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Revista Brasileira de Psicoteratia

Submissão Online Revisar Artigo

Rev. bras. psicoter. 2023; 25(3):87-102



Artigo Original

Facilitando a saúde mental dos universitários brasileiros: desenvolvimento de um programa online

Facilitating the mental health of Brazilian university students: development of an online program

Facilitar la salud mental de los universitarios brasileños: desarrollo de un programa en línea

Bianca Ledur, Marina Schmitt , Isadora Rossa, Ilana Andretta

Resumo

internacionalmente reconhecidos por sua eficácia, os programas de saúde mental online baseados em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) com universitários brasileiros são escassos. O presente estudo busca descrever um programa online de saúde mental para universitários brasileiros, através do checklist TIDieR. O programa é realizado através de uma plataforma online, conta com 6 encontros semanais de 1 hora e 30 minutos de forma síncrona, com foco na psicoeducação e compartilhamento de reflexões e aprendizagens entre participantes. O conteúdo é baseado em TCC, com utilização de mindfulness, psicologia positiva e treinamento de assertividade, e teve como objetivo promover reestruturação cognitiva, melhora em habilidades sociais como assertividade e planejamento de vida saudável. Foram utilizados recursos interativos, como vídeos, músicas e programas de plataformas digitais. A forma de execução do programa, bem como seus fundamentos teóricos e as implicações para pesquisas futuras são discutidas.

Descritores: Saúde mental; Protocolo de ensaio clínico; Terapia Cognitivo-comportamental

Abstract

The university population is vulnerable to emotional symptoms, which can lead to academic and health-related losses. Despite being internationally recognized for their effectiveness, online mental health programs based on Cognitive-Behavioral Therapy (CBT) with Brazilian university students are scarce. This study aims to describe an online mental health program for Brazilian university students, using the TIDieR checklist. The program is carried out through an online platform, with 6 weekly synchronous meetings of 1 hour and 30 minutes, focusing on psychoeducation and sharing reflections and learning among participants. The content is based on CBT, using mindfulness, positive psychology and assertiveness training, and aimed to promote cognitive restructuring, improvement in social skills such as assertiveness and healthy life planning. Interactive resources such as videos, music and digital platform programs were used. The way the program was carried out, as well as its theoretical foundations and implications for future research are discussed.

Keywords: Mental health; Clinical trial protocol; Cognitive-behavioral therapy.

Resumen

La población universitaria es vulnerable a los síntomas emocionales, que pueden llevar a pérdidas académicas y de salud. A pesar de ser reconocidos internacionalmente por su eficacia, los programas de salud mental online basados en Terapia Cognitivo Conductual (TCC) con universitarios brasileños son escasos. Este estudio tiene como objetivo describir un programa de salud mental en línea para estudiantes universitarios brasileños, utilizando la lista de verificación TIDieR. El programa se lleva a cabo a través de una plataforma online, con 6 reuniones semanales sincrónicas de 1 hora y 30 minutos, centradas en la psicoeducación y en compartir reflexiones y aprendizajes entre los participantes. El contenido está basado en la TCC, utilizando mindfulness, psicología positiva y entrenamiento en asertividad, y dirigido a promover la reestructuración cognitiva, la mejora en habilidades sociales como la asertividad y la planificación de una vida saludable. Se utilizaron recursos interactivos como vídeos, música y programas en plataformas digitales. Se discute la forma en que se llevó a cabo el programa, así como sus fundamentos teóricos y las implicaciones para futuras investigaciones.

Descriptores: Salud mental; Protocolo de ensayo clínico; Terapia cognitivo-conductual

 

 

Introdução

A população universitária, por estar inserida em contexto estressor, é vista como vulnerável ao adoecimento mental se comparada à população adulta geral¹, com alta prevalência de transtornos mentais e sintomas emocionais, compreendidos aqui por depressão, ansiedade e estresse2,3. A trajetória na universidade é permeada por desafios do âmbito acadêmico e interpessoal. No primeiro, cita-se as práticas de estágio; a exigência de manejo do tempo; e a conciliação entre estudos e trabalho. Quanto às situações interpessoais destaca-se a diversidade de interação com pessoas; a necessidade de suporte social; e o engajamento em novas relações interpessoais que exigem diferentes habilidades por parte do universitário4. No Brasil, especialmente, a população universitária seria compreendida como de risco a pior saúde mental5.

Com o advento da pandemia relativa ao coronavírus (COVID-19) houve mudanças abruptas para tal população, como o ensino remoto e o distanciamento social, exigindo adaptações por parte dos acadêmicos6. Insatisfação com o ensino à distância, frustrações de expectativas e medo de adoecer foram algumas das situações desafiadoras para os universitários7, com o aparente aumento de sintomas emocionais em acadêmicos em diversos países, como França8, Portugal9 e Brasil10.

Internacionalmente, intervenções baseadas em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) com universitários demonstram eficácia na diminuição de sintomas emocionais e promoção de saúde mental11,12. Com acadêmicos brasileiros, também se percebe benefícios com tal tipo de programa13,14. A prática da TCC busca, através de diversas técnicas, a reestruturação cognitiva, bem como o aumento de repertório comportamental para facilitar respostas adaptativas a situações estressoras15. A TCC pode ser também associada à psicologia positiva (PP), mindfulness e treinamento de assertividade11,12. A primeira busca aprimorar o bem-estar psicológico do sujeito16; mindfulness envolve perceber-se, prestando atenção ao momento presente sem julgamento17. Por fim, o treino de assertividade proporciona um ensaio comportamental para potencializar relações sociais mais saudáveis18.

Intervenções baseadas em TCC não se resumem ao contexto presencial. Com a necessidade de isolamento social proveniente da situação de pandemia19, aumentou-se a demanda por intervenções online graças à sua flexibilidade de acesso20,21. Entretanto, adaptações são necessárias ao contexto online11. Este exige cuidados com o contrato de sigilo, setting terapêutico, homogeneidade grupal e possível presença de diagnósticos complexos21. Ainda assim, há semelhança entre as práticas de programas presenciais e as de online síncronos, devido à interação ser simultânea. Seus respectivos efeitos e taxas de adesão seriam similares, mesmo que haja necessidade de mais estudos para consolidar tais resultados22,11.

A partir de uma pesquisa de revisão sistemática da literatura11, identificou-se que as intervenções online de TCC e outras abordagens associadas, como Mindfulness, PP e treinamento de assertividade, apresentam efetividade na redução de sintomas emocionais em universitários europeus e norte-americanos. Aponta-se que, porém, não foram encontrados estudos semelhantes realizados na América Latina. Ainda, a maioria das pesquisas averiguadas não descrevem detalhadamente o seu programa de intervenção ou desenvolvimento deste, prejudicando a replicação e adaptação das intervenções. Assim, torna-se necessário desenvolver e detalhar um protocolo que adapte estratégias de TCC para o âmbito da internet com o intuito de promover saúde mental em universitários brasileiros.

Considerando tais achados, o objetivo do presente estudo é apresentar detalhadamente o programa "Facilitando a saúde mental do universitário". Busca-se com isso, que estudos futuros possam replicá-lo e/ou adaptá-lo para outras populações. Para facilitar a adaptação do material teórico-prático para o meio online22 e auxiliar na adesão dos participantes11, o presente programa apresenta caráter síncrono.

Método Delineamento

O presente artigo foi elaborado através do modelo TIDieR - Template for intervention description and replication - Modelo para Descrição e Replicação da Intervenção23. Para embasar o desenvolvimento deste programa realizou-se uma revisão sistemática da literatura11 acerca de modelos e efeitos de intervenções online baseadas em TCC para universitários. Tal revisão indicou a eficácia e características dos protocolos estudados, incluindo materiais e atividades realizadas. Este artigo não busca apresentar resultados de eficácia da intervenção. Entretanto, para facilitar a contextualização e compreensão do leitor, apresentar-se-á algumas características dos participantes e instrumentos utilizados para averiguar, em outro estudo, os efeitos da intervenção.

Participantes

O programa foi elaborado para estudantes matriculados em nível de graduação em instituições brasileiras, com idade mínima de 18 anos e manifestando funções cognitivas preservadas. Considerou-se como critérios de exclusão: apresentar sintomas psicóticos, fazer uso abusivo de drogas e apresentar pensamentos e/ou comportamentos de risco e/ou suicídio. Realizou-se um total de nove grupos entre o segundo semestre de 2022 e o primeiro semestre de 2023. Participaram 22 universitários. Suas características constam na Tabela 1.




Instrumentos

Para averiguar os critérios de elegibilidade, as autoras realizam entrevistas semiestruturadas como triagem. Incluía-se questões sociodemográficas, perguntas abertas e integração do Mini-Exame do Estado Mental (MEEM)24.

Para avaliar, futuramente, os efeitos da intervenção, coletava-se dados no primeiro encontro do programa (pré-teste) e no último (pós-teste). Isso era realizado por meio de formulários online, feitos através da plataforma Google (docs.google.com/forms), cujos links eram disponibilizados pelo chat da plataforma Jitsi. As coletas incluíam um questionário sociodemográfico, a Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse (DASS-21)25; a Escala Brasileira de Solidão (UCLA-BR)26; e a Escala de Assertividade Rathus (RAS)27. Juntamente ao pós-teste era disponibilizado um formulário online para avaliação final, que envolvia perguntas descritivas sobre a opinião dos participantes acerca do programa.

A partir do segundo encontro, utilizava-se a Escala de classificação da sessão (SRS), composta por perguntas qualitativas e quantitativas sobre a satisfação de cada sessão do programa28. O formulário online era disponibilizado ao final dos encontros, sendo sua resposta anônima e opcional.

Procedimentos éticos

O presente estudo foi aprovado pelo comitê de ética (nº parecer: 5.123.271), seguindo as orientações da Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde29. O ensaio clínico relativo à intervenção está sendo desenvolvido pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da universidade [ocultado para submissão]. O registro está sendo avaliado pelo portal Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos (REBEC) através do site ensaiosclinicos.gov.br.


Resultados

O desenvolvimento e descrição do presente programa de saúde mental foi feito pelo checklist TIDieR. Os itens contemplam uma descrição detalhada do programa.

TIDieR Item 1 - Nome da intervenção

Facilitando a saúde mental do universitário - Intervenção online síncrona de promoção à saúde mental baseada em TCC para universitários brasileiros.

TIDieR Item 2 - Descrição da teoria, lógica, objetivos e características relevantes da intervenção

Programas online tornam-se vantajosos por facilitarem o acesso a estratégias de promoção, prevenção ou tratamento à saúde mental21. Mostram-se eficazes na diminuição de sintomas emocionais e promoção de saúde mental em universitários11,12. Ao utilizarem-se de bases teórico-práticas que, em formato presencial, já demonstravam eficácia, intervenções online podem ter benefícios semelhantes a intervenções presenciais22. Aqui, utiliza-se, associadamente a TCC, mindfulness, PP e treinamento de assertividade, para a promoção de saúde mental universitária.

Segundo Beck15, a TCC pressupõe que a estrutura de personalidade de um adulto baseia-se em sua Tríade Cognitiva: visão de si, do mundo e do futuro. A pessoa pode formar crenças desadaptativas, consideradas ideias inflexíveis que dificultam o entendimento e enfrentamento de situações. Crenças disfuncionais geram prejuízos, envolvendo distorções cognitivas (i.e. compreensões errôneas de situações reais) e estratégias compensatórias (i.e. comportamentos que confirmam crenças desfavoráveis).

Em universitários, percebe-se alta prevalência de sintomas emocionais²,³. Os sintomas de depressão, ansiedade e estresse são caracterizados por interpretações de ameaça à vida e negativas sobre si, o futuro e o mundo25 e estão relacionados, principalmente em universitários, a maiores níveis de solidão30. Esta envolve a sensação de estar emocionalmente sozinho31. Tais sintomas reforçariam distorções cognitivas de, por exemplo: "eu não consigo (depressão), eu não vou dar conta (estresse), será horrível (ansiedade), não serei compreendido (solidão)".

Dessa maneira, ainda segundo Beck15, um dos objetivos da TCC é buscar a flexibilização cognitiva, utilizando-se de técnicas como psicoeducação e checagem de evidências. A primeira envolve explicar ao sujeito sobre a perspectiva da TCC e acerca de qualquer outro assunto pertinente. Checagem de evidências implica em identificar os pensamentos do sujeito e, a partir da realidade, averiguar se fazem sentido. Nisso, frisa-se a dinâmica de Registro de Pensamentos Disfuncionais (RPD), em que se anota a situação gatilho e os pensamentos automáticos, diferenciando-os das emoções, para então escrever quais evidências concordam ou discordam do raciocínio. Ainda, a TCC compreende que o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento saudáveis, para a mudança comportamental do sujeito, é fundamental15. Isso pode ser trabalhado, por exemplo, através de role-plays, em que se ensaia comportamentos novos.

Dentro disso, mindfulness utiliza da conexão consciente e sem julgamentos ao momento presente32, por meio da atenção aos cinco sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato). Isso possibilita que a pessoa compreenda o que sente e o que está acontecendo, sem precisar agir impulsivamente ou pensar sobre assuntos irrelevantes para o momento32,33. Mindfulness facilita a atenção à tarefa, bem como a checagem de pensamentos automáticos, auxiliando na flexibilização cognitiva15.

Por sua vez, segundo Bannink16, a PP compreenderia a necessidade de enfatizar estratégias do sujeito que já foram ou são adaptativas. Isso aumentaria sua autoeficácia e auxiliaria no processo de checagem de evidências. Além disso, buscar compreender o que traz felicidade auxilia no planejamento futuro e no desenvolvimento de novas estratégias de enfrentamento saudáveis a situações adversas. Portanto, a PP associada à TCC pode facilitar a flexibilização cognitiva e a motivação para a mudança comportamental.

Ainda, contar com redes de apoio saudável é benéfico à saúde mental de universitários34. Comunicar-se de maneira clara e adequada facilita o estabelecimento das redes35. O treinamento de assertividade auxilia nisso, contando com o desenvolvimento e manutenção da habilidade social de comunicar e impor seus próprios limites, desejos e direitos, enquanto se respeita os dos outros27. Através de orientação, exemplos de comportamentos assertivos, e prática (real ou role-play), a assertividade pode ser aprimorada. Assim, o treinamento de assertividade associado à TCC auxilia na mudança comportamental.

TIDieR Item 3 - Materiais usados na entrega da intervenção

Para participar da intervenção, era necessário ter acesso a internet, através de um computador ou smartphone conectado no site https://meet.jit.si/. Os ministrantes utilizavam ferramentas online durante os encontros. A escolha do material foi realizada baseada na experiência clínica das terapeutas e no objetivo de cada encontro, entendendo que os conteúdos trabalhados seriam melhor assimilados havendo interatividade36.

O recurso interativo online Mentimeter (mentimeter.com) era utilizado, no primeiro e quinto encontro, para a criação de nuvens de palavras a partir das respostas anônimas dos participantes. No encontro dois era transmitido um vídeo do seriado "Crazy ex-girlfriend", com a música "Ninguém ouve a minha canção", adaptação em português brasileiro da original "No one else is singing my song", sobre o sentimento de solidão (https://www.youtube.com/watch?v=qowV50_G970). Transmitia-se, no encontro três, a música "Come get her" de Andrew Savoia (https://www.youtube.com/watch?v=kwYr4IyFFwk), bem como utilizava-se um arquivo de Microsoft Word com uma adaptação de RPD, transmitido pelo compartilhamento de tela de maneira que todos os presentes conseguiam vê-lo enquanto uma das terapeutas editava-o. No quarto encontro era utilizado um vídeo sobre assertividade, intitulado "AGRESSIVO, PASSIVO OU ASSERTIVO?" (https://www.youtube.com/watch?v=rd1mCZVNnxE&am;t=77s).

Em todos os encontros, com exceção do primeiro e do último, instruia-se que os participantes realizassem uma tarefa de casa para a semana seguinte. Visava-se treinamento e manutenção dos conteúdos trabalhados previamente15.

TIDieR Item 4 - Procedimentos, atividades e processos usados na intervenção

Primeiramente, divulgou-se a intervenção dentro de uma pesquisa transversal online sobre saúde mental de universitários. Ao final desta, os participantes poderiam indicar interesse em participar da intervenção, deixando seu contato de e-mail ou telefone. Posteriormente, divulgava-se a intervenção por meio das mídias sociais, em que os interessados deixavam seu contato em um formulário online específico. Também se enviou e-mail para universidades brasileiras para divulgação.

Antes do início do programa, realizou-se uma triagem dos interessados em participar, para conferir os critérios de elegibilidade. Efetuava-se uma entrevista semiestruturada, individual, online e síncrona de em torno de 15 minutos, através da plataforma Jitsi. A entrevista era agendada através do contato de WhatsApp disponibilizado pelos interessados. Era realizada por pesquisadores treinados.

Os critérios de elegibilidade foram escolhidos considerando que processos grupais têm maiores chances de eficácia quando possuem objetivos e demandas homogêneas21. O conteúdo programado para a intervenção não teria o objetivo ou condição de atender participantes com necessidade de tratamento. Portanto, aqueles que apresentassem os critérios de exclusão eram encaminhados para serviços públicos ou privados de atendimento, caso já não estivessem em acompanhamento profissional.

O programa foi elaborado e coordenado pelas primeira e segunda autoras. A programação e conteúdo se deu conforme a Tabela 2. No início de cada encontro, com exceção do primeiro, foram conduzidas práticas de mindfulness com o objetivo de auxiliar na atenção ao momento presente por parte dos participantes15,37. Os encontros tiveram o formato de estrutura de sessão15: iniciava-se com verificação do humor e tarefa de casa do encontro anterior, seguido da introdução do assunto previsto, psicoeducação, condução de discussões e atividades relacionadas, orientações sobre tarefa de casa, resumo do encontro e, por último, feedback dos participantes.




Primeiro encontro

Após um acolhimento breve em que as terapeutas se apresentavam, os universitários eram orientados a responder o pré-teste. Após, compartilhava-se informações sobre o funcionamento da plataforma Jitsi e combinações sobre participação dos grupos. Explicava-se sobre o contrato de sigilo e observações sobre como preservá-lo (e.g. participar dos encontros em espaços reservados e utilizar fones de ouvido). Solicitava-se que as câmeras ficassem ligadas e que as falas ocorressem através do microfone, para auxiliar na adesão grupal21. Por fim, explicava-se brevemente sobre os assuntos a serem abordados ao longo do programa.

Os participantes foram informados que sua presença seria requerida em, pelo menos, 75% dos encontros, podendo ter apenas uma falta; do contrário, seriam excluídos do programa. Decidiu-se pelo ponto de corte de 75% de participação porque mais do que uma falta poderia enviesar a eficácia do programa, considerando que se trata de uma intervenção de curta duração em que cada encontro trabalha temáticas distintas.

Após as orientações, os participantes eram convidados a se apresentar. Então, solicitava-se que o grupo compartilhasse suas expectativas acerca da intervenção a partir de discussão verbal e de da nuvem de palavras do Mentimeter.

Segundo encontro

A técnica de mindfulness envolvia um breve escaneamento corporal, de duração de cinco minutos, conforme recomendado para iniciantes15. Após, psicoeducava-se acerca de sintomas de depressão, ansiedade e estresse, bem como sensação de solidão, e a relação desse tema com o cotidiano pessoal e acadêmico dos participantes. Como dispositivo disparador da discussão grupal, uma das ministrantes compartilhava o vídeo da música "Ninguém ouve a minha canção". Objetivando desenvolver autopercepção, a tarefa de casa solicitada era que os participantes identificassem e anotassem uma situação que lhes gerou emoções e pensamentos desagradáveis para que pudéssemos discutir no próximo encontro.

Terceiro encontro

Para a prática de mindfulness, uma das terapeutas compartilhava com o grupo a música "Come Get Her". Orientava-se que os participantes a escutassem, fechando os olhos e prestando atenção a apenas um instrumento musical. Escolheu-se essa música por ser totalmente instrumental e pouco conhecida, considerando que ambas as características facilitariam a prática de mindfulness.

Após revisar a tarefa de casa, realizava-se uma breve psicoeducação de alguns conceitos de TCC e de um modelo adaptado de RPD, chamado ABCDEF. A tabela ABCDEF38 permite identificar, em uma situação, os pensamentos automáticos, comportamentos e sensações fisiológicas, checagem de evidências, pensamentos alternativos ao automático e plano futuro15.

Uma das terapeutas, através do compartilhamento de tela, mostrava a tabela ABCDEF em um arquivo de Microsoft Word para o grupo. A primeira linha era preenchida pelas terapeutas como exemplo, para orientar como a dinâmica funcionaria. Após, solicitava-se que cada participante descrevesse sua situação escolhida na tarefa de casa, utilizando-a no preenchimento do ABCDEF. Em grupo, discutia-se cada critério da tabela, possibilitando a elaboração de novas maneiras de pensar e agir. Neste encontro, a tarefa de casa era identificar e trabalhar pelo menos mais uma situação desagradável usando a ferramenta ABCDEF.

Quarto encontro

Iniciava-se com uma técnica de relaxamento muscular progressivo, promovendo maior percepção de si. A temática deste encontro era comunicação assertiva. Era utilizado o vídeo intitulado "AGRESSIVO, PASSIVO OU ASSERTIVO?", que explica quais são e como funcionam os estilos de comunicação. Após o vídeo e uma breve instrução sobre como falar de forma assertiva, os participantes foram convidados a treinar. As terapeutas traziam exemplos relativos a situações comuns ao mundo acadêmico e pessoal (e.g. "colega do trabalho em dupla não auxilia como combinado"), encenando antes para exemplificar. Então, um por vez, convidava-se os participantes a fazerem um role-play com o grupo para realizarem a comunicação assertiva do seu exemplo escolhido. A tarefa de casa deste encontro era que treinassem a comunicação assertiva durante a semana.

Quinto encontro

A técnica chamada Grounding (cinco sentidos) era utilizada objetivando conectar a pessoa com o momento presente e com o lugar em que está pedindo que, com microfones desligados, dissessem: cinco coisas que pode ver, quatro coisas que pode tocar, três coisas que pode ouvir, duas coisas que pode sentir o cheiro e uma coisa que pode sentir o gosto.

A temática deste encontro era PP. Portanto, após breve psicoeducação sobre o tema, uma das terapeutas conduzia uma meditação. Solicitava-se aos participantes que fechassem os olhos imaginando e descrevendo em voz alta, com seus microfones desligados, um momento de vida prazeroso. Poderia ser algo já vivenciado ou que gostariam de viver no futuro. A terapeuta guiava a meditação fazendo perguntas sobre o momento (e.g. "Onde você está?" e "Com quem você está?"). Após, os participantes compartilhavam seus momentos imaginados, e, a partir disso, identificavam com o grupo características e valores importantes para si.

As terapeutas orientavam que esses valores descobertos poderiam ser adaptados para a rotina dos participantes. Com isso, através da plataforma Mentimeter, pedia-se aos participantes que sugerissem atividades que lhes traziam satisfação, sendo algo que já faziam, que não efetuavam mais ou que nunca praticaram, formando uma nuvem de palavras. Dentre as sugestões que aparecessem, orientava-se que anotassem para si atividades com as quais se identificaram para que as colocassem em prática. A tarefa de casa consistia em efetuar uma das atividades escolhidas.

Sexto encontro

A técnica de mindfulness era o escaneamento corporal, durando oito minutos. Após, indicava-se aos participantes que haviam conseguido manter o foco prolongadamente, um progresso desde o segundo encontro do programa.

Neste encontro trabalhava-se prevenção a recaída. Uma terapeuta recapitulava, com contribuições dos participantes, o que foi trabalhado ao longo da intervenção. Buscava-se auxiliar na manutenção de reflexões e ganhos do grupo. Também eram solicitados feedbacks sobre o conteúdo, formato e condução do programa. Por fim, orientava-se os participantes a responderem o pós-teste e a entrevista estruturada final.

TIDiER Item 5 - Experiência, histórico e treinamento específico fornecido aos provedores de intervenção

As terapeutas são psicólogas clínicas, com experiência em atendimento online e atendimento grupal, uma especialista em TCC e mestranda em psicologia e outra com formação em TCC e doutoranda em psicologia) elaboraram o programa com base na literatura científica. Durante a intervenção, antes de todos os encontros, as terapeutas se encontravam por 10 minutos para combinações iniciais, assim como discutiam algumas considerações acerca do grupo ao final de cada encontro, para melhor entender e trabalhar os processos grupais que estavam ocorrendo. Além disso, recebiam supervisão semanal.

TIDieR Item 6 - Modos de entrega

O programa acontecia através da plataforma Jitsi, sendo uma plataforma que possibilita videochamadas grupais de maneira gratuita, com fácil utilização e tecnologia criptografada. O programa apresentava caráter síncrono, para que os participantes pudessem interagir simultaneamente, sendo a colaboração e participação ativa essencial para o processo15. Todos os participantes de um mesmo grupo foram adicionados a um grupo no aplicativo WhatsApp, junto com os ministrantes da intervenção, para que pudesse ser compartilhado dúvidas, informações, avisos e demais comunicações relevantes.

TIDieR Item 7 - Localização e TIDieR Item 8 - Tempo, duração e intensidade

O programa era conduzido de forma online para estudantes universitários de todos os estados brasileiros. Para essa população, compreende-se que a adesão a intervenções é facilitada pela curta duração dos programas (i.e. até sete encontros)12. Assim, considerou-se um total de seis encontros. Baseado nas temáticas previstas para cada encontro, pensou-se na duração de aproximadamente 1h e 30min cada, sendo este o tempo considerado ideal para encontros grupais a fim de facilitar a completude das dinâmicas preparadas sem tomar tempo em demasia dos participantes21. Caso houvesse algum feriado nacional no dia que aconteceria o encontro, esse seria transferido para a semana seguinte.

TIDieR Item 9 - Adaptando a intervenção e TIDieR Item 10 - Modificações da intervenção

Adaptações ao processo de triagem foram necessárias. Inicialmente planejou-se excluir aqueles que apresentassem sintomas psicóticos, abuso de drogas e sintomas graves de depressão, ansiedade e/ou estresse. Tais sintomas seriam averiguados a partir do instrumento DASS-21, aplicado após a entrevista semiestruturada da triagem, sendo corrigido depois pelas pesquisadoras. Entretanto, nas primeiras entrevistas individuais, percebeu-se que a maioria dos possíveis participantes apresentava sintomas elevados de depressão, ansiedade e/ou estresse, mesmo não demonstrando qualquer outro critério de exclusão. Entretanto, uma vez que a intervenção visa a promoção21 de saúde mental, e não o tratamento, considerou-se que altos níveis de sintomas emocionais não interfeririam na homogeneidade da amostra. Optou-se por não utilizar o instrumento DASS-21 para a triagem modificando assim os critérios de exclusão para aqueles que apresentassem: sintomas psicóticos; abuso de drogas; e pensamentos e/ou comportamentos suicidas e/ou de risco. Este último foi adicionado como critério de exclusão compreendendo que o programa poderia não ser eficaz para essa demanda.

A elaboração do programa se deu com base nos estudos empíricos anteriores encontrados em revisão sistemática11. Foram adaptadas as práticas de TCC, PP, mindfulness e assertividade para o programa. Anteriormente ao início da intervenção, o programa foi testado por duas estudantes universitárias brasileiras voluntárias que não participariam da pesquisa. As terapeutas responsáveis pela intervenção ensaiaram com tais estudantes, aplicando as dinâmicas que seriam utilizadas durante o programa e pedindo feedback sobre as propostas do protocolo, para sua adaptação. Inicialmente, o programa foi elaborado para ter cinco encontros. Entretanto, após esse teste inicial, optou-se por acrescentar mais um encontro, a fim de não sobrecarregar o primeiro com muito conteúdo.

TIDieR Item 11 - Avaliação da adesão à intervenção (planejada) e TIDieR Item 12 - Avaliação da adesão à intervenção (atual)

Como um dos critérios de exclusão, o participante poderia ter apenas uma falta, um grupo de WhatsApp foi criado para cada grupo. Enviava-se lembretes sobre o próximo encontro e a tarefa de casa. Entende-se que tais recursos poderiam aumentar a adesão à intervenção. Além disso, o programa incluiu a escala SRS, que permitia perceber, ao longo do processo, o engajamento e indicativos de adesão de cada participante.

A análise de adesão será feita pelo estudo de viabilidade. Entretanto, dados preliminares mostraram que o programa foi bem aceito pelos participantes. Ao final, os participantes relataram a importância do programa em suas vidas, afirmando que cada um dos encontros fez diferença e até gostariam de mais encontros. Iniciaram o programa 41 e finalizaram 22 universitários (64%).

Discussão

Sabe-se que a população universitária apresenta vulnerabilidade ao adoecimento mental¹. Entretanto, há escassez de estudos de intervenções de TCC online com universitários brasileiros11,12. A utilização de um checklist que descreve detalhadamente a intervenção (e. g. Template for Intervention Description and Replication - TIDieR), a condução e análises podem auxiliar a replicação de programas de saúde mental e diminuir o risco de viés39.

Estudos de intervenção com universitários mostram-se promissores para a diminuição de sintomas emocionais12 e melhora da comunicação11. Intervenções síncronas online auxiliam na sensação de pertencimento entre universitários40, e permitem o acesso facilitado a programas de saúde mental. Outros programas síncronos online internacionais de saúde mental para universitários também utilizaram embasamento da TCC e apresentaram redução de depressão, ansiedade e dificuldades com interações sociais11. Alguns aspectos técnicos e metodológicos foram comuns ao programa do presente estudo, como a psicoeducação, reestruturação cognitiva, treinamento de comportamentos e comunicação, mindfulness, PP e tarefas de casa.

Entretanto, entende-se que intervenções grupais têm pontos a serem cuidados como a composição de um grupo homogêneo quanto aos objetivos e demandas, para que todos os participantes se beneficiem com o andamento do grupo37. Participantes com demandas de comportamentos e pensamentos de risco necessitam de um cuidado diferenciado, que vai para além da compreensão de seus sintomas emocionais.

Entende-se que o conteúdo do programa promove a reestruturação de interpretações distorcidas para mais adaptativas e saudáveis, com base na TCC, assim como o treino de assertividade permite uma comunicação mais eficaz15,18. Dessa forma, o presente estudo propõe-se auxiliar na compreensão do programa desenvolvido, para que pesquisas futuras possam se basear e aprofundar na temática.

O formato online oportunizou trocas entre os participantes de todas as regiões do Brasil. Ter acordado a necessidade de manter a câmera aberta e falar pelo microfone, não pelo chat, auxiliou na adesão e coesão grupal, fatores importantes para o funcionamento do grupo e para promoção de saúde mental21. Grupos pequenos também oportunizariam a troca de experiências e a sensação de pertencimento, já que todos teriam tempo para participar e dialogar com os demais. Entretanto, nesse modelo grupal o manejo do terapeuta e do coterapeuta precisa ser ativo, acolhedor e firme, para que se tenham ganhos entre as trocas, mas não se disperse do objetivo do encontro.

O modelo grupal possibilita que várias pessoas acessem à intervenção simultaneamente. Com isso, programas de saúde pública podem se beneficiar das futuras evidências de programas online e grupais, para a replicação em diversos ambientes acadêmicos, o que por fim pode reduzir o agravamento de sintomas e superlotação de centros de saúde mental pública.

Cabe frisar que intervenções como essa são desenvolvidas a partir de evidências de eficácia anteriores, baseando-se em melhores protocolos e técnicas para essa população. Este programa foi desenvolvido através de evidências trazidas por uma revisão sistemática11 que identificou programas eficazes na redução de sintomas emocionais e promoção de saúde mental em diversos países. Entretanto, identificou-se a necessidade de elaboração de um programa online grupal baseado em TCC para universitários brasileiros, já que a revisão sistemática concluiu não haver estudos desse tipo na América Latina. O detalhamento de uma intervenção permite sua replicação com fidedignidade, e com isso o ganho de mais evidências de saúde mental. Programas de intervenção são importantes para o público universitário, considerado população de risco para sintomas emocionais, podem auxiliar na prevenção, diminuição de tais sintomas e promoção de saúde mental.

Esta pesquisa apresenta o desenvolvimento da intervenção. Em um estudo de viabilidade sobre o presente programa, encontrou-se resultados preliminares de eficácia que serão, futuramente, publicados. Entretanto, apesar da aparente robustez do desenvolvimento aqui descrito, uma limitação do delineamento deste artigo é que este não contempla as características empíricas do programa. Portanto, não se pode afirmar que a intervenção traz benefícios a seus participantes - ainda que se argumente que pesquisas futuras encontrarão efeitos de promoção de saúde mental. Futuramente, pretende-se realizar um Ensaio Clínico Randomizado que utilizará o modelo descrito neste artigo e poderá auxiliar no avanço científico acerca da temática.

Apoio Financeiro

Realizado com apoio da CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

Conflito de Interesse

Não há conflito de interesses.


Referências

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Unisinos, Psicologia - São Leopoldo/RS - Brasil

Autor correspondente

Bianca Ledur
ledurbianca@gmail.com

Submetido em: 28/01/2024
Aceito em: 14/06/2024

Contribuições: Bianca Ledur - Análise estatística, Aquisição de financiamento, Coleta de Dados, Conceitualização, Gerenciamento de Recursos, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição, Software, Supervisão, Validação, Visualização; Marina Schmitt - Análise estatística, Aquisição de financiamento, Coleta de Dados, Conceitualização, Gerenciamento de Recursos, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição, Software, Supervisão, Validação, Visualização; Isadora Rossa - Análise estatística, Aquisição de financiamento, Coleta de Dados, Conceitualização, Gerenciamento de Recursos, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição, Software, Supervisão, Validação, Visualização; Ilana Andretta - Análise estatística, Aquisição de financiamento, Coleta de Dados, Conceitualização, Gerenciamento de Recursos, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição, Software, Supervisão, Validação, Visualização.

 

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