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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2023; 25(2):35-50



Artigo Original

Associações entre Esquiva Experiencial, Habilidades Sociais e Satisfação Conjugal em uma amostra de casais brasileiros

Associations between Experiential Avoidance, Social Skills and Marital Satisfaction in a sample of Brazilian couples

Asociaciones entre Evitación Experiencial, Habilidades ociales y Satisfacción Marital en una muestra de parejas brasileñas

Fanny Bohnenberger Ruschela; Jocelaine Martins da Silveiraa; César Augusto Taconelib

Resumo

INTRODUÇÃO: A qualidade e a satisfação em um relacionamento de casal podem estar associadas a diversos fatores, incluindo a chamada esquiva experiencial (EE). A EE tem sido investigada em populações diversas e é considerada um processo crítico para o desenvolvimento e manutenção de diversos transtornos psicológicos. O objetivo do estudo é investigar associações entre a esquiva experiencial, habilidades sociais conjugais satisfação conjugal e fatores sociodemográficos em pessoas que estão engajadas em relacionamentos românticos.
MÉTODO: consiste na aplicação dos seguintes instrumentos: Questionário de Aceitação e Ação II, Inventário de Habilidades Sociais Conjugais e Escala de Satisfação Conjugal, além de um breve questionário sociodemográfico. A aplicação foi conduzida online, por videoconferência síncrona. Participaram do estudo, 75 pessoas, dentre elas, 18 casais. O recrutamento foi na forma bola de neve e a seleção envolveu uma triagem no google forms.
RESULTADOS: indicaram correlações entre altos escores de EE e insatisfação conjugal, altos escores de EE e baixos escores de habilidades sociais conjugais. Os escores de EE aferidos foram, em média, maiores nas mulheres, além de serem maiores, em média, nas pessoas que relataram ter algum diagnóstico psiquiátrico.
DISCUSSÃO: Os resultados das associações da EE com variáveis de gênero e diagnóstico psiquiátrico corroboram dados da literatura. Dentre as limitações do estudo, discute-se o tamanho e a aleatorização da amostra, assim como a falta de dados quanto ao diagnóstico psiquiátrico e a influência de tratamentos anteriores.
CONCLUSÃO: As altas correlações encontradas na amostra podem ajudar a nortear procedimentos terapêuticos com casais.

Descritores: Esquiva experiencial; Satisfação conjugal; Habilidades sociais conjugais; Casais

Abstract

INTRODUCTION: Quality and satisfaction in a couple relationship may be associated with several factors, including the so-called experiential avoidance (EE). EE has been investigated in different populations and is considered a critical process for the development and maintenance of several psychological disorders. The aim of the study is to investigate associations between experiential avoidance, marital social skills, marital satisfaction and sociodemographic factors in people who are engaged in romantic relationships.
METHOD: consists of applying the following instruments: Acceptance and Action Questionnaire II, Inventory of Marital Social Skills and Marital Satisfaction Scale, in addition to a brief sociodemographic questionnaire. The assessment was conducted online, by synchronous videoconference. 75 people participated in the study, including 18 couples. Recruitment was snowballed and selection involved screening on Google forms.
RESULTS: showed correlations between high EE scores and marital dissatisfaction, high EE scores and low marital social skills scores. The measured EE scores were, on average, higher in women, in addition to being higher, on average, in people who reported having a psychiatric diagnosis.
DISCUSSION: The results of associations between EE and gender variables and psychiatric diagnosis corroborate literature data. Among the limitations of the study, the size and randomization of the sample are discussed, as well as the lack of data regarding the psychiatric diagnosis and the influence of previous treatments.
CONCLUSION: The high correlations found in the sample can help guide therapeutic procedures with couples.

Keywords: Experiential avoidance; Couple satisfaction; Couple social skills; Couples

Resumen

INTRODUCCIÓN: La calidad y satisfacción en una relación de pareja puede estar asociada a varios factores, entre ellos la denominada evitación experiencial (EE). La EE ha sido investigada en diferentes poblaciones y se considera un proceso crítico para el desarrollo y mantenimiento de varios trastornos psicológicos. El objetivo del estudio es investigar las asociaciones entre la evitación experiencial, las habilidades sociales conyugales, la satisfacción conyugal y los factores sociodemográficos en personas que mantienen relaciones románticas.
MÉTODO: Consiste en la aplicación de los siguientes instrumentos: Cuestionario de Aceptación y Acción II, Inventario de Habilidades Sociales Conyugales y Escala de Satisfacción Conyugal, además de un breve cuestionario sociodemográfico. La aplicación se realizó en línea, por videoconferencia síncrona. 75 personas participaron en el estudio, incluidas 18 parejas. El reclutamiento fue una bola de nieve y la selección involucró la detección en los formularios de Google.
RESULTADOS: mostraron correlaciones entre puntajes altos de EE e insatisfacción conyugal, puntajes altos de EE y puntajes bajos de habilidades sociales conyugales. Los puntajes de EE medidos fueron, en promedio, más altos en las mujeres, además de ser más altos, en promedio, en las personas que informaron tener un diagnóstico psiquiátrico.
DISCUSIÓN: Los resultados de asociaciones entre EE y variables de género y diagnóstico psiquiátrico corroboran datos de la literatura. Entre las limitaciones del estudio se discuten el tamaño y la aleatorización de la muestra, así como la falta de datos sobre el diagnóstico psiquiátrico y la influencia de tratamientos previos.
CONCLUSIÓN: Las altas correlaciones encontradas en la muestra pueden ayudar a orientar los procedimientos terapéuticos con las parejas.

Descriptores: Evitación experiencial; Satisfacción de pareja; Habilidades sociales de pareja; Parejas

 

 

Introdução

Fatores associados à qualidade e à satisfação com o relacionamento romântico vem sendo amplamente estudados1,2,3,4. A literatura indica que certos aspectos ligados à insatisfação e à problemas na relação consistem em comportamentos de esquiva, entre eles, a esquiva experiencial (EE)5,6,7. A EE é definida como tentativas de alterar, controlar ou escapar de eventos privados aversivos, como pensamentos, sensações ou sentimentos, ainda que tais tentativas causem danos psicológicos. O termo esquiva, neste contexto, inclui explicitamente fuga e esquiva em todas as suas formas, desde que sejam utilizadas como métodos de alterar experiências privadas (emoções, pensamentos e memórias) e também o contexto que as ocasionam. Ainda de acordo com os autores, as tentativas de controle de experiências colocam a pessoa em situações com alto risco de depressão, ansiedade, stress e abuso de substâncias8.

Em casais com pretensão de ter filhos e com problemas de infertilidade, dados indicam a presença de altos índices de EE. A EE estava presente em níveis maiores nas mulheres, sendo menos tolerantes a eventos privados como sentimentos (vergonha e ansiedade) e pensamentos como "Nunca serei mãe" e "Esse tratamento não irá funcionar"9. Em outro estudo, investigou-se o apoio do parceiro como fator de proteção para redução de esquiva experiencial em mulheres grávidas que sofriam com sintomas de estresse pós-traumático em uma amostra de 154 casais. Observou-se que a gravidade dos sintomas do trauma foi associada a níveis mais elevados de EE porém, entre as mulheres, o impacto dos sintomas de trauma na EE não foi significativo quando ela recebeu o apoio de um parceiro10 .

O papel da EE no ajuste do relacionamento, agressão psicológica e agressão física entre casais formados por militares e suas parceiras foi investigado, por meio da aplicação do Acceptance and Action Questionnaire II, em 49 soldados que haviam retornaram recentemente do Iraque e suas parceiras. Os resultados indicaram que a EE dos homens foi associada à diminuição no ajustamento ao relacionamento, em aumentos na perpetração de agressão física e em vitimização11. Os autores concluíram que esses dados fornecem evidências de que a EE pode desempenhar um papel crítico nos relacionamentos entre casais, e deve ser focada em terapia. Em um outro estudo 12, examinou-se a relação entre flexibilidade cognitiva, esquiva experiencial e sofrimento psicológico entre 92 mulheres que relataram histórico de vitimização interpessoal. Os resultados indicam que os construtos estão significativamente relacionados à sintomatologia do estresse pós-traumático e à depressão.

A relação entre a EE e a qualidade do relacionamento também foi avaliada. Em uma amostra de 228 casais militares dos Estados Unidos, utilizando um instrumento denominado AAQ-II, observou-se que, para ambos os membros da díade, altos índices de esquiva experiencial foram associadas com qualidade de relacionamento inferior. O nível de EE em homens foi associado a comunicação negativa com suas parceiras, bem como à qualidade de relacionamento. O estudo salienta ainda que intervenções que visam a EE e as habilidades positivas de comunicação do casal podem fortalecer os relacionamentos conjugais de militares, após o envio para a guerra13. Em outro estudo, também nos Estados Unidos, as influências conjuntas da EE e da resolução de problemas sociais, na relação entre abuso emocional na infância e violência por parceiro íntimo foram analisadas. Para isso, 232 mulheres foram recrutadas e completaram medidas de avaliação de abuso emocional, físico e sexual na infância, esquiva experiencial, resolução mal adaptativa de problemas sociais e perpetração e vitimização de violência por parceiro íntimo. Os resultados indicaram que o abuso emocional na infância esteve indiretamente associado à vitimização e perpetração de violência por parceiro íntimo por meio de EE e estratégias de resolução de problemas sociais de Orientação para Problemas Negativos e Estilo de Impulsividade /Descuido14.

Em relação ao risco de violência em relações íntimas, a EE também figura como elemento importante. Em uma amostra de estudantes universitários do Tennessee, foi proposta uma avaliação da existência de relação entre EE e a violência praticada por homens em relações de namoro, mantendo-se atentos à influência de variáveis como idade, satisfação com o relacionamento e consumo de álcool. Os resultados demonstraram que a EE foi positivamente associada à perpetração de agressão psicológica, física e sexual, e que permaneceu associada à agressão psicológica e sexual, após o controle da idade, satisfação no relacionamento e uso de álcool15. Em outro estudo, investigou-se o papel da linguagem no desenvolvimento do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), em mulheres vítimas de violência em relações íntimas. Para isso, foram realizadas medidas de violência em relações íntimas, como abuso físico e psicológico. Os resultados indicam que a medida de EE é um preditor significativo do desenvolvimento de sintomas de TEPT. Além disso, a EE serviu também como mediador entre a experiência de violência em relações íntimas e o desenvolvimento de sintomas de TEPT. A conclusão da autora é que mulheres que passam por experiências de violência e demonstram repertório forte de EE parecem ser mais propensas a exibir sintomas característicos do TEPT16.

No Brasil, foram encontradas fortes correlações de três classes de habilidades sociais conjugais (autocontrole proativo, autocontrole reativo e expressividade/empatia) (aferidas com o Inventário de Habilidades Sociais Conjugais) e a satisfação conjugal dos maridos, (aferida com a Escada de Satisfação Conjugal) além de correlações de três classes de habilidades sociais conjugais dos maridos (conversação assertiva, autoafirmação assertiva e expressividade/empatia) com a satisfação conjugal das esposas17. Estudos que investigam satisfação conjugal e habilidades sociais percebidas no cônjuge sugerem que as habilidades sociais, especialmente a empatia, parecem ser facilitadores da satisfação conjugal18.

Portanto, no presente estudo o objetivo foi relações entre habilidades sociais conjugais, satisfação conjugal e EE em uma amostra de brasileiros que se declararam em um relacionamento monogâmico estável. Portanto, foi realizada uma exploração sobre habilidades sociais conjugais, satisfação conjugal e EE, além de sua prevalência e associação em uma amostra da população brasileira. Algumas hipóteses foram consideradas: 1) a de que níveis maiores de EE estariam associados a níveis maiores de insatisfação conjugal e 2) a de que níveis maiores de EE seriam associados a níveis menores de habilidades sociais conjugais.

Método Participantes

Foi selecionada uma amostra de conveniência para o estudo, constituída por indivíduos que declarassem estar em um relacionamento monogâmico de qualquer orientação afetiva (homoafetiva ou heteroafetiva), além de se declararem comprometidos com o relacionamento. Os participantes deveriam ter escolaridade mínima de nível segundo grau completo e estarem juntos há pelo menos dois anos. Os participantes foram recrutados por mídias sociais como Whatsapp, Facebook e Instagram e todos residiam nas cidades de Curitiba PR ou Porto Alegre RS.

Aspectos Éticos

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Setor de Ciências da Saúde da UFPR, com o número de aprovação 4.947.361. Todos os aspectos éticos foram seguidos conforme a resolução 466/2010. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, deixando claro que a pesquisa é de caráter voluntário, havendo a possibilidade de desistência a qualquer momento.

Materiais

Software R para computação estatística versão 4.1.2, Google Meet, Power Point, Manual do Inventário de habilidades Sociais Conjugais (IHSC), Escala de Satisfação Conjugal (ESC) e Questionário de Aceitação e Ação II e folhas de respostas correspondentes aos instrumentos.

Instrumentos

a) Questionário de Aceitação e Ação II: O instrumento, em sua segunda versão, é composto por 7 questões que avaliam, de modo geral, a veracidade de afirmações que descrevem eventos privados como barreiras ao engajamento em diversos comportamentos relacionados a uma vida focada em valores individuais. As respostas são dadas de acordo com uma escala de sete pontos, entre um (nunca) e sete (sempre), e os escores finais variam entre sete e 49. Escores mais elevados indicam maior inflexibilidade psicológica19. O Questionário de Aceitação e Ação II foi validado no Brasil em 201520. O instrumento foi respondido por 1.352 estudantes universitários. A análise fatorial exploratória indicou uma estrutura unifatorial, que explica 48,42% da variância do construto. Da mesma forma, embora os itens da escala avaliem esses processos correlatos, configuram um único fator. As cargas fatoriais foram elevadas e o valor, também, alto do alpha de Cronbach de 0,87 sugere a fidedignidade do instrumento.

b) Escala de satisfação conjugal (ESC).É uma escala com 24 itens e que apresenta bons índices de precisão (alfas entre 0,81 e 0,90) aferidos em sua pesquisa original21 e estrutura de três fatores (satisfação com os aspectos emocionais do cônjuge, satisfação com a interação conjugal e satisfação com a forma de organização e de estabelecimento e cumprimento de regras pelo cônjuge). Os dados foram replicados no Brasil22, obtendo valores elevados de fidedignidade (alfas entre 0,79 e 0,86) e estrutura com três fatores correspondentes aos do estudo original criado no México.

c) Inventário de habilidades sociais conjugais (IHSC): Escala brasileira que avalia a frequência de comportamentos que demonstrem habilidade social em situações conjugais23. Possui 32 itens divididos em seis fatores: Comunicação e expressividade (Alfa = 0,68), asserção de autodefesa (Alfa = 0,62), expressão de intimidade (Alfa = 0,63), autocontrole empático (Alfa = 0,60), asserção proativa (Alfa = 0,53) e evitação de conflitos (Alfa = 0,53), que explicam 45,4% da variância total da escala.

d) Questionário de caracterização sociodemográficas: Questionário criado pelos autores para caracterização da amostra. Disponível na plataforma Google Forms constituído de questões sobre gênero, idade, escolaridade, orientação sexual, nível de escolaridade, filiação religiosa, número de filhos, renda familiar mensal, diagnóstico prévio de transtorno mental, com quem reside, tempo de relacionamento, já fez terapia/está fazendo neste momento, e e-mail para contato.


Procedimentos

Os participantes foram recrutados por meio de formulário on-line, disponibilizado em redes sociais (Instagram, Whatsapp e Facebook). Os participantes interessados acessaram um link, disponível no Google Forms, contendo um breve texto com o título da pesquisa, além de orientações básicas sobre a participação (número de questionários, tempo para respondê-los e condições para participação). Aceitando as condições do TCLE, os participantes interessados foram automaticamente redirecionados para outra aba do Google Forms, contendo o questionário sociodemográfico e uma tabela de dias e horários em que o participante pôde agendar o dia e horário da aplicação on-line dos instrumentos (AAQ-II, IHSC e ESC) que lhe foi mais conveniente. A coleta de dados on-line ocorreu entre novembro de 2021 e março de 2022, por meio da aplicação, por videoconferência síncrona, dos instrumentos, a qual foi feita pela própria pesquisadora. Cada participante respondeu individualmente aos questionários AAQ -II, IHSC, e ESC. Portanto, foram selecionadas para a amostra do presente estudo pessoas que se declararam em um relacionamento estável. Em alguns casos, o parceiro pode também ter respondido aos instrumentos, e essa informação era solicitada no início da videochamada onde seriam aplicados os instrumentos. Por ocasião da análise dos dados os escores dos participantes cujos parceiros também responderam, foram avaliados para investigar possíveis correlações entre os escores dos pares.

Coleta de dados

A coleta de dados foi realizada por meio on-line, em duas etapas: 1) Explicações sobre a pesquisa e questionário sociodemográfico e 2) aplicação dos instrumentos AAQ-II, IHSC e ESC. Clicando no link disponibilizado pela divulgação on-line, os participantes foram redirecionados a uma página do Google Forms, contendo uma breve introdução com o título da pesquisa e com uma breve explicação da requisição de amostra (pessoas em relacionamentos monogâmicos, com escolaridade mínima ensino médio completo e mínimo de dois anos de relacionamento) e de que a pesquisa seria constituída de duas fases, um questionário sociodemográfico a ser respondido no Google Forms e uma aplicação de instrumentos a ser agendada (após

o questionário sociodemográfico) e realizada por videoconferência síncrona com a própria pesquisadora. Atendendo a estes critérios, o participante poderia assinar o TCLE de forma digital. Na próxima página, o participante encontrou o questionário para caracterização de variáveis sociodemográficas.

Na segunda etapa, realizada por videoconferência, foram aplicados os questionários: Questionário de Aceitação e Ação - II, Inventário de Habilidades Sociais Conjugais e a Escala de Satisfação Conjugal. A cada aplicação, a pesquisadora explicitou brevemente o modo de responder ao instrumento, e manteve em modo de apresentação a gradação a ser respondida (ex: A) nunca/quase nunca, B) algumas vezes/raramente, C) muitas vezes/frequentemente, D) sempre/quase sempre). A pesquisadora leu as afirmações nos itens do instrumento e anotou a resposta do participante em uma folha de respostas.

Análise dos dados

Inicialmente, procedeu-se com a realização de análises bivariadas, a fim de avaliar a associação da esquiva experiencial com as demais variáveis disponíveis (escores obtidos pelo ESC, IHSC e os cinco fatores do IHSC). Os resultados foram sumarizados por meio de média e desvio padrão. As correlações entre os escores de esquiva experiencial, insatisfação conjugal e habilidades sociais conjugais foram analisadas por meio de gráficos de dispersão e dos valores do coeficiente de correlação linear de Pearson.

Os efeitos das variáveis explicativas (obtidas com o questionário sociodemográfico) na esquiva experiencial foram investigados usando análise de regressão linear. As variáveis foram: gênero, idade, escolaridade, orientação sexual, religião, número de filhos, renda, diagnóstico psiquiátrico, se reside com o parceiro, tempo de relacionamento, se o paciente fez terapia, se faz terapia atualmente, além dos scores de habilidades sociais conjugais e insatisfação conjugal. Os escores de habilidades e insatisfação foram agrupados, usando os quartis, em quatro grupos (1º ao 4ºquartil). Num primeiro momento, foram obtidos os efeitos não ajustados pelas demais variáveis (análise bivariada) por meio de regressão linear simples. As variáveis com efeito significativo, ao nível de 10% de significância (gênero, se faz terapia atualmente, diagnóstico, escore de habilidades sociais conjugais e de insatisfação conjugal), foram selecionadas para compor um modelo de regressão linear múltipla. Procedeu-se, então, com a remoção das variáveis não significativas na regressão múltipla, ao nível de 5%, usando uma estratégia de seleção do tipo backward. Permaneceram no modelo de regressão linear múltipla as variáveis: gênero, diagnóstico e o escore de habilidades. Os resultados são apresentados por meio do modelo ajustado, destacando-se os efeitos estimados, seus erros padrões e correspondentes significâncias estatísticas

A correlação entre respostas de respondentes que estavam em um relacionamento entre si foi incorporada à análise, a fim de ajustar possível dependência nas respostas dos cônjuges. Erros padrões robustos foram calculados, a fim de contornar possíveis especificações incorretas dos modelos. O ajuste do modelo de regressão linear múltipla foi validado por meio de análise de resíduos. A estimativa da correlação dos escores de esquiva experiencial intra-participante é apresentada, bem como o respectivo erro padrão. Todas as análises foram realizadas usando o software Ri para computação estatística, versão 4.1.2.


Resultados

Caracterização da amostra


Um total de 75 pessoas aceitaram participar da pesquisa, sendo que 56 declararam-se do gênero feminino (75%) e 19 (25%) do gênero masculino. Do total de participantes, 36 estavam em um relacionamento monogâmico entre si, formando pares dentro da amostra, sendo 17 casais heterossexuais e um casal homossexual, os outros estavam em relacionamentos com pessoas que optaram por não participar da pesquisa. Dos participantes gerais, 30 pessoas (40%) indicaram estar em um relacionamento entre 2 e 5 anos, 30 pessoas indicaram estar em um relacionamento entre 5 e 10 anos (40%) e 15 pessoas indicaram estar em um relacionamento há mais de 10 anos (20%). Do total de respondentes, 14 (18,6%) tinham filhos, enquanto 61 (81,3%) afirmaram não ter filhos. Com relação ao diagnóstico psiquiátrico, 37 pessoas (49,3%) afirmaram não ter nenhum diagnóstico, enquanto 9 (11,8%) relataram ter depressão, 19 (25%) relataram ansiedade, 6 (7,8%) relataram ter depressão e ansiedade juntos, e 5 (6,5%) relataram ter TDAH. 34 (45,3%) pessoas relataram estar fazendo terapia no momento da pesquisa, e 41 (54,6%) indicaram não estar fazendo terapia. 66 pessoas (88%) da amostra afirmou ser heterossexual, 6 (8%) pessoas afirmaram ser bissexuais e 3 (4%) pessoas homossexuais. 36 pessoas (48%) da amostra afirmaram ter pós-graduação, enquanto 16 (21,3%) relataram ter ensino superior completo, e 22 (29,3%) afirmaram ter ensino superior incompleto ou segundo grau completo. Do total, 48 pessoas (64%) tinham entre 18 e 30 anos, e 27 (36%) tinham mais de 30 anos. O resumo com os dados sociodemográficos, médias e desvios padrões encontram-se na Tabela 1.





A Tabela 1 apresenta o resumo das médias e desvios padrões dos escores obtidos nos instrumentos AAQ-II, ESC e IHSC (incluindo seus cinco subcomponentes), para cada grupo de indivíduos de acordo com as seguintes variáveis: Gênero (feminino ou masculino), Tempo de Relacionamento (2 a 5 anos e mais de 10 anos), Filhos (Sim ou Não), Diagnóstico (Depressão, Ansiedade, Depressão e Ansiedade e TDAH), Psicoterapia (Faz ou Não atualmente), Histórico de Psicoterapia (Já fez ou Nunca fez), Orientação sexual (heterossexual, bissexual, homossexual) Escolaridade (Pós-graduação, superior completo, superior incompleto e segundo grau completo) e Idade (entre 18 e 30 anos e mais de 30 anos). É possível destacar, a diferença no escore médio de EE entre os gêneros feminino e masculino, (médias 23.8 e 16.8 respectivamente), entre quem faz terapia atualmente (média 23.5) e nunca fez terapia (média 18) e entre as médias de EE de algum dos diagnósticos psiquiátricos, como depressão (média 29), ansiedade (média 27), depressão e ansiedade (média 24.5) e TDAH (média 20) quem não tem nenhum diagnóstico (média 19).

Na Tabela 2 estão representadas as correlações entre os escores aferidos pelos instrumentos, além coeficientes de correlação linear e p-valor do teste de significância.





Segundo os resultados da análise bivariada (Tabela 3), é possível verificar menor esquiva experiencial para indivíduos do gênero masculino (β=-7.01, p<0.001) e para indivíduos com maior nível de habilidades sociais conjugais (β=-10.67, p<0.001 do 4º para o 1º quartil), e maior esquiva experiencial para indivíduos que atualmente estão em psicoterapia (β=3.65, p=0.04), que tem algum diagnóstico psiquiátrico (β=2.82, p=0.09) e com maior nível de insatisfação conjugal (β=6.52, p= 0.02 do 4º para o 1º quartil). Somente estão representados os efeitos de variáveis significativas ao nível de 10%.









O modelo de regressão múltipla ajustado tem a seguinte expressão:

Esquiva=2.52-6.43Gen:Masc+3.03Diag:sim-1.74Hab:Q2-2.72Hab:Q3-11.32Hab:Q4

Com base nos resultados da regressão linear múltipla, podemos observar menor nível de esquiva experiencial para indivíduos do sexo masculino (β=-6.43, p<0.001) e para indivíduos com maior escore de habilidades sociais conjugais (β=-11.32, p<0.001 do 4º para o 1º quartil), e maior nível de esquiva experiencial para indivíduos com diagnóstico psiquiátrico (β=3.03, p=0.05).


Discussão

Os resultados indicaram que os escores de EE dos participantes apresentaram correlação positiva com os escores de insatisfação conjugal, ou seja, participantes com escores maiores de EE tenderam a apresentar escores maiores de insatisfação conjugal. Outra hipótese parcialmente confirmada se relaciona à correlação inversamente proporcional entre EE e habilidades sociais conjugais, ou seja, participantes com escores mais altos de EE tenderam a apresentar escores mais baixos de habilidades sociais conjugais. Estes resultados sugerem influência da EE em processos críticos para a manutenção de relacionamentos conjugais (como habilidades sociais e satisfação), que podem, por sua vez, afetar a qualidade e a duração destas relações23.

Em relação às características sociodemográficas, os escores significativamente maiores de EE nas mulheres (média 23.8), em comparação com os homens (média 16.8), corroboram os resultados encontrados por outros estudos que indicaram diferenças de pontuações médias entre os gêneros24,25. Dados da literatura estrangeira sugerem que existem diferenças entre os escores de homens e mulheres com problemas de fertilidade, ressaltando escores mais altos de EE para as mulheres. As mulheres do estudo tenderam a apresentar mais esforços do que os homens para controlar ou se esquivar de pensamentos negativos (Ex: "nunca serei uma boa mãe"), sentimentos (Ex: vergonha, inveja e ansiedade) e sensações corporais26.

Quanto às associações entre EE e relatos de diagnóstico psiquiátrico, dos 75 respondentes, 38 (50,6%) relataram apresentar algum diagnóstico, entre ansiedade, depressão, TDAH, e ansiedade e depressão, concomitantemente. A ansiedade foi o diagnóstico prevalente, com 19 participantes (25% da amostra total). Artigos investigaram particularmente a ligação entre a sintomatologia da ansiedade e a EE27,28 . Alguns achados importantes sugerem que, nas pessoas que sofrem de ansiedade, comportamentos de esquiva foram responsáveis pela maior gravidade dos sintomas e piora na qualidade de vida. Isso sugere que o comportamento de resposta ao sentimento de ansiedade desempenha um papel crítico nos transtornos de ansiedade, e pode ser mais relevante na determinação de resultados funcionais do que a presença de ansiedade por si só. Investigações de diferentes intervenções em uma amostra de 179 pessoas com transtorno de ansiedade e mostram que o processo de EE precedeu e foi preditor de mudanças nos padrões de ansiedade, sugerindo um papel moderador desta variável em relação à expressão da ansiedade29. Corroborando esses achados, também parece existir correlação positiva entre ansiedade e EE, além desta mediar os efeitos do mindfulness nos sintomas reportados de ansiedade. Utilizar a EE como alvo de intervenções terapêuticas que incentivem a orientação para o momento presente, como o mindfulness, parece ter um efeito muito significativo na EE, uma vez que incentiva ativamente o enfrentamento de situações desconfortáveis provocadas pela ansiedade30.

Com relação à depressão, a expressão de sintomas e altos níveis de EE apresentaram relações importantes. Em uma amostra de pacientes com Transtorno de Personalidade Borderline, a EE e a depressão estiveram diretamente ligadas ao engajamento com valores, tornando-a um importante elemento na possível eficácia do tratamento31. Outras pesquisas experimentais, investigaram o uso de psicodélicos e sua redução nos níveis de EE, indicando que o tratamento diminuiu tanto a severidade da depressão, quanto de ideação suicida, ressaltando a EE, também, como um importante alvo terapêutico a ser ainda mais explorado32. Outro estudo sugere um efeito mediador entre EE e a depressão, afirmando que a EE mediou os efeitos tanto de ansiedade, quanto de depressão, quando catalisada pela fusão cognitiva, o que sugere que os efeitos negativos de ruminação, preocupação e eventos estressantes na ansiedade e depressão são atribuíveis à mistura entre fusão cognitiva e experiências privadas negativas, ou até mesmo, a algumas similaridades entre os dois construtos33. Pessoas diagnosticadas com transtornos de humor e que também tentam evitar emoções experimentam afetos negativos por períodos mais longos e maior excitação fisiológica durante eventos emocionais do que pessoas que aceitam suas emoções34. Estes estudos parecem sugerir importância de investigações futuras sobre outras variáveis correlacionadas e efeitos moderadores da EE e seus efeitos na sintomatologia de doenças psiquiátricas.

Os escores médios de EE entre o grupo de pessoas que relatou nunca ter feito terapia (média de 18) e o grupo que relatou estar em processo de terapia, na ocasião em que participou do presente estudo (média 23.5) foram distintos. A diferença foi mantida no caso dos que relataram já ter feito terapia em algum momento de sua vida (média 22.5). Esse resultado discrepante entre os grupos deixa pistas de que há diferença na forma como pessoas que fazem terapia se relacionam com seus pensamentos e sentimentos cotidianos, embora não se possa inferir isto dos dados do presente estudo.

Não foi encontrada correlação estatisticamente significativa entre os escores de EE dos membros de cada díade (-0,15). Esse resultado é compatível com a definição de intimidade entre parceiros como um fenômeno assimétrico35. Isso acontece, segundo esses autores, uma vez que o processo de intimidade envolve a história de punição de comportamentos vulneráveis ao longo da vida de cada parceiro. Assim, haveria uma diferença. diferença na forma como esse comportamento ocorre no casal. Esse resultado também pode ser considerado em termos das mencionadas diferenças entre os gêneros masculino e feminino.

A EE parece ter um papel negativo no relacionamento conjugal36,37. Relacionamentos com padrões de interação rígidos, inflexíveis e que um ou ambos os integrantes utilizam frequentemente estratégias de esquiva, mantém distância emocional, angústia e conflito38. Alguns estudos que utilizaram intervenções baseadas na Terapia de Aceitação e Compromisso para casais em conflito sugerem que o foco em enfrentar sentimentos e pensamentos negativos aumenta a chance de que o casal se engaje em comportamentos que melhoram o convívio e a satisfação no relacionamento39,40. Outro aspecto normalmente tratado em terapia é o desenvolvimento de um repertório de habilidades sociais que facilite o convívio entre os parceiros. Intervenções que melhorem a relação da pessoa com seus próprios sentimentos e pensamentos, talvez ajudem a melhorar o engajamento em conversas e situações desconfortáveis.


Considerações finais

Este estudo investigou associações entre os escores de EE, habilidades sociais conjugais e satisfação conjugal, aferidos pelos instrumentos AAQ-II, IHSC e ESC em uma amostra brasileira. Ele avança na identificação de aspectos relacionados à qualidade de um relacionamento romântico, e corrobora com achados importantes na literatura. As correlações encontradas podem servir para orientar procedimentos terapêuticos com casais. As principais limitações do presente estudo referem-se ao tamanho da amostra, que é pequena e foi obtida pelo processo bola de neve. Além disso, a amostra de conveniência utilizada para o estudo também foi composta majoritariamente de pessoas com graus de instrução e renda altos. Estudos futuros podem incluir o aprofundamento de outros aspectos que interferem na esquiva experiencial de indivíduos em relacionamentos românticos e a validação de outros instrumentos de caracterização da esquiva experiencial. O estudo não recebeu apoio financeiros e os autores declaram não haver conflitos de interesses.


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a UFPR, Psicologia - Curitiba/PR - Brasil
b UFPR, Estatística - Curitiba/PR - Brasil

Autor correspondente:
Fanny Bohnenberger Ruschel
E-mail: fanny.b25r@gmail.com
E-mail alternativo, de preferência institucional: fanny.ruschel@ufpr.br

Submetido em: 21/03/2023
Aceito em: 28/11/2023

Contribuições: Fanny Bohnenberger Ruschel - Coleta de Dados, Conceitualização, Gerenciamento de Recursos, Redação - Preparação do original, Visualização; Jocelaine Martins da Silveira - Gerenciamento de Recursos, Investigação, Redação - Revisão e Edição, Supervisão; César Augusto Taconeli - Análise estatística, Metodologia, Redação - Revisão e Edição, Supervisão.

i R Core Team (2020). R: A language and environment for statistical computing. R Foundation for Statistical Computing, Vienna, Austria. URL https://www.R-project.org/.

 

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