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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2023; 25(1):01-11



Artigo Original

Psicoterapia breve centrada na pessoa no contexto hospitalar

Brief psychotherapy centered approach in hospital context

Psicoterapia breve centrada en la Persona en el contexto hospitalar

Andréa Batista de Andrade Castelo-Branco; Paulo Coelho Castelo-Branco

Resumo

A Psicoterapia Breve (PB) e a Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), pela via do plantão-psicológico, são práticas interventivas que fazem interface com os campos das terapias de curta duração e da saúde mental. Para além da clínica, ambas possibilitam implicações em diferentes contextos. Este artigo objetiva desenvolver um diálogo entre a PB e a ACP de modo a propor uma PB Centrada na Pessoa que possa ser usada no contexto hospitalar. Emprega-se uma revisão narrativa sobre o tema. Analisa-se as aproximações e distanciamentos entre a PB e a ACP. Apresenta-se uma proposta de registro de atendimento psicológico e de elaboração de projeto terapêutico. Conclui-se com apontamentos sobre os potenciais e limites da PB Centrada na Pessoa.

Descritores: Psicoterapia breve; Psicoterapia centrada na pessoa; Saúde mental

Abstract

Brief Psychotherapy (BP) and Person-Centered Approach (PCA), through the psychological duty, are interventional practices that interface with the fields of short-term therapies and mental health. Beyond the clinic, both allow implications in different contexts. This article aims to develop a dialogue between BP and PCA in order to propose a Person-Centered BP that can be used in the hospital context. A narrative review on the subject is used. The approximations and distances among BP and ACP are analyzed. A proposal is presented for the registration of psychological care and the elaboration of a therapeutic project. It concludes with notes on the Person-Centered BP potentials and limits.

Keywords: Brief therapy; Person centered-psychotherapy; Mental health.

Resumen

La Psicoterapia Breve (BP) y el Enfoque Centrado en la Persona (PCA), a través del plantón psicológico, son prácticas intervencionistas que interactúan con los campos de las terapias a corto plazo y la salud mental. Más allá de la clínica, ambas permiten implicaciones en diferentes contextos. Este artículo tiene como objetivo desarrollar un diálogo entre BP y PCA para proponer un BP Centrado en la Persona que pueda ser utilizado en el contexto hospitalario. Se utiliza una revisión narrativa sobre el tema. Se analizan las aproximaciones y distancias entre BP y ACP. Se presenta una propuesta para el registro de la asistencia psicológica y la elaboración de un proyecto terapéutico. Concluye con notas sobre los potenciales y límites de la BP Centrada en la Persona.

Descriptores: Psicoterapia breve; Psicoterapia centrada en la persona; Salud mental

 

 

INTRODUÇÃO

Nas décadas de 1970-1980, houve uma profusão de terapias de curta duração, cujas propostas de plantão psicológico, desenvolvido a partir da perspectiva da Abordagem Centrada na Pessoa (ACP)¹, e de psicoterapia breve (PB)², baseada na Psicanálise, possibilitaram disseminação de práticas no Brasil. Essa profusão buscou superar o modelo clínico tradicional para atingir dispositivos de saúde e da assistência social, ocasionando o advento da clínica ampliada³.

As PBs mostraram-se mais alinhadas à ampliação do acesso à atenção psicológica e ao desenvolvimento de práticas mais contextualizadas, considerando os laços sociais e os aspectos sócio sanitários e institucionais¹. No hospital geral, a PB permite subsidiar uma prática psicológica focada na experiência de adoecimento, tratamento, hospitalização e/ou luto que ofereça respostas mais resolutivas e articuladas com a equipe multiprofissional e a rede de cuidado⁴,,⁶.

A PB pauta-se no "aqui-e-agora", na focalização e na atividade do terapeuta, sendo o encurtamento do tempo consequência desse processo⁷. Demonstra-se uma prática adequada aos pacientes hospitalizados em crise que lidam com ansiedade pré e pós-operatória, reações agudas relacionadas ao diagnóstico, incapacitações etc⁵. Há dois tipos de PB⁸: a de apoio, indicada para todos os casos, que visa reduzir a ansiedade e trabalha apenas um foco; e a de processo, que trabalha mais de um foco e apresenta indicações específicas de perfil de demanda/público-alvo.

Destaca-se que a PB é eclética e pode ser desenvolvida através de diferentes abordagens e combinação de diversas técnicas⁹. Por um lado, essa pluralidade pode oferecer um leque de recursos interventivos; por outro, pode incorrer numa panaceia de práticas tecnicistas ou contraditórias, caso seja operacionalizada irrefletidamente. Ao tratar-se de uma PB relacionada à ACP, a eventual diretividade presente nas intervenções breves e o uso de determinadas técnicas podem descaracterizar a abordagem rogeriana na prática da psicologia hospitalar.

Destarte, o tema desse estudo é a PB Centrada na Pessoa no âmbito hospitalar. Na tentativa de realizar uma revisão atual sobre o tema, utilizou-se o cruzamento dos descritores "Psicoterapia Breve" AND "Carl Rogers" OR "Terapia Centrada no Cliente" no SciELO, PePSIC e Lilacs, porém não se identificou estudos que articulassem a PB com a ACP em nenhum local de atuação, denotando escassez na literatura. Nesse panorama, objetiva-se desenvolver um diálogo entre a PB e a ACP, de modo a propor uma PB Centrada na Pessoa aplicada ao contexto hospitalar.


MÉTODO

Trata-se de um estudo bibliográfico de revisão narrativa¹⁰ para cumprir com o objetivo proposto, de modo a fundamentá-lo teoricamente e contextualmente na perspectiva qualitativa. Nesse estudo, a revisão narrativa é mais indicada do que a revisão sistemática, uma vez que existem muitas produções sobre PB e ACP, mas sem articulação teórico-prática. Assim, os autores desse estudo buscaram realizar uma análise crítica reflexiva e propositiva sobre o tema. Buscou-se artigos, capítulos e livros que apresentassem sistematizações teóricas e práticas sobre a PB, ACP e Psicologia Hospitalar, dialogando e problematizando alguns conceitos fundamentais no âmbito hospitalar.

A amostra bibliográfica foi selecionada por conveniência aos interesses da pesquisa, a partir de buscas por descritores relacionados à "Psicoterapia Breve", "Psicologia Hospitalar" e "Carl Rogers" em bibliotecas virtuais como o SciELO, PePSIC, LILACS, além de buscas suplementares no Google Acadêmico. A partir dos textos selecionados, extraíram-se informações sobre as aproximações e distanciamentos entre as duas abordagens. Com base nisso, discutiu-se a proposição de uma PB Centrada na Pessoa no contexto hospitalar.


RESULTADOS: APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS ENTRE A PB E A ACP

A PB teve sua origem em Sándor Ferenczi e Otto Rank que objetivaram reduzir o tempo dos tratamentos psicanalíticos e introduzir novas intervenções. Ferenczi desenvolveu a técnica ativa, que sugeria a interferência do analista no processo em relação a determinados hábitos, pensamentos, atitudes e fantasias do analisando, provocando novos posicionamentos, a superação de resistências e maior atividade de ambos. Rank introduziu a noção de aqui-e-agora, onde a relação terapêutica poderia promover formas mais criativas e menos destrutivas de pensar, sentir e estar no momento presente; ao invés de buscar conflitos no passado¹¹.

Destaca-se, a contribuição de Fiorini ao introduzir o termo atenção seletiva para se referir às omissões de elementos irrelevantes ou distantes do foco. Lemgruber, por sua vez, abordou a experiência emocional corretiva como a possibilidade de o indivíduo reviver experiências traumáticas e sentimentos reprimidos de forma mais segura na relação. Sifneos recomendou ser ativo no foco relacionado à crise emocional, abandonando a neutralidade. Malan e Balint desenvolveram uma técnica baseada no face-a-face, na fixação de um prazo, no estabelecimento de uma hipótese para a problemática central do indivíduo e numa interpretação mais ativa⁹,¹¹.

O plantão psicológico tem raízes histórico-epistemológicas que remontam à prática do aconselhamento psicológico não-diretivo, postulado na década de 1940 por Rogers nos EUA, em contraposição à Psicanálise e às técnicas diretivas do aconselhamento traço-fator. Assim, tal prática rogeriana foi recebida no Brasil e, nos anos de 1970-1980, sofreu transformações e se tornou um recurso formativo de terapeutas iniciantes no Serviço de Aconselhamento Psicológico da Universidade de São Paulo, alcunhado como plantão psicológico¹².

Em suma, este serviço apresenta maior flexibilidade no formato de sessão, sem duração pré-definida e sem a necessidade de passar por triagem, onde o terapeuta se coloca disponível, presente e atento através de uma atitude congruente, empática e de consideração incondicional do outro. Trata-se de uma terapia de curta-duração, cujo objetivo se fundamenta na concepção do agora, na escuta-intervenção com enfoque nas potencialidades humanas, na auto-compreensão sobre uma situação-problema e no acolhimento à crise. O plantão psicológico visa configurar-se uma referência para atendimento imediato às pessoas em sofrimento psíquico, partindo do pressuposto que o terapeuta pode catalisar um processo no qual a própria pessoa é capaz de simbolizar suas experiências a partir de sentimentos e percepções que só ela teria a capacidade de avaliar e conhecer acuradamente. O plantonista deve lidar com os distintos tipos de demandas, considerar que o encontro pode ser único, centrar-se na vivência da problemática que insurge com a ansiedade no momento da busca de ajuda, possibilitar encaminhamentos para outros serviços e ponderar a necessidade de retorno¹³.

Inicialmente, o plantão psicológico centrado na pessoa era realizado nas clínicas-escolas, mas expandiuse para serviços de saúde, consolidando-se como um serviço adaptável a vários contextos além da clínica, tornando-se aplicável à dinâmica hospitalar¹⁴. Embora o plantão psicológico centrado na pessoa tenha se firmado como uma terapia de curta duração¹², ainda há poucas ferramentas mais sistematizadas de registro do caso, intervenção e avaliação/reflexão da prática¹⁴. A PB, no entanto, constitui-se de um planejamento terapêutico e um conjunto de intervenções que podem ser reelaboradas à luz da ACP. No Hospital, a PB mostrase como uma estratégia potente e mais adequada ao perfil de demanda e ao curto período que normalmente os pacientes ficam internados⁴,,⁶.

O primeiro ponto de inflexão entre PB e ACP é o fato de a primeira se autodenominar como técnica¹¹ e a segunda criticar veementemente o uso de técnicas¹⁷. Para Rogers e Kinget¹⁵, o terapeuta deve esforçar-se em conduzir o processo como pessoa mediante o desenvolvimento de atitudes, e não como especialista que define a priori determinados procedimentos. A aplicação de técnicas pode implicar em maior diretividade do terapeuta, indo na contramão de uma prática centrada na pessoa. Ainda que a noção de não-direção não seja a ideia fundamental e mais representativa dessa psicoterapia, a abstenção de usar diretivas é, seguramente, uma de suas manifestações.

Uma PB Centrada na Pessoa evitaria a utilização de intervenções diretivas, salvo em estratégias de clínica ampliada como a educação em saúde, orientação à família, mediação da comunicação entre paciente-equipefamília e articulações intra ou intersetoriais, essenciais à prática do psicólogo hospitalar. Nessas circunstâncias, é importante observar se a eventual postura passiva frente ao médico, por exemplo, reflete a relação de poder estabelecida socialmente ou se está relacionada ao modo de funcionamento do paciente internado. É necessário identificar também se a possível relação conflituosa com a família exprime essa dinâmica préhospitalização ou se faz parte de um conjunto de reações psicológicas inerentes do processo de adoecimento. A compreensão dessas experiências permite ao psicólogo hospitalar optar por intervenções psicoterapêuticas e/ou de caráter mais psicoedutativo, de acordo com cada caso. Ou seja, as ações de clínica ampliada podem ser, igualmente, ponderadas à luz da ACP.

A técnica remete, também, a um recurso estranho à experiência do cliente e ao seu referencial interno¹⁵. Além disso, o uso da técnica pode ser utilizado apenas para deixar o terapeuta mais seguro, ao invés de ser efetivamente útil ao cliente. Não obstante a isso, é importante mencionar que a terapia rogeriana não tem técnicas, mas apresenta elementos e formas características de intervir que refletem seus princípios norteadores¹⁵. Isso significa que uma PB Centrada na Pessoa não deve se colocar enquanto técnica, mas como uma forma de atuar passível ser evocada, descrita, refletida e sistematizada.

Uma das principais características da PB é direcionar toda a atenção e ação na demanda principal percebida pelo terapeuta e pelo próprio cliente⁷. Nesse ponto, o psicólogo hospitalar rogeriano elegeria como foco o que gera maior tensionamento entre organismo e ambiente naquele presente momento (principal demanda), e o que se situa como figura e/ou fundo através da expressão ou elaboração da experiência de adoecimento. O foco emerge em uma dada situação-problema¹⁹, constituída de um momento crítico que pode gerar rupturas e dificuldades de adaptação e enfrentamento. Frequentemente, o adoecimento é uma experiência ameaçadora para o paciente internado, pois promove perdas, dor, alterações da imagem corporal e incapacitações, podendo desencadear reações emocionais intensas, negação e distorção da experiência.

No âmbito hospitalar⁵, além do foco e da situação-problema, busca-se identificar os pontos de urgência, os quais podem ser: intrafocais, pois subjazem ao foco a ser trabalhado; ou extra-focais, que não se relacionam diretamente ao foco e, normalmente, apresentam-se de forma imprevisível durante o período de hospitalização e afetam o paciente, pois emergem como figura e passam a predominar naquele momento. Durante o internamento, o paciente pode ter oscilações no quadro clínico, complicações médicas, novas hipóteses diagnósticas, resultados de exames com prognóstico reservado ou cirurgias que não foram previstas e desencadeiam reações emocionais adversas⁴. Caso necessário, o terapeuta pode incluir novos pontos de urgência que estejam, ou não, relacionados diretamente ao foco, mas que precisam de intervenção psicológica imediata, denotando flexibilidade no plano terapêutico⁶.

Em relação aos pontos de urgência, o terapeuta pode identificar significações pessoais expressas através de sentimentos, comportamentos e/ou pensamentos específicos que merecem atenção e que podem ser manejadas durante os atendimentos⁵,⁷. Como exemplo, ilustra-se tal suposição de caso: Foco - experiência de amputação; Situação-problema -paciente com diabetes que foi internado devido à infecção no pé, apresentando sofrimento psíquico após comunicação da indicação da cirurgia de amputação; Pontos de urgência focais - tristeza relacionada à perda iminente do pé e medo de tornar-se dependente (situação ameaçadora a sua estrutura de personalidade, visto que se percebe como uma pessoa independente); ansiedade frente à cirurgia da amputação; conflito com a equipe médica após comunicação da indicação da amputação (negação da gravidade do quadro clínico e projeção da raiva na equipe); rejeição da nova imagem corporal mediante desvalorização do corpo; Ponto de urgência extra focal - solidão relacionada à restrição de visitas no período pandêmico.

Nesse exemplo, nota-se o registro de informações relevantes realizado por um psicólogo que trabalha com PB Centrada na Pessoa. Ressalta-se que, possivelmente, outros pontos de urgência surgiriam após procedimento cirúrgico que podem se relacionar à sensação de membro-fantasma, estigma social ou luto da perda do membro. Assim, o plano terapêutico poderia ser reelaborado ou ampliado durante o processo mediante negociações simbólicas entre terapeuta-paciente, prevalecendo como foco aquilo que é considerado por ambos como prioritário.

Destaca-se que, diferentemente da clínica tradicional, o psicólogo hospitalar dificilmente é procurado por demanda espontânea, mas principalmente por encaminhamento multiprofissional ou por busca ativa⁵. Nem sempre o paciente busca ou reconhece a necessidade de um atendimento psicológico, sendo ainda mais desafiador estabelecer contato, construir vínculo e romper eventuais barreiras dos mecanismos de defesa e da ambiência iatrogênica do contexto hospitalar. O psicólogo precisa estabelecer atitudes facilitadoras que permitam ao paciente identificar sua queixa principal, implicar-se na demanda e mobilizar recursos próprios de enfrentamento¹⁶.

A PB aplicada ao contexto hospitalar pressupõe a apreensão de informações relacionadas à história pessoal e familiar e à história da doença⁷. No caso do terapeuta rogeriano, seria útil registrar as potencialidades, vulnerabilidades (determinantes sociais), suporte social, conflitos, papéis e dinâmica do sistema familiar, bem como a experiência de adoecimento, ou seja, quando a doença começou a se manifestar, como evoluiu, quais os impactos para a vida atual e quais os significados atribuídos à doença, hospitalização e tratamento. Pode-se incluir também o itinerário terapêutico na rede de cuidado.

É preferível que a maioria das informações surja espontaneamente da própria narrativa do paciente e seja apenas registrada pelo terapeuta para contribuir na melhor compreensão e reflexão do caso. As perguntas exploratórias do terapeuta que visem obter dados suplementares, verificar ou aprofundar um tema, de certo modo, sugestionam o paciente a examinar mais de perto determinados aspectos do problema. Porém, o terapeuta rogeriano busca a acolhida e o acompanhar, ao invés da iniciativa e do guiar.

A avaliação psicológica e o diagnóstico, também, compõem uma das etapas da PB⁷. No entanto, a ACP parte do entendimento que esses elementos não são pré-requisitos para promover mudanças terapêuticas, e que a avaliação externa realizada pelo especialista pode trazer efeitos potencialmente nocivos, pois tende a fortalecer tendências à dependência, a conduzir à desvalorização do eu, a estigmatizar e a fragilizar o sentido da responsabilidade pessoal do cliente¹⁷. Para Rogers¹⁸, o processo terapêutico finaliza quando a dinâmica do comportamento e da personalidade são experimentados e aceitos pelo próprio cliente. Logo, o terapeuta deve criar condições¹⁷ para que o cliente seja capaz de compreender, através de meios próprios, os aspectos do seu modo de funcionamento, relacionamento consigo e com o mundo.

Ao invés de avaliar e diagnosticar, a PB Centrada na Pessoa procede de uma compreensão clínica do caso. Não se trata de classificar ou enquadrar o paciente internado em categorias diagnósticas, mas de compreender como ele se exprime no seu modo de viver. Há incongruência e a percepção plena acerca do eventual desacordo entre o pensar, sentir e agir? Há fluidez entre figura-fundo? Há negação, distorção ou simbolização da experiência? O que pode estar bloqueando a tendência à realização? Como se estrutura o autoconceito? Quais são as necessidades organísmicas e de self? O que pode ser ameaçador à manutenção do self? Tais questionamentos, circunscritos a teoria e prática de Rogers¹⁸, possibilitam ao terapeuta refletir sobre a singularidade do caso e compreender as demandas do paciente¹⁹.

Ressalta-se, porém, que a sobreposição de determinadas doenças orgânicas, os efeitos medicamentosos, procedimentos cirúrgicos, intubação, traumatismos cranianos, abstinência de drogas ou longos períodos em UTI podem desencadear reações psíquicas adversas, alterações de consciência e mudanças de comportamento que precisam ser discutidas com a equipe multiprofissional⁵. Nesses casos, além do acompanhamento psicoterápico, outras intervenções podem ser indicadas como a prevenção de delirium, a reabilitação cognitiva, manejo da dor, estratégias de redução de danos, dentre outras ações.

Uma PB Centrada na Pessoa não pode deixar também de refletir sobre as atitudes do próprio terapeuta. O que exprime as respostas do terapeuta? Suas atitudes facilitadoras são percebidas pelo paciente? Como se sente e se percebe na relação? Responde ao conteúdo ou à comunicação da experiência (significação pessoal) do paciente? Em quais momentos do atendimento, o terapeuta percebe que promoveu insights, reorganização da personalidade e do comportamento? Projeta suas questões no paciente internado? Essas reflexões, baseadas em Rogers¹⁸, são importantes para que o terapeuta perceba formas do seu jeito de ser que impactam diretamente nas reações e nos movimentos existenciais do paciente.

Destaca-se que a PB considera relevante a realização de um planejamento terapêutico, no qual busca-se prever algumas estratégias e intervenções que possam manejar o foco e os pontos de urgência, focais e extra focais, identificados¹¹.

Com efeito, no tópico seguinte, apresenta-se uma proposição de registro e planejamento terapêutico para nortear psicólogos hospitalares que se proponham a trabalhar na perspectiva em tela, baseada nas interfaces de autores⁵,,,,¹¹,¹⁵,¹⁶,¹⁷,¹⁸,¹⁹ da PB ou da ACP. Cada item que compõe a referida proposta deve ser preenchido pelo terapeuta centrado na pessoa, incluindo as informações específicas do caso atendido e dados relacionados aos atos psicológicos realizados nos atendimentos. No item das intervenções, foram descritas e conceituadas cada possibilidade interventiva, de modo que o terapeuta somente deve emprega-las de acordo com a necessidade de cada caso, considerando a fase do processo terapêutico em que o paciente se encontra.


DISCUSSÃO: PROPOSTA DE REGISTRO DE ATENDIMENTO PSICOLÓGICO E ELABORAÇÃO DE PROJETO TERAPÊUTICO NA PB CENTRADA NA PESSOA


1. Motivo da consulta (queixa inicial que impulsiona busca ou necessidade de escuta):
2. História pessoal e familiar (potencialidades, vulnerabilidades e dinâmica familiar):
3. História da experiência de adoecimento (inclui significados atribuídos à doença):
4. Compreensão clínica do caso (modos de funcionamento, necessidades e autoconceito):
5. Reflexões sobre as atitudes do terapeuta centrado na pessoa:
6. Situação-problema (contexto crítico, campo fenomenológico):
7. Foco (área central relacionada à maior tensão entre organismo-ambiente):
8. Intervenções centradas na pessoa (possíveis modalidades de resposta-reflexo¹⁵ e estratégias de psicoterapia breve aplicadas ao foco e à situação-problema⁵,⁸,⁹):
8.1. Reiteração: reprodução exata da comunicação, respeitando o ritmo do paciente e facilitando à tomada de consciência autônoma da experiência vivida. Resume a comunicação, assinala elementos relevantes, promove contração de elementos secundários ou reproduz as últimas palavras de modo a facilitar a continuação da narrativa. Diminui as barreiras defensivas e organiza o fluxo verbal.
8.2. Ampliação perceptiva: cria condições para que o paciente se torne capaz de perceber mais claramente seus pontos de vista próprios sobre o problema e, eventualmente, corrigi-los. Busca-se refletir elementos tácitos (implícitos) e denotados (prováveis) que estão colocados como fundo (nãopercebidos). Trata-se de elementos inerentes às palavras utilizadas pelo paciente, mas que podem não pertencer a sua experiência. Ao refleti-la, o terapeuta leva o paciente a uma explicação própria, à percepção de possíveis discrepâncias entre o que diz e representa, podendo chegar à conclusão que determinados sentimentos não resultam de um acontecimento particular, mas tem uma origem na imagem do eu. Com efeito, o sofrimento psíquico, em larga escala, relaciona-se a uma representação distorcida do que realmente é experimentado.
8.3. Reflexo de sentimentos: descobrir a intenção, atitude ou sentimento inerentes à comunicação manifesta, considerando o contexto da relação e o comportamento não verbal. Acentua a emoção/ sentimento e a situa em sua temporalidade (passado, presente ou futuro). Busca-se identificar a significação pessoal. Para Rogers¹⁸, a emoção sempre facilita ou acompanha o comportamento direcionado a uma meta, sendo importante percebê-la, nomeá-la, discriminá-la e entrar em contato.
8.4. Validar emoções: reconhecer e considerar as emoções do paciente. A tentativa de tranquilizar, aliviar a angústia ou amenizar o problema tende a subestimar ou menosprezar o sofrimento e a intensidade da dor do paciente, pois pressupõe que a sua emoção não é justificada, que o problema não existe ou que não é tão sério como ele o vê.
8.5. Contraste: realizar a inversão da figura-fundo. Ao falar muito do outro, fala de si ou revela algo de si. Contribui para maior implicação e responsabilização da própria pessoa diante da sua situaçãoproblema. Deve atentar-se para não julgar ou criticar.
8.6. Assinalar relações: correlacionar conteúdos, situações ou atitudes relatadas pelo paciente em outro momento do mesmo atendimento ou em sessões distintas.
8.7. Clarificação ou elucidação: aproxima-se da interpretação, utilizando a lógica dedutiva. Afasta-se um pouco do centro da percepção do paciente. Por isso, evita ser categórico.
8.8. Reflexão sobre a interação terapeuta-paciente: contenta-se, de forma autêntica, em dar ao paciente a ocasião de concentrar-se em si mesmo, buscando uma implicação dele quando orienta sua conversação ao terapeuta. O modo de funcionamento do paciente, naturalmente, revela-se na interação com o terapeuta. Ao invés de projetar suas próprias questões, inseguranças, tentativas de reafirmação ou de instruir o paciente, o terapeuta se mantém estritamente no ponto de referência subjetivo do paciente, evitando confronto ou oposição. As forças de resistência, defesa (para proteger a imagem de si) ou agressividade tendem a se transformar em ações construtivas. Com o tempo, o paciente assimila alguns dos princípios da interação terapeuta-paciente (contágio social). Pode haver também uma tendência do paciente de transferir para o terapeuta o encargo de fazer as avaliações e tomar decisões, onde o terapeuta deve mobilizar as capacidades potenciais de solução de problemas experienciais da existência do paciente.
8.9. Reflexão de papeis: reflete a natureza do papel que o paciente desempenha na relação com o outro e com o mundo, de modo a facilitar a identificação das demandas externas (expectativas do outro), suas tendências, possíveis valores introjetados sem correspondência com as necessidades pessoais e as relações entre o eu real e o eu ideal do paciente. Na intercepção da consciência, há evitação de contato, as condições do problema são percebidas como objeto externo e não compreende seu comportamento (ou o considera absurdo), visto que não há clareza no desacordo entre as necessidades organísmicas e do eu¹⁸.
8.10. Reflexão de posições extremadas: o terapeuta reformula ou acentua posições extremadas, palavras auto acusadoras, autodepreciativas ou sentimentos ameaçadores para dar oportunidade ao paciente de examinar as percepções de si. Os elementos se repetem devido à carga intensa das emoções e o terapeuta pode acentuá-los.
8.11. Resposta empática em 1ª pessoa: reformular uma questão do paciente em 1ª pessoa, de modo que o terapeuta faz perguntas e reflexões como se fosse um eco do pensamento próprio paciente.

9. Resolutividade (descrição de cada sessão, incluindo uma análise das etapas e características do processo terapêutico):



CONCLUSÃO

Com implicações para terapias de curta-duração, a ACP pode ser desenvolvida em um serviço de PB, possibilitando uma PB Centrada na Pessoa. Trata-se de uma prática interventiva fronteiriça entre esses campos terapêuticos. Por se tratar de uma possibilidade ainda emergente, não há maiores referenciais teóricos e metodológicos para amparar e comparar tal proposição. Esta deve ser entendida, portanto, como exploratória, parcial e em desenvolvimento. Contudo, ajuíza-se que a potencialidade da proposta está em se apropriar de práticas focais e relacionais consolidadas no campo terapêutico para implicá-las à prática hospitalar, auxiliando na gestão do cuidado e nas supervisões de estagiários e residentes, de forma mais criteriosa.

Conclui-se que a ACP contribui para uma PB menos técnica e mais compreensiva, possibilitando uma atuação hospitalar focada na experiência de adoecimento, e não na doença ou no diagnóstico. Além disso, a ACP traz como diferencial uma prática de PB predominantemente não-diretiva baseada em relações intersubjetivas dialógicas, na reflexão das atitudes do terapeuta, no plano terapêutico mais flexível e no fortalecimento da autonomia dos pacientes/familiares. A PB, por sua vez, favorece uma intervenção da ACP mais adequada às demandas psicológicas do contexto hospitalar e ao tempo de internação. Algumas estratégias interventivas da PB podem ser apropriadas pela ACP quando se alinham as suas principais noções teóricas, assim como os tipos de respostas compreensivas da ACP podem ser utilizadas na PB, conforme discutido nesse estudo.

Como limite, indica-se que caso os profissionais não tenham os domínios teórico e relacionais preconizados pela ACP e PB, terão dificuldades para entender a proposta de uma PB Centrada na Pessoa e sustentá-la em um quadro conceitual-prático. Finalmente, recomenda-se futuros estudos que aprofundem tal quadro e suas implicações para certos tipos de demandas recorrentes no âmbito hospitalar ou no cenário clínico (ampliado). Sugere-se pesquisas interventivas para implementar um serviço de PB Centrada na Pessoa, avaliá-lo e aprimorá-lo.


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Universidade Federal do Ceará, Psicologia - Fortaleza/CE - Brasil

Autor correspondente

Paulo Coelho Castelo-Branco
E-mail: pauloccbranco@gmail.com / E-mail alternativo, de preferência institucional: pauloccbranco@ufc.br

Submetido em: 03/09/2022
Aceito em: 12/05/2023

Contribuições: Andréa Batista de Andrade Castelo-Branco - Conceitualização, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição, Visualização; Paulo Coelho Castelo-Branco - Investigação, Metodologia, Redação -Preparação do original, Redação -Revisão e Edição, Visualização.

 

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