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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2022; 24(3):113-129



Artigo de Revisao

Agravos à saúde mental de mulheres em situação de violência doméstica

Damage to mental health of women in situation of domestic violence

Agravios a la salud mental de mujeres en situación de violencia doméstica

Joana Chistina de Souza Brito; Edivan Gonçalves da Silva Júnior; Maria do Carmo Eulálio

Resumo

Objetivou-se analisar os efeitos percebidos na saúde mental de mulheres que se encontram em situação de violência doméstica. Trata-se de um estudo qualitativo, do qual participaram 19 mulheres em situação de violência doméstica e com agravos na saúde mental, atendidas no Centro de Referência da Mulher em um município do nordeste brasileiro. Os instrumentos utilizados foram: o Self-Reporting Questionnare (SRQ20), um questionário sociodemográfico e entrevista semiestruturada. Houve relatos de exaustão emocional constatada pelo medo, pelo choro excessivo, pela agressividade e pela tristeza constante, além da diminuição da autoestima, que causou insegurança, sentimento de impotência e desvalorização de si mesmas. Algumas participantes associaram esses sintomas a psicopatologias (depressão, ansiedade e loucura). Os serviços de saúde devem disponibilizar atendimento especializado para as mulheres em situação de violência, a fim de que possam ser realizadas intervenções específicas no campo da saúde mental.

Descritores: Saúde mental; Violência contra a mulher; Atenção à saúde

Abstract

The objective was to analyze the perceived effects on the mental health of women who are in situation of domestic violence. This is a qualitative study, in which 19 women in situation of domestic violence and with mental health problems participated, attended at the Women's Reference Center in a city in northeastern Brazil. The instruments used were: the Self-Reporting Questionnare (SRQ-20), a sociodemographic questionnaire and semi-structured interview. There were reports of emotional exhaustion verified by fear, excessive crying, aggression and constant sadness, in addition to decreased self-esteem, which caused insecurity, helplessness and self-depreciation. Some participants associated these symptoms with psychopathologies (depression, anxiety and madness). Health services must provide specialized care for women in situations of violence, so that specific interventions in the field of mental health can be carried out.

Keywords: Mental health; Violence against women; Delivery of health care

Resumen

Se objetivó analizar los efectos percibidos en la salud mental de mujeres que se encuentran en situación de violencia doméstica. Se trata de un estudio cualitativo, en lo cual participaron 19 mujeres en una situación de violencia doméstica y con problemas de salud mental, atendidas en el Centro de Referencia de la Mujer en un municipio del noreste brasileño. Los instrumentos utilizados para recolectar los datos fueron: el Self-Reporting Questionnare (SRQ-20), cuestionario sociodemográfico y entrevista semiestructurada. Hubo relatos de agotamiento emocional constatado por: el miedo, el llanto, la agresividad, la tristeza constante y también, disminución de la autoestima, lo que causó inseguridad, sentimiento de impotencia y desvaloración de uno mismo. Los servicios de salud deben ofrecer atención especializada para mujeres que estén en situación de violencia, con el fin de que se alcance realizar intervenciones específicas en el campo de la salud mental.

Descriptores: Salud mental; Violencia contra la mujer; Atención a la salud

 

 

INTRODUÇÃO

A violência é uma grave violação dos direitos humanos que atinge cerca de um terço das mulheres, no mundo, e um grave problema de saúde pública, visto que lhes causa problemas de saúde física, mental, sexual e reprodutiva. Os problemas da violência repercutem em toda a sociedade e geram altos custos sociais, econômicos e de saúde, pois, além desses agravos à saúde, causa isolamento, incapacidade laboral e, consequentemente, desemprego. Por essa razão, a capacidade de cuidar de si mesmas e de seus filhos é reduzida1.

De acordo com a pesquisa 'Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil', realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2019, 29% das mulheres sofreram violência ou agressão. De cada dez mulheres, quase três sofreram ou sofrem violência. Porém a violência que ocorre dentro de casa é a que atinge a maioria das mulheres (42%), isso representa que 12,18% da população total de mulheres sofre com violência doméstica (VD). A violência é cometida, em 76,4% dos casos, por conhecidos; 39% são parceiros e ex-parceiros, e 12%, namorados2. Ademais, os indicadores nacionais de registros da VD contra mulheres apontam diferenças discrepantes entre os estados brasileiros divididos entre as cinco regiões. Na Paraíba, 2.002 casos de violência doméstica foram registrados no ano de 2018. Em relação aos casos de feminicídio, o estado registrou 34 do total de 1.206 casos ocorridos em 2018 no país3.

As diferenças entre os números de registros realizados nas diferentes regiões do país podem ser reflexo da variabilidade entre os níveis de violência, também podem estar relacionados de forma mais direta às condições que as mulheres apresentam para acessar a justiça para romper com a violência, outra hipótese levantada refere-se a fatores que emergem da cultura local e da qualidade dos serviços prestados nas diferentes localidades que podem interferir nos processos de acesso e de busca pelos serviços de proteção4.

Devido ao número elevado de casos de violência e de mortes de mulheres no país, foi criada a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), amplamente conhecida em todo o país, como resultado do esforço de movimentos sociais, sobretudo o de mulheres, e do reconhecimento por parte dos poderes públicos. De acordo com o artigo 5º da Lei Maria da Penha, a violência doméstica e familiar contra a mulher é


qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I -no âmbito da unidade doméstica; II - no âmbito da família...; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação5.


A Lei Maria da Penha possibilitou a sistematização de políticas públicas de prevenção, de atendimento e de enfrentamento da violência contra a mulher e garantiu às mulheres mais proteção e seus direitos, a partir da mudança na legislação e da criação de espaços de atendimento a mulheres em situação de violência. Uma dessas políticas que essa lei estabeleceu foi a criação por parte da União, dos Estados e dos Municípios de centros de atendimento a mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Os Centros de Referência de Atendimento à Mulher (CRAM) são espaços de acolhimento e de atendimento social, psicológico e jurídico voltados para essas mulheres, visando estimulá-las a superar a violência e a se fortalecer para resgatar a cidadania6.

Embora o surgimento dessas políticas públicas tenha possibilitado avanços, no Brasil, os casos de violência contra a mulher continuam crescendo, sobretudo, porque predominam na sociedade o machismo e o patriarcado, que reforçam a ideia de que o homem deve controlar e dominar a mulher. De acordo com Saffioti7, a violência contra a mulher é consequência da dominação patriarcal e da ideologia machista, sendo esses mantidos dos pelo sistema capitalista que estabelece uma relação desigual entre homens e mulheres, onde estas estão sujeitas a submissão e exploração dos homens.

Em decorrência da VD cometida contra as mulheres, a literatura corrente sobre o tema aponta de maneira significativa os danos causados à sua saúde física e psicológica. Cabe salientar que ainda é insuficiente o número de pesquisas que se debruçam sobre os efeitos cometidos à saúde mental de mulheres, pois muitos estudos focam na tipologia da violência, no levantamento do perfil das mulheres vítimas, nos fatores de risco e de proteção, outras pesquisas não acessam diretamente as usuárias dos serviços especializados como os centros de referência da mulher8.

Segundo Caba et al.9, são várias as consequências psicológicas causadas pela violência doméstica, que tornam as mulheres ainda mais vulneráveis e dificultam o rompimento do ciclo de violência. Os principais danos psicológicos são: alterações adaptativas, redução da autoestima, transtorno de humor (estado depressivo) e estresse pós-traumático, que variam de moderado a grave e podem causar incapacidade permanente e irreparável nas mulheres maltratadas9. Em relação a esses agravos à saúde mental, a Psicologia pode contribuir ajudando as mulheres em situação de violência a resgatarem o empoderamento psíquico, a autonomia e o crescimento pessoal, através da ressignificação dos processos de violência e do resgate da autoestima. Dessa forma, elas poderão fazer novas escolhas e reconstruir suas vidas10.

Posto isso, a presente pesquisa objetivou analisar os efeitos percebidos à saúde mental de mulheres vítimas de violência doméstica atendidas num centro de referência da mulher com vistas a oferecer uma discussão de danos causados neste âmbito da saúde. Os dados aqui debatidos visam estimular a implementação de políticas públicas que possam incluir nas estratégias de proteção à mulher uma atenção especializada na promoção da saúde mental, o que requer o acompanhamento dessas mulheres junto a uma rede de cuidados continuados e intersetorial, visto que as demandas dessas mulheres extrapolam os limites das atividades propostas nos centros de referência da mulher.


MÉTODO

Trata-se de um estudo qualitativo, do tipo descritivo e exploratório.

Amostra

Participaram da pesquisa 19 mulheres em situação de VD, usuárias de um Centro de Referência de Atendimento à Mulher no Estado da Paraíba. Os CRAMs oferecem atendimento psicossocial e jurídico à mulher em situação de violência e seguem uma Norma Técnica de Uniformização elaborada pela Secretaria de Políticas para as Mulheres11. Por essa razão, o local escolhido para a pesquisa foi um Centro Estadual de Referência da Mulher, que atende a mulheres que sofrem VD residentes na cidade de Campina Grande-PB e nos demais municípios circunvizinhos.

A amostra foi selecionada de forma não probabilística, por acessibilidade. As usuárias do serviço, depois de passarem pelos atendimentos psicossociais realizados pelas técnicas do serviço (assistente social, advogada, psicóloga e educadora social), aceitaram participar da pesquisa. Foram incluídas as mulheres com idade mínima de 18 anos, em situação de VD e que tiveram escore indicativo de transtorno mental comum (TMC), segundo a avaliação do Self-Reporting Questionnare (SRQ-20). O critério de exclusão foi as mulheres que não estivessem em condições físicas ou emocionais de responder aos instrumentos da pesquisa.

Instrumentos

Para coletar os dados, foram empregados os seguintes instrumentos: um questionário sociodemográfico, o Self-Reporting Questionnare (SRQ-20) e uma entrevista semiestruturada. O questionário sociodemográfico e o roteiro de entrevista foram elaborados pelas autoras da pesquisa. O questionário sociodemográfico foi utilizado para traçar um perfil das participantes. As questões estruturadas investigavam sobre a idade, o nível de escolaridade, a etnia, a situação no mercado de trabalho, o arranjo familiar, a relação com o(a) agressor(a), o tipo de violência sofrida e o uso de psicotrópico.

O Self-Reporting Questionnare (SRQ-20) foi utilizado para detectar a presença de transtorno mental comum (TMC). É um teste desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) utilizado em estudos de populações para mensurar possíveis casos de transtornos mentais. Essa escala contém 20 itens dicotômicos. A pontuação total pode ir de 0 a 20. Na validação do SRQ -20 para o Brasil, propõe-se que, nas pesquisas aplicadas para mulheres, sejam utilizados escores acima de oito ou iguais 12. Assim, o ponto de corte utilizado nesta pesquisa foi de oito ou mais pontos (escore >= 8) para investigar se havia TMC. Quanto a entrevista semiestruturada, esta foi utilizada para apreender a percepção das usuárias sobre o desenvolvimento de acometimentos a sua saúde mental e verificar como elas ingressam nos serviços para tratar os possíveis agravos.

Procedimentos

A primeira etapa (em que foram aplicados o questionário sociodemográfico e o Self-Reporting Questionnare/SRQ-20) constou de 30 participantes. Dessas 30 foram selecionadas 23, que atingiram o ponto de core >=8 no SRQ-20, positivo para TMC. Dentre as 23 selecionadas, quatro se recusaram a participar da segunda etapa (participar da entrevista semiestruturada), portanto, a amostra final foi composta de 19 participantes.

Nessa segunda etapa, foi aplicada a entrevista semiestruturada, com as seguintes perguntas acerca do objeto de estudo 'saúde mental e violência doméstica': 'O que a senhora entende por saúde mental?', 'Tem observado alguma mudança de ordem emocional ou psicológica na senhora?', 'De que forma a violência afetou sua vida?', 'A senhora é atendida em algum serviço de saúde para tratamento da sua saúde mental?'.

Os instrumentos foram aplicados pela pesquisadora no período de setembro a novembro de 2019. As entrevistas foram gravadas com o consentimento das participantes e, posteriormente, transcritas. Visando manter o anonimato das entrevistadas, foram atribuídos nomes de flores para identificar suas falas.

A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e aprovada sob o número 3.557.438 (CAAE/18834619.0.0000.5187). Foram respeitados todos os procedimentos éticos em pesquisas em seres humanos preconizados pela Resolução 466/2012 referente à ética na pesquisa com seres humanos. Todas as participantes da pesquisa receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), para assinar e confirmar a participação voluntária na pesquisa, com as devidas orientações sobre a possibilidade de desistir de participar sem que isso acarretasse qualquer prejuízo ou problemas para elas.

Análise dos dados

Para caracterizar as mulheres, foram calculadas as estatísticas descritivas (média e desvio-padrão) e distribuídas as porcentagens. Os dados qualitativos da pesquisa foram analisados por meio da Análise de Conteúdo Categorial Temática proposta por Bardin13. A análise categorial foi feita com base no texto da transcrição da entrevista, na qual foi realizado o desmembramento do texto, isto é, um recorte em unidades de registro e classificado em categorias. No final, os resultados dessa análise foram interpretados.


RESULTADOS E DISCUSSÃO

A partir dos dados sociodemográficos, foi possível traçar o seguinte perfil das participantes: em geral, são mulheres com média de idade de 38,36 anos (de 21 a 62 anos; DP=10,34); 58% delas declararam-se brancas, com média de 2,0 filhos (0 a 5 filhos, DP=1,37); 55% cursaram o ensino médio; 63% estavam desempregadas, e 89% sofreram agressão por parte de pessoas com as quais mantiveram uma relação amorosa (cônjuge, namorado e ex). Quanto aos tipos de violência, todas as participantes (100%) disseram que sofreram violência psicológica; 67%, violência física; 60%, violência patrimonial; 37%, violência sexual; e 30%, violência moral. Todas elas sofreram diferentes tipos de violência ao mesmo tempo. Sete participantes (38,84%) faziam uso regular de psicotrópicos.

As percepções relatadas pelas participantes, no tocante à sua saúde mental, resultaram em cinco categorias de análise: exaustão emocional; redução da autoestima; identificação com psicopatologias, risco de suicídio, busca pelos serviços de saúde e cuidados com a saúde.

Exaustão emocional

Diante de um evento traumático, como, por exemplo, a violência intrafamiliar, o indivíduo pode desenvolver desequilíbrios emocionais que interfiram no funcionamento ou na qualidade de sua vida. Como consequência, poderá ser afetado por transtornos graves14.

Para as participantes desta pesquisa, a exaustão emocional foi constatada por meio dos seguintes sintomas: desequilíbrio emocional, agressividade, medo e choro excessivo. A exaustão emocional foi mencionada por 47% das participantes, que relataram que sua saúde mental estava abalada, perturbada, debilitada e esgotada. Essa assertiva pode ser verificada nesta fala de Rosa: "Me sinto esgotada, como se as coisas não fossem fluir. Saúde mental é poder desenvolver suas atividades, é ter a vontade de acordar e ter um novo dia, mas eu não sinto mais essa vontade." (27 anos, casada, branca, superior incompleto, desempregada).

Nas mulheres, a violência gera um significativo desequilíbrio emocional, que é percebido, principalmente, em suas relações sociais, sobretudo, no trabalho e na família. No núcleo familiar, geralmente são os filhos que mais sofrem com o desequilíbrio emocional da mulher 15. Isso foi observado em algumas participantes, como Margarida que declarou: "Estou muito confusa, eu perdi o equilíbrio. Meus filhos, até com meus filhos gerou violência, eu falo gritando pra eles me escutarem, porque eu escuto grito, até com os meninos eu grito." (39 anos, casada, branca, médio completo, desempregada). A mulher que sofre violência pode transferir a violência para os filhos, de forma involuntária, e isso pode contribuir para manter esse tipo de violência quando os filhos ficam adultos16.

Outro sintoma dessa exaustão emocional das participantes foi o medo, pois 63% delas disseram que sentem algum tipo de medo. A fala de Girassol confirma essa assertiva: "Tudo é medo e pânico... medo das coisas. Se eu estou no ônibus, eu tenho medo, se estou na rua, eu acho que alguém vai me pegar e fazer alguma coisa comigo. Medo dessa violência que eu sofri em casa." (27 anos, união estável, parda, médio completo, empregada).

O medo é um dos obstáculos para superar a violência. Por causa dele, muitas mulheres não procuram ajuda com medo de ser julgadas, das ameaças dos parceiros e de serem vítimas de violência por parte de outras pessoas. O medo vivenciado pelas mulheres em situação de violência se deve, em parte, à falha das políticas públicas de proteção, que deveriam reforçar a segurança das mulheres e lhes garantir o direito de não sofrer violência17.

A reação de medo leva muitas mulheres a não levar adiante as denúncias contra os seus agressores. Dados apresentados na edição de 2017 da Pesquisa Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher18, realizada pelo DataSenado, apontam que o percentual de mulheres que afirmou não ter tomado qualquer atitude após a última agressão sofrida passou de 15% em 2013 para 27% em 2017. Os dados são reforçados na edição de 201919 da mesma pesquisa do DataSenado que aponta que quase sete em cada 10 mulheres brasileiras acreditam que a Lei Maria da Penha não as proteja contra a violência doméstica e familiar (21%), ou que as proteja apenas em parte (47%).

Outro sintoma compreendido como uma exaustão emocional é o choro excessivo ou sem causa aparente de muitas das participantes. O choro constante é notado na fala de Hortência: "Eu choro muito, tipo... estou com um paciente aí eu tenho que ir ao banheiro chorar." (41 anos, divorciada, branca, superior completo, empregada). Segundo Lejderman e Bezerra20, o choro pode aliviar as tensões e contribuir para a recuperação psicológica depois de uma situação de aflição. Portanto, chorar pode ser entendido como o ato de liberar o sofrimento psíquico causado por estados emocionais, como medo, tristeza, raiva, solidão, decepção e dor20.

Redução da autoestima

A pesquisa constatou que 37% das participantes disseram que a violência lhes afetou a autoestima, como mostra esta fala de Hortência:


"A violência afetou minha vaidade, muito negativo e até assim há um tempo eu vivo esse sentimento de quando eu coloco um vestido, um sapato bonito e batom, eu me sinto envergonhada, em vez de levantar a autoestima, eu acho que não tenho o direito de ser bonita." (41 anos, divorciada, branca, superior completo, empregada).


Um estudo realizado com onze mulheres atendidas na Delegacia da Mulher, do município de Campina Grande - Brasil, que teve como objetivo investigar o impacto na autoestima de mulheres vítimas de violência, indicou que a violência trouxe sequelas à saúde mental das mesmas. Dentre esses agravos destacam-se sentimento de inferioridade, perda da identidade, insatisfação com a imagem, angústia, revolta e redução da autoestima, o que pode, segundo as autoras, desencadear nelas quadros depressivos21.

Segundo Silva e Monteiro22, a violência doméstica prejudica tanto o estado psicológico da mulher que ela sente dificuldade de mudar sua realidade, porque seus pensamentos são influenciados pelo assédio e pela agressão constantes do agressor. As autoras consideram que a atuação do psicólogo é muito importante para que a mulher consiga romper o vínculo com o agressor, porquanto o atendimento psicológico possibilita que ela resgate a autoestima e recupere sua condição de sujeito20. A influência do agressor no psiquismo da mulher gera sentimento de desvalia:


"Mexeu com minha autoestima. Me acho burra, coisas que ficou na minha cabeça que ele (marido) dizia comigo (choro). Afetou meu modo de me ver, assim tem hora que eu digo 'já que sou gorda', agora vou comer mais pra ficar logo gorda e feia." (Jasmine) (44 anos, divorciada, branca, fundamental incompleto, desempregada).


O acolhimento psicológico é importante para o tratamento de problemas mentais, porque possibilita que as mulheres em situação de violência falem sobre seus medos, sentimentos e desejos e façam as próprias escolhas. Nesse espaço de escuta qualificada, elas se sentem acolhidas e empoderadas para romper o ciclo de violência, encontrar novos caminhos para suas vidas e resgatar a autoestima23.

Identificação com psicopatologias

Houve a identificação com psicopatologias por parte de 42% das participantes; 37% delas foram diagnosticadas pelos profissionais da saúde que as atenderam com algum distúrbio mental, principalmente, depressão, ansiedade e síndrome do pânico. Em 5%, houve a identificação com algum distúrbio mental e, até mesmo, loucura, sem que houvesse qualquer diagnóstico feito por especialista. A identificação com uma psicopatologia sem o diagnóstico do profissional da saúde, está expressa na fala da participante Margarida:


"Eu penso, mulher, que eu tenho algum distúrbio em relação a isso, porque tem hora que eu sou muito volúvel, penso uma hora uma coisa depois outra, tenho que ter a opinião de uma pessoa sempre. Me sinto insegura com as coisas, não acho que isso é totalmente normal." (39 anos, casada, branca, médio completo, desempregada).


As mulheres vítimas de violência têm mais tendência a desenvolver transtorno de humor depressivo e de ansiedade ao longo da vida. Os principais sintomas são dificuldade de pensar, de trabalhar e de tomar decisões, tristeza, nervosismo, insônia, má digestão, perda do apetite e tremores nas mãos24. Nesta pesquisa, a depressão e a ansiedade foram mencionadas por algumas das participantes como psicopatologias que elas identificam em si mesmas. Outras disseram que esses transtornos foram diagnosticados por profissionais que elas consultaram. O diagnóstico de depressão dado por um profissional é citado neste relato de Azaleia: "Pra mim, saúde mental seria ter bons pensamentos, pensar em coisas boas, mas eu só penso em coisas negativas. Essa angústia aqui dentro de mim, esse medo, a falta de vontade pra tudo... Eu tenho depressão." (35 anos, casada, parda, superior completo, empregada).

Em seu depoimento, Amarílis conta como a ansiedade afeta sua saúde: "Outra vez minha pressão subiu, fui pra UPA, mas o médico disse que era ansiedade." (25 anos, união estável, negra, médio completo, desempregada).

A tristeza é um dos indicadores do estágio inicial de depressão. Identificar esse sentimento é importante para constatar sujeitos mais vulneráveis a desenvolver transtornos mentais e estratégias de intervenção precoce25. A tristeza esteve presente no discurso das participantes, como podemos ver na fala de Jasmine: "Sempre presente o sentimento de tristeza. Nessa fala de Jasmine, fica claro o sentimento de tristeza persistente nela. (44 anos, divorciada, branca, fundamental incompleto, desempregada).

Na mulher agredida, a tristeza ou sensação de melancolia parece refletir a insatisfação com a violência e o sentimento de que essa situação não vai mudar. Quando ela ousa expressar o que pensa e se nega a fazer algo em que não acredita, fica sujeita a sofrer acusações de histeria e de loucura 26. Certamente por não aceitarem a violência que sofreram e expressar aos seus agressores sua insatisfação com essa situação, foram apontadas como loucas/doidas, e de tanto ouvir isso, absorveram a ideia de que estavam loucas. A loucura foi mencionada por algumas das participantes, como Camélia, que disse: "Às vezes, penso que estou louca, que estou me tornando bipolar. Eu acho que já escutei tantas vezes que sou louca que tem um problema comigo. Eu ouvia muito do meu ex-companheiro." (62 anos, divorciada, parda, médio completo, desempregada).

A postura abusiva por parte de seus agressores compreenda o gaslighting, agressão que ocorre de forma sutil à mulher, em cujos atos revelam-se formas veladas de manipulação, enganações, distorções da realidade e de informações, criação de situações que acabam confundindo as mulheres para esconder e amenizar o desrespeito a agressividade e a toxidade da relação estabelecida. Percebe-se no contexto clínico que o fenômeno do gaslighting reverbera numa forma de abuso psicológico baseado na promoção de faltas informações apresentadas às vitimas com o intuito de fazê-las duvidar da sua sanidade mental27.

Ao longo da História, a mulher era considerada louca sempre que contrariava o padrão normativo imposto de submissão aos desejos dos homens. Para Silva e Garcia 28, atualmente, essa visão ainda é reforçada pelos meios de comunicação que, por vezes, reduzem o valor da mulher a mero objeto sexual e a estigmatizam como histérica ou que tem algum distúrbio mental. Isso ocorre sempre que os argumentos machistas e sexistas são contrariados25.

Risco de suicídio

O risco de suicídio foi mencionado por 42% das participantes do estudo (ideação suicida e tentativa de suicídio). As razões que elas deram para pensar em suicídio e, até mesmo, tentar cometê-lo foram provenientes do sofrimento que sentiam por causa da violência a que eram submetidas por medo do agressor, por se sentirem sozinhas, sem apoio, por terem dificuldades de se manter financeiramente e pela sensação de impunidade para ele.


"A capacidade de ser dona de casa, trabalhar e resolver as coisas não estou conseguindo. Tem muita coisa na minha mente. Me ver uma mulher desempregada, que tem que arcar com tudo sozinha, não tenho ninguém e com contas atrasadas. No começo desse mês, eu quis tomar veneno, porque eu me vi sozinha, mas me apeguei com Deus e li a Bíblia". (Azaleia) (35 anos, casada, parda, superior completo, empregada).


Segundo Trevisan29, o motivo que leva as mulheres a tentarem o suicídio não é o desejo de se destruir, mas de acabar com a realidade difícil em que vivem, causada, muitas vezes, pela condição de gênero que as deixa mais vulneráveis à violência doméstica e à sexual. Por isso acabam utilizando métodos que podem refletir como uma solução subjetiva para o sofrimento, devido ao sentimento de devastação decorrente da violência29. Um desses métodos que elas utilizam com frequência é a overdose de medicamentos. No depoimento de Isis, isso fica bem claro:


"As coisas que ele falava, tipo assim, me denegrindo com calúnia e difamação. Eu estou vivendo isso tudo sem apoio, estou vivendo só eu e Deus somente. Devido a tudo isso que relatei, teve a tentativa de suicídio com overdose de medicamentos para depressão e fiquei internada três dias na emergência psiquiátrica." (41 anos, divorciada, negra, fundamental completo, desempregada).


Estudo exploratório-descritivo realizado por Correa et al.30, com dez mulheres com histórico de VD e tentativa de suicídio, acompanhadas pelo Núcleo de Estudos e Prevenção do Suicídio (Neps), indicou que o suicídio é visto, muitas vezes, pela vítima de VD como a única possibilidade de acabar com o terrível sofrimento que sentem. Por isso alguns sinais devem ser observados pelos profissionais de saúde nas mulheres que sofreram VD, como depressão (cujos principais sintomas são choro excessivo, baixa autoestima e apatia) e comportamento suicida (sintomas de rigidez de pensamento, impulsividade e pensamento de morte), porque esses comportamentos depressivos e suicidas podem evoluir para a ideação suicida, e o histórico de violência é um indicador valioso para avaliar o risco de cometer suicídio29.

Busca pelos serviços de saúde e cuidados com a saúde

Quando indagadas sobre se haviam procurado algum serviço de saúde para tratar alguns dos sintomas que mencionaram, 82% das participantes afirmaram que procuraram por serviços de saúde. Contudo, apenas 42% eram atendidas, e a maioria (58%), não. Poucas não procuraram os serviços de saúde porque pensavam que, sozinhas, conseguiriam melhorar dos sintomas (18%).

Quanto aos motivos pelos quais não eram atendidas em serviços de saúde para se submeter a tratamento da saúde mental, as participantes responderam que não encontraram vagas (46%); que faltavam profissionais especializados nos serviços públicos de saúde (18%); e insatisfação com atendimentos anteriores (18%). Esses motivos podem ser verificados nas falas a seguir:


"Só tenho atendimento para a saúde física pelo posto. A saúde mental não, porque émuito difícil, sabe? Quando você chega nessas unidades de saúde e relata questõespsicológicas é bem mais complexo ter vaga." (Orquídea) (33 anos, solteira, negra,médio completo, desempregada)."No posto lá perto de casa, não tem psicólogo e é difícil marcar com o médicoespecialista. Eu até penso que se fizesse um tratamento eu conseguiria viver melhor."(Rosa) (27 anos, casada, branca, superior incompleto, desempregada).


A maioria das participantes percebe a necessidade do tratamento para a sua saúde fragilizada, e quando procuram os serviços de saúde, muitas vezes, não encontram vagas, e quando encontram, não há profissionais especializados. Em seus relatos, Orquídea e Rosa deixam claro que têm dificuldade de conseguir atendimentos com profissionais especializados em saúde mental, sobretudo, psicólogos, nos serviços da atenção primária. Esse dado indica que é difícil inserir o profissional de Psicologia nesse nível de atenção à saúde. Para Alves et al.31, as intervenções do psicólogo na Atenção Primária devem pautar-se no conhecimento do perfil saúdeenfermidade da comunidade, a fim de promover saúde e prevenir doenças, com suas práticas interdisciplinares e multiprofissionais, e a Psicologia da Saúde tem muito a contribuir nas diferentes práticas de psicólogos em todos os níveis da atenção à saúde32.

Os serviços da Atenção Primária são uma das principais portas de entrada das vítimas de VD, porque possibilitam mais acessibilidade e assistência continuada a grande parte da população e são um espaço ideal para se detectarem as vítimas de violência e possibilitar-lhes os primeiros socorros33. Por essa razão, a inserção do psicólogo nesse nível de atenção à saúde é tão importante.

A pesquisa demonstrou que, apesar de a vítima ter direito a um atendimento especializado, previsto na Lei Maria da Penha, isso não se confirma na prática, uma vez que a maioria das participantes (58%) não são atendidas por serviços de saúde. Consta, na Lei Maria da Penha, que o Estado tem o dever de oferecer às vítimas atendimento especializado na saúde, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), para preservar sua integridade física e psicológica. Porém falta nos serviços de saúde mental a integralidade nos atendimentos referentes ao adoecimento mental das usuárias com histórico de violência. Esse resultado confirma o que os estudos mostram - que, em decorrência de agravos à saúde, muitas mulheres procuram os serviços de saúde. Contudo, nesses espaços, os profissionais de saúde, por vezes, não identificam essas pacientes como vítimas de violência doméstica. Em muitos casos, elas não recebem o tratamento adequado porque as equipes de saúde têm dificuldade de detectar a VD. Isso inviabiliza o tratamento e, consequentemente, faz com que as usuárias retornem frequentemente aos serviços de saúde. Assim, o sistema de saúde fica sobrecarregado, e os gastos públicos com tratamento aumentam33.

As participantes mencionaram os serviços de saúde que utilizaram para tratar a saúde mental em decorrência da violência sofrida: 25% foram atendidas pela atenção primária (Programa de Saúde da Família); 25%, por Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); 25%, por clínicas particulares; 12,5%, por entidade filantrópica; e 12,5%, por emergência psiquiátrica.

Com a promulgação da Lei 10.216/2001, referente à Reforma Psiquiátrica Brasileira, os CAPS "tornaramse um lugar de referência e tratamento para pessoas que sofrem com transtornos mentais, psicoses, neuroses graves e demais quadros cuja severidade e/ou persistência justifiquem sua permanência num dispositivo de cuidado intensivo e comunitário"34. Portanto o CAPS é um serviço destinado, principalmente, às pessoas com transtornos severos e persistentes. Então, questiona-se: Esse é o serviço ideal para as mulheres tratarem as sequelas mentais da violência sofrida? Esse questionamento se justifica porque, na entrevista, as participantes atendidas nos CAPS referiram que não se sentem bem no local porque presenciam a gravidade clínica dos outros pacientes e até se questionam sobre se, de fato, estavam loucas, como seus agressores falavam. Um desses relatos foi o de Jasmine:


"Eu até consigo ser atendida na saúde mental, mas eu não sou muito de acordo com o tipo de serviço que eles estão oferecendo lá. Eu precisei de atendimento no CAPS e ver toda aquela situação não gostei, não me vejo buscando lá." (44 anos, divorciada, branca, fundamental incompleto, desempregada).


A notificação feita pelos profissionais de saúde é muito importante para dar visibilidade ao problema e ter a dimensão epidemiológica da VD. Talvez, por haver uma subnotificação dos casos de violência contra a mulher, haja uma escassez de serviços de saúde especializados para atender às mulheres em situação de violência doméstica nos municípios. Para Cruz e Irffi35, a insuficiência de estatísticas, por causa da considerável subnotificação dos casos de violência contra a mulher, dificulta a investigação sobre como a violência interfere na saúde da mulher34.

A pesquisa também constatou que 63% das participantes não usavam medicação para tratar dos agravos à saúde mental, e que 37% a usavam conforme prescrição médica. As medicações que as participantes tomavam eram, em geral, antidepressivos (cloridrato de amitriptilina, bromidrato de citalopram, cloridrato de fluoxetina, cloridrato de sertralina e cloridrato de paroxetina) e ansiolíticos (benzodiapepínico).

A escolha do tratamento para os transtornos mentais depende da definição do diagnóstico. Em alguns tipos de transtorno, é essencial utilizar medicamentos. Por exemplo, em casos de esquizofrenia, de depressão grave e de ataques de pânico, esse é o tratamento preferencial. Já em transtornos de personalidade e fobias específicas, o tratamento mais indicado é a psicoterapia. Em muitos casos, é melhor utilizar ambos os tratamentos36.

Para algumas das participantes, eram associados um ou mais medicamentos. Os medicamentos que elas utilizam são categorizados como psicotrópicos. No Brasil, estudos psiquiátricos têm referido a utilização indiscriminada de medicamentos psicotrópicos pelos usuários dos serviços públicos de saúde 37. Os tratamentos medicamentosos utilizados para tratar, principalmente, depressão, ansiedade e insônia podem causar dependência química. Em muitos casos, as pessoas passam a usar a medicação por longo período. Em outros, devido aos efeitos colaterais desses medicamentos, as pessoas interrompem o tratamento. Portanto a prescrição desse tipo de medicação deve ser feita de forma segura e racional38. Então, considerando que os psicotrópicos são consumidos indiscriminadamente, é importante utilizar outros tipos de tratamento, como, por exemplo, as psicoterapias. Para as mulheres em situação de violência cuja saúde mental foi afetada, é essencial considerar o contexto de violência em que elas se encontram para indicar o tratamento adequado. Isso se justifica porque, por mais que elas sejam tratadas com medicação e/ou psicoterapia, se continuarem a vivenciar a violência, os agravos continuarão, e elas correm o risco de usar abusivamente a medicação, na tentativa de melhorar. Por isso é importante que seja realizado o acompanhamento sistemático da saúde mental e da realidade diária dessas mulheres.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa possibilitou realizar uma análise da saúde mental das mulheres em situação de violência doméstica acompanhadas por um Centro de Referência da Mulher. É importante considerar que a pesquisa investigou uma amostra de mulheres que apresentaram indicativos de sintomas compatíveis com transtorno mental comum, sobretudo, transtorno de ansiedade e depressão, assim como ideação suicida, avaliados pelo Self Reporting Questionnare (SRQ-20). Assim, buscou-se um aprofundamento sobre como a violência doméstica impactou a saúde mental de acordo com a percepção dessas mulheres.

A exaustão emocional foi um dos danos apontados que interferia na execução das atividades cotidianas e na relação com os filhos. Outro prejuízo foi a baixa na autoestima, que lhes causou insegurança e sentimento de desvalia. Elas também associaram esses agravos à presença de psicopatologias, como depressão, ansiedade e loucura. Em decorrência do sofrimento mental intenso, algumas participantes apresentaram risco de se suicidar.

Devido a esses agravos, as participantes passaram a apresentar comportamentos, sentimentos e emoções que afetaram diretamente a qualidade de sua vida e dificuldades de trabalhar, estudar, tomar decisões e se relacionar com as pessoas. Por essa razão, a maioria buscou atendimento nos serviços de saúde, contudo menos da metade delas conseguiu tratamento. Todas as que foram atendidas por serviços de saúde usam psicotrópicos (antidepressivos e ansiolíticos) prescritos pelos médicos que as atenderam, o que deixa evidente que sofrem de transtorno mental, principalmente de ansiedade e depressão. Para que o tratamento desses transtornos seja eficaz, é fundamental que as mulheres tenham acesso a tratamento médico e psicológico. Contudo, a realidade local é que a maioria das mulheres em situação de violência não tem acesso a esses tratamentos nos serviços de saúde, porque faltam vagas e profissionais especializados, segundo relataram.

Este estudo apresentou limitações devido ao pequeno número de participantes, porque muitas das mulheres estavam passando por um momento de fragilidade. Nesses casos, os atendimentos realizados pelas técnicas do serviço foram priorizados. Outro fator que limitou o número da amostra foi que a aplicação dos instrumentos demandava um tempo maior, e algumas não tinham disponibilidade de tempo para participar da pesquisa. Apesar dessas limitações, foi possível obter dados suficientes para realizar a pesquisa. Porém, em razão da amostra reduzida da pesquisa, seus resultados não podem ser generalizados para outros contextos socioculturais e populacionais.

Os resultados da pesquisa apontaram que os serviços de saúde, principalmente os públicos, devem atender às mulheres em situação de violência, visto que a maioria não tem recursos financeiros para arcar com os custos do tratamento. Por meio dos atendimentos, será possível identificar corretamente esses casos para executar intervenções específicas e precoces no campo da saúde mental, com um tratamento adequado e eficaz, para que essas mulheres possam superar esses agravos.

A despeito do acompanhamento das usuárias do centro de referência da mulher, ao sinal de que há agravamentos em saúde mental, as mulheres são encaminhadas para um serviço de saúde, como postos de saúde e CAPS para receber atendimento voltado para sua saúde mental. Contudo, muitas não conseguem vaga, e quando conseguem, o tempo de espera é de meses, o que, em alguns casos, agrava ainda mais as sequelas. Em casos mais extremos, por causa da demora, elas são encaminhadas para emergências psiquiátricas, pois o atendimento para elas é imediato. Porém, nesses serviços, elas não podem ser acompanhadas continuamente, e isso, em muitos casos, resulta na interrupção do tratamento, e os sintomas apresentados retornam.

As políticas públicas são essenciais para reduzir a violência contra as mulheres, garantir proteção para elas e para seus filhos em abrigos, sobretudo as que se encontram em situação de violência; e para criar e efetivar a rede de atendimento que inclui serviços de saúde, de assistência social, de segurança e de justiça. As políticas públicas também podem assegurar a essas mulheres o direito à vida e ao exercício de sua cidadania.

Por fim, a aproximação com o fenômeno da violência doméstica revela a necessidade de um trabalho intersetorial na sociedade, que deve envolver não somente a estruturação de serviços de proteção, acolhimento e acompanhamento das vítimas. Faz-se urgente que sejam elaboradas e executadas estratégias de prevenção da violência, o que demanda um trabalho basilar com a educação que atue na contramão das práticas sexistas, machistas e patriarcais enraizadas na cultura e perpetuadas nas práticas cotidianas.


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Universidade Estadual da Paraíba, Departamento de Psicologia - Campina Grande/PB - Brasil

Autor correspondente

Joana Chistina de Souza Brito
psi.joanabrito@gmail.com / E-mail alternativo: edivangoncalves.junior@gmail.com

Submetido em: 27/10/2021
Aceito em: 12/09/2022

Contribuições: Joana Chistina de Souza Brito - Coleta de Dados, Investigação, Metodologia, Redação - Preparação do original, Visualização; Edivan Gonçalves da Silva Júnior: Conceitualização, Metodologia, Redação - Revisão e Edição; Maria do Carmo Eulálio - Conceitualização, Gerenciamento do Projeto, Supervisão, Visualização.

 

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