Rev. bras. psicoter. 2022; 24(3):113-129
Brito JCS, Júnior EGS, Eulálio MC. Agravos à saúde mental de mulheres em situação de violência doméstica. Rev. bras. psicoter. 2022;24(3):113-129
Artigo de Revisao
Agravos à saúde mental de mulheres em situação de violência doméstica
Damage to mental health of women in situation of domestic violence
Agravios a la salud mental de mujeres en situación de violencia doméstica
Joana Chistina de Souza Brito; Edivan Gonçalves da Silva Júnior; Maria do Carmo Eulálio
Resumo
Abstract
Resumen
INTRODUÇÃO
A violência é uma grave violação dos direitos humanos que atinge cerca de um terço das mulheres, no mundo, e um grave problema de saúde pública, visto que lhes causa problemas de saúde física, mental, sexual e reprodutiva. Os problemas da violência repercutem em toda a sociedade e geram altos custos sociais, econômicos e de saúde, pois, além desses agravos à saúde, causa isolamento, incapacidade laboral e, consequentemente, desemprego. Por essa razão, a capacidade de cuidar de si mesmas e de seus filhos é reduzida1.
De acordo com a pesquisa 'Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil', realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2019, 29% das mulheres sofreram violência ou agressão. De cada dez mulheres, quase três sofreram ou sofrem violência. Porém a violência que ocorre dentro de casa é a que atinge a maioria das mulheres (42%), isso representa que 12,18% da população total de mulheres sofre com violência doméstica (VD). A violência é cometida, em 76,4% dos casos, por conhecidos; 39% são parceiros e ex-parceiros, e 12%, namorados2. Ademais, os indicadores nacionais de registros da VD contra mulheres apontam diferenças discrepantes entre os estados brasileiros divididos entre as cinco regiões. Na Paraíba, 2.002 casos de violência doméstica foram registrados no ano de 2018. Em relação aos casos de feminicídio, o estado registrou 34 do total de 1.206 casos ocorridos em 2018 no país3.
As diferenças entre os números de registros realizados nas diferentes regiões do país podem ser reflexo da variabilidade entre os níveis de violência, também podem estar relacionados de forma mais direta às condições que as mulheres apresentam para acessar a justiça para romper com a violência, outra hipótese levantada refere-se a fatores que emergem da cultura local e da qualidade dos serviços prestados nas diferentes localidades que podem interferir nos processos de acesso e de busca pelos serviços de proteção4.
Devido ao número elevado de casos de violência e de mortes de mulheres no país, foi criada a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), amplamente conhecida em todo o país, como resultado do esforço de movimentos sociais, sobretudo o de mulheres, e do reconhecimento por parte dos poderes públicos. De acordo com o artigo 5º da Lei Maria da Penha, a violência doméstica e familiar contra a mulher é
qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I -no âmbito da unidade doméstica; II - no âmbito da família...; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação5.
"A violência afetou minha vaidade, muito negativo e até assim há um tempo eu vivo esse sentimento de quando eu coloco um vestido, um sapato bonito e batom, eu me sinto envergonhada, em vez de levantar a autoestima, eu acho que não tenho o direito de ser bonita." (41 anos, divorciada, branca, superior completo, empregada).
"Mexeu com minha autoestima. Me acho burra, coisas que ficou na minha cabeça que ele (marido) dizia comigo (choro). Afetou meu modo de me ver, assim tem hora que eu digo 'já que sou gorda', agora vou comer mais pra ficar logo gorda e feia." (Jasmine) (44 anos, divorciada, branca, fundamental incompleto, desempregada).
"Eu penso, mulher, que eu tenho algum distúrbio em relação a isso, porque tem hora que eu sou muito volúvel, penso uma hora uma coisa depois outra, tenho que ter a opinião de uma pessoa sempre. Me sinto insegura com as coisas, não acho que isso é totalmente normal." (39 anos, casada, branca, médio completo, desempregada).
"A capacidade de ser dona de casa, trabalhar e resolver as coisas não estou conseguindo. Tem muita coisa na minha mente. Me ver uma mulher desempregada, que tem que arcar com tudo sozinha, não tenho ninguém e com contas atrasadas. No começo desse mês, eu quis tomar veneno, porque eu me vi sozinha, mas me apeguei com Deus e li a Bíblia". (Azaleia) (35 anos, casada, parda, superior completo, empregada).
"As coisas que ele falava, tipo assim, me denegrindo com calúnia e difamação. Eu estou vivendo isso tudo sem apoio, estou vivendo só eu e Deus somente. Devido a tudo isso que relatei, teve a tentativa de suicídio com overdose de medicamentos para depressão e fiquei internada três dias na emergência psiquiátrica." (41 anos, divorciada, negra, fundamental completo, desempregada).
"Só tenho atendimento para a saúde física pelo posto. A saúde mental não, porque émuito difícil, sabe? Quando você chega nessas unidades de saúde e relata questõespsicológicas é bem mais complexo ter vaga." (Orquídea) (33 anos, solteira, negra,médio completo, desempregada)."No posto lá perto de casa, não tem psicólogo e é difícil marcar com o médicoespecialista. Eu até penso que se fizesse um tratamento eu conseguiria viver melhor."(Rosa) (27 anos, casada, branca, superior incompleto, desempregada).
"Eu até consigo ser atendida na saúde mental, mas eu não sou muito de acordo com o tipo de serviço que eles estão oferecendo lá. Eu precisei de atendimento no CAPS e ver toda aquela situação não gostei, não me vejo buscando lá." (44 anos, divorciada, branca, fundamental incompleto, desempregada).
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