Rev. bras. psicoter. 2023; 25(3):9-24
Duarte MQ, Haas LM, Machado WL, Trentini CM. Evidências de validade e da Escala de Percepção das Atitudes dos Brasileiros em Relação aos Imigrantes (EPABRI). Rev. bras. psicoter. 2023;25(3):9-24
Artigo Original
Evidências de validade e da Escala de Percepção das Atitudes dos Brasileiros em Relação aos Imigrantes (EPABRI)
Evidence of validity of the scale of attitudes towards immigration (EARI)
Evidencia de validez de la Escala de Actitudes hacia la Inmigración (EARI)
Michael de Quadros Duartea, Letícia Müller Haasb, Wagner de Lara Machadoc, Clarissa Marceli Trentinia
Resumo
Abstract
Resumen
Introdução
Segundo dados do Observatório das migrações internacionais, de 2010 a 2023, o Brasil recebeu 1.605.617 imigrantes advindos principalmente de países do Continente Africano e da América Latina1-3. Esses números podem ser ainda maiores, pois não estão incluídos os dados de imigrantes indocumentados. Os fluxos migratórios ocorrem por uma complexidade de fatores e determinantes, que podem ser políticos, econômicos ou relacionados a catástrofes naturais e crise climática1-4. Além da conhecida receptividade do país aos imigrantes, a alteração da Lei de Imigração (Lei nº 13.445)5 é vista como um dos principais motivos para o aumento no número dos registros. A imigração no país não é um fenômeno novo, pois desde o período colonial se tem registros de chegada de pessoas dos mais diversos continentes às terras brasileiras6.
A imigração é um fenômeno que perpassa diversos países e tem gerado uma série de estudos que investigam a forma como as comunidades que recebem essas populações têm interagido em relação à entrada dos imigrantes7-10. Um grande número de pesquisas acerca das atitudes em relação aos imigrantes concentra-se principalmente na Europa e na América do Norte. Como exemplo, temos o trabalho desenvolvido por Meuleman, Davidov e Billiet11 (2009) que se propuseram a investigar longitudinalmente as atitudes antiimigração em dezessete países europeus, utilizando os bancos de dados do European Social Survey entre os anos de 2002 e 2007. Os resultados apontaram maior abertura em relação à imigração ao longo daqueles cinco anos na maioria dos países estudados, exceto na Espanha, Áustria e Hungria11. O ingresso massivo de imigrantes e a elevação das taxas de desemprego foram apontadas como correlacionadas ao aumento das atitudes anti-imigração11.
Diferentemente dos estudos focados em compreender as atitudes dos nativos em relação aos imigrantes, investigações que analisam o fenômeno da imigração sob a perspectiva do imigrante utilizando métodos quantitativos e instrumentos de medida no Brasil são mais escassas12,13. A maior parte dos estudos com esse caráter são teóricos14,15, ou têm utilizado métodos qualitativos de análise, como entrevistas e grupos focais16-18. Também encontram-se poucos estudos que no seu desenho de pesquisa utilizem métodos mistos, integrando estratégias de coleta de dados quantitativas e qualitativas, como mostra uma revisão sistemática da literatura científica sobre a perspectiva da teoria da migração19. Nos dez anos de cobertura da revisão sistemática (20062016) diferentes métodos de pesquisa foram utilizados principalmente para avaliar aspectos relacionados a bem-estar e saúde mental dos imigrantes, com escassez de instrumentos de medida19. Dado reforçado por uma revisão sistemática realizada somente com a literatura científica brasileira, que de 2004 a 2020 encontrou somente 17 artigos publicados, dentre estes, somente quatros estudos utilizaram métodos quantitativos. Nesses estudos, os instrumentos utilizados buscaram avaliar aspectos relacionados à saúde mental e bemestar20. O menor número de estudos quantitativos que analisam as atitudes em relação à imigração a partir da perspectiva dos imigrantes pode ser explicado, em parte, pela falta de instrumentos voltados a compreender o ponto de vista daqueles que são vítimas dos comportamentos xenófobos.
Na Europa, o instrumento utilizado para analisar o preconceito em relação aos imigrantes que é presente em grande parte dos estudos compõe o módulo de identidade nacional de 2003 do European Social Survey21,22. Este módulo possui seis questões sobre imigração onde os respondentes devem marcar de um (discordo plenamente) a cinco (concordo plenamente). Nesses estudos não são reportadas as propriedades psicométricas do instrumento. Outros instrumentos como o Anti-immigrant prejudice, desenvolvido por Matić, Löw e Bratko23 (2018) na Croácia tem sido utilizados em conjunto com o Right-Wing Authoritarianism (RWA) e a Social Dominance Scale (SDO) nas investigações sobre as atitudes em relação aos imigrantes. O Anti-immigrant prejudice consiste em uma escala de 12 itens respondidos através de uma escala Likert de um (discordo fortemente) a cinco (concordo fortemente) que diferenciam respostas cognitivas, emocionais e comportamentais em relação aos imigrantes em geral. O instrumento demonstrou boas propriedades psicométricas de consistência interna (α = 0,82)23.
Da mesma forma, instrumentos que avaliam a percepção dos imigrantes em relação ao preconceito são escassos. Nos Estados Unidos da América, que há décadas tem recebido imigrantes que acessam o país de forma regular e irregular, alguns pesquisadores tem se dedicado a compreender a forma como os imigrantes percebem o preconceito sofrido pelos nativos. A exemplo disso, Ayón24 (2016) desenvolveu uma escala para mensurar os efeitos das políticas de imigração percebidos pelos imigrantes latinos. A Perceived Immigration Policy Effects Scale (PIPES) foi validada no estado do Arizona, e possui 31 itens que tratam sobre tratamento recebido, vulnerabilidade dos filhos, discriminação e exclusão social24. Esses itens são respondidos através de uma escala Likert de um (nunca) a cinco (sempre) pontos. O estudo foi realizado com uma amostra de 300 imigrantes latinos com idade média de 38 anos (DP = 6,68), apresentando uma solução de quatro fatores com bons índices de ajuste (α = 0,82 até 0,93)24. A limitação do instrumento se dá justamente por ser constituído por itens que levam em conta as políticas de imigração do estado do Arizona.
Nos estudos latino-americanos sobre preconceito em relação à imigração, pela falta de instrumentos específicos, os investigadores utilizam instrumentos que avaliam o preconceito de forma ampla. A exemplo disso, um estudo no Chile buscou investigar as atitudes dos habitantes da região de Antofogasta em relação aos imigrantes bolivianos25. Para esse estudo foi utilizada a escala adaptada de preconceito manifesto e sutil, de Pettigrew e Mertens26 (1995), adaptada por Cárdenas, Music, Contreras, Yeomans e Calderón27 (2007). A escala consiste em 20 itens com opções de resposta do tipo Likert de um (discordo totalmente) a seis (concordo totalmente). Apesar dos esforços empenhados pelos pesquisadores, os índices de ajuste não foram adequados (α = 0,65)27.
Embora o Brasil, nos últimos anos, tenha sido o destino de diversos imigrantes, não se encontram estudos empíricos acerca das atitudes da população em relação à imigração e tampouco da percepção dos imigrantes em relação a forma como são tratados no país19,20. Da mesma forma, não se encontram na literatura instrumentos específicos para essa população, já validados e com boas propriedades psicométricas20. Investir em estudos empíricos que possibilitem a produção de conhecimento sobre a temática pode vir a contribuir em políticas públicas que visem a facilitar os processos de integração dessas populações ao país.
Assim sendo, o objetivo principal desse estudo foi analisar as evidências de validade de construto e de estrutura interna da Escala de Atitudes em Relação à Imigração (EARI) e da Escala de Percepção das Atitudes dos Brasileiros em Relação à Imigração (EPABRI). A EARI é uma escala de autorrelato constituída por 20 itens com afirmativas que são respondidas através de uma escala do tipo Likert que varia de 1 (discordo totalmente) a 7 (concordo totalmente). A escala tem a intenção de mensurar atitudes positivas e negativas em relação à imigração. O instrumento foi criado exclusivamente para esse estudo, uma vez que não foram encontrados instrumentos adaptados e validados para a cultura e idioma brasileiros. Ele conta com itens positivos e negativos divididos em três dimensões (atitudes positivas, preconceito e xenofobia). As propriedades psicométricas do instrumento foram avaliadas a partir dos dados deste estudo.
A EPABRI, por sua vez, é uma escala de autorrelato constituída por 20 itens com afirmativas que são respondidas através de uma escala do tipo Likert que varia de 1 (discordo totalmente) a 7 (concordo totalmente). A escala tem a intenção de mensurar a percepção dos imigrantes das atitudes positivas e negativas dos brasileiros em relação à imigração. Este instrumento também foi criado exclusivamente para este estudo, uma vez que não foram encontrados instrumentos adaptados e validados para essa finalidade. Ele conta com itens positivos e negativos com um único fator (preconceito). Este instrumento foi traduzido para o espanhol por pesquisadores fluentes e/ou nativos que conhecem o tema de pesquisa em questão, buscando evitar possíveis erros de compreensão dos itens. As propriedades psicométricas do instrumento foram avaliadas a partir dos dados deste estudo. Os instrumentos foram aplicados em uma amostra de 175 brasileiros com idades entre 18 e 71 anos e de 40 imigrantes latino-americanos com idades entre 20 e 53 anos.
Método
O delineamento utilizado neste estudo foi o transversal, pois se trata de um recorte específico em um período de tempo28. A amostra foi coletada online por conveniência, através de questionários autoaplicados de março de 2018 a dezembro de 2019. A pesquisa foi divulgada em diferentes grupos de redes sociais, via e-mail e coordenações de graduação e pós-graduação de Universidades públicas e privadas de todo o Brasil. Nas redes sociais usou-se como estratégia inserir-se em grupos de imigrantes latino-americanos no Brasil e realizar o convite para participar do estudo.
Amostra
Participaram deste estudo 175 brasileiros com idades entre 18 e 71 anos (M = 30,4; DP = 11,9) das regiões norte, nordeste, centro-oeste, sudeste e sul, com maior concentração de respostas nesta última região. Os critérios de inclusão para participação foram ser brasileiro, ter no mínimo 18 anos de idade e saber ler e escrever. Participaram também do estudo 40 imigrantes latino-americanos, cuja língua materna era o espanhol, com idades entre 20 e 53 anos (M = 32,7; DP = 8,26), das regiões norte, nordeste, sul e sudeste, com maior concentração de respostas nestas duas últimas regiões. Os critérios de inclusão eram ser imigrante latinoamericano no Brasil, ter no mínimo 18 anos de idade, ter como língua materna o espanhol e saber ler e escrever.
Instrumentos
Os instrumentos utilizados foram o Questionário Sociodemográfico, a Escala de Atitudes em Relação à Imigração (EARI) e a Escala de Percepção das Atitudes dos Brasileiros em Relação à Imigração (EPABRI). O questionário sociodemográfico consiste em 18 itens de autorrelato, nominais e dicotômicos, que tem por intenção levantar dados sociodemográficos acerca dos participantes. São questões relacionadas a sexo, idade, escolaridade, estado civil, renda média familiar e região do país onde residem.
A Escala de Atitudes em Relação à Imigração (EARI) é constituída por 20 itens com afirmativas que são respondidas através de uma escala do tipo Likert29 (1932) que varia de 1 (discordo totalmente) a 7 (concordo totalmente). A escala tem a intenção de mensurar atitudes positivas e negativas em relação à imigração. O instrumento foi criado exclusivamente para esse estudo, uma vez que não foram encontrados instrumentos adaptados e validados para a cultura e idioma brasileiros que avaliassem esse construto. Ele conta com itens positivos e negativos divididos em três dimensões (atitudes positivas, preconceito e xenofobia). A Escala de Percepção das Atitudes dos Brasileiros em Relação à Imigração (EPABRI) é uma adaptação da EARI, composta pelos mesmos 20 itens ajustados com afirmativas que são respondidas através de uma escala do tipo Likert que varia de 1 (discordo totalmente) a 7 (concordo totalmente). A escala tem a intenção de mensurar a percepção dos imigrantes das atitudes positivas e negativas dos brasileiros em relação à imigração, possuindo um único fator denominado Preconceito. Este instrumento foi traduzido para o espanhol por pesquisadores nativos de países latino-americanos de língua espanhola, que conhecem o tema de pesquisa em questão, buscando evitar possíveis erros de compreensão dos itens.
Procedimentos e considerações éticas
Foram seguidos rigorosamente os procedimentos éticos para pesquisas nas áreas de Ciências Humanas e Sociais que constam nas Resoluções 466/2012 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde30. Esse projeto de pesquisa foi submetido para a apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Instituto de Psicologia da UFRGS, sendo possível a consulta do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) sob o número: 05357618.1.0000.5334 e número do parecer: 3.171.358. Foi solicitado que cada participante assinasse o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Nos casos de aplicação online, o participante era encaminhado ao questionário somente após o aceite do TCLE.
Análise dos dados
Para verificar a normalidade da amostra e a homogeneidade das variâncias foi utilizado o teste de Levene e o teste de Kolmogorv-Smirnov. Mantiveram-se os pressupostos necessários à realização dos testes paramétricos, sendo então utilizadas estatísticas de tendência central (média, frequências relativas e absolutas) e de variabilidade (desvio-padrão) para descrever as frequências das variáveis estudadas. Utilizou-se a análise paralela para a retenção dos fatores e a rotação utilizada foi a oblíqua.31 Para analisar as evidências de validade e estrutura interna das escalas foi utilizado o pacote psych32 do ambiente estatístico R para a análise fatorial exploratória, pelo método de extração Minimum Rank Factor Analysis (MRFA).
Resultados
Escala de Atitudes em Relação à Imigração (EARI)
Participaram do estudo de validade de conteúdo e de estrutura interna da Escala de Atitudes em Relação à Imigração (EARI) 175 brasileiros natos que residem em território nacional. Desses participantes, 120 eram mulheres (68,6%) e 55 eram homens (31,4%), com idades entre 18 e 71 anos (M = 30,4; DP = 11,9). A região sul foi a que apresentou o maior número de participantes (86,8%), seguida da região sudeste (4,6%), norte (3,5%), nordeste (3,4%) e centro-oeste (1,7%). A maioria dos respondentes declarou ser heterossexual 85,1% (n = 149), solteiro 61,7% (n = 108), branco 85,7% (n = 150), estar cursando ou possui ensino superior completo 61,7% (n = 108) e ser de esquerda 65,1% (n = 114). O detalhamento desses dados e informações sobre emprego e renda são apresentados na Tabela 1.
artigo anterior | voltar ao topo | próximo artigo |
Rua Ramiro Barcelos, 2350 - Sala 2218 - Porto Alegre / RS | Telefones (51) 3330.5655 | (51) 3359.8416 | (51) 3388.8165-fone/fax