Science, utilizando as seguintes palavras-chave: Obesidade OR sobrepeso OR emagrecimento AND "Terapia cognitiva comportamental" OR "Terapia cognitiva-comportamental" OR "Terapia cognitivo comportamental" OR "Terapia cognitivo comportamental" OR "Terapia cognitiva". O termo OR, foi utilizado para que fossem consideradas diferentes formas de se referir à Terapia Cognitivo Comportamental, a obesidade, sobrepeso e emagrecimento. O termo AND, foi utilizado para alcançar artigos que combinassem a TCC com obesidade, sobrepeso e emagrecimento. Foram utilizadas apenas palavras-chave em português porque o objetivo foi encontrar estudos realizados no Brasil. As palavras-chave utilizadas compõem o banco de dados de Descritores em Ciências da Saúde (DECS/ MeSH).

Para a inclusão dos artigos iniciais, que posteriormente foram triados conforme preconizado pelo procedimento PRISMA, o procedimento de busca utilizou como critérios de inclusão artigos publicados em periódicos científicos que tivessem como tema o tratamento ou prevenção da obesidade por meio da Terapia Cognitivo-Comportamental, apresentando dados sobre a intervenção realizada. Não foi estabelecido um período pré-determinado para os anos de publicação, tendo sido considerados todos os artigos que retornaram da pesquisa, independente da data de publicação. Como critério de exclusão foram considerados artigos cujo tema não contemplasse o objetivo proposto neste estudo, bem como, pesquisas não empíricas (estudos teóricos e de revisão), teses, dissertações, monografias, livros, relatórios, resumos expandidos, resenhas e outros documentos.


Resultados

A partir dos critérios estabelecidos para a revisão sistemática da literatura, foram identificados ao todo 57 materiais, dos quais 10 foram excluídos por duplicidade, dois por se tratar de resumos expandidos e sete por não terem sido realizados no Brasil, restando 38 artigos. Após a leitura dos títulos e resumos foram excluídos 28 textos. Três foram excluídos por não tratar de questões relacionadas à obesidade, cinco por não utilizar TCC, cinco por tratar de temas diferentes da proposta desta análise. Além disso, 15 estudos foram excluídos por serem teóricos, bibliográficos ou de revisão de literatura, totalizando 10 materiais para leitura integral. Após a leitura na íntegra de cada artigo, foram excluídos três deles. Os estudos de Finger and Oliveira25, de-Matos, Machado26 e Camargos, Montagnero27 não apresentavam relato de intervenção, totalizando sete artigos incluídos. A Figura 1 demonstra estas diferentes fases da revisão sistemática.




A Tabela 1 faz um apanhado com as principais características dos artigos incluídos na revisão sistemática. São apresentadas: a referência dos artigos, informações sobre os objetivos, as intervenções realizadas e as principais conclusões.




Todos os artigos analisados tiveram como objetivo avaliar a efetividade de programas desenvolvidos com base na Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) para tratamento da obesidade e temas relacionados. Um artigo teve como foco o tratamento do transtorno da compulsão alimentar periódica21. Os demais artigos tiveram como foco mudança de comportamento, adesão ao tratamento nutricional, emagrecimento, melhora na qualidade de vida e valorização do autocuidado.

Alguns estudos partiram de programas ou protocolos pré-definidos. O estudo de Duchesne, Appolinario21 utilizou o manual para compulsão alimentar e bulimia nervosa28 adaptado para formato de grupo, incluindo algumas estratégias de perda de peso. Ludwig, Bortolon29 realizaram uma adaptação para síndrome metabólica do manual de Velasquez, Maurer30, desenvolvido para o tratamento da dependência química. Duarte and Queiroz 31 realizaram uma intervenção com base no programa Pense Magro32. Os outros apresentam intervenções desenvolvidas com base na TCC com utilização de técnicas como: Psicoeducação, resolução de problemas, questionamento socrático, análise de evidências, reestruturação cognitiva, manejo de emoções, prevenção de recaída e cartões de enfrentamento. Além disso foram utilizadas técnicas de treinamento em habilidades sociais e registros alimentares.

Três intervenções estavam inseridas em programas interdisciplinares contando com nutricionistas, educadores físicos e fisioterapeutas. Todas as intervenções em TCC foram conduzidas por psicólogos e psicólogas. Um estudo descreve uma intervenção individual33, os outros seis artigos apresentam intervenções em grupo. O atendimento individual aconteceu semanalmente por 12 semanas. As intervenções em grupo variaram entre oito e 19 sessões. As sessões tiveram duração entre 60 e 120 minutos.

Os participantes foram homens e mulheres, com sobrepeso e obesidade. O estudo de Ludwig, Bortolon29 contou com participantes diagnosticados com síndrome metabólica. O estudo de Neufeld, Moreira22 incluiu também participantes eutróficos. Os estudos contaram com uma participante33 no relato de psicoterapia individual, e entre 11 e 50 participantes nos artigos que relatam intervenções em grupo. Foram realizadas intervenções em grupo com a participação de no mínimo quatro e no máximo 23 pessoas.

As intervenções foram avaliadas de forma qualitativa em quatro artigos22,29,31,34. Os demais artigos21,33,35 utilizaram medidas antropométricas e alguns testes e inventários como: Escala de compulsão alimentar (BES), The Structured Clinical Interview for DSM-IV Axis I Disorders, Patient Version (SCID I/P), Escala de Depressão de Beck (BDI), Body Shape Questionnaire (BSQ), Inventário Beck de Ansiedade (BAI) e Questionário de Qualidade de Vida SF-36, Escala HAD de Ansiedade e Depressão, teste de atitudes alimentares (EAT), escala de autoestima de Rosenberg (EAR) e escala Hamilton de ansiedade (EHA).

Todos os estudos apontam modificações advindas das intervenções realizadas. Algumas modificações são apontadas com base em interpretações qualitativas e outras mensuradas por meio dos testes e escalas utilizados. Redução de peso, IMC ou circunferência abdominal foram relatados em cinco estudos. Melhorias em aspectos relacionados à saúde mental, como àqueles relacionados à depressão, ansiedade e compulsão alimentar, foram verificadas em três estudos. Também foram destacadas a adoção de estilo de vida mais saudável, com mudanças nos hábitos alimentares e engajamento na realização de atividades físicas. Redução na preocupação com a forma e imagem corporal. Aumento da autoestima, sentimento de bem-estar, autoconfiança, autocontrole e autocuidado. Dois estudos relataram melhorias nos relacionamentos sociais e um deles relatou redução do medo.


Discussão

Este estudo procurou analisar intervenções realizadas com base na Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) para tratamento de pessoas com obesidade de modo a auxiliar na compreensão de fatores que podem contribuir para o alcance dos objetivos propostos. Considerando que as intervenções devem ser contextualizadas social e culturalmente, foram selecionadas apenas intervenções realizadas no Brasil. Foi possível perceber a escassez de artigos indexados que apresentem tais relatos.

Apesar do pequeno número de artigos analisados (sete), fica evidente a contribuição que a TCC pode apresentar frente ao tratamento da obesidade e condições associadas. Foram observadas reduções nos níveis de ansiedade e depressão entre os participantes de alguns estudos21,22,33. A obesidade está associada à problemas relacionados a saúde mental, especialmente ansiedade e depressão, além de transtornos alimentares6,7,27. O estudo de Duchesne, Appolinario21 indicou a efetividade da TCC em grupo para redução da compulsão alimentar.

Além disso, foram relatados ganhos em relação ao bem-estar geral dos participantes dos estudos, com destaque para o aumento da autoestima, autoconfiança, autocontrole e autocuidado. O excesso de peso e a obesidade causam prejuízos nos relacionamentos sociais, pois pessoas portadoras de obesidade costumam sofrer discriminação, bullying e exclusão social36-38. Os estudos de Neufeld, Moreira22 e Barreto, Cintra33 relatam melhoras nas relações e nas habilidades sociais a partir das intervenções realizadas.

Os ganhos para saúde física também ficam evidenciados nas intervenções analisadas. A mudança de estilo de vida, com adoção de hábitos mais saudáveis parece ser um dos principais benefícios advindos das intervenções com base na TCC. É importante ter em conta que a obesidade muitas vezes está associada à síndrome metabólica e pode ser condição predisponente para vários tipos de câncer5, condição que pode ser amenizada por mudanças no estilo de vida.

A partir dos estudos analisados, não foi possível realizar uma comparação entre a efetividade de programas realizados em grupo e programas realizados individualmente, tendo em vista que seis dos sete artigos analisados apresentam intervenções grupais. No entanto, a utilização de intervenções em grupo no contexto brasileiro pode multiplicar o número de pessoas beneficiadas, considerando que a psicoterapia individual não é acessível a maior parte da população. Intervenções grupais têm potencial de destacar a multidimensionalidade dos aspectos que estão relacionados à obesidade, pautado em uma não responsabilização individual. É importante que as intervenções para prevenção e redução da obesidade sejam contextualizadas e abrangentes, para que possam ser mais efetivas31.

Alguns dos artigos analisados pautaram sua avaliação da efetividade dos programas de intervenção em afirmações qualitativas. Tais constatações são válidas e contribuem para compreensão dos benefícios das intervenções realizadas. No entanto, é preciso reconhecer que alguns instrumentos poderiam fornecer medidas mais fidedignas para avaliação dos resultados do programa. É preciso ter em conta que programas de prevenção e tratamento da obesidade ou sobrepeso não possuem como único objetivo a redução de peso ou do IMC, o que ficou evidente nos estudos analisados. Os programas têm como objetivos a melhoria no bem-estar geral dos participantes e adesão a estilos de vida mais saudáveis.


Considerações finais

Analisar artigos que relatam intervenções para prevenção e tratamento do sobrepeso e da obesidade com base na Terapia Cognitivo Comportamental ajuda a compreender como essa condição é pensada no contexto sociocultural brasileiro. Entender a obesidade como uma condição que muitas vezes não pode ser totalmente revertida e a não responsabilização individual são pressupostos fundamentais para tratamentos efetivos.

As intervenções psicológicas, ou interdisciplinares, voltadas ao tratamento da obesidade não devem estar pautadas exclusivamente na redução do peso ou do IMC. Devem utilizar um olhar abrangente para a pessoa e para a sociedade. Compreender o contexto em que a pessoa está inserida e levar em conta que a obesidade, além de comprometer a saúde física e mental, compromete de maneira preponderante a saúde social. Para que seja efetiva, essa intervenção deve ter como foco a melhora no bem-estar geral dos participantes, considerando o bem-estar físico, mental e social. Estratégias para mudanças de hábitos que levem à perda de peso devem estar associadas a estratégias voltadas à melhoria da saúde mental e dos relacionamentos sociais.

A análise realizada possibilitou compreender que no Brasil as intervenções realizadas por meio da TCC para tratamento do sobrepeso e da obesidade estão pautadas principalmente em intervenções grupais. Muitas vezes sua efetividade é avaliada apenas de forma qualitativa, portanto, seria importante que novas intervenções utilizassem instrumentos para mensurar alguns indicativos de ganhos advindos do tratamento no momento pré e pós-intervenção e, se possível, com follow up, para observar se os ganhos se mantiveram ao longo do tempo. Esse tipo de avaliação ajudaria a demonstrar os benefícios da intervenção, apontando caminhos para aperfeiçoamento e desenvolvimentos futuros.

Esse estudo apresenta algumas limitações na medida em que não procurou avaliar a efetividade de cada um dos programas relatados. Novos estudos de revisão ou metanálise poderiam propor formas padronizadas de avaliação, contribuindo para o desenvolvimento de um protocolo para intervenções voltado ao tratamento da obesidade no contexto clínico, em especial na Terapia Cognitivo-comportamental.

As intervenções analisadas indicam que a TCC apresenta contribuições efetivas no tratamento de pessoas com sobrepeso e obesidade. Os estudos demonstraram esse olhar abrangente, compatível com uma visão de ser humano integral, inserido histórica e socialmente no contexto cultural. É importante considerar que muitas intervenções realizadas em contextos clínicos, sejam individuais ou grupais, não têm sido relatadas em publicações científicas. O compartilhamento de experiências pode ser uma ferramenta de grande efetividade no aperfeiçoamento de técnicas e intervenções em diversos contextos, mas é uma prática pouco utilizada no contexto analisado, tendo em vista o baixo número de publicações encontradas. Estudos futuros podem apresentar relatos de intervenção que sirvam de norte para outros profissionais da área, pois é necessário que os profissionais da psicologia que realizam esse tipo de intervenção dediquem seu tempo e energia para compartilhar suas experiências. É assim que a prática psicológica se desenvolve e avança, por meio do compartilhamento de saberes e experiências.

Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse.


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Universidade Tuiuti do Paraná, Psicologia - Curitiba/PR - Brasil

Autor correspondente

Gislei Mocelin Polli
gismocelin@gmail.com / E-mail alternativo: gislei.polli@utp.br

Submetido em: 30/10/2023
Aceito em: 28/06/2024

Contribuições: Gislei Mocelin Polli - Coleta de Dados, Conceitualização, Investigação, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição; Erik Vinicius Querolin Sampaio - Supervisão.

 

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