Rev. bras. psicoter. 2023; 25(2):121-134
Magalhaes MM, Szobot CM, Magalhães DVM. O impacto da alienação parental na saúde mental na infância: um relato de caso. Rev. bras. psicoter. 2023;25(2):121-134
Relato de Caso
O impacto da alienação parental na saúde mental na infância: um relato de caso
The impact of parental alienation on childhood mental health: a case report
El impacto de la alienación de los padres en la salud mental infantil: reporte de un caso
Mariana de Medeiros Magalhaesa; Claudia Maciel Szobota; Daiana Velho de Medeiros Magalhãesb
Resumo
Abstract
Resumen
Introdução
Segundo o dicionário Aurélio, família significa "pessoas do mesmo sangue"; "pessoas aparentadas que vivem na mesma casa, particularmente o pai, a mãe e os filhos"; "ascendência, linhagem". Esses conceitos remeteram à família como núcleo de reprodução e de aparentados durante muitos anos. Contudo, essas concepções, na atualidade, não dão conta das alterações ocorridas na instituição família, pois não contemplam a pluralidade de composições que se forjam para além do modelo nuclear de família1.
O divórcio se tornou endêmico em todo o mundo a partir da metade do século passado, proporcionando um impacto significativo no ciclo de vida familiar. No Brasil, só foi regulamentado em 1977, com a Lei 6.515, que legalizou sua prática naquela época. Até então, não era juridicamente possível requerer um novo casamento, e, sem o respaldo da lei, um homem e uma mulher que vivessem maritalmente não eram bem aceitos socialmente. A promulgação da lei do divórcio permitiu novos casamentos e, por conseguinte, novos padrões de família2.
Nesse aspecto, de acordo com a escala de Holmes e Rahe (1967)3 de eventos estressantes de vida, o divórcio vem em segundo lugar, depois da morte de um dos cônjuges. Grandes ajustes individuais precisam ser feitos em dois níveis, emocional e prático: ajustamento à separação, com todo o tumulto emocional que a acompanha, e ajustamento à nova vida, com os problemas numa área afetando o ajustamento na outra4.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística5, em 2021, o país bateu o recorde em separações, sendo registrados 80.573 divórcios, o maior número desde 2007. Diante desse aumento significativo de rompimento conjugal, sistemas familiares esfacelados, proliferam-se, na atualidade, no caso de casais que têm filhos, situações de "alienação parental", onde a legislação brasileira, ao preceituar sobre este assunto, não adentrou aos aspectos formais médicos.
Entre as décadas de 1980 e 1990, o assunto tem se destacado em tribunais no mundo todo e no Brasil não foi diferente. Em agosto de 2010, foi promulgada a Lei n. 12.3186, conceituando ato de alienação parental como a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este7 .
Segundo o art. 2, da lei n. 12.318, já citada anteriormente, são formas exemplificativas de alienação parental: realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade, dificultar o exercício da autoridade parental, dificultar contato de criança ou adolescente com genitor, dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar, omitir deliberadamente ao genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço, apresentar falsa denúncia contra o genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente6 .
Buscando compreender qual é o perfil do tipo de criança/adolescente alienada no nosso país, encontramos poucos dados na literatura. Isso ocorre por vários motivos, dentre eles: a maioria dos processos não se originam como uma alienação parental (geralmente são desencadeados de outros processos primários, inclusive o divórcio), a dificuldade de acesso aos processos jurídicos, necessitando de deferimento judicial, serem processos sigilosos, dentre outros8.
Uma pesquisa realizou uma caracterização descritiva de processos judiciais referenciados com alienação parental em uma cidade na região Sul do Brasil e encontrou o seguinte perfil da maioria das crianças sujeitas a esse processo: sexo feminino, filho único, cursando o ensino fundamental e estudando em escola privada8.
Por último, mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós6.
Infelizmente, muitas vezes, em decorrência da própria litigiosidade que decorre da disputa dos cuidados do menor, este é confundido como uma "propriedade" e um poder existente para atingir as finalidades em relação ao outro cônjuge.
Deste modo, visando resguardar única e exclusivamente o interesse do menor e minimizar esse tipo de conflito, a Lei n. 13.058 trouxe a obrigatoriedade da guarda compartilhada, em que são mantidos todos os efeitos do poder familiar que o pai e a mãe (considerando-se uma união heteroafetiva) possuem, visando prestigiar a convivência com ambos os pais9.
Assim, transpondo-se a mera visita em que a responsabilidade fica, necessariamente, a cargo do outro genitor que detém a guarda, transcendendo interesses individuais e suplantando-os à necessidade emergente de que o casal precisa entender que o vínculo do casamento permanece com a criação da criança e/ou adolescente, independentemente da diferença alcançada que levou ao término da sua relação conjugal.
No que tange à guarda compartilhada, esta consagra o disposto no art. 9º, 3, da Convenção Sobre Direito da Criança10, que visa garantir o direito das crianças manterem regularmente contato com ambos os pais. A modalidade conjunta havia sido instituída pela Lei n. 11.698, de 13 de junho de 200811, alterando os arts. 1.583 e 1.584 do Código Civil12. Nessa modalidade, os filhos permanecem assistidos por ambos os genitores, dividindo responsabilidades, sem a necessidade de fixação prévia e rigorosa dos períodos de convivência, mas participando, ambos, das principais decisões relativas à educação, instrução, religiosidade, saúde, lazer etc13.
No entanto, mesmo em situações onde os pais estão se digladiando, caso somente um deles não aceite a guarda conjunta, não há óbices para o juiz fixá-la, desde que observando o melhor interesse do menor, a capacidade de ambos os genitores de exercer referido encargo e a orientação da equipe interdisciplinar, determinada de ofício ou a requerimento do Ministério Público12.
Malgrado previsão legal a tendência ainda é não acreditar que o compartilhamento da guarda gere efeitos positivos se decorrer de determinação judicial, sob a justificativa de que é necessário o consenso entre as partes. Porém, a prática tem mostrado, com frequência indesejável, ser sim a guarda única propiciadora de insatisfações, conflitos e barganhas envolvendo os filhos. Na verdade, a guarda única apresenta maiores chances de acarretar insatisfações ao genitor não guardião, que tenderá a estar mais queixoso e contrariado quando em contato com os filhos14.
Porém, existem alguns casos em que se opta pela guarda unilateral que, à luz do Código Civil de 200212, pode ser compreendida como a atribuída pelo juiz a um dos pais, ou a terceiro (quando nenhum destes preencher as condições necessárias para tal), quando os genitores não chegarem a um acordo e se tornar inviável para o menor a guarda compartilhada, dado que esta é a preferencial15.
Assim, esta modalidade de guarda deve ser aplicada somente diante da impossibilidade da aplicação da compartilhada (que pode ser requerida por qualquer dos genitores, ou por ambos, mediante consenso ou ser decretada de ofício pelo juiz, em atenção às necessidades específicas do filho), visto que a modalidade unilateral apresenta como inconveniente o fato de privar o menor do convívio diário e contínuo com os seus genitores16 .
Dessa forma, para aplicar referida guarda, deve o juiz indicar os fatores de melhor aptidão para a sua atribuição a um dos genitores. Entre estes fatores estão: violência doméstica, renúncia de um dos genitores, o afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; e a instabilidade que tal arranjo pode gerar nas crianças envolvidas, instabilidade esta proveniente das frequentes mudanças de ambiente, dentre outros15,16.
Deste modo, cabe ao magistrado, diante do caso concreto, e valendo-se se necessário do auxílio de equipe multidisciplinar, levar em conta a melhor solução para o interesse global da criança ou do adolescente, não se olvidando outros fatores relevantes, como dignidade, respeito, lazer, esporte, profissionalização, alimentação, cultura etc.17.
Apesar de a guarda compartilhada ser uma questão de saúde pública, existem barreiras jurídicas para sua efetiva implementação, e, paradoxalmente, os argumentos jurídicos para a não concessão de guarda compartilhada se baseiam em premissas relacionadas à saúde das crianças18.
Para refletir a respeito de alienação parental, no entanto, é necessário diferenciá-la da Síndrome da Alienação Parental (SAP), que foi definida inicialmente por Richard Gardner, professor de psiquiatria infantil da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos da América, a partir de sua experiência como perito judicial, em meados dos anos 198019.
Segundo Gardner, a SAP é um distúrbio infantil que surge, principalmente, em contextos pela disputa pela posse e guarda de filhos. Manifesta-se por meio de uma campanha de difamação que a criança realiza contra um dos genitores, sem que haja justificativa para isso. Segundo o psiquiatra norte-americano, a SAP é mais do que uma lavagem cerebral, pois inclui fatores conscientes e inconscientes que motivariam um genitor a conduzir seu filho ao desenvolvimento dessa síndrome, além da contribuição ativa deste na difamação do outro responsável20.
A síndrome da alienação parental diz respeito às sequelas emocionais e comportamentais que são consequências da alienação parental. Pode-se dizer que a SAP se refere à conduta da criança ou adolescente que se afasta do genitor alienado de modo injustificado, provocado pelo outro genitor, no caso, o titular da custódia da criança ou adolescente. Portanto, entende-se que a síndrome diz respeito às consequências apresentadas pela vítima, ou seja, pela criança, enquanto que a alienação parental diz respeito ao processo de afastamento realizado pelo genitor ou responsável legal da criança ou adolescente20.
Para análise da temática de alienação parental, foi escolhido um Relato de Caso de um paciente de quatorze anos, internado em uma enfermaria Psiquiátrica Infantil. Ele traz o sofrimento de um adolescente que apresentou sintomas depressivos, pensamentos suicidas e anorexia nervosa a partir de uma separação conjugal que foi desarmoniosamente conduzida. Logo, trata-se de um rico espaço para analisar a questão da alienação parental, considerando os sintomas de quem sofreu com essa temática e também de especialistas que discorrem sobre as causas, condições e soluções referentes à temática em questão20.
É importante ressaltar que, quando a conjugalidade chega ao fim, apesar de muitas vezes vir carregada de sofrimento por ser o fim de um ciclo familiar, não significa a infelicidade dos filhos, desde que a separação seja feita de uma forma bem resolvida psiquicamente e que resolvam de forma saudável suas questões subjetivas. Infelizmente, por nem sempre ser feita dessa maneira, a alienação parental é um fenômeno cada vez mais comum e reconhecido por profissionais da área jurídica e psicossociais, porém, pouco discutido no âmbito da psiquiatria19.
Pôde-se perceber, portanto, a necessidade de debater sobre a temática, que traz graves consequências para o pleno desenvolvimento da criança, acarretando em sequelas na vida adulta. Por isso, esse estudo buscou ampliar o olhar para as consequências desse fenômeno sobre a vítima, e teve como objetivo geral discutir, a partir do Estudo de Caso, os impactos da alienação parental na saúde mental da prole envolvida, bem como as possíveis implicações psicossociais na vida adulta da criança que sofreu alienação parental19.
Método
Foi utilizado como princípio metodológico o estudo de caso, que é um dos caminhos da pesquisa qualitativa. A pesquisa qualitativa, diferentemente da pesquisa quantitativa, não procura mensurar, enumerar e medir os eventos estudados. As questões ou o foco da pesquisa têm amplos interesses, que vão sendo definidos ao longo do desenvolvimento do estudo21.
Os dados são analisados a partir de uma abordagem interpretativa e compreensiva dos fenômenos estudados e em seu contexto, pois esses fenômenos são melhor observados e compreendidos no contexto em que ocorrem e do qual estão inseridos e fazem parte. Logo, devem ser analisados a partir de uma perspectiva integrada, onde o ambiente e as pessoas neles inseridas não são reduzidos a variáveis, mas observados como um todo21.
Já o estudo de caso tem como objeto analisar profundamente uma dada unidade social, ou seja, propõe-se um estudo aprofundado de um ambiente, de uma situação singular ou de um sujeito. Esse método é mais utilizado quando não se objetiva controlar os eventos estudados, e sim compreendê-los, é também quando se procura responder a questões referentes ao "como" e "por quê" certos fenômenos ocorrem e quando o interesse se trata de fenômenos contemporâneos, que só são analisados a partir de uma situação de vida real, adotando um enfoque descritivo e exploratório, devendo mostrar a pluralidade de dimensões presentes em um determinado cenário, já que a realidade é sempre complexa21.
Este estudo ocorreu entre o mês de fevereiro de 2022 e o mês de junho de 2022, a partir da análise de um único referente a um paciente internado na Enfermaria Psiquiátrica Infantil do HCPA, por meio de dados do prontuário e de atendimentos psicoterápicos realizados durante sua internação.
Foi dividido em etapas: a primeira consistiu em uma etapa exploratória, definindo a questão e os objetivos, além de buscar através da literatura e artigos referentes à área psiquiátrica, da psicologia jurídica e jurídica do conhecimento dos fenômenos que foram estudados; e a segunda se caracterizou pela coleta de dados, feita através de dados do prontuário e atendimentos psicoterápicos realizados durante a internação. A terceira e última etapa foi caracterizada pela análise dos dados, que foi formalizada depois da coleta de dados, sendo possível, nesta fase, compreender e dar significado aos objetivos delimitados anteriormente, a partir dos referenciais teóricos.
Ressalta-se que, por se tratar de um estudo de caso de dados já existentes e preservando o sigilo da pré-púbere, não há riscos mínimos, não havendo necessidade do projeto de pesquisa ser submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do HCPA.
Resultado e discussão
Paciente do sexo masculino, 14 anos, matriculado no 8º ano do Ensino Fundamental em escola particular de uma cidade no interior do Rio Grande do Sul. Os genitores (mãe, 35 anos, funcionária de uma loja de um Shopping; pai, 38 anos, servidor público) compartilhavam a guarda de dois filhos, que trocavam de residência quinzenalmente. Ambos os pais possuem diagnóstico de Transtorno Afetivo Bipolar.
Paciente foi admitido para internação psiquiátrica no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) devido a um quadro de Restrição Alimentar Grave e ideação suicida ativa (ingestão medicamentosa). Os sintomas iniciaram-se há dois anos da admissão e intensificaram-se nos últimos seis meses. O quadro caracterizava-se por restrição da ingesta calórica em relação às necessidades, medo intenso de ganhar peso, ausência persistente de reconhecimento da gravidade do baixo peso, exercícios aeróbios excessivos e distorção de imagem corporal. Aos sintomas descritos, associavam-se isolamento social, humor deprimido, acentuada diminuição do interesse em quase todas as atividades, sentimentos de inutilidade e pensamentos recorrentes sobre morte, com plano ativo de suicídio por ingestão medicamentosa.
No momento da admissão, o exame do estado mental do paciente caracterizava-se por atitude colaborativa, lúcido, orientado, normopréxico, hipotímico, negando alucinações visuais ou auditivas, juízo crítico presente e insight prejudicado. Memória e inteligência não foram testadas. Apresentava IMC de 12,7 (quadro de desnutrição grave).
O adolescente viveu em uma cidade do continente asiático, dos 2 anos até os 11 anos de idade. Por se tratar de um local violento, as crianças restringiam-se a passar a maior parte do tempo na escola ou em casa com a mãe, de modo que o vínculo mãe e os filhos era intenso. O ambiente familiar foi descrito como estressante, sobretudo devido aos constantes conflitos verbais entre o casal. Nos últimos dois anos, as brigas eram quase diárias, posto que a esposa descobriu várias traições do marido. Meses após o retorno para a cidade natal do paciente, o casal resolveu seguir em casas diferentes, dando início a um longo processo litigioso, período em que coincidiu com a Pandemia COVID-19.
Os sintomas psiquiátricos surgiram dois anos antes da internação, após o retorno da família ao Brasil. A mudança de rotina neste país foi contrastante: agora as crianças dividiam suas rotinas revezando entre duas casas, mudando a cada semana seus cuidados e pertences. Na semana da mãe, ouviam coisas como as traições do pai, do sofrimento materno pelo genitor ter "destruído e abandonado" a família, sobre brigas ocorridas pelo casal, que o pai não as amava, que iria começar a viajar por vários locais do mundo para se "livrar dos filhos", que somente pagava a pensão para não ser preso e não para o bem-estar dos meninos. O garoto, que costumava ser mais próximo do pai, sentia saudade de tê-lo por perto e, ao mesmo tempo, se sentia culpado por amá-lo.
Com o passar do tempo, a criança foi se tornado porta-voz (como não se falavam, a menina transmitia informações de um ao outro) e confidente da mãe. A magreza extrema associada a uma personalidade introspectiva contribuía para que se tornasse alvo de bullying na escola, que era guardado para si, afinal, "meus pais já tinham muitos problemas e todos da família já estavam sofrendo muito com aquilo tudo".
Com a separação do casal, o menino via os pais envolvidos na reconstrução de suas próprias vidas, preocupados com o trabalho, as finanças, com mil e um problemas que os cegavam para as necessidades do filho. Este, incapaz de controlar as escolhas de seus genitores, controlava as calorias ingeridas e usava estratégias para perder peso (não se agasalhar adequadamente, descartar alimentos, ficar de pé enquanto montava um quebra-cabeça, tudo valia). Nas terapias durante a internação, o menino atribuía seus atos à "voz da anorexia", que, muitas vezes, se confundia com o próprio paciente.
Seguir adoentado se tornava, portanto, importante e necessário para que o menino, carente de afeto e de atenção, se sobressaísse diante do divórcio dos seus pais.
Mesmo na internação, este cenário permanecia, e a púbere, semana após semana, ganhava o mínimo de peso. Foi necessário que a Equipe de Saúde Mental mostrasse aos pais o impacto da AP no quadro e na evolução do filho para que as mudanças começassem a acontecer. Ambos também iniciaram terapia individual e passaram a ser acompanhados pela Psiquiatria Geral, posto que também estavam emocionalmente adoecidos.
O ex-casal procurou preservar as relações parentais, o que possibilitou certa segurança emocional à prole, e conseguiram criar um novo arranjo familiar. Com a mudança do cenário, o menino passou a apresentar melhora do quadro depressivo, conseguiu exteriorizar seus medos e inseguranças nas terapias individuais e teve melhora progressiva do quadro de anorexia.
Após a internação o paciente realizou duas sessões ambulatoriais num período de três meses para reavaliação do quadro psiquiátrico. o adolescente relatou que ainda se sentia inseguro para externalizar para a mãe o afeto que possuía pelo pai por medo de que isso pudesse, de alguma forma magoá-la mesmo não sendo mais repreendida pela genitora quando externalizava tais sentimentos.
G. conseguiu, aos poucos, retornar para a escola e para suas atividades cotidianas. A família optou por dar segmento com a equipe de Saúde Mental na sua própria cidade posteriormente.
O rompimento conjugal
A simples missão de crescer é algo intenso e transformador na vida de alguém, sem que haja qualquer circunstância externa que agrave esse complexo desenvolvimento natural. A ruptura da relação amorosa dos genitores se traduz em um ingrediente a mais que a criança enfrentará ao lidar com uma situação ímpar e impactante sob o ponto de vista psicológico das pessoas afetadas em determinado núcleo familiar22.
A inexperiência decorrente da própria tenra idade e a perda do convívio diário com uma das pessoas amadas sob o mesmo teto sempre impõem um incremento ainda maior na confusão de emoções que decorrem da divisão de um núcleo familiar, o que é experimentado sempre que há uma separação do casal que ampara o núcleo familiar22.
Os filhos são afetados de diversas maneiras, sentem-se impotentes diante da ruptura e das mudanças ocasionadas; rejeitados e abandonados, uma vez que, principalmente crianças pequenas, não conseguem compreender por que um dos pais se afasta do lar; passam a achar que são os culpados pelo desenlace dos pais - principalmente se a idade da criança (entre 3 e 6 anos) coincide com a fase fálica ou edípica de Freud -, quando se inicia a triangulação, ou seja, a inclusão do pai, que iria criar as condições conflituosas em que o menor tem um forte desejo instintivo pelo progenitor do sexo oposto e repudia o do mesmo sexo, por ciúmes - momento em que a criança já se sente culpada, pois em seu amago ama os dois23.
Dessa forma, a criança pode vir a desenvolver doenças relacionadas à separação do casal progenitor, sem estabelecer, no entanto, a existência de qualquer conflito, a simples divisão do núcleo familiar é um evento traumático, especialmente à criança, já que não tem maturidade suficiente para entender os arranjos sociais decorrentes do núcleo familiar como os adultos que os cingiam, muito menos são capazes de entender a complexidade de sentimentos que envolvem um relacionamento afetivo24.
A separação/ruptura do vínculo conjugal, por si só, traduz em uma mudança impactante de rotinas, das quais devem ser remediadas em prol da própria prole afetada pela divisão do núcleo familiar25.
Contudo, a situação se agrava quando os genitores, que têm o dever de zelar para que a separação seja menos traumática possível às crianças e aos adolescentes, são igualmente imaturos e utilizam os próprios filhos para atingir o outro genitor, normalmente este tido como "culpado" pelo término da relação afetiva, sem se dar conta dos efetivos prejuízos psicológicos e psiquiátricos que podem causar aos filhos alienados25.
Com a dissolução da união, os filhos ficam fragilizados, com sentimentos de orfandade psicológica. Este é um terreno fértil para plantar a ideia de terem sido abandonados. Fica fácil o guardião convencer o filho de que o outro genitor não o ama e faz com que acredite em fatos que não ocorreram com o só intuito de levá-lo a afastar do pai25.
Sequelas à saúde mental da criança
As consequências da alienação mental são espantosas, pois afetam diretamente a saúde mental da criança vitimada e seus danos são severos por este ato de perversidade, tanto que a Organização Mundial de Saúde (OMS), ao publicar o 11º Código Internacional de Doenças (CID-11), incidiu os atos alienativos como uma doença regulamentada26.
A consequência mais evidente é a quebra da relação com um dos genitores. As crianças crescem com o sentimento de ausência, vazio, e ainda perdem todas as interações de aprendizagem, de apoio e de modelo27:67 .
Na área psicológica, também são afetados o desenvolvimento e a noção do autoconceito e autoestima, carências que podem desencadear depressão crônica, desespero, transtorno de identidade, incapacidade de adaptação, consumo de álcool e drogas e, em casos extremos, podem levar até mesmo ao suicídio.
A Síndrome de Alienação Parental pode ter as seguintes consequências28:105-106:
a. Raiva excessiva voltada para o genitor alienado
b. Perda ou ausência de controle de impulsos
c. Perda da autoconfiança e da autoestima
d. Ansiedade de separação
e. Medos e fobias
f. Depressão e Ideação suicida
g. Distúrbios do sono
h. Transtornos alimentares
i. Dificuldades escolares
j. Abuso de drogas e comportamentos autodestrutivos
k. Comportamento obsessivo compulsivo
l. Ansiedade e ataques de pânico
m. Identidade sexual prejudicada
n. Dificuldade nos relacionamentos
o. Sentimentos de culpa excessivos
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