Rev. bras. psicoter. 2023; 25(1):25-41
Favaretto TC, Both LM, Zatti C, Freitas LH. Diagnóstico Psicodinâmico Operacionalizado (OPD-2) e estilos defensivos em mulheres com Transtorno de estresse pós-traumático: um estudo comparativo. Rev. bras. psicoter. 2023;25(1):25-41
Artigo Original
Diagnóstico Psicodinâmico Operacionalizado (OPD-2) e estilos defensivos em mulheres com Transtorno de estresse pós-traumático: um estudo comparativo
Operationalized Psychodynamic Diagnosis (OPD-2) and defensive styles in women with Post traumatic stress disorder: a comparative study
Diagnóstico Psicodinámico Operacionalizado (OPD-2) y estilos defensivos en mujeres con Trastorno de estrés postraumático: un estudio comparativo
Taís Cristina Favaretto; Luciane Maria Both; Cleonice Zatti; Lúcia Helena Freitas
Resumo
Abstract
Resumen
INTRODUÇÃO
O Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) é diagnosticado após a exposição a um ou mais eventos traumáticos de ameaça à vida, lesão grave ou violência e surgimento de sintomas como lembranças intrusivas angustiantes, medo, alterações negativas em cognições e no humor, estado emocional negativo persistente e dissociações1. As causas mais comuns para o seu desenvolvimento são a exposição ao combate militar, violência sexual, negligência e violência urbana2.
Observa-se, no entanto, que apesar de índices altos de exposição a traumas apenas parte dos sujeitos apresentam o transtorno3 demonstrando vulnerabilidades referentes ao evento traumático, gravidade da exposição, proximidade, duração e frequência, além de histórico de traumas anteriores, pobreza de respostas parentais na infância, antecedentes psicopatológicos4 e baixo suporte social5. Por outro lado, capacidades individuais como características psicodinâmicas de maior integração da personalidade6,7, capacidade da modulação de resposta ao estresse8, estilos de defesas9 e resiliência10,11 são fatores favoráveis a menor intensidade de sintomas, adesão ao tratamento e recuperação do trauma12,13.
De tal modo, diferentes pesquisas em psicoterapia têm buscado avaliar os tratamentos voltados à saúde mental, a partir da compreensão da subjetividade humana, as diferentes direções que a instauração processo terapêutico pode adotar e a eficácia e eficiência nos diferentes transtornos14. Nesse sentido, foi criado o instrumento Diagnóstico Operacionalizado Psicodinâmico 2 (Operationalisierte Psychodynamische Diagnostik- OPD) procurando integrar a sintomatologia descritiva e a dimensão psicodinâmica. Para tanto, utiliza-se de uma entrevista semiestruturada baseada em cinco Eixos: Vivências da doença e pré-requisitos para o tratamento, Relações interpessoais, Conflito, Estrutura e Diagnóstico nosológico. A partir da integração desses Eixos é possível realizar a indicação, o foco e o planejamento terapêuticos15.
Ainda, destaca-se a importância de identificar os diferentes níveis de maturidade no uso de Mecanismos Defensivos (MD) do Ego, capazes de mediar o mundo interno e o mundo externo16, visando à compreensão mais ampla dos sujeitos. Em pacientes com TEPT essa peculiaridade pode distinguir entre as manifestações de defesas específicas mobilizadas diante do trauma ou de modelos continuados que são repetidos durante a vida, importantes para o planejamento e a condução do tratamento psicoterápico11.
Assim, considerando a grande quantidade de sintomas manifestados por pacientes traumatizados, o elevado risco do desenvolvimento de comorbidades17 e tentativas de suicídio (TS)7, a baixa adesão ao tratamento, em torno de 50%18, e a dificuldade de manejo da carga emocional significativa que refletem no tratamento19 , este estudo busca descrever as características do funcionamento psicodinâmico em pacientes com TEPT, sob uma perspectiva dimensional operacionalizada, e uso de mecanismos e estilos defensivos avaliando possíveis alterações após três meses de tratamento.
MATERIAIS E MÉTODOS
Delineamento
Tratou-se de um estudo quantitativo, exploratório e comparativo realizado em um hospital público especializado em avaliação e tratamento de vítimas de trauma na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Esse estudo faz parte de uma pesquisa maior intitulada "Um estudo do funcionamento psíquico de sujeitos com transtorno de estresse pós-traumático sob a perceptiva do diagnóstico operacionalizado psicodinâmico".
Participantes
Participaram 27 mulheres que foram avaliadas e diagnosticadas com TEPT (F43.10)1, entre os anos de 2020 e 2021. Possuíam idade entre 18 a 60 anos (M=39,07; DP=13,73) e média de 10,3 anos de estudo (DP=3,64) e escolaridade entre 3 a 15 anos de estudo (M= 10,04; DP= 3,64). Quanto ao estado civil, 48% (n=13) das mulheres eram casadas, 33% (n=9) solteiras e 19% (n=5) separadas. Quanto à renda, 44% (n=12) das participantes não possuíam nenhuma renda, 44% (n=12) tinham uma renda de um a dois salários mínimos e 11% (n=3) renda de três ou mais salários mínimos.
Instrumentos
Questionário Sociodemográfico e Clínico: Questionário semiestruturado produzido a partir de dados da literatura sobre pacientes com PTSD, visando levantar características pertinentes ao estudo como idade, educação, estado civil, entre outros.
Entrevista clínica para avaliação do TEPT- CAPS-5 (Clinician-Administered PTSD Scale for DSM-5, versão mensal)20: Questionário com 30 itens para diagnóstico de PTSD, englobando os 20 critérios de diagnóstico do DSM-5. O ponto de corte para o diagnóstico está entre 23 a 26 pontos dos 80 possíveis21.
Diagnóstico Operacionalizado Psicodinâmico 2 (Operationalisierte Psychodynamische Diagnostik, OPD-2): Entrevista semiestruturada que permite a formulação de um diagnóstico psicodinâmico multiaxial, planejamento e foco terapêuticos. Avalia-se no Eixo I-Vivência da Doença e Pré-requisitos para o Tratamento, Eixo II-Relações Interpessoais, Eixo III- Conflito, Eixo IV- Estrutura e Eixo V- Transtornos Mentais e Psicossomáticos. Para a codificação dos Eixos I, III e IV utilizam-se critérios que induzem a pontuação: "0- ausente, 1- leve/ insignificante, 2- moderado, 3- elevado/significativo, 4- muito grave/muito significativo e 9- não-avaliável". Para o Eixo II pontuam-se os padrões de relacionamento disfuncionais mais apontados pelos juízes avaliadores15.
Defensive Style Questionnaire (DSQ-40): versão em português desenvolvida para avaliar derivativos conscientes dos mecanismos de defesa. Composto por 40 itens relacionados às defesas descritas no DSM-III-R, que correspondem a 20 defesas individuais, divididas em três fatores ou estilos defensivos, maduro, neurótico e imaturo. Quatro defesas estão relacionadas ao fator maduro (sublimação, humor, antecipação e supressão); quatro ao fator neurótico (anulação, pseudoaltruísmo, idealização e formação reativa) e doze ao fator imaturo (projeção, agressão passiva, atuação, isolamento, desvalorização, fantasia autística, negação, deslocamento, dissociação, clivagem, racionalização e somatização). Cada item é pontuado em uma escala Likert que varia de 1 a 9, com "1- Discordo Fortemente", "5- Nem Concordo Nem Discordo" da afirmativa e "9- Concordo Fortemente". As somas dos escores de cada defesa podem chegar a 10 pontos. Quanto mais elevado o valor, maior é o uso da defesa. Os escores dos Fatores Imaturo, Neurótico e Maduro são calculados pela média dos escores das defesas que pertencem àquele fator22.
Procedimentos de coleta e análise dos dados
As pacientes foram convidadas a participar da pesquisa após primeira consulta psiquiátrica que entaleceu diagnóstico de TEPT. Após procedimentos de aceite responderam aos instrumentos e a Entrevista Clínica do OPD-2. A avaliação da linha de base correspondeu ao Tempo 0 (T0). As pacientes mantiveram acompanhamento clínico ambulatorial em frequência semanal, com tratamento psicoterápico direcionado para linha psicanalítica e tratamento medicamentoso de acordo com os guidelines atuais23,24. Após três meses de tratamento, entre 90 e 105 dias, as participantes passaram por nova coleta de dados, correspondendo ao Tempo 1 (T1). Apenas uma pesquisadora, profissional com experiência em psicoterapia psicodinâmica de 15 anos e com treinamento específico no OPD-2, realizou as entrevistas que foram gravadas em áudio e transcritas. Observou-se uma perda amostral de cerca de 50% referente à linha de base (53 pacientes). O abandono terapêutico correspondeu a 28% (n=15), não aceite em participar da segunda etapa do estudo, 5,66% (n=3), troca de número de telefone, não conseguindo localizar o paciente em tempo hábil, 15,09% (n= 8). Totalizou-se 27 pacientes com T0 e T1 para o estudo.
Procedimentos de análise de dados
As entrevistas clínicas foram codificadas em planilhas do OPD-2 por dois juízes independentes. O coeficiente Kappa25 de cada eixo foi calculado de forma independente para cada entrevista. Neste estudo, a concordância entre os juízes foi substancial em cada eixo; 73% no Eixo I, 78% no Eixo III, 83% no Eixo IV e 100% no Eixo V. Para o Eixo II, foram selecionados e agrupados em temas de relacionamentos mais pontuados. As variáveis categóricas foram descritas pelas frequências absoluta e relativa e as variáveis contínuas foram descritas por média, mediana e desvio-padrão, conforme orientação dos instrumentos. Análises comparativas do T0 e do T1 foram realizadas pelo teste Wilcoxon Signed Rank. Esse teste foi selecionado devido ao tamanho amostral reduzido (n< 30), o que dificulta a ação do teorema central do limite e, portanto, o acato do pressuposto de normalidade. As estatísticas de teste foram consideradas significativas se p<0,05. Tamanhos de efeito (r) de 0,2 a 0,5 foram considerados baixos, de 0,5 a 0,8 médios e acima de 0,8 altos. A análise estatística foi realizada utilizando-se o IBM SPSS Statistics versão 26.0 para Windows.
Procedimentos éticos
O estudo foi aprovado pelo comitê de ética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (68271917.7.0000.5347) e teve permissão pelo Centro Especializado onde os dados foram coletados. Todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Em relação ao instrumento, houve a autorização para a utilização do Operationalized Psychodynamic Diagnosis no Brasil pelo presidente do OPD Group.
RESULTADOS
O objetivo deste estudo foi descrever as características do funcionamento psicodinâmico em pacientes com TEPT, sob uma perspectiva dimensional operacionalizada, e uso de mecanismos e estilos defensivos avaliando possíveis alterações após três meses de tratamento. Para contextualizar os resultados, as características clínicas das participantes são descritas na Tabela 1. Dessa forma, o Evento Traumático
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