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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2023; 25(2):1-22



Artigo Original

Psicoterapia, Legislação e Prática da Psicologia

Psychotherapy, Legislation and Practice of Psychology

Psicoterapia, Legislación y Práctica de la Psicología

Guilherme Bertassoni da Silvaa; Adriano Furtado Holandaa; Bruno Jardini Mäderb

Resumo

A regulamentação da oferta profissional da psicoterapia é tema de embate entre campos do conhecimento. Isso se verifica no projeto de lei 7726/2017, nas Sugestões Legislativa (SUG) 8/2018 e 40/2019, bem como no projeto de lei do ato médico (2013). Este trabalho objetiva, por meio de análise de normas legislativas, discutir as relações da Psicologia com sua legislação própria e com a regulamentação da psicoterapia. Discorre-se sobre a regulamentação da Psicologia, indicando a ausência de temas de interface com a Medicina, no processo de sua regulamentação, entre 1953 e 1962. Para a composição desta legislação utilizaram-se termos do campo da educação para evitar confronto com a Medicina e facilitar a aprovação da Lei 4119/1962. Indica-se que a regulamentação federal para psicoterapia existe desde 1932, em decreto no qual se apontava a psicoterapia como atividade médica. Contudo, a psicoterapia é aplicada por profissionais de diversas formações, inclusive fora da área da saúde. Em termos práticos, não há uma regulamentação pelo Estado brasileiro da prática da psicoterapia enquanto técnica. No que tange à Psicologia, é justificada a busca pela regulamentação, uma vez que a psicoterapia é amplamente aplicada por psicólogos e é representativa da profissão.

Descritores: Psicoterapia; Psicologia; Códigos de Ética

Abstract

In Brazil, the regulation of professional psychotherapy is a controversial topic among various fields of knowledge, which can be noticed, for instance, in Bill 7726/2017, in the Legislative Suggestions (SUG) 8/2018 and 40/2019, as well as, likewise, the Medical Act Bill (2013). The present article aims, through the analysis of legislative norms, to discuss the links of Psychology with its legislation and with the regulation of psychotherapy. It deals with the Brazilian regulation of Psychology, indicating the absence of interface issues with Medicine in the process of its regulation between 1953 and 1962. During the congressional approval process, in order to avoid confrontation with Medicine and facilitate the approval of Law 4119/1962, terms from the field of education have been used. It is indicated that the federal regulation for psychotherapy has existed since 1932, through a decree that designated psychotherapy as a medical activity. However, psychotherapy has been currently applied by various professionals, even outside the field of health. In practical terms, there is no regulation by the Brazilian State for the practice of psychotherapy. Regarding Psychology, the search for regulation is justified considering that psychotherapy is widely applied by psychologists and represents the profession.

Keywords: Psychotherapy; Psychology; Codes of Ethics

Resumen

Es un asunto de conflicto entre campos de conocimiento, la regulación de la oferta profesional de la psicoterapia. Esto se puede ver en la proposición de ley 7726/2017, en las Sugerencias Legislativas (SUG) 8/2018 y 40/2019, así como en el proyecto de ley del acto médico (2013). El presente artículo tiene como objetivo, a través del análisis de las normas legislativas, discutir las relaciones de la Psicología con su propia legislación y con la regulación de la psicoterapia. Se trata de la regulación de la Psicología, indicando la ausencia de temas de interfaz con la Medicina, en el proceso de su regulación entre 1953 y 1962. Para la composición de esta legislación se han utilizado términos del ámbito de la educación para evitar la confrontación con la Medicina y facilitar la aprobación de la ley 4119/1962. Se indica que la regulación federal para la psicoterapia existe desde 1932, en decreto en el que se señalaba la psicoterapia como una actividad médica. Sin embargo, la psicoterapia es aplicada por profesionales de diversos ámbitos, incluso fuera del campo de la salud. En términos prácticos, no existe una regulación por parte del Estado brasileño de la práctica de la psicoterapia como técnica. En lo que respecta a la Psicología, la búsqueda de una regulación es justificada, ya que la psicoterapia es ampliamente aplicada por los psicólogos y es representativa de la profesión.

Descriptores: Psicoterapia; Psicología; Códigos de Ética

 

 

Introdução

Movimentações recentes de entidades e pessoas ligadas à Psicologia apontam para uma tentativa de se regulamentar a psicoterapia como prática exclusiva - privativa - de profissionais de psicologia com inscrição ativa em seu conselho de classe. Essa movimentação aparece em forma de Sugestões Legislativas (SUG 8/2018 e SUG 40/2019). Temos a apresentar que esta movimentação vai de encontro ao previsto em legislação própria da profissão, com data retroativa a 1962. Ou ainda com relação a outras profissões, quando podemos retroagir a datas até 1932.

Discutimos, neste texto, a disparidade entre as práticas atuais da Psicologia e sua legislação, no que se refere à atuação profissional e à constituição e atuação de órgãos de classe (Conselhos Federal e Regionais de Psicologia). Realizou-se, através das bases de dados da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, busca pelas normas legislativas relacionadas à psicoterapia, objetivando a identificação da legislação pertinente. A partir disto, estas normativas foram analisadas, objetivando discutir as relações factuais da Psicologia com sua própria legislação e com a regulamentação da psicoterapia, bem como as implicações desta relação.

1. Projeto de Lei e Sugestões Legislativas

O primeiro ponto que se nos apresenta à análise é a existência de duas sugestões legislativas e um projeto de lei que apresentam temática correlata. O projeto de lei (PL) 7726/2017, de autoria da deputada Rosinha da Adefal (PT do B/AL), indica que "A psicoterapia é atividade privativa de psicólogos ou de médicos no exercício da psiquiatria", em seu primeiro artigo1. Já a Sugestão Legislativa (SUG) 8/2018 deriva da Ideia Legislativa 93928, a qual alcançou os 20.000 apoiamentos necessários em fevereiro de 2018, podendo tramitar como SUG. A ideia que era sugerida versava sobre "Regulamentação da Psicoterapia como prática privativa de Psicólogos". Ainda, a SUG 40/2019, derivada da Ideia Legislativa 123431, apresenta o pedido de "Regulamentação da Psicoterapia como prática privativa de Psicólogos com CRP ativo".

Partimos dessas demandas, surgidas dentro do poder legislativo federal - ou lançadas a este por meio de manifestação de tipo popular - para verificar sua tramitação e consonância às normativas profissionais já existentes. Podemos pensar ainda que realmente temos uma demanda por regulamentação de práticas da Psicologia - como foi visto no ano de 2021 com uma decisão do Supremo Tribunal Federal relativa aos testes psicológicos. A regulamentação de práticas psicológicas - em suas mais diversas áreas - tem aparecido como premente para boa parte da categoria, e a sociedade civil organizada tem se manifestado a este respeito gerando uma movimentação de verve social.

As ideias legislativas, procedimento relativamente novo no entendimento legislativo nacional, tem gerado o acesso direto do cidadão à possibilidade de opinião com relação a assuntos que antes só poderiam ser discutidos abertamente em plenárias de casas legislativas. Aprovada em 2015, a Resolução do Senado Federal nº 19 cria o Programa "E-Cidadania", que institui, entre outros, o mecanismo de consulta popular na qual uma ideia legislativa pode se tornar uma proposta viável de análise por comissões do órgão legislativo. É nesse caminho de tramitação que surgiram as SUGs supracitadas.

Na tramitação da SUG 8/2018, a ideia foi encaminhada à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. Nesta comissão, a SUG teve como parecerista designada a senadora Marta Suplicy (MDB-SP). Importante citar aqui que a senadora tem formação em Psicologia, graduando-se na PUC-SP no ano de 1970, possuindo, ainda, titulação de especialista pela Universidade de Stanford e de mestra pela Universidade de Michigan (ambas estadunidenses). A parecerista, em sua manifestação, no Parecer (SF) nº 57/2018, construiu seu voto apontando para a questão constitucional da regulamentação de práticas profissionais por meio das casas legislativas. Aponta, entretanto, para a carência conceitual da temática e para a falta de delimitação da abrangência de uma possível decisão favorável. Relatou que tornar essa prática privativa da Psicologia pode gerar conflitos com outras categorias, bem como pode se tornar uma decisão sem valor devido à ausência de definição mais técnica e científica para o conceito. Com isso aponta:

De nada adiantaria este Congresso Nacional aprovar uma lei que pode se tornar inócua, com a simples utilização de outras denominações para o exercício de atividades semelhantes. Precisamos ser cautelosos, e os próprios interessados devem encontrar o consenso e a justa medida para as definições e normas que precisam ser adotadas, considerados os valores e demandas da sociedade2.


A falta de definição e de consenso da categoria fez com que o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo se posicionasse de forma contrária à proposta, acompanhando assim o parecer da relatora. Com essas percepções, a relatora conclui seu voto de maneira contrária à proposição, rejeitando a SUG 8/2018.

Optamos por traçar o percurso legislativo pormenorizado da SUG 8/2018 pelo fato de que sua tramitação foi finalizada. A SUG 40/2019 apresentava-se, no momento da escrita deste texto, em fase de encaminhamento para a Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, ainda sem designação de relatoria. O PL 7726/2017, após apresentação da deputada autora, foi encaminhado à Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), tendo ainda que passar pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) após esse andamento. No entanto, a CSSF não designou relatoria ou emitiu parecer e, ao final da legislatura, o projeto foi arquivado e assim se encontra desde janeiro de 2019.

Esse levantamento, realizado aqui, demonstra que, apesar das manifestações no sentido de regulamentação, ainda não se encontrou força suficiente junto aos legisladores para que as propostas encontrem

o destino de transformação em norma vigente. Não se pode ignorar a existência e insistência destas propostas, colocadas de modo bastante similar - apenas alterada na inclusão da Medicina no PL 7726/2017 - por três vezes, até agora. Mas, se as propostas não avançam (ao menos ainda não avançaram) é cabível problematizar sobre a atual regulamentação profissional que alcança a definição da psicoterapia. A Psicologia requer, por diferentes vias, seu uso privativo; isso nos induz à pergunta: o que temos em relação à lei que una a Psicologia à Psicoterapia?

2. A Legislação da Psicologia e seu Trajeto: Formação e Profissão

A Psicologia é profissão regulamentada pela Lei 4119/1962. Posteriormente, em 1964, decorre da lei o Decreto 53464, que traz mais especificações à lei. Estas legislações tiveram sua tramitação iniciada quatro anos antes, com o Projeto de Lei (PL) 3825/1958. Este PL é produto de discussões iniciadas ainda na década de 1940, envolvendo diversos atores do campo da ainda não regulamentada profissão.

Em 1945, foi fundada a Sociedade de Psicologia de São Paulo, que formaria uma comissão com a intenção de formatar as possibilidades de normatizar a profissão no país3. O Ministério da Educação expediria, em 1946, a portaria 328, a qual versava sobre pós-graduações em Psicologia - nas áreas de Clínica, Educacional e do Trabalho4. Em 1949, a pedagoga e psicóloga Annita Cabral proferia palestra, sob o título "A profissão do psicólogo e a associação de psicólogos norte-americanos: sugestões para a organização de nossa sociedade"5. No início da década de 1950 há forte estruturação voltada à construção da psicologia como profissão devidamente legislada.

O ano de 1953 é particularmente importante para a formação e regulamentação da profissão. Neste ano, a Associação Brasileira de Psicotécnica (ABP) envia ao Ministério da Educação um anteprojeto de lei propondo formas de regulamentar a Psicologia3,6,7,8,9. No mesmo ano, reúnem-se em Curitiba profissionais dedicados à Psicologia no I Congresso Brasileiro de Psicologia10,11. Este Congresso teve, entre outras, uma comissão temática dedicada ao "ensino de psicologia e profissão do psicólogo"; o relatório desta comissão foi aprovado pelo pleno do I Congresso em seu relatório final. Após o congresso, foi formada comissão de professores de Psicologia para dar redação final e encaminhar para o Ministério da Educação e Cultura um texto complementar àquele já encaminhado pela ABP. A comissão foi presidida por Nilton Campos, professor da Faculdade Nacional de Filosofia e contava com diversos notáveis3 da área - Pórcia Guimarães, Gabriel Munhoz da Rocha, Arrigo Angelini, Madre Cristina, Pedro Bessa, Hans Lipmann, Henrique Justo, Antonio Penna, João Mendonça e Lourenço Filhoi.

Originalmente, o anteprojeto de 1953 previa, com uma das áreas de atuação do psicólogo, a área clínica, entretanto recebeu oposição11, obrigando à confecção de um substitutivo - datado de 1957 - no qual se determinou que "o psicólogo neste caso só poderia ser um assistente técnico, tendo sua atuação supervisionada por um médico" (Pereira & Pereira Neto, 20037, p. 24).

No contexto da época, a Psicologia existia de duas maneiras: como uma especialização (pós-graduação) em faculdades de Filosofia e como uma especialidade médica (derivada da psicopatologia clínica)9. Isso pode ser visto na "Exposição de Motivos nº 112", assinada pelo Ministro da Educação e Cultura Clóvis Salgado - referente ao anteprojeto de lei 3825/195812. Importante ressaltar a personalidade citada, uma vez que havia sido vicegovernador (no mandato imediatamente anterior) do então presidente da República Juscelino Kubitschek, referendando nesse projeto o peso dessa ligação política e encaminhando o mesmo para a aprovação futura.

Além de analisarmos esse conteúdo cronológico, desde o início deste projeto que resulta na lei 4119/196213, importante também se verificar algumas questões de conteúdo e modificações que o projeto sofreu durante sua tramitação. Se a ideia do projeto começa no início dos anos 1950, sua proposição de fato, pelo Poder Executivo - via MEC - para o Poder Legislativo, só se dará em 11 de abril de 1958. E as modificações só podem iniciar com o projeto devidamente apresentado. No bojo do objetivo deste escrito, focaremos nos artigos que tratam sobre as "regalias conferidas aos diplomados" (texto do projeto de lei) e os "direitos conferidos aos diplomados" (textos seguintes). E note-se, desde já, que não veremos a palavra "psicoterapia" contida em nenhum destes textos - adiantando a pergunta feita ao final do tópico anterior.

A tabela a seguir apresenta comparativo entre os textos e referem tanto ao anteprojeto original, de proposta apresentada pela Associação Brasileira de Psicólogos (assinado por Annita Cabral), quanto ao substitutivo aprovado pela Comissão de Educação e Cultura.

Nilton Campos (1898-1963), Pórcia Guimarães Alves (1917-2005), Gabriel Munhoz da Rocha (1915-1999), Arrigo Leonardo Angelini (1924), Madre Cristina Sodré Dória (1916-1997), Pedro Parafita Bessa (1923-2002), Hans Ludwig Lipmann (1921-1981), Irmão Henrique Justo (nome civil: José Arvedo Flach 1922), Antonio Gomes Penna (1917-2010), João Ignácio Mendonça (1903-1969) e Manuel Bergström Lourenço Filho (1897-1970).





Pode-se verificar que a tônica do projeto original está voltada para a área de educação, com tópicos que indicam a formação de psicólogos para o ensino e para a atuação como orientador educacional. Esta perspectiva, certamente tem relação com o advento dos primeiros laboratórios de Psicologia experimental nas Escolas Normais do Brasil, e com a presença ativa da Psicologia com âmbito da Educação14,15.

O projeto 3258/195812 traz em si um trecho que pode ser entendido como uma "inovação legislativa", dado que aponta para aquilo que o profissional estaria impedido de fazer - como se lê no artigo 11, III: "Não poderão os licenciados responder pela organização e direção de serviços de psicologia clínica" -; esse dado é bastante significativo, uma vez que não é função de lei apontar para o sentido negativo da ação. A lei deve fornecer ações concretas na forma de verbos que, nesse caso, indiquem o que se deve e pode fazer o diplomado da nascente profissão.

Mais marcante do que isso, esse trecho explicita a disputa por espaço entre a Psicologia e a Medicina e deixa demonstrado quem ganhou essa disputa: o negativo na lei significa a afirmação da vitória da Medicina na disputa de mercado. As disputas da época, ordenando o caminho do que seria a lei da profissão da Psicologia, são bastante citadas como uma temática recorrente. Parecer do Ministério da Educação16 apontava que a questão da Psicologia Clínica seria de responsabilidade da Medicina. Podemos ver essa disputa entre a Medicina e a nova profissão que surgia, em entrevista de Mathilde Nederii na qual se refere ao projeto como "(...) o 'projeto dos médicos', talvez por terem sido, pela primeira vez, explicitadas as discordâncias dos médicos em relação ao fato de os psicólogos poderem atuar com psicoterapia, considerada, até então, atividade específica dos médicos" (Baptista, 20103, p. 181-182). Também exprime essa opinião o psicólogo e professor Arrigo Angeliniiii, quando aponta que surgiram restrições dos médicos para a prática da psicologia, admitindo essa prática somente mediante supervisão médica17.

Recuperando a polêmica e os debates de época, que redundaram nos vetos à proposta original da Psicologia, destaca-se que: "Este veto se deu por sua associação direta à prática da psicoterapia que, à época (e não muito distante de nossa realidade atual), era entendida como privativa do profissional médico, fazendo com que se substituísse - no texto final da Lei 4.119 - a palavra 'psicoterapia' por 'solução de problemas de ajustamento"' (Jonsson, 201111, p. 23). Convém ressalvar que o Decreto nº 20.931 de 11 de janeiro de 1932, que "Regula e fiscaliza o exercício da medicina, da odontologia, da medicina veterinária e das profissões de farmacêutico, parteira e enfermeira, no Brasil, e estabelece penas"18. No seu Art.24, fica definido que os "serviços de psicoterapia" deveriam ficam sob a direção e responsabilidade dos médicos.

Esta disputa de campo é visível na tramitação da lei, nos próximos passos. A proposta da Associação Brasileira de Psicólogos é escrita no sentido "positivo", ela não cita em seu corpo o que a profissão estaria impedida a fazer. Mas o resultado sintético demonstra mais uma vez a força dos médicos nesse trâmite: novamente aparece a Medicina enquanto impedimento da Psicologia, limitando a atuação com um texto um pouco atenuado, em sua alínea d. O texto passa a compor que, à Psicologia cabe a "solução de problemas de ajustamento", com influência do campo educacional (tanto da escola quanto da seleção profissional) que antecipa o acolhimento da nova profissão e que, ao que parece, surgia como um lugar privilegiado para a Psicologia, deixando a terapêutica e a clínica para o médico9,11. Nesse campo, a psicoterapia pertenceria ao médico - associada diretamente ao trabalho do psicopatologista e do psiquiatra. Nesta visão, a Medicina propõe à Psicologia o papel de auxiliar em sua clínica, conforme podemos ver na Exposição de Motivos nº 112 e no Parecer nº 412, ambos do Ministério de Educação e Cultura. Compartilha dessa posição o médico (e também pioneiro da Psicologia) Elso Arruda, que apontaria que a psicologia clínica é disciplina inseparável da medicina, cabendo ao médico o diagnóstico e proposta de tratamento no campo da psicologia dita anormal - a psicopatologia19.

Como se observa, nas palavras de Oswaldo de Souza Guimarães - nos Annaes da Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro - o papel do psicólogo foi, originalmente, pensado como um auxiliar do médico: "(...) atualmente todo Instituto destinado ao estudo, cura e profilaxia das moléstias mentais deve ter, como auxiliar indispensável, um laboratório de Psicologia, a cargo de um psicólogo profissional. Este se torna, então, valioso colaborador do médico, para eficiência de tal Instituto (Penna, 199220, p. 3. [Grifos nossos]). Importante observar que a Psicologia, desde então, é considerada um saber relevante, e o profissional um auxiliar do médico, algo compatível com uma tendência de época, como se pode igualmente observar pelas relações da Medicina com a Educação, como quando da criação do Serviço de Inspeção Médico-Escolar em 1909, em São Paulo. Ainda, em 1932, o Laboratório é transformado em Instituto de Psicologia, onde teria uma seção, a Escola Superior de Psicologia, que ficaria responsável pela formação de psicólogos, com a proposta de formar profissionais psicólogos e consistia de cursos teóricos e práticos com estágio obrigatório e duração de quatro anos, cuja primeira turma teve a duração de apenas sete meses8,21.

Voltando ao texto do substitutivo, o mesmo representa muitas pressões das associações de categorias médicas, inclusive por meio de deputados com formação médica3,9. Estes consideram que os termos clínica e psicoterapia são termos médicos e estão regulamentados em legislação anterior, o Decreto 20931/1932. Ainda que naquele decreto a definição não seja direta, é a única legislação nacional que apresenta a palavra "psicoterapia", ligando essa a institutos que devem, obrigatoriamente, funcionar sob responsabilidade e direção técnica de profissional médico (como constante no seu artigo 24). Sobre isso, podemos remeter à fala do professor Arrigo Angelini17, onde este coloca que, para a lei ser aprovada, "foi usado o estratagema de não empregar o termo clínica e de substituir a atividade da psicoterapia pela de 'uso de métodos e técnicas psicológicas para solução de problemas de ajustamento'". O professor complementa que o relatório foi aprovado por deputado que era médico (Lauro Monteiro da Cruz) e que esse "estratagema" permitiu à lei a continuidade da tramitação com terminologia advinda da educação, tema que não era afeito aos médicos e não causava resistência.

Ainda no ensejo das mudanças observadas na Tabela 1, vemos avanços importantes. As duas categorias de "psicologistas" deixam de existir. O projeto de 1958 aponta para o psicologista auxiliar (bacharel) e o diplomado (licenciado). O substitutivo de 1959 já não mais contém esses termos, unificando o entendimento. Este fato foi solicitação da proposta da Associação Brasileira de Psicólogos, contida em seu texto de apresentação das alterações. Sugere também a alteração do termo "psicologista" por "psicólogo". Ainda que estes dois pontos tenham sido contemplados, as definições de atuação, com embasamento que remontam bastante à clínica e ao tratamento, foram deixadas fora do texto sintetizado de 1959 e do texto final da lei, de 1962.

O texto final da lei 4119/1962 traria algumas mudanças no que se refere ao texto do substitutivo de 1959, como ressalvas com relação à Medicina, que caíram, deixando a definição de atribuições assim:

Art. 13. - Ao portador do diploma de Psicólogo é conferido o direito de ensinar Psicologia nos vários cursos de que trata esta lei, observadas as exigências legais específicas, e a exercer a profissão de Psicólogo.

§ 1º Constitui função privativa do Psicólogo a utilização de métodos e técnicas psicológicas com os seguintes objetivos:

a) diagnóstico psicológico;

b) orientação e seleção profissional;

c) orientação psicopedagógica;

d) solução de problemas de ajustamento.

§ 2º É da competência do Psicólogo a colaboração em assuntos psicológicos ligados a outras ciências.


O presidente da República exerceu seu poder de veto, retirando quatro artigos (2º, 3º, 4º, 14) e a palavra "privativa" do artigo 13. Os artigos 2º, 3º e 4º se referiam ao currículo escolar - disciplinas (o Executivo considerou o currículo "rígido"). O artigo 14 indicava a manutenção de direitos ligados ao exercício do magistério (o texto estava muito abrangente e afetava outras categorias). A justificativa para vetar a palavra "privativa" foi considerada

(...) medida imperiosa tendo em vista a circunstância de que a utilização de métodos e técnicas psicológicas, com os objetivos indicados, está igualmente na área de atribuições de outros cursos profissionais, tais como os diplomados em cursos de medicina e assistência social, que teriam os seus direitos cerceados sem razão (Brasil, 196213, p. 2 da mensagem de veto).


Mais uma vez surge a questão da interface com outros campos do conhecimento e suas relações profissionais, que permeia toda a tramitação dessa lei. Esse veto, porém, foi parcialmente derrubado pelo Congresso Nacional. Na derrubada, foi mantida a condição de "privativos" para os objetivos apontados nas alíneas do parágrafo único do artigo 13. Essa alteração, por meio de veto, e sua derrubada, foi a última modificação na lei 4119/1962, que foi finalizada em 14 de dezembro de 1962.

Na sequência da aprovação da lei ocorre a expedição de decreto. Um decreto tem a função jurídica de regulamentar a lei - trazer os elementos necessários para a execução desta lei, sem poder alterá-la em sua substância. O Decreto 53464 foi publicado em 21 de janeiro de 1964, e está construído de forma mais concisa, definindo as funções do psicólogo a partir do contido na lei. No artigo 4º, que trata das suas funções, o decreto repete ipsis litteris as quatro alíneas e acrescenta algumas funções, não contraditórias ao previsto na lei. Vejamos este artigo na íntegra:

Art. 4º- São funções do psicólogo:

1) Utilizar métodos e técnicas psicológicas com o objetivo de:

a) diagnóstico psicológico;

b) orientação e seleção profissional;

c) orientação psicopedagógica;

d) solução de problemas de ajustamento.

2) Dirigir serviços de Psicologia em órgãos e estabelecimentos públicos, autárquicos, paraestatais, de economia mista e particulares.

3) Ensinar as cadeiras ou disciplinas de Psicologia nos vários níveis de ensino, observadas as demais exigências da legislação em vigor.

4) Supervisionar profissionais e alunos em trabalhos teóricos e práticos de Psicologia.

5) Assessorar, tecnicamente, órgãos e estabelecimentos públicos, autárquicos, paraestatais, de economia mista e particulares.

6) Realizar perícias e emitir pareceres sobre a matéria de Psicologia22.


A regulamentação é mais completa, acrescenta pontos importantes ao previsto na lei - como a realização de perícias e pareceres - e atualiza as funções. Entretanto, mais uma vez é uma legislação que não contém nenhuma alusão à psicoterapia. E retomamos o professor Angelini: "Nesse particular, nota-se que, entre as funções atribuídas ao psicólogo no texto da lei que foi finalmente aprovada, não figura a psicoterapia, e nem a palavra clínica"17.

3. Qual a regulamentação da psicoterapia, então?

A Psicologia dos dias atuais chama para si a prática da psicoterapia enquanto definição profissional, apresenta certa tradição nesta direção - como o fato do campo da clínica ser o mais representativo da categoria23 -, e defende igualmente a posição de ter uma base teórica e metodológica suficientes para sustentar tal pleito. Não é nosso objetivo justificar isso nesse trabalho, senão debater. Contudo, no que se refere à legislação brasileira, a situação não é favorável. Mas onde encontramos a psicoterapia na legislação brasileira, vinculado à prática profissional? A resposta é fácil e direta: no ato médico.

Em 1932, o governo provisório de Getúlio Vargas edita decreto que versa sobre a regulamentação e fiscalização do exercício da medicina, da odontologia, da medicina veterinária e das profissões de farmacêutico, parteira e enfermeira. Este decreto 20931/193218 foi formatado diretamente pela via do Executivo Federal (por meio do então Ministério da Educação e Saúde Pública), sem passar por tramitação vinculada ao Poder Legislativo. Isso se deu porque o governo provisório chefiado por Getúlio foi estabelecido em 1930, por meio de decreto 19398/1930 que dava ao chefe do Executivo poderes discricionários para exercer a função dos demais poderes até a formação de Assembleia Constituinte para reestabelecer as funções constitucionais no país - isso se daria em 193424.

O decreto em tela contempla as definições e funções ligadas a estas profissões. E é nessa legislação que vemos citada a palavra "psicoterapia" pela primeira vez em definição legal; ela vem no tópico em que trata de "estabelecimentos dirigidos por médicos", presente em citação nos artigos 24 e 26, que seguem:

Art. 24 Os institutos hospitalares de qualquer natureza, públicos ou particulares, os laboratórios de análises e pesquisas clínicas, os laboratórios de soros, vacinas e outros produtos biológicos, os gabinetes de raios X e os institutos de psicoterapia [grifo nosso], fisioterapia e ortopedia, e os estabelecimentos de duchas ou banhos medicinais, só poderão funcionar sob responsabilidade e direção técnica de médicos ou farmacêuticos, nos casos compatíveis com esta profissão, sendo indispensável para o seu funcionamento, licença da autoridade sanitária. Art.

26 Os laboratórios de análises e pesquisas clínicas, os laboratórios de soros, vacinas e outros produtos biológicos, os gabinetes de raios X e os institutos de psicoterapia[grifo nosso], de fisioterapia e de ortopedia, serão licenciados e fiscalizados pelo Departamento Nacional de Saúde Pública ou pela autoridade local. A licença será concedida ao responsável pelo estabelecimento e só poderá ser fornecida após a competente inspeção sanitária, devendo a transferência de local ou a substituição do responsável ser previamente requerida à Inspetoria de Fiscalização do Exercício da Medicina ou à autoridade sanitária local18.


Destes artigos se depreende que a psicoterapia sequer precisaria ser definida como uma prática exclusivamente médica: já teria uma compreensão tácita e plenamente reconhecida. E a lei é bastante específica ao colocar não apenas a figura do dirigente, mas ainda do responsável técnico e diretor técnico com formação em medicina, além de necessitar de licença sanitária emitida por autoridade que também teria formação em medicina. Na mesma legislação, ainda há uma referência indireta à prática que envolve o que hoje chamaríamos de campo da "saúde mental" (envolvendo a Psicologia), no caso dos alienados e toxicômanos. O artigo 29 aponta para a necessidade de médico com habilitação específica para o caso em questão - além dos outros elencados no artigo:

Art. 29 A direção dos estabelecimentos destinados a abrigar indivíduos que necessitem de assistência médica, se achem impossibilitados, por qualquer motivo, de participar da atividade social, e especialmente os destinados a acolher parturientes, alienados, toxicômanos[grifo nosso], inválidos, etc., será confiada a um médico especialmente habilitado e a sua instalação deverá ser conforme os preceitos científicos de higiene, com adaptações especiais aos fins a que se destinarem18.


O decreto de 1932 evidencia que as ações profissionais no campo que conhecemos atualmente como da "saúde mental", e especialmente da psicoterapia, seriam atos médicos legislados. Essa caracterização legislativa é regulamentada pelo Estado brasileiro 30 anos antes da lei 4119/1962 e estava em vigência quando da promulgação desta lei; a Lei 4119/1962 não altera nenhum dispositivo do Decreto 20931/1932 e sequer o cita. Para a esfera jurídica são, na prática, duas regulamentações absolutamente alheias entre si.

Para o estudo da regulamentação da psicoterapia no Brasil, temos um marco, então. Ela é um ato médico e data - juridicamente - de 1932. Como a Psicologia não conseguiu efetivar em lei, práticas de tipo clínico, que remetem à psicoterapia em sua regulamentação, o decreto de 1932 continuava como única referência legal a este tipo de atuação profissional. Efetivamente, como uma prescrição estatal, o decreto de 1932 é a única definição deste tipo que se encontra no regramento jurídico brasileiro. Entretanto, existem outros delineamentos infralegais que tentam balizar a psicoterapia. Seguindo de modo cronológico, encontraremos a lei 5766/197125, que criou o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Psicologia. Essa lei é regulamentada, em 1977, pelo decreto 79822. Como os textos são praticamente idênticos, optaremos por trazer aqui o texto do decreto. Lá temos dois pontos que devem ser aqui destacados, no artigo que especifica as competências do Conselho Federal de Psicologia: "V - exercer função normativa e baixar atos necessários à execução da legislação reguladora do exercício da profissão;" e "XVII - propor, por intermédio do Ministério do Trabalho, alteração da legislação relativa ao exercício da profissão de Psicólogo"26. Essas alíneas estabelecem o que pode ser feito pela autarquia no sentido de regulamentação profissional por via interna (resoluções) ou por via da legislação federal e suas possíveis indicações de alteração.

O exercício da primeira competência (inciso V) regula a prática de profissionais de Psicologia apenas, sem ter reflexo em práticas de outras profissões regulamentadas. A segunda (inciso XVII) poderia ter tal interferência, por isso mesmo necessita ter o processo legislativo respeitado e advir do Poder Executivo, via Ministério do Trabalho, nesse caso. Retomaremos essas competências no decorrer do texto, respeitando o encadeamento cronológico aqui previsto.

Ainda na esfera infralegal, em 1982, surgiria no Brasil a CBO - Classificação Brasileira de Ocupações. Esta classificação é uma publicação do Ministério do Trabalho, em portaria ministerial, que define que os títulos e códigos utilizados nessa classificação sejam utilizados oficialmente em todo o território nacional, como base jurídica para as relações de trabalho e emprego. A CBO foi atualizada nos anos de 1994, 2002 e 2010, sendo esta, a última e atual versão. As definições não são necessariamente vinculadas às profissões regulamentadas, mas sim a ocupações (emprego ou situação de trabalho similar visando percepção financeira) - incluindo aí os autônomos, por exemplo. A Psicologia está presente nesse índice, sob código 2515, com a definição "Psicólogos e Psicanalistas". O item 2515-10 traz o título "psicólogo clínico" e conta com os seguintes sinônimos previstos: Psicólogo da Saúde, Psicoterapeuta e Terapeuta. A psicoterapia também é citada na vinculação com a Medicina, no código 2231, título 2231-53, médico psiquiatra, contendo os sinônimos "médico psicoterapeuta" e "médico psicanalista"27.

Importante citar que a CBO não tem função de regulamentação, senão de classificação oficial das ocupações e fazeres profissionais. É comum que cursos livres de práticas ou técnicas que circundam a Psicologia (psicanálise, por exemplo) citem a CBO como uma forma de regulamentação, ainda que o façam de modo inapropriado. Dado que a CBO não regulamenta, sua existência é aqui relevante no sentido de elencar as ocupações e citar entre elas a prática psicoterápica vinculada ao psicólogo clínico e ao médico psiquiatra.

Se, desde 1982, existe a definição da psicoterapia vinculada ao psicólogo clínico na CBO, seria somente em 2000 que o Conselho Federal de Psicologia editaria norma específica sobre a temática. A resolução CFP nº 010/200028 diz: "Especifica e qualifica a Psicoterapia como prática do Psicólogo". Essa resolução traz em seu bojo uma definição generalista, que aqui reproduzimos, em seu primeiro artigo:

Art. 1º - A Psicoterapia é prática do psicólogo por se constituir, técnica e conceitualmente, um processo científico de compreensão, análise e intervenção que se realiza através da aplicação sistematizada e controlada de métodos e técnicas psicológicas reconhecidos pela ciência, pela prática e pela ética profissional, promovendo a saúde mental e propiciando condições para o enfrentamento de conflitos e/ou transtornos psíquicos de indivíduos ou grupos28.


A resolução, para além de definir a psicoterapia, ainda trará alguns pontos procedimentais, como a obrigatoriedade da realização de avaliação diagnóstica fundamentada, de se manter registro das sessões, de se estabelecer contrato, entre outros detalhamentos28.

Essa resolução remete ao inciso V do Decreto nº 79822/197726, perfazendo o caminho de estabelecer ato que regula o exercício profissional da profissão da Psicologia. Não há manifestação do Conselho Federal de Psicologia quando ao ato "externo", qual seja, a sugestão de alteração de lei ou decreto que diga respeito a esta prática profissional. Dessa forma, a resolução serve de referência para os profissionais de Psicologia inscritos em seus Conselhos Regionais, mas não altera a relação de outros profissionais - ou mesmo psicólogos formados e não inscritos em seus Conselhos. E é justamente nesse vácuo de manifestação da autarquia que surgiriam, anos depois, as tentativas de regulamentação por outras vias, pela organização privada de psicólogos em grupos de interesse na temática, com as Sugestões Legislativas apresentadas em 2018 e 2019.

Com o exposto nesse tópico, reforçamos: a única medida regulatória da psicoterapia continua, até aqui, o decreto do ato médico da década de 193018. O surgimento da Psicologia como profissão regulamentada, dos Conselhos de Psicologia, da CBO e a resolução CFP nº 010/2000 não incluem alterações nesse sentido.

4. Atualização do Ato Médico (2013)

A Medicina tinha sua regulamentação apenas pelo decreto de 1932 e por atos com características de menor definição - criação de Conselhos, definição de salário e carga horária. Faltava uma atualização da "lei dos médicos", do "ato médico", como havia ocorrido com as diversas profissões regulamentadas ao longo do século XX. Neste sentido é apresentado ao Senado o Projeto de Lei 268/2002, que "dispõe sobre o exercício da Medicina"29. Esse projeto de lei seria fortemente combatido pelas entidades representativas da área da saúde. Nesse aspecto, o Conselho Federal de Psicologia foi sua principal liderança, em conjunto com outras entidades da profissão.

O enfrentamento ao PL se deu especialmente pelo contido no artigo 4º, que cita as atividades privativas do médico: "I - formulação do diagnóstico nosológico e respectiva prescrição terapêutica". Foi nesse ponto específico que as profissões da saúde compreenderam que haveria o risco de interferência em suas práticas. Para a temática em tela nesse trabalho, - a psicoterapia - seria justamente a reedição do movimento do qual a Medicina se manifestou contrariamente à época da tramitação da lei 4119/1962, indicando interferências em matéria correlata à profissão médica.

O entendimento das entidades de Psicologia foi de que este inciso entrava em conflito com a avaliação psicodiagnóstica e com a psicoterapia, entendendo estas como pareadas ao disposto enquanto "diagnóstico nosológico e respectiva prescrição terapêutica". Seria um impedimento à prática clínica da psicoterapia por psicólogos, bem como o faria com práticas correspondentes de outras profissões, impedindo o diagnóstico e prescrição em categorias como Fisioterapia, Nutrição, Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia e as demais profissões de nível superior da área de saúdeiv definidas pela resolução 287/1998 do Conselho Nacional de Saúde30.

Para tentar reduzir o desgaste que este inciso I trazia, na tramitação do Projeto foi indicada a inclusão de um parágrafo, que assim estava composto: "§ 2º Não são privativos do médico os diagnósticos funcional, cinésio-funcional, psicológico, nutricional e ambiental, e as avaliações comportamental e das capacidades mental, sensorial e perceptocognitiva".

O projeto de lei 268/2002 foi discutido e finalizado no Senado Federal por quase quatro anos, para então ser encaminhado para a Câmara Federal onde seria acolhido como PL 7703/2006. Em debate nessa casa até 2009, retorna ao Senado, dado caminho regimental de votação na casa de origem quando há mudanças significativas em seu texto original. Com emendas e debates por mais quatro anos, o texto seria finalmente aprovado em sua redação final em 10 de julho de 2013. Para apoiar a aprovação da Lei nº 12842/2013, as entidades de saúde (que não as da Medicina) fizeram incursões junto a deputados, senadores e ao Poder Executivo, exigindo alguns vetos. Podemos ver esse dado em ofício enviado pelo CFP, em conjunto com outras entidades de classev.

Em linhas gerais, as profissões de saúde avaliam que a aprovação do texto pelos senadores enseja óbices ao exercício dessas profissões e à adequada oferta de saúde pública à população brasileira (...). Dentre os problemas identificados, o mais preocupante reside na redação do art. 4º, inciso I que versa sobre a formulação do diagnóstico nosológico e respectiva prescrição terapêutica. Nosso entendimento é que o dispositivo se traduzirá em enorme insegurança jurídica para as demais atividades de saúde (...)31.

Apenas uma semana depois foi encaminhada a mensagem de veto advindo do Poder Executivo, que seria mantida pelo Legislativo e comemorada pelas entidades de saúde como uma ação que trazia uma solução ao embate então estabelecido. O campo médico teria sua lei aprovada e as demais profissões não sofreriam impedimentos em decorrência desta legislação. Os vetos dizem respeito ao inciso I supracitado e seu parágrafo 2º, no que se refere à Psicologia. Ainda foram vetadas partes que faziam referência a órteses e próteses, bem como a procedimentos como aplicação de injeções e punções, que entrariam em conflito com práticas da enfermagem. Também restou desacolhido inciso que tratava da "direção de serviços médicos", por falta de definição precisa sobre o termo, que traria insegurança jurídica sobre a amplitude de sua aplicação.

Com a aprovação da lei, a Medicina passou a ter seu exercício regulamentado; as alterações no projeto inicial garantiram que este ato jurídico não interferisse na prática de outras profissões da área da saúde. Entretanto, uma vez que o inciso I foi retirado da lei, voltamos à situação anteriormente posta com relação à regulamentação da prática da psicoterapia, qual seja, da falta de regulamentação estatal. Em aspectos meramente legais, caso fosse aprovado aquele inciso nada seria alterado na lei que regulamentou a Psicologia, dada ausência da definição de clínica ou de psicoterapia. Mas seria uma prática vinculada à Medicina, o que traria desencontros e dificuldades para a aplicação da psicoterapia enquanto prática clínica por psicólogos e profissionais de outras formações.

5. A Resolução CFP nº 13/2022 - diretrizes e deveres para o exercício da psicoterapia por psicólogos

O Conselho Federal de Psicologia lançou uma consulta pública aos profissionais de Psicologia no início do ano de 2021. Essa consulta pública visava "conduzir estratégias em torno da temática (…) para ouvir a categoria sobre o exercício da Psicoterapia"32. Foram registradas opiniões de 17580 pessoas, registradas em todos os 24 Conselhos Regionais de Psicologia. Antecedendo o lançamento do questionário, foi realizado seminário sobre psicoterapia, com divulgação nas mídias do CFP. Após a totalização dos dados, os resultados seguiram em debate em audiências públicas com entidades nacionais ligadas ao tema da psicoterapia. O passo seguinte seria a discussão em APAF (Assembleia de Políticas, da Administração e das Finançasvi) para a adequação dos achados em uma minuta de resolução, que deve ser aprovada pelo mesmo colegiado após seus trâmites burocráticos. Em junho de 2022 seria então lançada oficialmente tal resolução, que veio sob o número 13/202233.

A Resolução CFP nº 13/2022 tem por objetivo regulamentar o uso da psicoterapia para psicólogos. Também revoga a Resolução anterior de teor similar (Resolução CFP 10/2000), atualizando-a. Após quase dois anos de discussões, debates, seminário e consulta pública, uma análise criteriosa do texto normativo, nos mostra que a nova regulamentação não apresenta significativas mudanças nas práticas profissionais. No desenvolvimento dos 19 artigos do texto, percebe-se a inclusão de temáticas já previstas no Código de Ética Profissional (Resolução CFP nº 10/2005) e em Resoluções afins - nos casos de perícia, por exemplo.

Os "deveres" contidos em seu artigo 3º não encontram novidade de fato, trata-se de atualização do texto da Resolução CFP nº 10/2000, o que deixa em aberto inclusive a intenção de normatizar a que se propunha a resolução, bem com deixa lacunas que não se encontram totalmente fechadas no novo texto. Por exemplo: Ao tratar sobre contratos, o texto meramente traz elementos já presentes na resolução anterior e faz um descritivo pouco apurado. No tocante à produção de documentos, remete ao que já se tem previsto em resolução específica - e recente - sobre o tema (Resolução CFP nº 6/2019). O inciso V, que versa "utilizar abordagens psicoterapêuticas admitidas cientificamente"33, mantém a referida falta de pragmatismo, visto que não há elementos que nos permitam identificar quais seriam estas abordagens, tampouco como um profissional poderia buscar listas ou referências de abordagens deste tipo, reproduzindo muitas das vezes as cisões entre ciência (e academia) por um lado, ou prática profissional, por outro. Não há igualmente definição suficiente para que se possa cobrar uma postura condizente do profissional no futuro, especialmente em julgamentos éticos.

O artigo 4º discorre sobre o tempo de sessão, dizendo que o mesmo deverá ser balizado por "critérios técnicos, teóricos e éticos relacionados à sua abordagem psicoterapêutica"33. Convém assinalar que essa questão está intimamente relacionada ao modelo de prática privativa da psicoterapia, e à tradição - vale a pena frisar - não regulada, de impor ou designar uma relação fixa de tempo para uma sessão privada. No contexto das práticas clínicas institucionais, por outro lado, em contexto de saúde (por exemplo, hospitais, convênios, etc.), a temporalidade se ordena em torno das demandas, necessidades e condições, externas mesmo às proposições tradicionais (ou nem mesmo se pauta pelo tempo como condição fundamental, como se pode observar em outras modalidades clínicas, tais como o Plantão Psicológico, p. ex.). Boa parte dessas representações parte de um modelo biomédico, individual, centrado no problema e no saber do profissional, e não visualiza as condições e contextos diversos.

O artigo 7º visa a elucidar uma questão que está presente no cotidiano da psicoterapia: a sessão de "atendimento social". Usa o termo "atendimento psicoterápico voluntário" para remeter ao dito atendimento social. E busca o definir e enquadrar: ao realizar tal atendimento, o profissional não pode "alterar a natureza voluntária da prestação de serviços"33; todavia, não estabelece critérios para delimitar os casos em que os pagamentos podem ou não ser recebidos, ou ainda se possa falar em permutas, por exemplo.

O artigo 14 merece ser transcrito integralmente para melhor comentarmos sobre ele.

Art. 14. A psicóloga e o psicólogo psicoterapeutas, no âmbito da abordagem que adota, têm autonomia para conduzir a prestação de seus serviços, desde que esteja garantido:

I - respeito integral ao Código de Ética Profissional do Psicólogo e às demais normativas que regem o exercício profissional;

II - fundamentação ético-científico-epistemológica; III - fundamentação científica sobre o desenvolvimento humano e psicológico;

IV - teoria clínica explicativa do sofrimento humano; V - comprovação, por meio da literatura científica, que evidencie benefícios à saúde;

VI - aplicação em observância às diversidades humanas e realidades locais; e VII - requisitos formativos para a prática33.


Aqui verificamos que a condição de garantia da abordagem é responsabilidade direta do profissional; que será cobrado pelo Conselho em critérios ali estabelecidos, mas que não se oferece uma retaguarda a esse mesmo profissional para que ele tenha acesso ao "mínimo exigido". As definições são amplas e trarão, no futuro, consequências para as práticas profissionais e a conduta/julgamento ético das mesmas.

Levantamos neste tópico alguns pontos cediços da Resolução que visa regulamentar a psicoterapia. Vemos que além de não apresentar pontos de avanço suficientes, ainda se coloca de maneira pouco pragmática e com sérios problemas para o cumprimento de seus requisitos. Seus critérios carecem de definição mais apurada e aplicabilidade prática.


6. Discussão

Os movimentos recentes (de 2017 até o momento) que reivindicam à Psicologia a exclusividade da prática psicoterapêutica demonstram a retomada de uma discussão que nunca teve um encerramento de fato (diríamos mesmo que sequer teve um preâmbulo e um encaminhamento adequados). Estas tentativas de tornar a psicoterapia privativa da Psicologia vão ao encontro das discussões que perpassaram a criação da lei que regulamentou a profissão, deixando toda referência à "clínica" e psicoterapia alheias ao texto publicado ao final do processo legislativo.

Vimos, ao longo do texto, como se deu este processo legislativo e como a regulamentação da profissão e da psicoterapia está posta hoje. Fazendo notar que a única regulamentação da psicoterapia beira o centenário e, observando os movimentos frustrados das categorias profissionais de psicólogos e médicos indicados neste texto, caberia perguntar: a quem interessa a regulamentação da psicoterapia?

Para as categorias de médicos e psicólogos, o interesse se divide em reserva de mercado, mas também como uma forma de proteger a população do charlatanismo e da imperíciavii. A novidade na ideia de se buscar o apoio estatal para a prática está vinculada à entrada de elementos alheios às profissões normalmente vinculadas à psicoterapia (Psicologia e Medicina). Esta preocupação pode ser encontrada na justificativa da SUG nº 40/2019 (que é também texto presente na SUG 8/2018, com poucas alterações com relação a este).

Atualmente no Brasil, qualquer pessoa com qualquer ou nenhuma formação pode oferecer "Psicoterapia" como um serviço e assim, pessoas com transtornos mentais podem ser seriamente prejudicadas por outras profissões que não tem o preparo adequado para cuidar de questões relativas à saúde mental34.


Neste ponto, questionam-se profissionais advindos de outras profissões de nível superior ou mesmo pessoas que tenham uma formação apontada como "duvidosa" e que, em tese, podem exercer a psicoterapia sem nenhum constrangimento legal.

Como forma de encontrar legitimidade nesta demanda, a categoria de psicólogos se coloca nesse processo como aquela cuja profissão tem, majoritariamente, o domínio da representação social e da prática da psicoterapia. O próprio Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Psicologia já se colocaram nesse sentido, ressaltando que a psicoterapia é prática da profissão, em campanhas e em resoluçõesviii. Mas esta linha de atuação nos parece estar ligada mais diretamente aos campos de trabalho da Psicologia do que a uma epistemologia que a justifique. Assim, as regulamentações em si não trazem contribuição ou avanço nesse sentido epistemológico.

Pode-se argumentar que, no vácuo deixado pela Medicina na oferta e desenvolvimento de práticas psicoterápicas, a Psicologia encontrou um lugar e tem desenvolvido as técnicas e teorias que orientam a prática. Entretanto, o fazer do psicólogo, atrelado à psicoterapia, não elimina a possibilidade de que outras profissões possam ter tal atuação concomitante. Para que a justificativa fosse mais incisiva, as instituições representativas poderiam ter se apoiado em dados técnicos e científicos (estatísticos, baseados em evidências, estudos de eficácia, definições operacionais, delimitações de campo e de objeto, etc.) que apontem, caso assim fosse, para um melhor resultado de uma psicoterapia praticada por psicólogos versus a psicoterapia praticada por outros profissionais. Um exemplo disso, pode ser encontrado em Caselli, Ielmini, Bellini, Zizolfi e Callegari35, que apontaram em revisão sistemática e meta-análise o treinamento dos psicoterapeutas como viés importante no desfecho de uma psicoterapia. Por outro lado, não se exclui profissionais não psicólogos deste treinamento.

Como a justificativa baseada em dados não ocorreu- e não encontramos estudos nesse sentido - o que fica posto como motivação passa por dois pontos: um trata sobre o domínio de mercado de trabalho e outro é ideológico. De mercado, porque quer limitar um tipo de atuação especificamente aos profissionais inscritos nos Conselhos Regionais de Psicologia; o que indicaria, por consequência, a obrigatoriedade dessa vinculação para a prática psicoterapêutica. Ideológico porque não se baseia em dados que possam ser debatidos e trazidos à transparência científica necessária a este tipo de discussão.

Para além dos deveres e dos direitos dos profissionais que oferecem a psicoterapia, convidamos a lançar o olhar para a população que se beneficiará de tal regulamentação. Talvez, esteja aí a principal dificuldade em criar uma regulamentação para a atividade. A restrição do número de profissionais e de categorias profissionais que realizam este tipo de atendimento não parece beneficiar o conjunto da população. Um desdobramento desta reflexão pode ser encontrado na oferta de psicoterapia pelo Sistema Único de Saúde. Tomando como base os princípios da equidade e integralidade, não vemos como a exclusividade da oferta de psicoterapia por parte dos psicólogos pode ampliar a oferta de acolhimento clínico aos brasileiros. Outra discussão, neste mesmo sentido, implicaria em discutirmos como ofertar psicoterapia com qualidade para a população que dela necessita. Isto tudo, sem perder ainda de vista as múltiplas possibilidades de oferta de serviços de escuta, acolhimento e cuidado subjetivos.

Importante apontar que o CFP não se manifestou, desde sua criação (em 1971), sobre o tema na forma que lhe assiste a lei. O CFP pode sugerir ao poder competente alterações em legislação que verse sobre o exercício da profissãoix. Seria óbvia a sugestão de alterações diversas na lei 4119/1962, uma vez que essa não é representativa da realidade atual da profissão. O texto é ultrapassado e incondizente com o que a Psicologia brasileira se tornou desde sua aprovação. Quase 60 anos após sua aprovação, a lei segue sem nenhuma atualização no sentido das funções da profissão - salvo pelo breve acréscimo presente no decreto 53464/1964, que regulamentou a lei. Acrescente-se a isto o fato que, no decorrer de todo esse tempo, o campo de atuação e de aplicação da profissão de psicólogo se estendeu sobremaneira, alcançado espaços nunca antes imaginado, o que pode ser facilmente constatado pela literatura23.

No sentido de atuação interna à Psicologia e sua normatização, o CFP publica, em 2007, a chamada "resolução de especialistas". A resolução CFP nº 013/200736 institui o título de especialista em Psicologia, hoje constando com 13 especialidades. Essa resolução tem, entre outras, a especialidade de "psicologia clínica", a qual refere à psicoterapia, entre outras possibilidades de intervenção. Esta resolução se coloca no mesmo modelo das definições existentes na prática médica, que define as especialidades e exige que o médico tenha o registro de especialista junto ao Conselho Regional de Medicina para poder se apresentar publicamente como especialista em determinada área. A resolução da Psicologia se coloca como mero reconhecimento ao profissional que obtenha o título, não se constituindo em condição para o exercício na área de especialidade. Na prática, não significa uma especialização no modelo acadêmico e nem reflete a competência do profissional titulado. A especialidade com treinamento ou formação específicos, serviria como argumento como expusemos acima. Ao contrário da Medicina, que exige essa inclusão junto ao CRM para poder se manifestar como especialista, a representação que o título de especialista tem na Psicologia se resume a uma anotação constante na Carteira de Identidade Profissional.

Com relação à Medicina, temos clara manifestação de um de seus ramos, a Psiquiatria, por meio da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), com relação à SUG 40/2019. Em sua "nota de esclarecimento", de agosto de 2020, a diretoria da instituição aponta para o cerceamento de exercer a prática da psicoterapia, constando que esta prática surgiu no seio da Psiquiatria; que o interesse manifesto no SUG 40/2019 tem cunho mercadológico, carecendo de embasamento científico. A nota sugere, hipoteticamente, que caso fosse aprovada tal sugestão teríamos como resultado a proibição do exercício da psicoterapia por relevantes figuras como Freud, Lacan, Beck e Jung, retratando a ligação direta - e anterior - da psicoterapia com a prática médica37.

As críticas trazidas pela ABP merecem acolhimento e a exposição de motivos nela presente parece ser justificativa suficiente para contrapor o pedido constante na SUG 40/2019, que deve ter o mesmo destino da proposta anterior e de qualquer proposta que surja nesse sentido. Isso se evidencia por um ponto simples: a psicoterapia não é, afinal, campo exclusivo da Psicologia. Discussões de regulamentação da psicoterapia não deveriam ter como premissa central a ocupação do mercado de trabalho. Uma tentativa de regulamentação deve passar, necessariamente, por discussões com outras áreas da saúde, incluídas aí a Psicologia e a Medicina, ao menos.

Neste contexto, todo o esforço para a construção da Resolução CFP 013/2022 resultou inócuo. O texto da regulamentação apresenta apenas linhas gerais para a atuação do psicólogo, se por um lado não responde (e nem poderia) as demandas da categoria para a exclusividade da prática, por outro não oferece parâmetros assertivos para o exercício da psicoterapia.

Na tentativa de responder nossa pergunta original (e título deste trabalho), pode-se afirmar que sim, a psicoterapia é uma prática da Psicologia. Mas não o é de forma exclusiva, tampouco de forma "original" - na raiz do termo. Ademais, não é prática da Psicologia reconhecida em lei pelo Estado brasileiro. Ainda assim, a prática da profissão aponta que a psicoterapia detém os mais altos índices de uso pelos psicólogos em seu cotidiano. A psicoterapia, tendo como base a psicologia clínica e as teorias que a embasam, segue sendo o pilar da formação do psicólogo no país. As bases clínicas são aquelas das quais derivam a maioria das práticas da profissão em seus diversos campos de atuação, merecendo atenção na formação universitária básica e continuada. É por essa prática que a profissão se definiu e cresceu, justificando a mobilização de diversos psicólogos na busca de uma regulamentação da mesma. Não se pode, entretanto, desviar a atenção de diversos fatores históricos e pragmáticos, incorporados indissociavelmente a esta discussão.


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22. Brasil. Decreto nº 53.464, de 21 de janeiro de 1964 (Regulamenta a Lei nº 4.119, de 27 de agosto de 1962, que dispõe sobre a profissão de psicólogo). Presidência da República: Brasília; 1964. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1950-1969/D53464.htm

23. Bastos AVB & Gondim SMG. (Orgs). O Trabalho do Psicólogo no Brasil. Artmed: Porto Alegre; 2010.

24. Brasil (1930). Decreto nº 19.398, de 11 de novembro de 1930 (Institui o Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil e dá outras providências). Presidência da República: Rio de Janeiro; 1930. Disponível em https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19398-11-novembro 1930-517605-publicacaooriginal-1-pe.html

25. Brasil (1971). Lei nº 5.766, de 20 de dezembro de 1971 (Cria o Conselho Federal de Psicologia e dá outras providências). Presidência da República: Brasília; 1971. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5766.htm

26. Brasil (1977). Decreto nº 79.822, de 17 de junho de 1977 (Regulamenta a Lei 5.766 de 20 de dezembro de 1971, que criou o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Psicologia e dá outras providências). Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1970-1979/D79822.htm

27. Brasil (2010). Classificação Brasileira de Ocupações: CBO. Ministério do Trabalho e Emprego: Brasília; 2010.

28. Conselho Federal de Psicologia. Resolução nº 10 de 20 de dezembro de 2000 (Especifica e qualifica a Psicoterapia como prática do Psicólogo). Brasília; 2000. Disponível em: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2000/12/resolucao2000_10.pdf

29. Sampaio B. Projeto de Lei nº 268 de 2002 (Dispõe sobre o exercício da Medicina). Brasília; 2002. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/53750

30. Brasil. Resolução CNS Nº 287, de 8 de outubro de 1998. Conselho Nacional de Saúde: Brasília; 1998. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/1998/res0287_08_10_1998.html

31. Conselho Federal de Psicologia. Ofício nº 136/2013/GAPRE. (Ref: Aprovação do PLS nº 268 de 2002, que dispõe sobre o ato médico). Brasília; 2013. Disponível em: http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2013/07/Of-n-136-13Presidenta-.pdf

32. Conselho Federal de Psicologia. Psicoterapia: resultados de consulta pública orientam ações do CFP. Brasília; 2022. Disponível em: https://site.cfp.org.br/psicoterapia-resultados-de-consulta-publica-orientam-acoes do-cfp/#:~:text=Com%20o%20objetivo%20de%20conduzir,precedida%20por%20um%20semin%C3%A1rio%20nacional

33. Conselho Federal de Psicologia. Resolução nº 13 de 15 de junho de 2022 (Dispõe sobre diretrizes e deveres para o exercício da psicoterapia por psicóloga e por psicólogo). Brasília; 2022. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-n-13-de-15-de-junho-de-2022-408911936

34. Programa E-cidadania. Sugestão Legislativa nº 40 de 2019. Regulamentação da Psicoterapia como prática privativa de Psicólogos com CRP ativo. Brasília; 2019. Disponível em https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/137959

35. Caselli I, Ielmini M, Bellini A, Zizolfi D, & Callegari C. Efficacy of short-term psychodynamic psychotherapy (STPP) in depressive disorders: A systematic review and meta-analysis. Journal of affective disorders; 2023. 325, 169-176. https://doi.org/10.1016/j.jad.2022.12.161

36. Conselho Federal de Psicologia. Resolução nº 13 de 14 de setembro de 2007 (Institui a Consolidação das Resoluções relativas ao Título Profissional de Especialista em Psicologia e dispõe sobre normas e procedimentos para seu registro). Brasília; 2007. Disponível em: https://atosoficiais.com.br/lei/titulo-de especialista-cfp?origin=instituicao

37. Associação Brasileira de Psiquiatria. ABP divulga nota de esclarecimento sobre regulamentação da Psicoterapia. Rio de Janeiro; 2020. Disponível em: https://www.abp.org.br/post/nota-esclarecimento-psicoterapia










a Universidade Federal do Paraná, Psicologia - Curitiba/PR - Brasil
b Universidade Federal do Paraná, Educação - Curitiba/PR - Brasil

Autor correspondente:
Guilherme Bertassoni da Silva
E-mail: silvapsi@hotmail.com
E-mail alternativo, de preferência institucional: guilherme.silva@policiacientifica.pr.gov.br

Submetido em: 05/12/2022
Aceito em: 30/08/2023

Contribuições: Guilherme Bertassoni da Silva - Coleta de Dados, Conceitualização, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição, Supervisão; Adriano Furtado Holanda - Coleta de Dados, Conceitualização, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição, Supervisão; Bruno Jardini Mäder - Coleta de Dados, Conceitualização, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição, Supervisão.

i Nilton Campos (1898-1963), Pórcia Guimarães Alves (1917-2005), Gabriel Munhoz da Rocha (1915-1999), Arrigo Leonardo Angelini (1924), Madre Cristina Sodré Dória (1916-1997), Pedro Parafita Bessa (1923-2002), Hans Ludwig Lipmann (1921-1981), Irmão Henrique Justo (nome civil: José Arvedo Flach 1922), Antonio Gomes Penna (1917-2010), João Ignácio Mendonça (1903-1969) e Manuel Bergström Lourenço Filho (1897-1970).
ii Mathilde Neder (1923- ), pioneira na Psicologia Hospitalar no Brasil.
iii Arrigo Leonardo Angelini (1924- ), psicólogo e um dos fundadores do Instituto de Psicologia da USP.
iv A Resolução 287/1998 do Conselho Nacional de Saúde, define 14 profissões na área de saúde: assistentes sociais, biólogos, biomédicos, profissionais de educação física, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas; fonoaudiólogos, médicos, médicos veterinários, nutricionistas, odontólogos, psicólogos e terapeutas ocupacionais.
v Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO), Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), Conselho Federal de Fonoaudiologia (CFFa), Conselho Federal de Biomedicina (CFBM), Conselho Federal de Biologia (CFBio), Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e Conselho Federal de Óptica e Optometria (CBOO).
vi A APAF é o órgão deliberativo do Sistema Conselhos de Psicologia, ocorrendo ordinariamente duas vezes ao ano. Nesse fórum se reúnem representantes de cada Conselho Regional com os representantes do Conselho Federal de Psicologia.
vii Essa questão toca igualmente práticas ditas tradicionais, como as listadas, por exemplo, como "práticas integrativas e complementares" oficializadas em 2006 pelo SUS. O caso mais lacunar é o da Acupuntura, por exemplo, constantemente clamado como privativa pela Medicina, por um lado; e tida como pseudociência, por outro. Mas há, ainda, outras questões importantes a serem colocadas, no que tange às psicoterapias, e que demandaria novas discussões que não se encaixam nesse texto, que é o fato de termos, historicamente, construções as mais diversificadas, em relação aos modelos psicoterapêuticos, que contemplam contribuições de ideias e profissionais de outras áreas, para além da psicologia ou da medicina (como dança, teatro, expressão corporal, filosofia, etc., apenas para ilustrar). Igualmente não se contempla, nesta discussão, a possibilidade de uma formação ou treinamento de qualidade, que possa envolver outros profissionais e outras áreas.
viii Ver, por exemplo, a resolução CFP nº 010/2000 e as campanhas do dia do psicólogo realizadas pelo CFP e pelo CRP do Paraná em 2017, com foco na psicoterapia.
ix Ainda que não tenha se manifestado nesse sentido, o CFP enviou ao Congresso Nacional projeto de lei que altera a própria estrutura da lei que o funda, mudando diversos pontos da forma de gestão do conselho. Por exemplo, traz a criação de instâncias deliberativas que hoje são realidade factual sem passar por lei. Esse tema pode ser motivo de um artigo próprio para sua análise.

 

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