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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2023; 25(2):23-34



Artigo Original

Manifestações contratransferenciais no primeiro atendimento de pacientes idosos em um ambulatório de psiquiatria de um hospital terciário

Countertransferential manfiestations in the first consultation of elderly patientes in a psychiatry ambulatory in a tertiary hospital

Manifestaciones contratransferenciales en la primera atención de pacientes ancianos en un ambulatorio de psiquiatría de un hospital terciario

Pedro Marques da Rosaa,b,c; João Pedro Zanona,b; Laura Krüger Pelissaria,b; Laura Vargas Fleitha,b; Isabella Serafin Coutoa,b,c; Paula Engroff a,c; Alfredo Cataldo Netoa,b,c

Resumo

O objetivo desse estudo foi identificar manifestações contratransferenciais no primeiro atendimento de pacientes idosos em um ambulatório de psiquiatria de um hospital terciário. Pacientes idosos foram atendidos por médicos concluindo especialização em psiquiatria com supervisão presencial de preceptores do serviço. Após a consulta, os médicos preencheram a Escala para Avaliação de Contratransferência. Esses resultados foram posteriormente analisados com dados do examinador e do paciente. Escores de aproximação se associaram negativamente a sintomas depressivos (p=0,038) e positivamente com a idade do examinador (p=0,002). As variáveis aposentado (p=0,037), morar com familiares (p=0,008) e sexo do examinador masculino (p=0,002) se associaram positivamente com escore de afastamento. Escores de indiferença se associaram negativamente com estado civil com compannheiro (p=0,010) e positivamente com escolaridade maior ou igual a nove anos (p=0,027), Diagnósticos de Transtorno do Humor bipolar (p=0,046) e outros diagnósticos (p=0,010) e sexo do examinador masculino (p=0,012). Características dos pacientes e dos terapeutas se associam a manifestações contratransferenciais como aproximação, distanciamento e indiferença de forma estatisticamente significativa. Esta é uma comprovação estatística inicial da importância do fenômeno contratransferencial.

Descritores: Psiquiatria; Contratransferência; Idosos; Assistência ambulatorial; Psicoterapia

Abstract

This research's goal was identifying countertransferential manifestations in the first consultation of elderly patients in a psychiatry ambulatory in a tertiary hospital. Elderly patients were seen by physicians finishing their specialization in psychiatry with on-site supervision by the service's preceptors. After the consultation, the physicians filled in the Assessment of Countertransference Scale. These results were later analyzed with examiner and patient data. Closeness scores were negatively associated with depressive symptoms (p=0,038) and positively with examiner age (p=0,002). The variables retiree (p=0,037), living with relatives (p=0,008) and examiner's male sex (p=0,002) were positively associated with feelings of distance. Indifference scores were negatively associated with marital status with partner (p=0,010) and positively with education equal to or greater than nine years (p=0,027), Bipolar Mood Disorder diagnosis (p=0,046) and other diagnoses (p=0,010), and examiner's male sex (p=0,012). Patients' and therapists' characteristics were associated with statistically significant countertransferential manifestations such as closeness, distance and indifference. This is an initial statistical comprobation of the importance of the countertransferential phenomenon.

Keywords: Psychiatry; Countertransference; Aged; Ambulatory care; Psychotherapy

Resumen

El objetivo de este estudio fue identificar manifestaciones contratransferenciales en la primera atención de ancianos en un ambulatorio de psiquiatría de un hospital de tercer nivel. Los pacientes adultos mayores fueron atendidos por médicos de la especialización en psiquiatría con supervisión presencial de los preceptores del servicio. Después de la consulta, los médicos completaron la Escala de Valoración Contratransferencial. Estos resultados se analizaron más a fondo con los datos del examinador y del paciente. Las puntuaciones de aproximación se asociaron negativamente con los síntomas depresivos (p=0,038) y positivamente con la edad del examinador (p=0,002). Las variables jubilado (p=0,037), convivencia con familiares (p=0,008) y sexo del examinador masculino (p=0,002) se asociaron positivamente con el puntaje de distancia. Las puntuaciones de indiferencia se asociaron negativamente con el estado civil con un compañero (p=0,010) y positivamente con la escolaridad mayor o igual a nueve años (p=0,027), diagnósticos de trastorno bipolar del estado de ánimo (p=0,046) y otros diagnósticos (p=0,010) y sexo del examinador masculino (p=0,012). Las características de los pacientes y terapeutas se asocian con manifestaciones contratransferenciales como la aproximación, distanciamiento e indiferencia de forma estadísticamente significativa. Esta es una primera prueba estadística de la importancia del fenómeno contratransferencial.

Descriptores: Psiquiatría; Contratransferencia; Anciano; Atención ambulatoria; Psicoterapia

 

 

Introdução

No Brasil, a população idosa representa o segmento da população com maior crescimento, com aumento de 4% ao ano de 2012 a 2022. A população com mais de 65 anos passou dos 7,3% da população brasileira em 2010 para 9,2% em 2018 e estima-se que passe para 11,9% em 2026 e 15% em 2034.1 Essa transição demográfica assinala a atenção que se faz crescentemente necessária para atender às necessidades dessa população.

A população idosa no Brasil apresenta a maior prevalência em transtornos como depressão, com prevalência nacional de 13,2%2. Outros estudos apontam prevalência de 21,9% de transtornos ansiosos em idosos usuários de atendimento psiquiátrico ambulatorial3. Sendo essa uma população crescente e com índices importantes de transtornos mentais, faz-se necessário o estudo não só da saúde mental, mas também do tratamento no contexto da relação médico-paciente, como será explicado a seguir.

O conceito de transferência foi mencionado primeiramente por Freud em seu trabalho Estudos sobre a histeria, então concebido como forma de obstáculo ao processo analítico4. Assim como o outro componente do binômio, a contratransferência, também sofreu modificações ao longo de seu desenvolvimento conceitual; genericamente, é a forma como as relações objetais, representações do próprio self e fantasias inconscientes do paciente são vivenciados, dentro da relação terapêutica e de maneira inconsciente, com a pessoa do terapeuta5.

A transferência abriu espaço para o posterior desenvolvimento do conceito de contratransferência, utilizado pela primeira vez em 1910 em As perspectivas futuras da terapêutica psicanalítica6. A contratransferência passou da compreensão de sentimentos inconscientes no analista advindos do paciente, devendo ser mantido sob controle e em abstinência7, para um instrumento de investigação do paciente8. Contemporâneo de Heimann, Racker enfatizou a importância do uso da contratransferência no trabalho analítico com importantes expansões conceituais: via situações contratransferenciais com a transferência de objetos introjetados do analista, seja de forma direta, isto é, ao paciente como indivíduo, ou de forma indireta, ao "paciente como fator importante dentro de outras relações de objeto do analista". Ainda, em seu trabalho, Racker fez referência à identificação complementar, que corresponderia à identificação do ego do analista com objetos internos do paciente, e a concordante, em que a identificação ocorre não com os objetos, mas com partes homólogas do paciente, por exemplo, entre ego do terapeuta e ego do paciente, ou id do terapeuta e id do paciente9. O desenvolvimento do conceito teve continuidade, passando à compreensão de que reações específicas no médico são advindas de qualidades específicas do paciente10. Ainda, segundo Bion, a contratransferência serve como forma não-verbal e primitiva de comunicação11. Dessa forma, a reação contratransferencial, quando recebe suficiente atenção, pode passar de obstáculo a ferramenta no tratamento, fornecendo não apenas informações ao médico sobre seu paciente como também influir diretamente sobre os desfechos terapêuticos, conforme assinalado por Abargil et al12.

A Escala para Avaliação da Contratransferência (EACT)13,14 se propõe como resposta para o desafio da detecção das manifestações contratransferenciais. Sendo a contratransferência um instrumento de investigação e de compreensão do paciente, ela desempenha um papel importante nos cuidados oferecidos, seja ela entendida ou não. Nesse contexto, se faz necessário o esclarecimento de como e quais fatores contribuem com as reações contratransferenciais e com a qualidade dos atendimentos fornecidos.

O estudo em questão buscou detectar essas manifestações nos médicos após o primeiro atendimento e associá-las com características sociodemográficas e diagnósticos dos pacientes, além de variações em sintomas depressivos, sintomas ansiosos e avaliação cognitiva.


Método

Trata-se de um estudo transversal, descritivo, com abordagem quantitativa15. O projeto foi desenvolvido no Ambulatório de Psiquiatria Geriátrica do Serviço de Psiquiatria do Hospital São Lucas (HSL) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). A população consistiu de pacientes idosos em consulta por livre demanda e atendidos nesse ambulatório no período de março a dezembro de 2022 e de médicos residentes e cursistas em especialização em psiquiatria do Serviço de Psiquiatria do HSL/PUCRS formandos do curso e da residência.

Os pacientes incluídos apresentavam idade igual ou superior a 60 anos que concordaram em participar da pesquisa após preenchimento do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os médicos incluídos consistiram de todo o grupo de residentes e cursistas do terceiro ano do Curso de Especialização em Psiquiatria. Foram excluídos os participantes que não tinham capacidade de compreender os questionários aplicados e que não tinha representante legal presente ou que se recusaram a participar da pesquisa. Ao todo, não aceitaram participar do estudo seis pacientes com a justificativa de não desejar responder questionários. Apesar da EACT ser aplicada nos residentes, a análise estatística se baseia em dados dos pacientes e dos sentimentos identificados pelos examinadores. Os pacientes com evidente dificuldade cognitiva para compreender os questionários tiveram o TCLE assinado pelo responsável legal.

Todos os instrumentos foram aplicados na primeira consulta, após a assinatura do TCLE . Os participantes foram escolhidos conforme demanda espontânea no ambulatório de psiquiatria geriátrica, além dos médicos cursistas e residentes atuando nesse ambulatório. Os instrumentos utilizados foram um questionário sociodemográfico, Exame Cognitivo de Addenbrooke Revisado (ACE-R) nos pacientes com declínio cognitivo detectado na entrevista clínica, Inventário de Ansiedade Geriátrica (GAI) e Escala de Depressão Geriátrica (GDS) para pacientes com sintomas ansiosos e depressivos. Por questões logísticas e de tempo, além do estado psiquiátrico dos pacientes, algumas escalas não foram aplicadas na primeira consulta e, portanto, não foram incluídas neste estudo. A EACT e dados dos examinadores foram coletados em todos os atendimentos.

A EACT consiste de 23 itens distribuídos em três domínios: aproximação, afastamento e indiferença. A escala é preenchida pelo cursista ou residente responsável após o atendimento. As reações são avaliadas em escala Likert de quatro itens: nada, pouco, moderadamente e muito. O instrumento foi desenvolvido inicialmente por Eizirik et. al no contexto de detecção contratransferencial em pacientes em psicoterapia psicodinâmica breve13. Posteriormente teve adaptação e validação em estudo de 2012 na avaliação de pacientes vítimas de trauma14.

Os sintomas ansiosos foram avaliados com o GAI, um instrumento composto de 20 questões, autoaplicado ou aplicado por examinador, no caso do presente estudo, que apresenta afirmações descritivas de sintomas ansiosos das quais o paciente pode concordar ou discordar. Desenvolvida em 2007 e adaptada em 201116,17.

A GDS é um instrumento desenvolvido em 1983 para rastreio de depressão geriátrica. Consiste de 15 questões aplicadas pelo examinador com respostas afirmativas ou negativas por parte do paciente18. Adaptada por Almeida et al19.

O ACE-R é um exame cognitivo que avalia um escore subdividido em áreas: 1) Atenção e Orientação, subdividida em atenção e concentração, orientação, e registo; 2) Memória, subdividida em memória anterógrada, retrógrada, recordação e reconhecimento; 3) Fluência verbal; 4) Linguagem, subdividida em compreensão, escrita, repetição, nomeação e leitura; 5) Visual-espacial, subdividida em habilidades visuais espaciais e habilidades perceptivas20. Adaptada à versão brasileira em 200721.

Aspectos Éticos

O estudo foi desenvolvido seguindo a Declaração de Helsinki, todos os instrumentos foram aplicados na primeira consulta, após o preenchimento do TCLE. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da PUCRS (CAAE 89158218.5.0000.5336; Parecer 5.731.574).

Análise estatística

As variáveis quantitativas foram descritas por média e desvio padrão ou mediana e amplitude interquartílica. As variáveis categóricas foram descritas por frequências absolutas e relativas. Para comparar médias, os testes t-student ou Análise de Variância (ANOVA) complementada por Tukey foram utilizados. Os testes da correlação de Pearson ou Spearman foram aplicados para avaliar a associação entre as variáveis numéricas.

Para controle de fatores confundidores, a análise de Regressão Linear Multivariada com método de extração do modelo por Backward foi utilizada. Foram calculados o coeficiente de regressão ou angular (b), que mede o efeito no desfecho a cada aumento de uma unidade do fator, juntamente com o intervalo de 95% de confiança. Além disso, o coeficiente padronizado beta (β) também foi apresentado no intuito de comparar a força da associação entre as variáveis presentes no modelo multivariado por não possuir unidade de medida, sendo que quanto maior, mais forte é a associação. Por fim, o coeficiente de determinação (R2) foi calculado para determinar o percentual de explicação do modelo multivariado em relação a um desfecho específico. O critério para a entrada da variável no modelo foi de que apresentasse um valor p<0,10 na análise bivariada. O nível de significância adotado foi de 5% (p<0,05) e as análises foram realizadas no programa SPSS versão 27.0.


Resultados

Os dados sobre a caracterização da amostra de idosos foram agrupados na Tabela 1, com dados sociodemográficos e na Tabela 2 com dados clínicos. Os resultados do agrupamento da EACT estão incluídos na Tabela 3. A idade e sexo do examinador foram incluídos a cada escala. A idade média dos examinadores foi de 28,9 anos (DP = 2,2). Os itens da escala foram agrupados nos seus três domínios, sendo então feita média desses itens. O domínio Aproximação mostrou a maior média (14,9; DP = 4,5), enquanto Afastamento e Indiferença mostraram médias respectivamente de 2,01 (DP = 2,35) e 0,64 (DP = 1,22).












Após o ajuste pelo modelo multivariado, permaneceram associadas com os escores de aproximação as variáveis queixa principal de sintomas depressivos (p=0,038) e idade do examinador (p=0,002) (Tabela 4). Pacientes com queixa principal de sintomas depressivos têm uma redução média de 2,05 pontos no escore de aproximação (IC 95%: -3,99 a -0,11). Para um ano a mais de idade do examinador há um aumento médio de 0,71 pontos nesse desfecho (IC 95%: 0,28 a 1,14). Através do coeficiente de regressão padronizado (Beta), é possível identificar que a variável mais fortemente associada aos escores de aproximação é a idade do examinador. Essas duas variáveis conjuntamente explicam 16,8% da variabilidade dos escores de aproximação.





Em relação aos escores de afastamento, permaneceram associadas estatisticamente as variáveis aposentado (p=0,037), morar com familiares (p=0,008) e sexo do examinador (p=0,002). Pacientes aposentados têm uma redução média de 1,16 pontos no escore de afastamento (IC 95%: -2,24 a -0,07). Morar com familiares aumenta o escore de afastamento, em média, em 1,39 pontos (IC 95%: 0,37 a 2,41). Também, examinadores do sexo masculino têm um escore de afastamento 1,53 mais elevado do que os do sexo feminino (IC 95%: 0,56 a 2,50). Através do coeficiente de regressão padronizado (Beta), é possível identificar que a variável mais fortemente associada aos escores de afastamento é o sexo do examinador. Essas três variáveis conjuntamente explicam 23,9% da variabilidade dos escores.

Por fim, quanto aos escores de indiferença, permaneceram associadas estatisticamente as variáveis estado civil (p=0,010), escolaridade (p=0,027), diagnóstico de Transtorno do Humor Bipolar (p=0,046) e outros diagnósticos (p=0,010) e sexo do examinador (p=0,012). Pacientes que possuem companheiro tem uma redução média de 0,70 pontos no escore de indiferença (IC 95%: -1,22 a -0,18). Pacientes com nove anos ou mais de escolaridade tem um aumento médio de 0,61 pontos (IC 95%: 0,07 a 1,15) nesse desfecho. Os pacientes com Transtorno do Humor Bipolar têm sua pontuação aumentada, em média, em 0,93 pontos (IC 95%: 0,02 a 1,85), quando comparados aos com Transtornos Depressivos. Os pacientes com outros diagnósticos também tem uma pontuação aumentada em 1,48 pontos (IC 95%: 0,37 a 2,59), quando comparados aos com Transtornos Depressivos. Além disso, examinadores do sexo masculino tem um escore de indiferença 0,67 mais elevado do que os do sexo feminino (IC 95%: 0,15 a 1,19). Através do coeficiente de regressão padronizado (Beta), é possível identificar que a variável mais fortemente associada aos escores de indiferença foi o estado civil. As variáveis conjuntamente explicam 27,8% da variabilidade dos escores de indiferença.


Discussão

Diferentemente de alguns estudos22, documentamos que não apenas as características dos pacientes como as características do médico influenciam as manifestações contratransferenciais. De forma similar a uma revisão sistemática de estudos sobre contratransferência23, encontramos a predominância de reações de aproximação. A idade do examinador, possivelmente devido a um repertório mais amplo de experiências e por consequência maior capacidade empática, se associou positivamente a sentimentos de aproximação. Quando presentes, os sintomas depressivos se mostraram inversamente associados a sentimentos de aproximação, indo ao encontro de Brody et al24 e McIntyre et al25, que indicaram uma associação entre diagnóstico do paciente e reações específicas do examinador. Potencialmente isso aponta para um retraimento libidinal característico, experienciado contratransferencialmente como pouca aproximação por parte do examinador. De forma similar, é possível que estar aposentado se associou a uma diminuição na realização de investimentos, como o laboral, assim se associando também a um distanciamento provocado no examinador. Neste momento de vida, o residente está em um movimento contrário ao da aposentadoria, planejando o seu futuro consultório particular. Simultaneamente, também observamos que morar com familiares se associa positivamente com sentimentos de afastamento no médico, possivelmente devido a um maior prejuízo funcional e gravidade do quadro levarem a sentimentos como desesperança, tédio e desconforto. Ainda, pode se atribuir a essas características o abalo à onipotência do terapeuta, representando um desafio narcísico ao examinador. É possível que pacientes com tais características induzam no médico temores de perdas reais ou imaginadas associadas a situações pessoais - assim surgindo um afastamento26. Também é possível que o paciente que foi à consulta com seu familiar possa provocar um temor do transbordamento do estresse do cuidador ao médico, assim influenciando negativamente no afastamento.

Se, por um lado, a presença de familiares se associou a sentimentos de afastamento, quando o paciente tem companheiro, houve associação inversa com escores de indiferença. Isso aponta para potenciais desafios no tratamento dos 15,3% dos idosos que, segundo Negrini et al27, vivem sozinhos no Brasil. É possível que isso se deva a uma maior capacidade de estabelecer e manter vínculos, se refletindo em uma menor sensação de indiferença e a possibilidade de o terapeuta contar com um aliado na abordagem aos cuidados. De forma similar a Latts et al28 encontramos maior associação com escores de distanciamento em examinadores do sexo masculino, provavelmente ligada a questões biológicas da maior empatia feminina.

A categoria "outros diagnósticos" compreendeu um agrupamento de diagnósticos como transtorno de adaptação, distúrbio do sono, retardo mental moderado e transtorno de personalidade, apenas estes dois últimos mostraram escores maiores na indiferença (2 e 6, respectivamente). É possível que isso se deva a desafios na capacidade de comunicação verbal e viés sociocultural, conforme apontado por Cotter et al29 e estabelecimento de vínculos - seja pelo comprometimento intelectual, no primeiro caso, ou por aspectos psicodinâmicos relacionados ao funcionamento da personalidade, no segundo.

Por fim, pacientes com maior escolaridade apresentaram associação positiva com escores de indiferença, teoricamente traduzindo uma maior tendência à intelectualização e concomitante distanciamento afetivo levarem aos sentimentos de indiferença evocados no examinador, indo de encontro aos achados de Colli et al30.

O estudo foi restrito ao Ambulatório de Psiquiatria Geriátrica do HSL-PUCRS. Sendo um serviço de apoio a atendimentos particulares e de convênio, não foram contemplados usuários do Sistema Único de Saúde, o que limita o estudo a grupos sociodemográficos específicos. O período de coleta de dados não se pode dar em um período mais extenso devido a limitações do cronograma da pesquisa. Dessa forma, a amostra se mostra limitada em número. Além disso, o número reduzido de examinadores impacta em uma representatividade mais local, restringindo a extrapolação dos dados para uma população geral. Apesar das limitações, nossos resultados sugerem a necessidade da realização de novos estudos com foco na contratransferência, o que oportunizará uma compreensão mais abrangente.


Conclusão

Os achados do presente estudo não apenas reforçam a tese de que surgem reações emocionais na relação médico-paciente (por exemplo, predomínio de reações de aproximação; relação inversa entre queixa de sintomas depressivos e aproximação; maior distanciamento com examinadores do sexo masculino; e relação positiva entre escores de indiferença e pacientes com maior escolaridade), mas também apontam para padrões específicos de reação associados a características de ambas partes da dupla, comprovada estatisticamente. Mantendo em mente a importância da contratransferência para desfechos terapêuticos, são necessários mais estudos para uma compreensão mais aprofundada dos fatores implicados nas reações contratransferenciais.


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a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - Porto Alegre/RS - Brasil
b Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Serviço de Psiquiatria - Porto Alegre/RS - Brasil
c Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Grupo de Pesquisa Envelhecimento e Saúde Mental - Porto Alegre/RS - Brasil

Autor correspondente:
Pedro Marques da Rosa
E-mail: pedromdrosa@gmail.com

Submetido em: 17/01/2023
Aceito em: 26/06/2023

Declaração de interesse: O presente estudo se deu sem financiamento de terceiros e os autores declaram não ter conflitos de interesse.

Contribuições: Pedro Marques da Rosa - Coleta de Dados, Conceitualização, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição; João Pedro Zanon - Coleta de Dados, Redação - Revisão e Edição; Laura Krüger Pelissari - Coleta de Dados, Redação - Revisão e Edição; Laura Vargas Fleith - Coleta de Dados, Redação - Revisão e Edição; Isabella Serafin Couto - Coleta de Dados, Redação - Revisão e Edição; Paula Engroff - Análise estatística, Conceitualização, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Metodologia, Redação - Revisão e Edição, Supervisão; Alfredo Cataldo Neto - Análise estatística, Conceitualização, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Metodologia, Redação - Revisão e Edição, Supervisão.

 

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