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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2023; 25(1):91-107

Artigo Original

Saúde mental, insatisfação corporal e realização de procedimentos estéticos entre adultos jovens: Um estudo transversal

Mental health, body dissatisfaction and performance of aesthetic procedures among young adults: A crosssectional study

Salud mental, insatisfacción corporal y realización de procedimientos estéticos entre adultos jóvenes: Un estudio transversal

Nickole de Avila Ramão; Juliana Nichterwitz Scherer

Resumo

Abstract

Resumen

 

 

INTRODUÇÃO

Os procedimentos estéticos têm ganhado relevância dentro da área da saúde estética, uma vez que estes lidam com a preservação, rejuvenescimento ou melhoria da aparência física por meio de intervenções cirúrgicas e/ou não invasivas¹. Segundo relatório global da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética, o Brasil foi o segundo país com maior número de procedimentos estéticos realizados em 2021, ficando atrás apenas dos EUA¹. No geral, a maior parte dos brasileiros que busca por procedimentos estéticos está na faixa etária dos 19 aos 35 anos, reside nas regiões sudeste e sul do país e é do sexo feminino, sendo a realização de procedimentos invasivos e não invasivos bastante proporcional². Ainda, a literatura aponta que a motivação para realização de procedimentos estéticos depende de variáveis sociodemográficas e psicossociais^3,4.

A intensificação do uso de mídias sociais tem sido apontada como uma das causas para intensificação de insatisfação corporal e sofrimento mental; estes, por sua vez, influenciam diretamente na busca por procedimentos estéticos^3,5-7. Uma revisão da literatura apontou que cerca de 50% dos indivíduos que buscam tratamentos estéticos possuem critérios de diagnósticos para transtornos psiquiátricos⁸. Sabe-se ainda que a presença de transtornos psiquiátricos, incluindo o Transtorno Dismórfico Corporal (TDC), está associada a piores desfechos na área da estética, principalmente aqueles relacionados com a insatisfação com o resultado e a busca por múltiplos tratamentos concomitantes ^8,9. Por outro lado, há evidências que comprovam que procedimentos estéticos cirúrgicos e minimamente invasivos melhoram a confiança, a autoestima e qualidade de vida de indivíduos que os realizam^10-14.

Nos últimos anos, estudos apontam um aumento nos níveis da insatisfação corporal e de TDC na população de jovens adultos^7,15-17, bem como um aumento na procura por procedimentos estéticos neste público^2,18. Entretanto, poucos estudos identificam as necessidades específicas de saúde estética entre os jovens no Brasil. Nesse sentido, apesar da importância do tema, pouco estudos foram realizados no país dentro desta temática. Por isso, o objetivo deste estudo foi investigar frequência e a associação entre a realização de procedimentos estéticos, sofrimento mental, percepção de imagem corporal e TDC em uma amostra de jovens adultos.


MÉTODO

Delineamento e amostragem

Trata-se de um estudo transversal observacional, com coleta de dados on-line, realizada a partir da divulgação publicada de um questionário digital autoaplicável. O recrutamento de participantes se deu por voluntariado a partir da divulgação do estudo em mídias sociais como Instagram, Facebook e WhatsApp. Foram incluídos participantes de ambos os sexos, com idade entre 18 e 35 anos e que aceitaram participar do estudo a partir da concordância com o Termo De Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram excluídos do estudo os sujeitos que declararam uma idade fora da faixa de interesse e aqueles que não responderam corretamente as perguntas de controle de qualidade distribuídas durante o questionário.

Coleta de dados

A coleta de dados do estudo ocorreu entre 27 de julho e 08 de setembro de 2022. Ao entrar no link de divulgação da pesquisa, os sujeitos eram direcionados ao TCLE virtual, onde estava a descrição referente aos procedimentos e objetivos do estudo. Após confirmar o consentimento para participação no estudo, o participante era direcionado ao questionário de coleta de dados.

O questionário de coleta de dados foi construído em cinco etapas, conforme segue: 1) questões sociodemográficas, 2) rastreamento de indícios de sofrimento mental, 3) triagem de avaliação para TDC, 4) mensuração da satisfação da imagem corporal (BSQ), e 5) histórico de realização de procedimentos estéticos, grau de satisfação do participante com o procedimento estético realizado e melhora na qualidade de vida pós procedimento.

A sessão dos dados sociodemográficos incluiu questões sobre idade, sexo, etnia e escolaridade. A classe social dos participantes foi definida a partir do Critério de Classificação Econômica Brasil 2020, definido pela Associação Brasileira De Empresas De Pesquisa (ABEP)⁹.

A avalição de indícios de sofrimento mental se deu a partir do Self Peport Questionnaire (SRQ-20)¹⁹. O SRQ-20 é um questionário desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde e utilizado em diversos países do mundo. O questionário tem como objetivo realizar o rastreamento de indícios de sofrimento mental como uma triagem para suspeita de transtornos mentais comuns. O teste dispõe de 20 questões onde o indivíduo tem a opção de responder '''sim'' ou ''não'', e, ao final do questionário, se a pontuação para ''sim'' for ≥ 7 (maior ou igual a sete), sugere-se a presença de sofrimento mental.

Para a avaliação de indício de TDC, foi utilizado o questionário The Body Dysmorphia Test (BDT) ²⁰. O objetivo deste teste é avaliar se o indivíduo possui algum risco para TDC, um transtorno psicológico que causa preocupação excessiva com a aparência. O teste dispõe de 08 questões, em sete delas o indivíduo tem a opção de responder '''sim'' ou ''não'', e, na oitava questão eles possuem três alternativas, sendo A, B ou C. Se avaliará como provável TDC se as questões 1 e 3 foram respondidas como sim, se as questões 4 a 7 foram respondidas como sim em pelo menos uma e se na questão 8 for respondido B ou C. Como resultado, podemos dividir os indivíduos a partir dos resultados do teste entre aqueles com risco de TDC e aqueles sem risco de TDC. Os sujeitos também indicavam se havia alguma parte do rosto, corpo ou outros que os incomodavam e em caso afirmativo, qual seriam essas partes. As regiões do corpo que traziam insatisfação ou que questões corporais que incomodavam os respondentes foram categorizadas da seguinte maneira: 1) Partes do corpo (toda resposta que se referia a regiões do pescoço para baixo, tais como: abdômen, braços, coxas, quadril, peito, entre outros), 2) Partes do rosto (toda resposta que se referia a regiões do pescoço para cima, tais como: nariz, boca, orelhas, olhos, entre outros), 3) Gordura (toda resposta que se referia a questões relacionadas a gordura localizada ou não e a peso); 4) Cutâneo (toda resposta que se referia a questões relacionadas à pele, tais como: acnes, estrias, flacidez, cicatrizes, entre outros), e 5) Cabelo.

Para mensuração da relação do indivíduo com sua imagem corporal, utilizamos o instrumento The Body Shape Questionnaire (BSQ)²¹. Este instrumento avalia as preocupações e insatisfações corporais dos respondentes, sendo composto por 34 questões em escala likert, cujas respostas variam entre os graus de 1 a 6, sendo 1 para a resposta nunca e 6 para a resposta sempre. Ao final, os respondentes são classificados com tendo: nenhuma insatisfação; insatisfação de grau leve; insatisfação de grau moderado; insatisfação de grau grave.

Na última etapa do questionário, foi analisado o histórico de realização de procedimentos estéticos. Nessa fase, foi avaliado se os participantes já haviam se submetido a procedimentos estéticos e, nos casos positivos, qual o procedimento e qual a frequência de realização. Também foi questionado o grau de satisfação com o resultado do procedimento estético e a percepção de melhora em âmbitos relacionados à qualidade de vida, como uma elevação da autoestima e uma maior confiança em si mesmo.

Por fim, o questionário também contava com duas questões de validação para o controle de qualidade dos dados: uma questão repedida em dois momentos diferentes do questionário (a fim de verificar se o sujeito relataria a mesma resposta) e uma questão questionando o resultado da soma de 2 mais 2.

Limpeza e análise de dados

Os dados obtidos através do preenchimento do Google forms geraram automaticamente uma planilha no Excel. Antes de procedermos a análise dos dados, foi realizada uma análise descritiva das informações, visando identificar potenciais vieses de informação nos dados e garantir o controle de qualidade das informações do estudo. Inicialmente, obtivemos respostas de 253 participantes; entretanto, foram identificadas e excluídas as informações referentes a 14 respostas duplicadas, 21 sujeitos com idade foram da faixa etária da pesquisa e 1 sujeito que não respondeu corretamente à questão de validação do controle de qualidade. Assim, o número final de respondentes incluídos no estudo foi de 217 participantes.

Após a realização da limpeza dos dados, estes foram organizados em um banco de dados no software SPSS, versão 21.0 (IBM SPSS Statistics), onde foram realizadas as análises estatísticas do estudo. Variáveis quantitativas tiveram a sua distribuição verificada pelo teste Shapiro Wilk. As variáveis com distribuição normal foram descritas por média e desvio padrão, enquanto as variáveis assimétricas foram descritas por mediana e intervalo interquartílico. Variáveis categóricas foram descritas por frequências absolutas e relativas. Testes de comparação de distribuições (Mann-Whitney) e testes de associação (Qui-quadrado) foram usados para avaliar a associação entre as variáveis de interesse no estudo. Para todas as análises, foi considerado um nível de significância de 5%.


CONSIDERAÇÕES ÉTICAS

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), sendo submetido ao parecer consubstanciado do CEP sob n° 5.532.803. As condições estabelecidas no estudo foram adequadas aos requisitos das resoluções n° 466/2012 e n° 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Além do mais, o consentimento informado on-line foi obtido pelos participantes, e todos os questionários foram anônimos, com as informações fornecidas pelos participantes sendo utilizados apenas para fins de pesquisa.


RESULTADOS

Características sociodemográficas da amostra

Um total de 217 participantes foram incluídos no presente estudo. Da amostra, 89,9% (n=195) eram do sexo feminino e 10,1% (n=22) do sexo masculino (Tabela 1). A média de idade dos participantes foi de 25 ± 5 anos. A maioria dos participantes se declararam solteiros (70,0%), com ensino superior incompleto (49,3%) e sem filhos (84,8%). As demais características sociodemográficas da amostra estão apresentadas na Tabela 1.

Realização de procedimentos estéticos pelos participantes do estudo

Diante dos 217 participantes da pesquisa, 85 alegaram já terem sido submetidos a algum procedimento estético, entretanto, na análise de dados, observou-se que 17 participantes que haviam marcado que nunca teriam realizado procedimentos estéticos, marcaram como já tendo realizado algum dos procedimentos descritos nas questões seguintes. Sendo assim, foi considerado o número final de participantes que já realizaram procedimentos estéticos como 102 participantes, ou seja, 47,0% dos voluntários envolvidos na pesquisa.

A realização de procedimentos estéticos faciais pelo menos uma vez na vida foi relatada por 70 participantes, onde os mais frequentes foram os peelings (41,17%), seguido pelo laser (31,37%), cirurgias plásticas (25,49%) e toxina botulínica (23,52%). O quantitativo de participantes que disseram já ter realizado cada um dos procedimentos faciais pode ser observado na Figura 1. Já a realização de pelo menos um procedimento estético corporal pelo menos uma vez na vida foi relatada por 68 participantes. Entre os procedimentos estéticos corporais, a drenagem linfática foi realizada pelo maior número participantes (56,86%), seguida pelas cirurgias plásticas (26,47%) e radiofrequência (19,60%). O quantitativo de participantes que disseram já ter realizado cada um dos diferentes procedimentos corporais pode ser observado na Figura 2.







Frequência de sintomas psiquiátricos e de insatisfação corporal entre os participantes do estudo

Segundo os dados obtidos pelo SQR-20, 65,9% dos respondentes apresentaram indicativos de sofrimento mental. Em relação aos graus de satisfação corporal, o questionário BSQ representou que 46,0% dos participantes não apresentam insatisfações corporais, 20,3% apresentam algum tipo de insatisfação corporal de grau leve, 20,7% apresentam insatisfações em graus moderados e 14,7% apresentam insatisfação corporal grave. Ainda, de acordo com o BDD, 27,7% dos participantes têm alto risco para a presença de TDC.

Número absoluto de participantes que relataram já ter realizado cada um dos procedimentos estéticos faciais pelo menos uma vez na vida. PDO: Polidioxanona.

Número absoluto de participantes que relataram já ter realizado cada um dos procedimentos estéticos corporais pelo menos uma vez na vida. PEIM: Procedimento Estético Injetável de Microvasos.

A maior parte da amostra (n=200, 92,1%) relatou ter alguma parte do corpo que traz incomodo ao participante, sendo que 72 (33,2%) sujeitos relatam incômodos com mais de uma parte/região do corpo. Entre os participantes que relatam se incomodar com alguma parte do seu corpo, observou-se que regiões corporais são as mais frequentemente relatadas como trazendo incomodo (64,0%), seguido por questões relacionadas à gordura (44,2%), questões cutâneas (27,2%), faciais (25,8%) e cabelos (14,3%) (Figura 3). Um sujeito relatou que o que mais lhe incomodava em seu corpo eram suas genitais.




Número absoluto de participantes que se incomodam com cada região do corpo.

Satisfação com o resultado e mudanças em aspectos de qualidade de vida após a realização de procedimentos estéticos

Dos 84 sujeitos que consideraram ter realizado procedimentos estéticos anteriormente, 92,9% relatou ter gostado do resultado do procedimento. Ainda, 82,1% e 79,5% afirmaram que se sentiram mais confiantes e mais felizes, respectivamente, após a realização do procedimento. Não obstante, 55,4% disseram que acreditavam estar realizando melhor as funções diárias, como trabalho e estudo, após o procedimento estético.

Associações entre variáveis de saúde mental e histórico de realização de procedimentos estéticos

Ao associarmos o histórico de realização de procedimentos estéticos pelos participantes e a as variáveis relacionadas à saúde mental, não foram encontradas associações significativas. Assim, observa-se que não existe diferença na frequência de sofrimento mental, TDC e insatisfação corporal entre quem já realizou e entre quem nunca realizou procedimentos estéticos (Tabela 2).




Entretanto, observou-se que pessoas com risco alto para a presença de TDC apresentaram maiores escores na escala de sofrimento mental do que aquelas sem o transtorno (Med = 11 vs. Med=7, p <0,001, teste de Mann-Whitney), conforme apresentado na Figura 4. Entre os sujeitos que relataram ter realizado procedimentos estéticos, não houve a associação entre a presença de sofrimento mental e a satisfação com o resultado do procedimento (p=0,286), nem entre a presença de TDC e a satisfação com o resultado do procedimento (p=0,06).




DISCUSSÃO

O presente estudo teve como objetivo avaliar a o histórico de realização de procedimentos estéticos e a percepção corporal de jovens adultos, e verificar a associação da realização de procedimentos estéticos com variáveis relacionadas à saúde mental, especificamente o sofrimento mental, o grau de satisfação corporal e o risco de TDC. Com os resultados, observou-se uma alta frequência de sintomas psiquiátricos na amostra estudada, incluindo principalmente indícios sugestivos de sofrimento mental e TDC. Ter feito procedimentos estéticos previamente não foi associado a presença de sofrimento mental e TDC, e indivíduos que fizeram procedimentos relataram em sua maioria que tiveram uma melhora em aspectos da vida relacionado a qualidade de vida. Ainda, foi observado que os participantes com indícios de TDC apresentam uma mediana de sofrimento mental relativamente maior do que os participantes sem nenhum grau de TDC.

Atualmente, o mercado da saúde estética está em constante evolução, oferecendo inúmeros procedimentos que prometem melhorar a qualidade de vida, a saúde, a autoestima e o bem-estar da população. Diante desta variedade de opções, percebe-se que a procura por procedimentos estéticos está cada vez maior. No Brasil, segundo dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, estimou-se a realização de 1,5 milhão de cirurgias plásticas estéticas em 2018, além de mais de 969 mil procedimentos estéticos não-cirúrgicos², sendo a faixa etária entre 19 e 35 anos a mais frequente entre os que realizam procedimentos estéticos. Neste estudo, 102 participantes alegaram ter realizado algum procedimento estético pelo menos uma vez na vida, onde aproximadamente 25% dos procedimentos são cirúrgicos e 75% não cirúrgicos. Assim, nossos dados sugerem uma maior procura por procedimentos minimamente invasivos em relação a procedimentos cirúrgicos na faixa etária entre 18 e 35 anos.

Comparação dos níveis medianos dos escores da escala de sofrimento mental entre os participantes com e sem risco para presença de Transtorno Dismórfico Corporal. Indivíduos com TDC apresentam uma mediana de sofrimento mental maior do que os indivíduos sem TDC (Med = 11 vs. Med=7, p <0,001, teste de Mann-Whitney).

A alta frequência de insatisfação corporal entre jovens no Brasil vem sendo relatada por diversos estudos, e vão ao encontro dos dados reportados nos nossos resultados^17,22,23. Segundo Gonçalves e colegas²⁴, as questões faciais que mais incomodam pacientes jovens que buscam por procedimentos estéticas faciais são as rugas (61%) e a acne (18%). Já nos procedimentos estéticos corporais, a busca é motivada pela insatisfação com a presença de gordura localizada (43%), flacidez (19%) e estrias (18%). Quando olhamos para os procedimentos estéticos realizados pelos participantes do nosso estudo, vemos que os procedimentos faciais mais prevalentes são os peelings, lasers e toxinas botulínicas, que são utilizados principalmente para tratamentos de acne e rugas. Dentre os procedimentos corporais não cirúrgicos, os mais realizados foram a drenagem linfática, radiofrequência e lipo enzimática, sendo estes procedimentos recomendados justamente para o tratamento de gordura localizada, flacidez e estrias.

A hipervalorização da busca por um corpo ideal e o aumento das preocupações relacionadas à saúde estética entre jovens tem sido associadas a uma série de mudanças sociais e culturais, incluindo a alta exposição dos jovens às mídias sociais e a padrões de beleza que destoam da população geral^5,25. Neste sentido, a busca por um padrão de beleza pode levar a um agravamento de sintomas psiquiátricos e a maior procura por procedimentos estéticos. Neste sentido, é relatado que transtornos psiquiátricos e problemas de saúde mental também são altamente associados a busca por procedimentos estéticos, apesar de ainda não se ter claro a relação causal entre estes dois fatores²⁶. Um estudo norueguês avaliou uma coorte de adolescentes do sexo feminino e verificou que sintomas de depressão e ansiedade e história de autoagressão deliberada eram preditores da realização de cirurgia estética durante o seguimento⁶. Além de ansiedade e depressão, a literatura também relata uma alta frequência de TDC e de transtornos alimentares em sujeitos que buscam por procedimentos estéticos^27-29. No nosso estudo, a frequência de sofrimento mental, TDC e insatisfação corporal foi alta entre os sujeitos com histórico de realização de procedimentos estéticos, porém não foi estatisticamente diferente do que aquela observada entre sujeitos sem o histórico destes procedimentos.

Apesar de muitos estudos trazerem dados que suportam a realização de procedimentos estéticos como promotores de saúde mental e bem-estar, alguns estudos mostram que pode haver a intensificação dos sintomas de transtornos psiquiátricos após a realização dos procedimentos estéticos, principalmente entre os sujeitos que previamente ao tratamento já apresentavam quadros graves destes transtornos⁶. Ainda, a literatura fornece evidências que sugerem que indivíduos com TDC ficam menos satisfeitos com o resultado de cirurgias estéticas^8,30; entretanto, nesta pesquisa não foram encontradas associações significativas entre a presença de sofrimento mental ou TDC e a satisfação com o resultado do procedimento. No geral, a maioria dos sujeitos relataram ter gostado do resultado do seu procedimento, e sentiram-se mais felizes e confiantes após a realização do procedimento. Neste sentido, cabe salientar que a grande maioria dos estudos demonstra uma melhora significativa para variáveis como satisfação corporal, autoestima e qualidade de vida após a realização de procedimentos estéticos^11,14,31,32, inclusive entre pacientes que apresentam comorbidades psiquiátricas³³.

No nosso estudo, os sujeitos que tiveram risco alto para o diagnóstico de TDC apresentaram maiores escores de sofrimento psicológico. Esses resultados vão ao encontro da literatura, que sugere uma alta co ocorrência de TDC com transtornos mentais comuns, como depressão e ansiedade^34,35. Neste sentido, o TDC é um transtorno que traz um alto nível de disfuncionalidade aos sujeitos acometidos^36,37, e está associado a uma maior taxa de suicídio e ideação suicida³⁸. Uma vez que a frequência de jovens com alto risco para TDC encontrada no nosso estudo foi muito superior a encontra em estudos internacionais que consideraram a mesma faixa etária^15,16,39,40, salienta-se a importância de aprimorar e garantir acesso de jovens na rede de atenção à saúde mental. Neste sentido, é importante que questões relacionadas a percepção corporal façam parte da investigação e dos cuidados de saúde mental entre a população jovem.

A alta ocorrência de transtornos mentais na população geral e em sujeitos que buscam procedimentos estéticos reforça a necessidade de termos profissionais da saúde estética capacitados para a triagem de sinais e sintomas relacionados a questões psicológicas e psiquiátricas. Apesar da saúde estética poder trazer benefícios à saúde dos indivíduos, os procedimentos estéticos não cumprem o papel terapêutico para questões relacionadas ao TDC, sofrimento mental e outros, e muitas vezes podem prorrogar, mascarar e até mesmo agravar questões de saúde mental. Nesse sentido, é fundamental o encaminhamento destes sujeitos para psicólogos e psiquiatras capacitados, a fim de fazer o correto tratamento e acompanhamento das questões de saúde mental anteriormente à realização de procedimentos estéticos.

É importante destacar que esta pesquisa apresenta algumas limitações metodológicas que podem limitar a generalização dos dados. Primeiro, cabe salientar que o tamanho amostral do estudo pode ter sido insuficiente para trazer poder estatístico para a comprovação de algumas associações. O fato de o estudo ter sido realizado através de um levantamento transversal inviabiliza a interpretação de causalidade entre as questões de saúde mental e busca por procedimentos estéticos, uma vez que não é possível garantir a temporalidade destes eventos. Outro ponto importante é que a coleta de dados foi realizada de forma on-line, podendo acarretar vieses de seleção, com por exemplo a inclusão exclusiva de pessoas com acesso à internet e a maior adesão de mulheres. O viés de informação também pode ocorrer neste tipo de estudo, como por exemplo a presença de erros de preenchimento do questionário. Com o objetivo de realizar a minimização de vieses de informação, uma cuidadosa análise de qualidade dos dados foi realizada pelas investigadoras. Observa-se que como o estudo foi realizado durante a pandemia de COVID-19, a coleta online foi o melhor recurso disponível para a realização do estudo. Além disso, mesmo realizando a pesquisa de forma on-line, foi possível incluir uma amostra bastante diversa em termos de características sociodemográficas, o que é um fator positivo para consideração nos nossos achados.


CONCLUSÃO

Nosso estudo evidenciou uma alta frequência de realização de procedimentos estéticos entre os jovens incluídos na amostra, que apresentaram também altos níveis de insatisfação corporal. A frequência expressiva de risco para o diagnóstico de TDC, somado aos altos escores de sofrimento mental associados a essa condição, reforçam a importância da saúde estética e das preocupações com o corpo na saúde mental.

Por outro lado, é importante que profissionais da área estética estejam aptos para realizar a triagem de transtornos mentais nos pacientes que buscam este tipo de tratamento, a fim de fazer o devido encaminhamento a outros profissionais habilitados para o tratamento de tais questões e minimizar os riscos de agravamento do quadro e insatisfação com os resultados do procedimento.


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Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Escola de Saúde - São Leopoldo/RS - Brasil

Autor correspondente

Juliana Nichterwitz Scherer
E-mail: julianascherer@unisinos.br / E-mail alternativo, de preferência institucional: julianascherer@unisinos.br

Submetido em: 03/05/2023
Aceito em: 06/06/2023

Contribuições: Nickole de Avila Ramão - Análise estatística, Coleta de Dados, Conceitualização, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição; Juliana Nichterwitz Scherer - Análise estatística, Conceitualização, Gerenciamento de Recursos, Investigação, Redação - Revisão e Edição, Supervisão.

Apoio financeiro: Este estudo não recebeu apoio financeiro para a sua realização.

Conflitos de interesse: Os autores declaram não ter conflitos de interesse.

Agradecimentos: Agradecemos todos os sujeitos que aceitaram participar do presente estudo.

 

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