Rev. bras. psicoter. 2023; 25(3):55-72
Fortim I, Cardinalli I, Peron PR, El-Id K, Batista MA, Fasanella NA, et al. Caracterização do atendimento psicoterápico em ambiente virtual de forma síncrona no contexto da pandemia: a experiência do Janus-Laboratório de Psicologia e TICs. Rev. bras. psicoter. 2023;25(3):55-72
Artigo Original
Caracterização do atendimento psicoterápico em ambiente virtual de forma síncrona no contexto da pandemia: a experiência do Janus-Laboratório de Psicologia e TICs
Characterization of the synchronous psychotherapeutic care in a virtual environment in the context of the pandemic: the experience of Janus-Laboratory of Psychology and ICTs
Caracterización de la atención en línea en el contexto de la pandemia: la experiencia de Janus-Laboratorio de Psicología y TICs
Ivelise Fortima; Ida Cardinallia; Paula Regina Perona; Katia El-Ida; Marcia Almeida Batistaa; Nicoli Abrão Fasanellab; Eduardo Ferezim Santosa; Fabiana Camposa; Tales Roblesa
Resumo
Abstract
Resumen
Introdução
A pandemia de COVID-19 obrigou a sociedade no geral a viver uma época peculiar, sem referencial histórico anterior para ser usado como exemplo. O potencial de impacto negativo na saúde da população pode distrair a atenção pública dos reflexos psicológicos que uma pandemia é capaz de causar na humanidade1 . Houve mudanças drásticas nos modos dominantes de viver: no trabalho, no consumo, no lazer e na convivência entre as pessoas. Muitas mudanças que antes pareciam impossíveis com o isolamento social mostraram-se viáveis e, para alguns, tornou-se possível ter outro modo de vida, diferente do que era vivenciado antes2.
O longo isolamento social e os fatores envolvidos, como o aumento do número de mortes pelo vírus; o risco de contaminação; as dificuldades de adaptação ao trabalho e ensino remotos3; a diminuição da renda familiar; o desemprego4; o maior tempo de convívio entre as famílias; a incerteza da duração do isolamento social, bem como a duração da pandemia em si; a maior exposição a informações preocupantes em relação à COVID-19 nas mídias tradicionais; a maior quantidade de tempo gasto em redes sociais e as fake news5,6,7,8,9,10,11,12,13 geraram crises relativas aos aspectos psicológicos.
Tais condições de vida acarretam efeitos na saúde mental, esta que diz respeito a toda complexidade de um indivíduo, ou seja, uma associação dos fatores biológicos, psicológicos, culturais e sociais que, juntos, contribuem para o bem-estar emocional14. A quarentena provocou aumento de sintomas como angústia, depressão, estresse, irritabilidade, insônia e transtorno de estresse pós-traumático, sintomas que podem ter longa duração, mesmo após o fim do isolamento15. Foram diversos os estressores da saúde mental durante a pandemia: falta de informações confiáveis sobre comportamentos saudáveis e conhecimentos sobre a doença; falta de acessibilidade à saúde mental e métodos de autojulgamento; problemas econômicos etc. Os estressores são especialmente responsáveis por quadros de estresse, ansiedade e depressão10.
Diante disto, houve modificações no atendimento psicoterápico on-line em escala mundial. A efetividade do atendimento online para as situações de emergência e urgência é bem estabelecida42,43. Houve um crescimento expressivo nos atendimentos psicológicos relacionados à saúde mental, a maioria com solicitação de urgência. Esse aumento de demanda deu-se paralelamente ao fechamento da rede de serviços, tanto públicos como privados, a maioria organizada no formato presencial. Assim, muitos profissionais de saúde mental encontraram-se diante do desafio de desenvolver formas qualificadas de atendimentos remotos, quando esse formato também era acessível para os usuários.
Método
Delineamento do estudo
Local de coleta. O serviço Janus-Laboratório de Psicologia e TICs é um dos serviços disponibilizados pela Clínica Psicológica "Ana Maria Poppovic" da PUC-SP e oferece psicoterapia on-line por videoconferência desde 2017, de forma pioneira, sendo pré-existente à pandemia de COVID-19, como alguns outros serviços de atendimento psicoterápico no mundo40, seguindo a regulamentação estabelecida pelo Conselho Federal de Psicologia, de 11 de maio de 2018. O atendimento segue uma prioridade dada a pacientes expatriados, em situação social vulnerável, com dificuldade de locomoção ou situados em localidades remotas e sem acesso a profissionais de psicologia.
Este serviço passou por adaptações na pandemia, visto que o número de solicitações de atendimento aumentou de cerca de dez e-mails por semana para dez e-mails por dia, a gravidade dos casos cresceu (e.g. situações de grande sofrimento, morte e luto etc.) e o público aumentou, sendo inseridos aqueles que não eram atendidos anteriormente (e.g. idosos e adolescentes). A divulgação da experiência vivida por um serviço de atendimento psicoterápico online pioneiro, adaptado às limitações da pandemia, caracterizando a população atendida, os motivos psicológicos pela busca por atendimento e as peculiaridades do atendimento online em tais situações pode contribuir para a ampliação de conhecimento científico e possibilitar a criação ou adaptação de outros serviços a esta forma de atendimento.
Participantes da pesquisa. Houve, no período da pesquisa, 311 solicitações de atendimento através de e-mails; destes, 137 pacientes preencheram as fichas cadastrais e foram incluídos na pesquisa; destes, 55 receberam atendimento; destes , 33 finalizaram o processo com 12 sessões.
Tamanho da amostra. A amostra final foi de 137 pacientes. Foram incluídos emails que haviam preenchidos as fichas cadastrais e excluídos os emails que não responderam a solicitação de preenchimento de ficha.
Duração e sequência de instrumentos. Os atendimentos foram solicitados pelos interessados via e-mail, através de preenchimento de fichas de inscrição disponíveis no site da Universidade. As fichas de inscrição foram complementadas em entrevistas de triagem, realizadas em ambiente virtual, de forma síncrona, utilizando diversas plataformas de reunião online. Os dados foram obtidos das fichas cadastrais, dos relatórios de triagem e de prontuários de atendimentos realizados em ambiente virtual de forma síncrona. Os dados das fichas de triagem e dos relatórios de atendimento foram analisados ao final do período proposto pela pesquisa - abril a dezembro de 2020. As fichas coletaram dados pessoais e uma pequena descrição de motivos de busca ao serviço, sintomas ou queixas. A triagem foi configurada como um encontro entre o usuário e o psicólogo, compondo um espaço aberto de fala, onde apareceram outros dados e informações, a partir de falas autorreferenciadas dos usuários. Todos os diagnósticos psiquiátricos descritos foram autorrelatados, e fazem referência àqueles descritos no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-5-TR.
Tratamento dos dados estatísticos. Os testes estatísticos empregados foram: para variáveis categóricas tipo "sim" ou "não", foram calculados intervalos de confiança pelo método Agresti-Couli, como descrito por Brown, Cai e DasGupta16; para a avaliação de potenciais relações entre variáveis categóricas, foram empregados testes qui-quadrado (quando há descrição da estatística do teste) ou, na quebra das premissas, testes exatos de Fisher (sem descrição de estatística do teste); para avaliação das idades, foi utilizado um teste de Kruskal-Wallis; tendo a idade uma variável ordinal (faixa etária apenas), foram empregados testes não paramétricos e teste de correlação de Spearman.
Aspectos éticos. O projeto desta pesquisa foi aprovado pelo comitê de Ética em Pesquisa da PUC-SP com o número de CAAE 45558921.1.0000.5482. Os procedimentos realizados nesta pesquisa obedeceram aos Critérios da Ética na Pesquisa com Seres Humanos, conforme a resolução nº 466 de 12 de dezembro de 2012 do Conselho Nacional de Saúde. É importante esclarecer também que as fichas utilizadas na pesquisa foram preenchidas pelo paciente em seu primeiro contato pelo serviço, sendo que os pacientes assinalaram a opção "Declaração de Ciência/Anuência", em concordância com a utilização de suas informações para fins didáticos e de pesquisa, incluindo publicações científicas. A pesquisa respeita os princípios éticos da declaração de Helsinque.
Resultados
Amostra dos atendidos pelo serviço, quanto ao gênero, ao estado civil, à situação de trabalho e país de residência
Quanto à variável gênero, as mulheres compuseram 83,2% da amostra (77,1-89,1% I.C.), sendo homens 16,1% (10,2-22,4% I.C.) e outras respostas (uma resposta "trans não-binarie") compondo 0,7% (0-2,3% I.C.). Tais valores acompanham os dados de anos anteriores à pandemia. No entanto, mesmo que as mulheres continuem sendo maior público, houve um crescimento na procura quando comparada às porcentagens dos anos anteriores.
Não se pode negar que as mulheres tiveram mais demandas pessoais na pandemia. Houve sobrecarga devida ao trabalho doméstico, e muitas mulheres passaram a trabalhar de modo remoto, em home-office, ou mesmo presencialmente, ainda sendo responsáveis pelo cuidado dos filhos, o cuidado dos idosos, entre outras demandas17.
Heterossexuais compuseram 84,4% da amostra (78,5-90,4% I.C.), com homossexuais e bissexuais compondo 7,4% (3-11,9% I.C.) e 8,1% (3,7-12,6% I.C.), respectivamente. Bissexuais e homossexuais tenderam a ser mais jovens no ato da procura pelo atendimento em relação aos heterossexuais (χ2=7,585; n=135; p=0,023). Mulheres tiveram maior proporção de heterossexuais, enquanto homens tiveram maior proporção de homossexuais (n=135; p<0,001). Foi observado que, entre os heterossexuais, houve maior prevalência de casados do que em relação aos bissexuais e homossexuais (n=135; p=0,043). Essa tendência se manteve no serviço.
Conforme a figura 1, as faixas etárias mais prevalentes foram 18-25 anos, com 35% (27-42,8%; 95% I.C.), e 26-30 anos, com 22,6% (15,8-29,5%; 95% I.C.).
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