Rev. bras. psicoter. 2023; 25(1):137-150
Schein ACT, Trettim JP, Scholl CC, Tabeleão VP, Pires AJ, Stigger RS, et al. Associação entre motivação para psicoterapia e aliança terapêutica em pacientes diagnosticados com TOC: um estudo de intervenção. Rev. bras. psicoter. 2023;25(1):137-150
Artigo Original
Associação entre motivação para psicoterapia e aliança terapêutica em pacientes diagnosticados com TOC: um estudo de intervenção
Association between motivation for psychotherapy and therapeutic alliance in patients diagnosed with OCD: an intervention study
Asociación entre motivación para la psicoterapia y alianza terapéutica en pacientes diagnosticados de TOC: un estudio de intervención
Ana Carolina Tronquini Schein; Jéssica Puchalski Trettim; Carolina Coelho Scholl; Viviane Porto Tabeleão; Andressa Jacondino Pires; Rafaelle Stark Stigger; Mariane Lopez Molina; Fernanda Teixeira Coelho; Luciana de Avila Quevedo; Mariana Bonati de Matos
Resumo
Abstract
Resumen
1. INTRODUÇÃO
O Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) é um transtorno psiquiátrico que vem chamando cada vez mais a atenção de pesquisadores da área de saúde mental. Mais recentemente, esse transtorno foi classificado em um capítulo próprio dos transtornos desta espécie na última edição do Manual Diagnóstico de Transtornos Mentais (DSM-5)1, deixando de ser considerado um Transtorno de Ansiedade. A prevalência do TOC na população global encontra-se entre 1,6 e 3,1%2, enquanto um estudo local encontrou uma prevalência de 3,9%3.
O TOC caracteriza-se pela presença de obsessões, compulsões ou ambas1. Obsessões são pensamentos, imagens ou impulsos repetitivos e persistentes. As obsessões experimentadas neste transtorno são intrusivas e indesejadas, e frequentemente causam significativo sofrimento, ansiedade ou prejuízo funcional. Já as compulsões são comportamentos repetitivos e rígidos ou atos mentais que o sujeito realiza ou experimenta como uma resposta ao surgimento de uma obsessão. Muitos indivíduos com TOC apresentam crenças disfuncionais e variam no grau de capacidade de insight a respeito da exatidão das crenças subjacentes aos seus sintomas obsessivo-compulsivos. O tratamento de primeira linha envolve o uso de medicação e a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), em especial com a utilização da técnica de Exposição e Prevenção de Respostas (EPR)2,4.
Outra característica associada ao transtorno é a evitação de pessoas, coisas ou lugares que desencadeiam as obsessões e compulsões1. Este padrão evitativo pode ter implicações na adesão aos tratamentos, principalmente àqueles nos quais há utilização de técnicas como a EPR. Neste sentido, o vínculo de trabalho estabelecido entre paciente e terapeuta, ou seja, a aliança terapêutica, pode vir a desempenhar um papel importante no desfecho do tratamento4-7.
Entende-se por aliança terapêutica o relacionamento estabelecido entre paciente e terapeuta durante um tratamento terapêutico. Bordin (1979)8 propõs que a aliança terapêutica é composta por três dimensões: a concordância quanto aos objetivos do tratamento entre paciente e terapeuta, o acordo nas tarefas e o desenvolvimento do vínculo entre a dupla. Este modelo é considerado ateórico, pois se baseia em fatores da relação terapêutica que independem da abordagem teórica utilizada pelo terapeuta no tratamento.
A aliança terapêutica tem se estabelecido na literatura como fator preditor do desfecho em tratamentos psicoterapêuticos em geral5,9. Strauss et al. (2018)10, ao investigarem a aliança terapêutica estabelecida ao início do tratamento em pacientes com TOC em psicoterapia cognitivo-comportamental, identificaram tal variável como um baixo preditor quando comparado à amostra total de indivíduos. Os autores concluíram que, no que tange ao tratamento de TOC, a percepção da aliança por parte do paciente parece ser mais uma consequência da relação com os sintomas do que um preditor de mudança. Mais recentemente, em um estudo que examinou fatores terapêuticos não específicos como preditores e mediadores da TCC para TOC, os autores observaram que a aliança terapêutica previu resultados significativos do tratamento11 .
Outro aspecto que vem sendo avaliado por estudos com psicoterapia é a motivação, considerada um componente fundamental para a mudança de comportamentos12. De acordo com o Modelo Transteórico de Mudança de Comportamento (MTT) são considerados os seguintes estágios para a modificação de comportamentos: pré-contemplação, contemplação, ação e manutenção. DiClemente (2003)13 descreve-os de tal forma: (1) Pré-contemplação: nesse estágio a pessoa sequer consegue identificar que tem um problema e não mostra intenção de mudar o seu comportamento. (2) Contemplação: quando o indivíduo já consegue reconhecer que tem um problema, mas apresenta alto nível de ambivalência. Nesse momento as pessoas se mostram preocupadas e avaliam as vantagens e desvantagens de mudar. (3) Ação: nesse estágio a pessoa já apresenta ações específicas na direção da mudança de comportamento. (4) Manutenção: esse último estágio caracteriza-se pela manutenção da mudança, onde se consolidam os ganhos obtidos no processo de mudança de comportamento.
A motivação para a mudança impulsiona o paciente ao tratamento na busca de superar seus sintomas e o sentimento de desamparo, sendo o motivo pelo qual este se encontra racionalmente disposto a colaborar e seguir as recomendações do terapeuta, constituindo assim a origem da aliança terapêutica14-16. Neste sentido, embora mais antigos, há na literatura alguns estudos que investigaram o impacto da motivação nos resultados do tratamento para o TOC. Haan et al. (1997)17 constataram que a motivação foi um preditor de resultado mais favorável em pacientes em tratamento para o TOC. Keijsers et al. (1994)18 observaram que uma menor motivação para o tratamento aliado a uma insatisfação com a relação terapêutica por parte dos pacientes foram preditores de resultados mais pobres para melhora nas obsessões, afetando o resultado do tratamento. Ainda, DiClemente et al. (1999)19 encontraram resultados indicando que pacientes com uma maior motivação no começo do tratamento eram mais prováveis de apresentar uma melhor avaliação da aliança terapêutica e melhores resultados ao final do processo terapêutico.
A partir disso, pode-se perceber a escassez de literatura atualizada a respeito da relação entre esses dois constructos. Com o intuito de preencher essa lacuna, o presente artigo tem como objetivo investigar a associação entre a motivação para mudança e a aliança terapêutica estabelecida em um estudo de intervenção com pacientes diagnosticados com TOC na cidade de Pelotas/RS.
2. MATERIAL E MÉTODO
2.1 Delineamento
Trata-se de um estudo de intervenção aninhado a um estudo maior.
2.2 Participantes
A amostra se deu por conveniência e foi composta por 77 pacientes diagnosticados com Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), com idades entre 18 e 60 anos e que iniciaram o tratamento e responderam aos instrumentos propostos.
2.3 Logística
A avaliação e o tratamento para o transtorno foram divulgados em cartazes explicativos sobre os sintomas compatíveis com o TOC na cidade. O estudo aconteceu junto ao Ambulatório de Pesquisa e Extensão em Saúde Mental (APESM) da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), no período de junho de 2012 a dezembro de 2014. Foram critérios de exclusão o abuso ou a dependência de substâncias psicoativas (exceto tabaco), a presença de risco moderado ou grave de suicídio, a presença de sintomas psicóticos e a inabilidade de responder ou compreender os instrumentos utilizados.
Os indivíduos eram encaminhados para o estudo quando apresentavam um diagnóstico primário de TOC, ou seja, quando os sintomas do transtorno se mostravam mais graves e causavam maior prejuízo aos participantes, mesmo a presença e confirmação de outros transtornos mentais comórbidos. Dessa forma, antes da primeira sessão de psicoterapia, todos os pacientes passaram por uma avaliação para a confirmação do diagnóstico, realizada através da Mini International Neuropsychiatric Interview, em sua versão brasileira20. Os avaliadores eram psicólogos treinados e vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Saúde e Comportamento da Universidade Católica de Pelotas/RS (UCPel), com experiência em avaliação diagnóstica e com apoio de supervisão especializada para esclarecimento de eventuais dúvidas.
A intervenção baseou-se em um modelo de sete a dez sessões de TCC para TOC, com frequência semanal e duração média de uma hora para cada encontro. As sessões seguiam um protocolo estruturado que focava nos problemas e sintomas do transtorno e que exigiam a participação e colaboração do paciente. Como recursos, eram utilizados exercícios e tarefas para casa, uso de registros, instrumentos de automonitoramento e, eventualmente, o desempenho de tarefas com o terapeuta. As principais técnicas propostas aos pacientes foram o Registro de Pensamentos Disfuncionais (RPD) e a Exposição e Prevenção de Resposta (EPR). Os terapeutas foram cinco psicólogos treinados para a aplicação dos instrumentos e para o protocolo de psicoterapia utilizado.
2.4 Variáveis e instrumentos
Para o diagnóstico do TOC, foi utlizada a versão brasileira validada do Mini International Neuropsychiatric Interview PLUS (MINI PLUS). A MINI PLUS é uma entrevista diagnóstica padronizada breve (15-30 minutos), compatível com os critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV) e da Classificação Internacional de Doenças (CID-10). Trata-se de um instrumento destinado à utilização na prática clínica e em pesquisas, sendo organizado por módulos diagnósticos independentes, elaborados de forma a otimizar a sensibilidade do instrumento e evitando falsos-positivos17. Neste estudo, foi utilizado o módulo compatível com o diagnóstico para TOC, aplicado na avaliação inicial dos pacientes.
A classe socioeconômica dos participantes foi aferida através do Critério de Classificação Econômica Brasil, da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa21, que se baseia nos bens materiais disponíveis e nível educacional do chefe da família, classificando os indivíduos em cinco possíveis classes (A, B, C, D ou E). Para este estudo as classes A e B foram agrupadas em uma categoria, bem como as classes D e E. Também foi aplicado um questionário geral contendo sexo, idade, nível educacional e estado civil dos participantes. Estas variáveis foram coletadas na avaliação inicial dos pacientes.
Para avaliar a motivação para a mudança foi utilizada a versão traduzida e adaptada da University of Rhode Island Change Assessment (URICA)22. Esse instrumento é composto por 32 itens, respondidos em uma escala do tipoLikert, com a pontuação em cada item variando de 1 (discorda totalmente) a 5 (concorda totalmente). A URICA possui cinco domínios, com quatro destes correspondendo a cada um dos quatro estágios de mudança de comportamento (pré-contemplação, contemplação, ação e manutenção) e um domínio global, chamado de nível de prontidão para mudança. A pontuação de cada domínio relacionado aos estágios de mudança foi obtida a partir da soma dos itens que compõem cada um deles, podendo haver um escore mínimo de 7 pontos e um escore máximo de 35 pontos em cada estágio. A pontuação do nível de prontidão para mudança foi obtida a partir da soma dos escores dos estágios de contemplação, ação e manutenção, menos a pontuação obtida no estágio de pré-contemplação, sendo a pontuação mínima e máxima deste domínio, respectivamente, 14 e 98 pontos. Este instrumento foi aplicado na primeira sessão e interpreta-se que quanto maior a pontuação, maior a motivação do paciente em cada domínio, exceto no domínio pré-contemplação ao qual, conforme sua definição, em que quanto maior a pontuação menor a motivação.
Para estimar a aliança terapêutica foi utilizado o Revised Helping Alliance Questionnaire (HAQ)23,24, que consiste em um questionário com uma versão para o paciente e outra para o terapeuta. Cada versão é composta por 19 itens que avaliam sentimentos de confiança, compreensão, cooperação, valorização e identificação. As respostas são organizadas em uma escala do tipo Likert de 1 (discordo fortemente) a 6 pontos (concordo fortemente). A pontuação mínima em cada versão da escala é de 19 pontos e a pontuação máxima é de 114 pontos. Quanto maior a pontuação, melhor a percepção da aliança. As duas versões do instrumento (paciente e terapeuta) foram respondidas ao final da terceira sessão.
2.5 Aspectos éticos
Todos os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo maior ao qual este se encontra aninhado foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Católica de Pelotas, sob protocolo número 2011/24. Os participantes que durante as avaliações foram identificados com outros transtornos ou aqueles que continuaram apresentando necessidade de tratamento psicológico após o fornecido na intervenção tiveram o encaminhamento para o devido serviço de saúde.
2.6 Processamento e análise de dados
Os dados foram digitados diretamente em tablets que utilizavam o software Open Data Kit software (ODK). Posteriormente, os dados foram convertidos para o pacote estatístico Statiscal Package for the social Sciences (SPSS) 20.0, no qual foram realizadas as análises através de frequências simples e relativa para a caracterização da amostra. Além disso, foi realizado Teste t e ANOVA para verificar a associação entre as variáveis independentes e a aliança terapêutica. Para verificar a relação entre cada domínio da motivação para psicoterapia e aliança terapêutica foi utilizada correlação de Spearman.
3. RESULTADOS
Neste estudo foram avaliados 77 pacientes com diagnóstico de TOC. A Tabela 1 apresenta as características sociodemográficas e a análise bivariada entre as variáveis independentes e a aliança terapêutica. Com relação aos pacientes avaliados, 72,0% eram mulheres, a maioria dos pacientes tinha entre 18 e 28 anos (37,1%) e estava em um relacionamento amoroso (64,0%). Além disso, a maior parte havia estudado até o ensino fundamental completo ou ensino médio completo (65,4%), estava trabalhando (58,1%) e pertencia à classe socioeconômica C (55,5%). A média de aliança terapêutica entre os pacientes foi 100,2 (±7,3) pontos e entre os terapeutas 93,1 (±10,1) pontos.
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