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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2023; 25(1):137-150



Artigo Original

Associação entre motivação para psicoterapia e aliança terapêutica em pacientes diagnosticados com TOC: um estudo de intervenção

Association between motivation for psychotherapy and therapeutic alliance in patients diagnosed with OCD: an intervention study

Asociación entre motivación para la psicoterapia y alianza terapéutica en pacientes diagnosticados de TOC: un estudio de intervención

Ana Carolina Tronquini Schein; Jéssica Puchalski Trettim; Carolina Coelho Scholl; Viviane Porto Tabeleão; Andressa Jacondino Pires; Rafaelle Stark Stigger; Mariane Lopez Molina; Fernanda Teixeira Coelho; Luciana de Avila Quevedo; Mariana Bonati de Matos

Resumo

INTRODUÇÃO: A motivação do paciente e a aliança terapêutica são consideradas preditores de melhores resultados no tratamento psicoterapêutico. A motivação impulsiona o paciente na busca por ajuda, constituindo assim a origem da aliança terapêutica. Sendo assim, o objetivo foi investigar a relação entre a motivação para psicoterapia e a aliança terapêutica em pacientes diagnosticados com Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) na cidade de Pelotas/RS.
MATERIAL E MÉTODO: Estudo de intervenção com pacientes entre 18 e 60 anos de idade com diagnóstico primário de TOC. Para o diagnóstico de TOC foi utilizada a versão brasileira validada do Mini International Neuropsychiatric Interview PLUS. Para avaliar a motivação para psicoterapia foi utilizada uma versão traduzida e adaptada da University of Rhode Island Change Assessment (URICA), e o Helping Alliance Questionnaire (HAQ) foi utilizado para avaliar a aliança terapêutica nas versões do paciente e do terapeuta.
RESULTADO: Foram encontradas correlações significativas entre a aliança terapêutica do paciente e do terapeuta e três (pré-contemplação, contemplação e ação) dos quatro estágios de motivação para mudança avaliados, assim como, no nível de prontidão para mudança (p<0,05). Já o estágio de manutenção não apresentou associação com aliança terapêutica do paciente e do terapeuta (p>0,05).
CONCLUSÃO: Nossos resultados contribuem no planejamento da prática clínica de pacientes com TOC, enfatizando que os terapeutas estejam atentos ao estágio motivacional e ao nível de prontidão para mudança de seus pacientes para que as intervenções e a técnica proposta sejam adequadas.

Descritores: Transtorno Obsessivo-Compulsivo; Motivação; Aliança terapêutica; Psicoterapia

Abstract

INTRODUCTION: Patient motivation and the therapeutic alliance are considered predictors of better results in psychotherapeutic treatment. Motivation drives the patient to seek help, thus constituting the origin of the therapeutic alliance. Therefore, the objective was to investigate the relationship between motivation for psychotherapy and the therapeutic alliance in patients diagnosed with Obsessive Compulsive Disorder (OCD) in the city of Pelotas/RS.
MATERIAL AND METHOD: Intervention study with patients between 18 and 60 years of age with a primary diagnosis of OCD. For OCD diagnosis criteria, the validated Brazilian version of the Mini International Neuropsychiatric Interview PLUS was applied. To assess motivation for psychotherapy, a translated and adapted version of the University of Rhode Island Change Assessment (URICA) was used, and the Helping Alliance Questionnaire (HAQ) was used to assess the therapeutic alliance in the patient and therapist versions.
RESULT: Significant correlations were found between the therapeutic alliance of the patient and the therapist and three (pre-contemplation, contemplation and action) of the four stages of motivation for change evaluated, as well as the level of readiness for change (p<0.05). The maintenance stage, on the other hand, was not associated with a therapeutic alliance between the patient and the therapist (p>0.05).
CONCLUSION: Our results contribute to planning the clinical practice of patients with OCD, emphasizing that therapists pay attention to their patients motivational stage and level of readiness to change, so that the interventions and proposed technique are adequate.

Keywords: Obsessive-Compulsive Disorder; Motivation; Therapeutic alliance; Psychotherapy

Resumen

INTRODUCCIÓN: La motivación del paciente y la alianza terapéutica se consideran predictores de mejores resultados en el tratamiento psicoterapéutico. La motivación impulsa al paciente a buscar ayuda, constituyendo así el origen de la alianza terapéutica. Por tanto, el objetivo fue investigar la relación entre la motivación para la psicoterapia y la alianza terapéutica en pacientes diagnosticados de Trastorno Obsesivo Compulsivo (TOC) en la ciudad de Pelotas / RS.
MATERIAL Y MÉTODO: Estudio de intervención con pacientes entre 18 y 60 años con diagnóstico primario de TOC. Para los criterios para el diagnóstico de TOC se aplicó la versión brasileña validada de la Mini International Neuropsychiatric Interview PLUS. Para evaluar la motivación para la psicoterapia, se utilizó una versión traducida y adaptada de la University of Rhode Island Change Assessment (URICA), y el o Helping Alliance Questionnaire (HAQ) para evaluar la alianza terapéutica en las versiones de paciente y terapeuta.
RESULTADO: Se encontraron correlaciones significativas entre la alianza terapéutica del paciente y el terapeuta y tres (precontemplación, contemplación y acción) de las cuatro etapas de motivación para el cambio evaluadas, así como el nivel de disposición al cambio (p <0.05). La etapa de mantenimiento, por otro lado, no se asoció con una alianza terapéutica entre el paciente y el terapeuta (p> 0.05).
CONCLUSIÓN: Nuestros resultados contribuyen a planificar la práctica clínica de los pacientes con TOC, enfatizando que los terapeutas prestan atención a la etapa motivacional de sus pacientes y al nivel de disposición al cambio, para que las intervenciones y técnica propuesta sean las adecuadas.

Descriptores: Trastorno Obsesivo Compulsivo; Motivación; Alianza terapéutica; Psicoterapia

 

 

1. INTRODUÇÃO

O Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) é um transtorno psiquiátrico que vem chamando cada vez mais a atenção de pesquisadores da área de saúde mental. Mais recentemente, esse transtorno foi classificado em um capítulo próprio dos transtornos desta espécie na última edição do Manual Diagnóstico de Transtornos Mentais (DSM-5)1, deixando de ser considerado um Transtorno de Ansiedade. A prevalência do TOC na população global encontra-se entre 1,6 e 3,1%2, enquanto um estudo local encontrou uma prevalência de 3,9%3.

O TOC caracteriza-se pela presença de obsessões, compulsões ou ambas1. Obsessões são pensamentos, imagens ou impulsos repetitivos e persistentes. As obsessões experimentadas neste transtorno são intrusivas e indesejadas, e frequentemente causam significativo sofrimento, ansiedade ou prejuízo funcional. Já as compulsões são comportamentos repetitivos e rígidos ou atos mentais que o sujeito realiza ou experimenta como uma resposta ao surgimento de uma obsessão. Muitos indivíduos com TOC apresentam crenças disfuncionais e variam no grau de capacidade de insight a respeito da exatidão das crenças subjacentes aos seus sintomas obsessivo-compulsivos. O tratamento de primeira linha envolve o uso de medicação e a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), em especial com a utilização da técnica de Exposição e Prevenção de Respostas (EPR)2,4.

Outra característica associada ao transtorno é a evitação de pessoas, coisas ou lugares que desencadeiam as obsessões e compulsões1. Este padrão evitativo pode ter implicações na adesão aos tratamentos, principalmente àqueles nos quais há utilização de técnicas como a EPR. Neste sentido, o vínculo de trabalho estabelecido entre paciente e terapeuta, ou seja, a aliança terapêutica, pode vir a desempenhar um papel importante no desfecho do tratamento4-7.

Entende-se por aliança terapêutica o relacionamento estabelecido entre paciente e terapeuta durante um tratamento terapêutico. Bordin (1979)8 propõs que a aliança terapêutica é composta por três dimensões: a concordância quanto aos objetivos do tratamento entre paciente e terapeuta, o acordo nas tarefas e o desenvolvimento do vínculo entre a dupla. Este modelo é considerado ateórico, pois se baseia em fatores da relação terapêutica que independem da abordagem teórica utilizada pelo terapeuta no tratamento.

A aliança terapêutica tem se estabelecido na literatura como fator preditor do desfecho em tratamentos psicoterapêuticos em geral5,9. Strauss et al. (2018)10, ao investigarem a aliança terapêutica estabelecida ao início do tratamento em pacientes com TOC em psicoterapia cognitivo-comportamental, identificaram tal variável como um baixo preditor quando comparado à amostra total de indivíduos. Os autores concluíram que, no que tange ao tratamento de TOC, a percepção da aliança por parte do paciente parece ser mais uma consequência da relação com os sintomas do que um preditor de mudança. Mais recentemente, em um estudo que examinou fatores terapêuticos não específicos como preditores e mediadores da TCC para TOC, os autores observaram que a aliança terapêutica previu resultados significativos do tratamento11 .

Outro aspecto que vem sendo avaliado por estudos com psicoterapia é a motivação, considerada um componente fundamental para a mudança de comportamentos12. De acordo com o Modelo Transteórico de Mudança de Comportamento (MTT) são considerados os seguintes estágios para a modificação de comportamentos: pré-contemplação, contemplação, ação e manutenção. DiClemente (2003)13 descreve-os de tal forma: (1) Pré-contemplação: nesse estágio a pessoa sequer consegue identificar que tem um problema e não mostra intenção de mudar o seu comportamento. (2) Contemplação: quando o indivíduo já consegue reconhecer que tem um problema, mas apresenta alto nível de ambivalência. Nesse momento as pessoas se mostram preocupadas e avaliam as vantagens e desvantagens de mudar. (3) Ação: nesse estágio a pessoa já apresenta ações específicas na direção da mudança de comportamento. (4) Manutenção: esse último estágio caracteriza-se pela manutenção da mudança, onde se consolidam os ganhos obtidos no processo de mudança de comportamento.

A motivação para a mudança impulsiona o paciente ao tratamento na busca de superar seus sintomas e o sentimento de desamparo, sendo o motivo pelo qual este se encontra racionalmente disposto a colaborar e seguir as recomendações do terapeuta, constituindo assim a origem da aliança terapêutica14-16. Neste sentido, embora mais antigos, há na literatura alguns estudos que investigaram o impacto da motivação nos resultados do tratamento para o TOC. Haan et al. (1997)17 constataram que a motivação foi um preditor de resultado mais favorável em pacientes em tratamento para o TOC. Keijsers et al. (1994)18 observaram que uma menor motivação para o tratamento aliado a uma insatisfação com a relação terapêutica por parte dos pacientes foram preditores de resultados mais pobres para melhora nas obsessões, afetando o resultado do tratamento. Ainda, DiClemente et al. (1999)19 encontraram resultados indicando que pacientes com uma maior motivação no começo do tratamento eram mais prováveis de apresentar uma melhor avaliação da aliança terapêutica e melhores resultados ao final do processo terapêutico.

A partir disso, pode-se perceber a escassez de literatura atualizada a respeito da relação entre esses dois constructos. Com o intuito de preencher essa lacuna, o presente artigo tem como objetivo investigar a associação entre a motivação para mudança e a aliança terapêutica estabelecida em um estudo de intervenção com pacientes diagnosticados com TOC na cidade de Pelotas/RS.


2. MATERIAL E MÉTODO

2.1 Delineamento

Trata-se de um estudo de intervenção aninhado a um estudo maior.

2.2 Participantes

A amostra se deu por conveniência e foi composta por 77 pacientes diagnosticados com Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), com idades entre 18 e 60 anos e que iniciaram o tratamento e responderam aos instrumentos propostos.

2.3 Logística

A avaliação e o tratamento para o transtorno foram divulgados em cartazes explicativos sobre os sintomas compatíveis com o TOC na cidade. O estudo aconteceu junto ao Ambulatório de Pesquisa e Extensão em Saúde Mental (APESM) da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), no período de junho de 2012 a dezembro de 2014. Foram critérios de exclusão o abuso ou a dependência de substâncias psicoativas (exceto tabaco), a presença de risco moderado ou grave de suicídio, a presença de sintomas psicóticos e a inabilidade de responder ou compreender os instrumentos utilizados.

Os indivíduos eram encaminhados para o estudo quando apresentavam um diagnóstico primário de TOC, ou seja, quando os sintomas do transtorno se mostravam mais graves e causavam maior prejuízo aos participantes, mesmo a presença e confirmação de outros transtornos mentais comórbidos. Dessa forma, antes da primeira sessão de psicoterapia, todos os pacientes passaram por uma avaliação para a confirmação do diagnóstico, realizada através da Mini International Neuropsychiatric Interview, em sua versão brasileira20. Os avaliadores eram psicólogos treinados e vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Saúde e Comportamento da Universidade Católica de Pelotas/RS (UCPel), com experiência em avaliação diagnóstica e com apoio de supervisão especializada para esclarecimento de eventuais dúvidas.

A intervenção baseou-se em um modelo de sete a dez sessões de TCC para TOC, com frequência semanal e duração média de uma hora para cada encontro. As sessões seguiam um protocolo estruturado que focava nos problemas e sintomas do transtorno e que exigiam a participação e colaboração do paciente. Como recursos, eram utilizados exercícios e tarefas para casa, uso de registros, instrumentos de automonitoramento e, eventualmente, o desempenho de tarefas com o terapeuta. As principais técnicas propostas aos pacientes foram o Registro de Pensamentos Disfuncionais (RPD) e a Exposição e Prevenção de Resposta (EPR). Os terapeutas foram cinco psicólogos treinados para a aplicação dos instrumentos e para o protocolo de psicoterapia utilizado.

2.4 Variáveis e instrumentos

Para o diagnóstico do TOC, foi utlizada a versão brasileira validada do Mini International Neuropsychiatric Interview PLUS (MINI PLUS). A MINI PLUS é uma entrevista diagnóstica padronizada breve (15-30 minutos), compatível com os critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV) e da Classificação Internacional de Doenças (CID-10). Trata-se de um instrumento destinado à utilização na prática clínica e em pesquisas, sendo organizado por módulos diagnósticos independentes, elaborados de forma a otimizar a sensibilidade do instrumento e evitando falsos-positivos17. Neste estudo, foi utilizado o módulo compatível com o diagnóstico para TOC, aplicado na avaliação inicial dos pacientes.

A classe socioeconômica dos participantes foi aferida através do Critério de Classificação Econômica Brasil, da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa21, que se baseia nos bens materiais disponíveis e nível educacional do chefe da família, classificando os indivíduos em cinco possíveis classes (A, B, C, D ou E). Para este estudo as classes A e B foram agrupadas em uma categoria, bem como as classes D e E. Também foi aplicado um questionário geral contendo sexo, idade, nível educacional e estado civil dos participantes. Estas variáveis foram coletadas na avaliação inicial dos pacientes.

Para avaliar a motivação para a mudança foi utilizada a versão traduzida e adaptada da University of Rhode Island Change Assessment (URICA)22. Esse instrumento é composto por 32 itens, respondidos em uma escala do tipoLikert, com a pontuação em cada item variando de 1 (discorda totalmente) a 5 (concorda totalmente). A URICA possui cinco domínios, com quatro destes correspondendo a cada um dos quatro estágios de mudança de comportamento (pré-contemplação, contemplação, ação e manutenção) e um domínio global, chamado de nível de prontidão para mudança. A pontuação de cada domínio relacionado aos estágios de mudança foi obtida a partir da soma dos itens que compõem cada um deles, podendo haver um escore mínimo de 7 pontos e um escore máximo de 35 pontos em cada estágio. A pontuação do nível de prontidão para mudança foi obtida a partir da soma dos escores dos estágios de contemplação, ação e manutenção, menos a pontuação obtida no estágio de pré-contemplação, sendo a pontuação mínima e máxima deste domínio, respectivamente, 14 e 98 pontos. Este instrumento foi aplicado na primeira sessão e interpreta-se que quanto maior a pontuação, maior a motivação do paciente em cada domínio, exceto no domínio pré-contemplação ao qual, conforme sua definição, em que quanto maior a pontuação menor a motivação.

Para estimar a aliança terapêutica foi utilizado o Revised Helping Alliance Questionnaire (HAQ)23,24, que consiste em um questionário com uma versão para o paciente e outra para o terapeuta. Cada versão é composta por 19 itens que avaliam sentimentos de confiança, compreensão, cooperação, valorização e identificação. As respostas são organizadas em uma escala do tipo Likert de 1 (discordo fortemente) a 6 pontos (concordo fortemente). A pontuação mínima em cada versão da escala é de 19 pontos e a pontuação máxima é de 114 pontos. Quanto maior a pontuação, melhor a percepção da aliança. As duas versões do instrumento (paciente e terapeuta) foram respondidas ao final da terceira sessão.

2.5 Aspectos éticos

Todos os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo maior ao qual este se encontra aninhado foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Católica de Pelotas, sob protocolo número 2011/24. Os participantes que durante as avaliações foram identificados com outros transtornos ou aqueles que continuaram apresentando necessidade de tratamento psicológico após o fornecido na intervenção tiveram o encaminhamento para o devido serviço de saúde.

2.6 Processamento e análise de dados

Os dados foram digitados diretamente em tablets que utilizavam o software Open Data Kit software (ODK). Posteriormente, os dados foram convertidos para o pacote estatístico Statiscal Package for the social Sciences (SPSS) 20.0, no qual foram realizadas as análises através de frequências simples e relativa para a caracterização da amostra. Além disso, foi realizado Teste t e ANOVA para verificar a associação entre as variáveis independentes e a aliança terapêutica. Para verificar a relação entre cada domínio da motivação para psicoterapia e aliança terapêutica foi utilizada correlação de Spearman.


3. RESULTADOS

Neste estudo foram avaliados 77 pacientes com diagnóstico de TOC. A Tabela 1 apresenta as características sociodemográficas e a análise bivariada entre as variáveis independentes e a aliança terapêutica. Com relação aos pacientes avaliados, 72,0% eram mulheres, a maioria dos pacientes tinha entre 18 e 28 anos (37,1%) e estava em um relacionamento amoroso (64,0%). Além disso, a maior parte havia estudado até o ensino fundamental completo ou ensino médio completo (65,4%), estava trabalhando (58,1%) e pertencia à classe socioeconômica C (55,5%). A média de aliança terapêutica entre os pacientes foi 100,2 (±7,3) pontos e entre os terapeutas 93,1 (±10,1) pontos.




Ao relacionar as variáveis sociodemográficas com os escores de aliança terapêutica do paciente e do terapeuta, somente o trabalho esteve associado à aliança terapêutica do paciente. A média de aliança do paciente entre aqueles que não trabalhavam foi de 102,1 (±5,7) pontos e entre os pacientes que trabalhavam foi de 98,7 (±8,2) pontos (p=0,040). As demais variáveis não apresentaram associação estatisticamente significativa (p>0,05).

A Figura 1 apresenta correlações significativas entre a aliança terapêutica percebida pelo paciente e três dos quatro estágios de motivação, além do nível de prontidão para mudança. Houve uma correlação negativa moderada (r=-0,416) entre a aliança terapêutica do paciente e o estágio de pré-contemplação (p<0,001). Foram encontradas correlações positivas moderadas entre a aliança terapêutica do paciente e os estágios de contemplação (r=0,478; p<0,001) e de ação (r=0,441; p<0,001), ambas com p<0,001. Não houve correlação significativa entre a aliança terapêutica do paciente e o estágio de manutenção (p=0,316), e foi observada uma correlação positiva fraca (r=0,315) entre a aliança terapêutica do paciente e o nível de prontidão para mudança (p=0,005).



Figura 1. Gráficos de correlação entre Aliança Terapêutica percebida pelo paciente e estágios de motivação para mudança.



Na figura 2 estão demonstradas as correlações entre a aliança terapêutica percebida pelo terapeuta e os estágios de motivação para mudança dos pacientes. Nestas, observa-se uma correlação negativa fraca (r=0,327) entre a aliança terapêutica percebida pelo terapeuta e o estágio de pré-contemplação (p=0,004). Com relação aos estágios de contemplação (r=0,340) e o de ação (r=0,341), houve uma correlação positiva fraca (p<0,05). Não foi constatada correlação estatisticamente significativa entre a aliança terapêutica do terapeuta e o estágio de manutenção (p=0,114). Por fim, foi encontrada uma correlação positiva moderada (r=0,417) entre a aliança terapêutica do terapeuta e o nível de prontidão para mudança (p<0,001).



Figura 2. Gráficos de correlação entre Aliança Terapêutica percebida pelo paciente e estágios de motivação para mudança.



4. DISCUSSÃO

O objetivo deste estudo foi investigar a relação entre a motivação para mudança em psicoterapia e a aliança terapêutica estabelecida em um estudo de intervenção com pacientes diagnosticados com TOC. Encontrou-se uma correlação negativa entre a aliança terapêutica, tanto do paciente quanto do terapeuta e o estágio de pré-contemplação, ou seja, quanto menor a percepção da aliança terapêutica, maior a pontuação dos pacientes no domínio de pré-contemplação. Este estágio se trata de um momento no qual o sujeito não está consciente de seus problemas e não apresenta qualquer motivação para mudança13. Tais resultados corroboram os achados de Keijsers et al. (1994)18, que em um estudo de intervenção de 18 sessões de TCC com 40 pacientes diagnosticados com TOC observaram que uma baixa motivação inicial aliada a uma insatisfação com a aliança terapêutica foram associados a piores resultados no processo psicoterapêutico. Quando consideramos a motivação como um dos fatores constitutivos da aliança terapêutica, pode-se entender que não havendo consciência de uma situação a ser modificada, não há motivação e, por consequência, há baixo interesse em investir na relação de trabalho terapêutico14-16.

As correlações positivas entre a aliança terapêutica do paciente e do terapeuta e os estágios de contemplação e de ação significam que quanto maior os escores de aliança terapêutica de ambos, maior os escores do paciente nos respectivos estágios de motivação para mudança. Com relação a esses dois estágios (contemplação e ação) pode-se perceber no paciente a crítica a respeito de sua situação. No estágio de contemplação ainda há certa ambivalência, onde o sujeito pondera entre os ganhos e perdas que a mudança de comportamento trará. Já no estágio de ação, a motivação é mais consistente e já se encontram atitudes em direção à mudança de comportamento13. Essa relação pode revelar que quando há motivação para mudança, há um maior investimento na relação terapêutica e no tratamento, tanto por parte do paciente como do terapeuta14-16. Este resultado pode ser percebido também no trabalho de Honda et al. (2012)25, que constataram que uma aliança positiva e maior motivação estiveram atreladas a um melhor resultado no processo psicoterapêutico.

Também encontramos uma correlação positiva entre a aliança terapêutica do paciente e do terapeuta e o nível de prontidão para mudança do paciente. Corroborando com esse resultado, em um estudo com pacientes com anorexia nervosa se observou que a aliança do paciente aumentou conforme a motivação para a mudança aumentava26. O mesmo foi relatado em um estudo de intervenção para pacientes com problemas com álcool27. O nível de prontidão para mudança é considerado um possível preditor para o resultado de um tratamento, pois ao identificar a fase do ciclo de mudança em que o indivíduo está, permite avaliar sua coerência com a intervenção proposta13. O fato de estes estágios apresentarem uma correlação positiva no que se refere à percepção da aliança terapêutica por parte do paciente e do terapeuta parece confirmar que a partir da presença de prontidão para investir no tratamento psicoterapêutico, há também a possibilidade de um maior investimento na relação terapêutica.

O TOC caracteriza-se por ser um transtorno que apresenta forte prejuízo social, sendo especialmente difícil para estes pacientes investirem na aliança terapêutica5. Sendo assim, quando se consegue estabelecer um bom nível de motivação, aliado a uma boa aliança de trabalho entre a dupla, este é um dos prognósticos mais favoráveis ao tratamento. São nestas bases que se poderá aprofundar o trabalho nas obsessões e compulsões com maior segurança, sem retornar aos padrões evitativos.

Em todas as correlações foi observada compatibilidade entre as avaliações dos pacientes e dos terapeutas, porém as correlações dos pacientes apresentaram maior magnitude do que as correlações apresentadas pelos terapeutas. Isto pode ser explicadopela maior coerência entre a percepção interna do paciente, que respondia a ambos os instrumentos, do que a relação entre o estágio de motivação do paciente e a percepção da aliança por parte do terapeuta. Também foi observada uma pontuação média da avaliação geral da aliança terapêutica mais alta entre os pacientes do que dentre os terapeutas. Neste sentido, Da Costa et al. (2019)28 encontraram também uma avaliação mais positiva do vínculo por parte dos pacientes em seu estudo.

Cabe ressaltar que não houve correlação significativa entre a aliança terapêutica do paciente e do terapeuta e o estágio de manutenção. O estágio de manutenção é definido quando o paciente já passou pela mudança de comportamento e busca manter os ganhos do processo13. Como o instrumento de motivação para mudança foi aplicado no começo do estudo, parece compreensível não haver correlação significativa neste momento.

Outro resultado encontrado em nosso estudo foi que a ocupação do paciente esteve associada à aliança terapêutica do mesmo. A média de aliança do paciente entre aqueles que não trabalhavam foi maior do que a média desta aliança entre os pacientes que trabalhavam. Quando consideramos a importância do papel social que o trabalho e o rendimento profissional desempenham para o indivíduo29, e que a motivação do paciente é a base para o estabelecimento e avaliação de uma boa relação terapêutica14-16, podemos considerar que a busca por superar as dificuldades pessoais poderia estar motivada na preparação para o ingresso ou retorno ao mercado de trabalho. No entanto, não foram encontrados estudos que tenham apresentado esta relação.

Uma possível limitação deste estudo é que as variáveis de motivação para mudança e a aliança terapêutica não foram comparadas em diferentes momentos do tratamento, ao longo do desenvolvimento do processo. No entanto, nosso objetivo era avaliar essas medidas em um momento inicial da intervenção. Consideramos como pontos fortes o rigor metodológico do nosso estudo e o tamanho amostral, significativo para estudos de intervenção.

Nosso estudo contou com instrumentos validados nacionalmente, diagnóstico realizado com instrumento padrão clínico por avaliadores experientes e um protocolo de intervenção estruturado aplicado por terapeutas treinados. Além disso, todos os indivíduos da amostra apresentavam TOC como diagnóstico principal, ou seja, mesmo quando havia comorbidades como depressão ou outros transtornos, o maior prejuízo era relativo aos sintomas obsessivo-compulsivos.


5. CONCLUSÃO

Os resultados apresentados colaboram com o melhor entendimento da prática clínica em pacientes com TOC. É importante que os terapeutas estejam atentos ao estágio motivacional e ao nível de prontidão para mudança de seus pacientes para que as intervenções e a técnica proposta sejam adequadas. As intervenções terapêuticas devem estar de acordo não só com a demanda do paciente, mas também com a sua interpretação da situação. Assim como McCabe e colaboradores (2021)12, sugerimos que uma abordagem motivacional anterior ao trabalho psicoterapêutico possa ser incorporada na prática clínica, para uma melhor eficácia a nível de melhora dos sintomas e uma melhor aderência e otimização do processo terapêutico visto que pacientes diagnosticados com TOC tendem a ser mais resistentes ao tratamento.

Concluindo, propomos que sejam realizados novos estudos sobre a abordagem da motivação para mudança e da aliança terapêutica em pacientes com TOC, visto que não foram encontrados outros estudos que pudéssemos comparar com nossos resultados. Além disso, sugerimos investigações sobre os desfechos na aliança terapêutica e no tratamento do TOC de protocolos de TCC que incluam sessões com abordagem motivacional. Ainda, consideramos que o contexto de pandemia que vivenciamos pode ocasionar um acréscimo dos sintomas obsessivo-compulsivos na população como uma forma de enfrentamento ao estresse situacional, tornando-se necessário informar e capacitar os profissionais sobre as especificidades clínicas destes sintomas.


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Universidade Católica de Pelotas, Programa de Pós-Graduação em Saúde e Comportamento - Pelotas/RS - Brasil

Autor correspondente

Jéssica Puchalski Trettim
E-mail: jessicatrettim@gmail.com

Submetido em: 11/11/2021
Aceito em: 10/04/2023

Contribuições: Ana Carolina Tronquini Schein - Redação - Preparação do original; Jéssica Puchalski Trettim - Análise estatística, Investigação, Redação - Revisão e Edição, Supervisão; Carolina Coelho Scholl - Investigação, Redação - Revisão e Edição; Viviane Porto Tabeleão - Investigação, Redação - Revisão e Edição; Andressa Jacondino Pires - Investigação, Redação - Revisão e Edição; Rafaelle Stark Stigger - Investigação, Redação - Revisão e Edição; Mariane Lopez Molina - Investigação, Redação - Revisão e Edição; Fernanda Teixeira Coelho - Redação - Revisão e Edição; Luciana de Avila Quevedo - Aquisição de financiamento, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Redação - Revisão e Edição; Mariana Bonati de Matos - Análise estatística, Investigação, Redação - Revisão e Edição, Supervisão.

Fonte de financiamento: Este estudo recebeu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) (grant no. ARD 11/1940-8).

 

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