Rev. bras. psicoter. 2023; 25(2):35-50
Ruschel FB, Silveira JM, Taconeli CA. Associações entre Esquiva Experiencial, Habilidades Sociais e Satisfação Conjugal em uma amostra de casais brasileiros. Rev. bras. psicoter. 2023;25(2):35-50
Artigo Original
Associações entre Esquiva Experiencial, Habilidades Sociais e Satisfação Conjugal em uma amostra de casais brasileiros
Associations between Experiential Avoidance, Social Skills and Marital Satisfaction in a sample of Brazilian couples
Asociaciones entre Evitación Experiencial, Habilidades ociales y Satisfacción Marital en una muestra de parejas brasileñas
Fanny Bohnenberger Ruschela; Jocelaine Martins da Silveiraa; César Augusto Taconelib
Resumo
Abstract
Resumen
Introdução
Fatores associados à qualidade e à satisfação com o relacionamento romântico vem sendo amplamente estudados1,2,3,4. A literatura indica que certos aspectos ligados à insatisfação e à problemas na relação consistem em comportamentos de esquiva, entre eles, a esquiva experiencial (EE)5,6,7. A EE é definida como tentativas de alterar, controlar ou escapar de eventos privados aversivos, como pensamentos, sensações ou sentimentos, ainda que tais tentativas causem danos psicológicos. O termo esquiva, neste contexto, inclui explicitamente fuga e esquiva em todas as suas formas, desde que sejam utilizadas como métodos de alterar experiências privadas (emoções, pensamentos e memórias) e também o contexto que as ocasionam. Ainda de acordo com os autores, as tentativas de controle de experiências colocam a pessoa em situações com alto risco de depressão, ansiedade, stress e abuso de substâncias8.
Em casais com pretensão de ter filhos e com problemas de infertilidade, dados indicam a presença de altos índices de EE. A EE estava presente em níveis maiores nas mulheres, sendo menos tolerantes a eventos privados como sentimentos (vergonha e ansiedade) e pensamentos como "Nunca serei mãe" e "Esse tratamento não irá funcionar"9. Em outro estudo, investigou-se o apoio do parceiro como fator de proteção para redução de esquiva experiencial em mulheres grávidas que sofriam com sintomas de estresse pós-traumático em uma amostra de 154 casais. Observou-se que a gravidade dos sintomas do trauma foi associada a níveis mais elevados de EE porém, entre as mulheres, o impacto dos sintomas de trauma na EE não foi significativo quando ela recebeu o apoio de um parceiro10 .
O papel da EE no ajuste do relacionamento, agressão psicológica e agressão física entre casais formados por militares e suas parceiras foi investigado, por meio da aplicação do Acceptance and Action Questionnaire II, em 49 soldados que haviam retornaram recentemente do Iraque e suas parceiras. Os resultados indicaram que a EE dos homens foi associada à diminuição no ajustamento ao relacionamento, em aumentos na perpetração de agressão física e em vitimização11. Os autores concluíram que esses dados fornecem evidências de que a EE pode desempenhar um papel crítico nos relacionamentos entre casais, e deve ser focada em terapia. Em um outro estudo 12, examinou-se a relação entre flexibilidade cognitiva, esquiva experiencial e sofrimento psicológico entre 92 mulheres que relataram histórico de vitimização interpessoal. Os resultados indicam que os construtos estão significativamente relacionados à sintomatologia do estresse pós-traumático e à depressão.
A relação entre a EE e a qualidade do relacionamento também foi avaliada. Em uma amostra de 228 casais militares dos Estados Unidos, utilizando um instrumento denominado AAQ-II, observou-se que, para ambos os membros da díade, altos índices de esquiva experiencial foram associadas com qualidade de relacionamento inferior. O nível de EE em homens foi associado a comunicação negativa com suas parceiras, bem como à qualidade de relacionamento. O estudo salienta ainda que intervenções que visam a EE e as habilidades positivas de comunicação do casal podem fortalecer os relacionamentos conjugais de militares, após o envio para a guerra13. Em outro estudo, também nos Estados Unidos, as influências conjuntas da EE e da resolução de problemas sociais, na relação entre abuso emocional na infância e violência por parceiro íntimo foram analisadas. Para isso, 232 mulheres foram recrutadas e completaram medidas de avaliação de abuso emocional, físico e sexual na infância, esquiva experiencial, resolução mal adaptativa de problemas sociais e perpetração e vitimização de violência por parceiro íntimo. Os resultados indicaram que o abuso emocional na infância esteve indiretamente associado à vitimização e perpetração de violência por parceiro íntimo por meio de EE e estratégias de resolução de problemas sociais de Orientação para Problemas Negativos e Estilo de Impulsividade /Descuido14.
Em relação ao risco de violência em relações íntimas, a EE também figura como elemento importante. Em uma amostra de estudantes universitários do Tennessee, foi proposta uma avaliação da existência de relação entre EE e a violência praticada por homens em relações de namoro, mantendo-se atentos à influência de variáveis como idade, satisfação com o relacionamento e consumo de álcool. Os resultados demonstraram que a EE foi positivamente associada à perpetração de agressão psicológica, física e sexual, e que permaneceu associada à agressão psicológica e sexual, após o controle da idade, satisfação no relacionamento e uso de álcool15. Em outro estudo, investigou-se o papel da linguagem no desenvolvimento do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), em mulheres vítimas de violência em relações íntimas. Para isso, foram realizadas medidas de violência em relações íntimas, como abuso físico e psicológico. Os resultados indicam que a medida de EE é um preditor significativo do desenvolvimento de sintomas de TEPT. Além disso, a EE serviu também como mediador entre a experiência de violência em relações íntimas e o desenvolvimento de sintomas de TEPT. A conclusão da autora é que mulheres que passam por experiências de violência e demonstram repertório forte de EE parecem ser mais propensas a exibir sintomas característicos do TEPT16.
No Brasil, foram encontradas fortes correlações de três classes de habilidades sociais conjugais (autocontrole proativo, autocontrole reativo e expressividade/empatia) (aferidas com o Inventário de Habilidades Sociais Conjugais) e a satisfação conjugal dos maridos, (aferida com a Escada de Satisfação Conjugal) além de correlações de três classes de habilidades sociais conjugais dos maridos (conversação assertiva, autoafirmação assertiva e expressividade/empatia) com a satisfação conjugal das esposas17. Estudos que investigam satisfação conjugal e habilidades sociais percebidas no cônjuge sugerem que as habilidades sociais, especialmente a empatia, parecem ser facilitadores da satisfação conjugal18.
Portanto, no presente estudo o objetivo foi relações entre habilidades sociais conjugais, satisfação conjugal e EE em uma amostra de brasileiros que se declararam em um relacionamento monogâmico estável. Portanto, foi realizada uma exploração sobre habilidades sociais conjugais, satisfação conjugal e EE, além de sua prevalência e associação em uma amostra da população brasileira. Algumas hipóteses foram consideradas: 1) a de que níveis maiores de EE estariam associados a níveis maiores de insatisfação conjugal e 2) a de que níveis maiores de EE seriam associados a níveis menores de habilidades sociais conjugais.
Método Participantes
Foi selecionada uma amostra de conveniência para o estudo, constituída por indivíduos que declarassem estar em um relacionamento monogâmico de qualquer orientação afetiva (homoafetiva ou heteroafetiva), além de se declararem comprometidos com o relacionamento. Os participantes deveriam ter escolaridade mínima de nível segundo grau completo e estarem juntos há pelo menos dois anos. Os participantes foram recrutados por mídias sociais como Whatsapp, Facebook e Instagram e todos residiam nas cidades de Curitiba PR ou Porto Alegre RS.
Aspectos Éticos
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Setor de Ciências da Saúde da UFPR, com o número de aprovação 4.947.361. Todos os aspectos éticos foram seguidos conforme a resolução 466/2010. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, deixando claro que a pesquisa é de caráter voluntário, havendo a possibilidade de desistência a qualquer momento.
Materiais
Software R para computação estatística versão 4.1.2, Google Meet, Power Point, Manual do Inventário de habilidades Sociais Conjugais (IHSC), Escala de Satisfação Conjugal (ESC) e Questionário de Aceitação e Ação II e folhas de respostas correspondentes aos instrumentos.
Instrumentos
a) Questionário de Aceitação e Ação II: O instrumento, em sua segunda versão, é composto por 7 questões que avaliam, de modo geral, a veracidade de afirmações que descrevem eventos privados como barreiras ao engajamento em diversos comportamentos relacionados a uma vida focada em valores individuais. As respostas são dadas de acordo com uma escala de sete pontos, entre um (nunca) e sete (sempre), e os escores finais variam entre sete e 49. Escores mais elevados indicam maior inflexibilidade psicológica19. O Questionário de Aceitação e Ação II foi validado no Brasil em 201520. O instrumento foi respondido por 1.352 estudantes universitários. A análise fatorial exploratória indicou uma estrutura unifatorial, que explica 48,42% da variância do construto. Da mesma forma, embora os itens da escala avaliem esses processos correlatos, configuram um único fator. As cargas fatoriais foram elevadas e o valor, também, alto do alpha de Cronbach de 0,87 sugere a fidedignidade do instrumento.
b) Escala de satisfação conjugal (ESC).É uma escala com 24 itens e que apresenta bons índices de precisão (alfas entre 0,81 e 0,90) aferidos em sua pesquisa original21 e estrutura de três fatores (satisfação com os aspectos emocionais do cônjuge, satisfação com a interação conjugal e satisfação com a forma de organização e de estabelecimento e cumprimento de regras pelo cônjuge). Os dados foram replicados no Brasil22, obtendo valores elevados de fidedignidade (alfas entre 0,79 e 0,86) e estrutura com três fatores correspondentes aos do estudo original criado no México.
c) Inventário de habilidades sociais conjugais (IHSC): Escala brasileira que avalia a frequência de comportamentos que demonstrem habilidade social em situações conjugais23. Possui 32 itens divididos em seis fatores: Comunicação e expressividade (Alfa = 0,68), asserção de autodefesa (Alfa = 0,62), expressão de intimidade (Alfa = 0,63), autocontrole empático (Alfa = 0,60), asserção proativa (Alfa = 0,53) e evitação de conflitos (Alfa = 0,53), que explicam 45,4% da variância total da escala.
d) Questionário de caracterização sociodemográficas: Questionário criado pelos autores para caracterização da amostra. Disponível na plataforma Google Forms constituído de questões sobre gênero, idade, escolaridade, orientação sexual, nível de escolaridade, filiação religiosa, número de filhos, renda familiar mensal, diagnóstico prévio de transtorno mental, com quem reside, tempo de relacionamento, já fez terapia/está fazendo neste momento, e e-mail para contato.
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