ISSN 1516-8530 Versão Impressa
ISSN 2318-0404 Versão Online

Revista Brasileira de Psicoteratia

Submissão Online Revisar Artigo

Rev. bras. psicoter. 2022; 24(3):131-133



Resenha

Afetos, tormentos e desabafos: histórias em psicoterapia e psiquiatria

Lucia Helena Machado Freitas

 

 




O livro "Afetos, Tormentos e Desabafos: histórias em psicoterapia e psiquiatria"1, de autoria do Dr. Fernando Lejderman, publicado pela Editora ARTMED em 2022, apresenta a trajetória médico-profissional de vários anos do autor, assim como algumas das vivências que ele experimentou com seus pacientes. Ao abordar uma série de casos clínicos que possuem títulos originais ligados à percepção que os pacientes possuem a respeito de si mesmos, o texto revela a extrema sensibilidade de um autor que, além de possuir uma sólida formação humanística ainda exibe a faceta sensível que o caracteriza não somente como pessoa, mas também na condição de médico, psiquiatra e psicoterapeuta de orientação analítica.

O instigante título da obra, "Afetos, Tormentos e Desabafos: histórias em psicoterapia e psiquiatria", remete de imediato à capacidade de escuta e de continência do autor em relação aos seus pacientes. Ao longo da leitura me ocorreu que eu estava diante da comovente história da ligação humana entre Fernado e seus pacientes. A bela ilustração de capa já contém a ideia de que o trabalho abrange a mente de duas pessoas servindo de perfeito estimulo para a agradável e criativa leitura que nos aguarda.

O autor tem a habilidade de colocar em palavras acessíveis os complexos fenômenos do sofrimento psíquico do ser humano, suas possíveis causas e tratamentos. Em meio à sua busca atualizada, incansável e corajosa para aliviar as dores dos pacientes, Fernando consegue transitar com maestria entre os aspectos psicodinâmicos e biológicos das doenças psiquiátricas, bem como pensar em soluções plausíveis e por vezes inusitadas para as mais variadas situações de vida que atormentam seus pacientes.

Na Introdução, Fernando conta a história da extensa coleção de títulos dados para os casos, revelando sua vasta experiência ao longo de vários anos de trabalho. Fernando nos ensina a riqueza de significados atrelados a comunicação inconsciente que estas autodefinições fornecem.

É bem possível que cada leitor de "Afetos, Tormentas e Desabafos: histórias em psicoterapia e psiquiatria" tenha os seus casos favoritos ou aqueles que lhes despertarão maiores reflexões, mas destacarei alguns que chamaram a minha atenção e que servem de exemplo para a abordagem empregada pelo autor em seu trabalho.

Em "Tu me bloqueaste no WhatsApp", a paciente Laura inicia a sessão furiosa, acusando Fernando de tê-la bloqueado no WhatsApp. Ao examinarem o celular de Laura, ambos descobrem que ela havia anotado o telefone dele errado. No entanto, Laura ficara viúva e, em virtude do suposto bloqueio no WhatsApp, externava as angústias, raivas e sentimentos de exclusão decorrentes deste luto. Nas palavras do autor: "A raiva de se sentir excluída do WhatsApp só ficou plenamente estabelecida nas sessões seguintes de psicoterapia, quando me contou mais detalhadamente as perdas econômicas em função do inventário e espólio do marido. E como ele poderia ter sido mais previdente com ela. No fundo de sua dor pela morte dele, também coexistia uma ponta solta de raiva com a questão da vulnerabilidade econômica." (p. 41)

As expressões também constituem uma forma única e produtiva de comunicação entre o terapeuta e cada um de seus pacientes. Em "O poste da Avenida Ipiranga", é contada a história do paciente Miguel, que apresentava um quadro depressivo com risco de suicídio. Ele pensava em jogar o seu carro contra um determinado poste da Avenida Ipiranga localizado em seu trajeto habitual. A atração pelo Poste da Avenida Ipiranga tornou-se uma espécie de termômetro entre Fernando e Miguel para a observação de seu estado mental e ideação suicida. Conforme tão bem escrito pelo autor, ele precisava estar atento se "a luz do Poste da Av. Ipiranga, localizado na saída de uma curva, seguia apagada". (p. 92)

O relato contido em "Sai de Fininho" oferece-nos uma leitura fascinante do tratamento de Jorge Alberto, o qual, realizado durante os anos de 1980 e 2020, acabou acompanhando a própria evolução da História da Psiquiatria. Inicialmente diagnosticado como esquizofrênico, Jorge Alberto me pareceu ter corrido o perigo de se transformar em mais um dos inúmeros pacientes crônicos institucionalizados nos grandes manicômios, se não fosse a sorte de estar acompanhado de Fernando. Por se manter atualizado com as enormes transformações na área da psiquiatria, Fernando persistiu e Jorge Alberto recebeu acertadamente o diagnóstico Transtorno Afetivo Bipolar. Desta forma, foi possível o surgimento de uma outra história de tratamento e de um novo ciclo de vida para Jorge Alberto junto com o seu terapeuta.

Em tempos recentes, tive a satisfação de presenciar, na biblioteca do Centro de Estudos Luís Guedes, os alunos de residência de psiquiatria à procura do livro do Fernando para responder suas dúvidas e anseios, o que demonstra a contribuição da obra para os estudantes e profissionais do futuro. Ao estabelecer um diálogo aberto e sincero com seus leitores, o autor proporciona uma imersão em seu modo de trabalhar transformando as suas experiências pessoais em uma forma generosa de ajudar seus pacientes.

"Afetos, Tormentas e Desabafos: histórias em psicoterapia e psiquiatria" é uma leitura que nos captura de capa a capa sem intervalos, fornecendo uma oportunidade para que psiquiatras, psicanalistas, estudantes de medicina, professores em suas aulas e interessados na área possam aprender com o autor a se tornarem profissionais mais completos.


REFERÊNCIAS

1. Lejderman F. Afetos, tormentos e desabafos: histórias em psicoterapia e psiquiatria. Porto Alegre: Artmed;










Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)/Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal. Hospital de Clinicas de Porto Alegre. - Porto Alegre/RS - Brasil

2022. Submetido em: 05/11/2022
Aceito em: 28/11/2022

 

artigo anterior voltar ao topo próximo artigo
     
artigo anterior voltar ao topo próximo artigo