Rev. bras. psicoter. 2023; 25(2):1-22
Silva GB, Holanda AF, Mäder BJ. Psicoterapia, Legislação e Prática da Psicologia. Rev. bras. psicoter. 2023;25(2):1-22
Artigo Original
Psicoterapia, Legislação e Prática da Psicologia
Psychotherapy, Legislation and Practice of Psychology
Psicoterapia, Legislación y Práctica de la Psicología
Guilherme Bertassoni da Silvaa; Adriano Furtado Holandaa; Bruno Jardini Mäderb
Resumo
Abstract
Resumen
Introdução
Movimentações recentes de entidades e pessoas ligadas à Psicologia apontam para uma tentativa de se regulamentar a psicoterapia como prática exclusiva - privativa - de profissionais de psicologia com inscrição ativa em seu conselho de classe. Essa movimentação aparece em forma de Sugestões Legislativas (SUG 8/2018 e SUG 40/2019). Temos a apresentar que esta movimentação vai de encontro ao previsto em legislação própria da profissão, com data retroativa a 1962. Ou ainda com relação a outras profissões, quando podemos retroagir a datas até 1932.
Discutimos, neste texto, a disparidade entre as práticas atuais da Psicologia e sua legislação, no que se refere à atuação profissional e à constituição e atuação de órgãos de classe (Conselhos Federal e Regionais de Psicologia). Realizou-se, através das bases de dados da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, busca pelas normas legislativas relacionadas à psicoterapia, objetivando a identificação da legislação pertinente. A partir disto, estas normativas foram analisadas, objetivando discutir as relações factuais da Psicologia com sua própria legislação e com a regulamentação da psicoterapia, bem como as implicações desta relação.
1. Projeto de Lei e Sugestões Legislativas
O primeiro ponto que se nos apresenta à análise é a existência de duas sugestões legislativas e um projeto de lei que apresentam temática correlata. O projeto de lei (PL) 7726/2017, de autoria da deputada Rosinha da Adefal (PT do B/AL), indica que "A psicoterapia é atividade privativa de psicólogos ou de médicos no exercício da psiquiatria", em seu primeiro artigo1. Já a Sugestão Legislativa (SUG) 8/2018 deriva da Ideia Legislativa 93928, a qual alcançou os 20.000 apoiamentos necessários em fevereiro de 2018, podendo tramitar como SUG. A ideia que era sugerida versava sobre "Regulamentação da Psicoterapia como prática privativa de Psicólogos". Ainda, a SUG 40/2019, derivada da Ideia Legislativa 123431, apresenta o pedido de "Regulamentação da Psicoterapia como prática privativa de Psicólogos com CRP ativo".
Partimos dessas demandas, surgidas dentro do poder legislativo federal - ou lançadas a este por meio de manifestação de tipo popular - para verificar sua tramitação e consonância às normativas profissionais já existentes. Podemos pensar ainda que realmente temos uma demanda por regulamentação de práticas da Psicologia - como foi visto no ano de 2021 com uma decisão do Supremo Tribunal Federal relativa aos testes psicológicos. A regulamentação de práticas psicológicas - em suas mais diversas áreas - tem aparecido como premente para boa parte da categoria, e a sociedade civil organizada tem se manifestado a este respeito gerando uma movimentação de verve social.
As ideias legislativas, procedimento relativamente novo no entendimento legislativo nacional, tem gerado o acesso direto do cidadão à possibilidade de opinião com relação a assuntos que antes só poderiam ser discutidos abertamente em plenárias de casas legislativas. Aprovada em 2015, a Resolução do Senado Federal nº 19 cria o Programa "E-Cidadania", que institui, entre outros, o mecanismo de consulta popular na qual uma ideia legislativa pode se tornar uma proposta viável de análise por comissões do órgão legislativo. É nesse caminho de tramitação que surgiram as SUGs supracitadas.
Na tramitação da SUG 8/2018, a ideia foi encaminhada à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. Nesta comissão, a SUG teve como parecerista designada a senadora Marta Suplicy (MDB-SP). Importante citar aqui que a senadora tem formação em Psicologia, graduando-se na PUC-SP no ano de 1970, possuindo, ainda, titulação de especialista pela Universidade de Stanford e de mestra pela Universidade de Michigan (ambas estadunidenses). A parecerista, em sua manifestação, no Parecer (SF) nº 57/2018, construiu seu voto apontando para a questão constitucional da regulamentação de práticas profissionais por meio das casas legislativas. Aponta, entretanto, para a carência conceitual da temática e para a falta de delimitação da abrangência de uma possível decisão favorável. Relatou que tornar essa prática privativa da Psicologia pode gerar conflitos com outras categorias, bem como pode se tornar uma decisão sem valor devido à ausência de definição mais técnica e científica para o conceito. Com isso aponta:
De nada adiantaria este Congresso Nacional aprovar uma lei que pode se tornar inócua, com a simples utilização de outras denominações para o exercício de atividades semelhantes. Precisamos ser cautelosos, e os próprios interessados devem encontrar o consenso e a justa medida para as definições e normas que precisam ser adotadas, considerados os valores e demandas da sociedade2.
Art. 13. - Ao portador do diploma de Psicólogo é conferido o direito de ensinar Psicologia nos vários cursos de que trata esta lei, observadas as exigências legais específicas, e a exercer a profissão de Psicólogo.
§ 1º Constitui função privativa do Psicólogo a utilização de métodos e técnicas psicológicas com os seguintes objetivos:
a) diagnóstico psicológico;
b) orientação e seleção profissional;
c) orientação psicopedagógica;
d) solução de problemas de ajustamento.
§ 2º É da competência do Psicólogo a colaboração em assuntos psicológicos ligados a outras ciências.
(...) medida imperiosa tendo em vista a circunstância de que a utilização de métodos e técnicas psicológicas, com os objetivos indicados, está igualmente na área de atribuições de outros cursos profissionais, tais como os diplomados em cursos de medicina e assistência social, que teriam os seus direitos cerceados sem razão (Brasil, 196213, p. 2 da mensagem de veto).
Art. 4º- São funções do psicólogo:
1) Utilizar métodos e técnicas psicológicas com o objetivo de:
a) diagnóstico psicológico;
b) orientação e seleção profissional;
c) orientação psicopedagógica;
d) solução de problemas de ajustamento.
2) Dirigir serviços de Psicologia em órgãos e estabelecimentos públicos, autárquicos, paraestatais, de economia mista e particulares.
3) Ensinar as cadeiras ou disciplinas de Psicologia nos vários níveis de ensino, observadas as demais exigências da legislação em vigor.
4) Supervisionar profissionais e alunos em trabalhos teóricos e práticos de Psicologia.
5) Assessorar, tecnicamente, órgãos e estabelecimentos públicos, autárquicos, paraestatais, de economia mista e particulares.
6) Realizar perícias e emitir pareceres sobre a matéria de Psicologia22.
Art. 24 Os institutos hospitalares de qualquer natureza, públicos ou particulares, os laboratórios de análises e pesquisas clínicas, os laboratórios de soros, vacinas e outros produtos biológicos, os gabinetes de raios X e os institutos de psicoterapia [grifo nosso], fisioterapia e ortopedia, e os estabelecimentos de duchas ou banhos medicinais, só poderão funcionar sob responsabilidade e direção técnica de médicos ou farmacêuticos, nos casos compatíveis com esta profissão, sendo indispensável para o seu funcionamento, licença da autoridade sanitária. Art.
26 Os laboratórios de análises e pesquisas clínicas, os laboratórios de soros, vacinas e outros produtos biológicos, os gabinetes de raios X e os institutos de psicoterapia[grifo nosso], de fisioterapia e de ortopedia, serão licenciados e fiscalizados pelo Departamento Nacional de Saúde Pública ou pela autoridade local. A licença será concedida ao responsável pelo estabelecimento e só poderá ser fornecida após a competente inspeção sanitária, devendo a transferência de local ou a substituição do responsável ser previamente requerida à Inspetoria de Fiscalização do Exercício da Medicina ou à autoridade sanitária local18.
Art. 29 A direção dos estabelecimentos destinados a abrigar indivíduos que necessitem de assistência médica, se achem impossibilitados, por qualquer motivo, de participar da atividade social, e especialmente os destinados a acolher parturientes, alienados, toxicômanos[grifo nosso], inválidos, etc., será confiada a um médico especialmente habilitado e a sua instalação deverá ser conforme os preceitos científicos de higiene, com adaptações especiais aos fins a que se destinarem18.
Art. 1º - A Psicoterapia é prática do psicólogo por se constituir, técnica e conceitualmente, um processo científico de compreensão, análise e intervenção que se realiza através da aplicação sistematizada e controlada de métodos e técnicas psicológicas reconhecidos pela ciência, pela prática e pela ética profissional, promovendo a saúde mental e propiciando condições para o enfrentamento de conflitos e/ou transtornos psíquicos de indivíduos ou grupos28.
Art. 14. A psicóloga e o psicólogo psicoterapeutas, no âmbito da abordagem que adota, têm autonomia para conduzir a prestação de seus serviços, desde que esteja garantido:
I - respeito integral ao Código de Ética Profissional do Psicólogo e às demais normativas que regem o exercício profissional;
II - fundamentação ético-científico-epistemológica; III - fundamentação científica sobre o desenvolvimento humano e psicológico;
IV - teoria clínica explicativa do sofrimento humano; V - comprovação, por meio da literatura científica, que evidencie benefícios à saúde;
VI - aplicação em observância às diversidades humanas e realidades locais; e VII - requisitos formativos para a prática33.
Atualmente no Brasil, qualquer pessoa com qualquer ou nenhuma formação pode oferecer "Psicoterapia" como um serviço e assim, pessoas com transtornos mentais podem ser seriamente prejudicadas por outras profissões que não tem o preparo adequado para cuidar de questões relativas à saúde mental34.
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