Rev. bras. psicoter. 2022; 24(3):73-82
Sá FHL, Freitas LHM. Transculturalidade na psicoterapia de orientação analítica: estudo de um caso e revisão de literatura. Rev. bras. psicoter. 2022;24(3):73-82
Artigo de Revisao
Transculturalidade na psicoterapia de orientação analítica: estudo de um caso e revisão de literatura
Transculturality in analytically oriented psychotherapy: a case study and literature review
La transculturalidad en la psicoterapia de orientación analítica: un estudio de caso y revisión de la literatura
Fernando Henrique de Lima Sáa; Lúcia Helena Machado Freitasb
Resumo
Abstract
Resumen
DESIGN
Este relato foi desenvolvido a partir do atendimento de um paciente de origem africana, admitido em uma internação psiquiátrica por uma síndrome psicótica. De acordo com Gabbard1, as estratégias psicodinamicamente orientadas em ambientes hospitalares são consideradas bastante úteis, uma vez modificadas para um foco mais circunscrito. O objetivo deste trabalho é relacionar os elementos transculturais presentes no caso clínico à prática da psicoterapia de orientação analítica em um contexto transcultural. As fontes utilizadas para a pesquisa bibliográfica foram os trabalhos psicanalíticos dos principais autores para o assunto em questão. Para proteger o anonimato do paciente e garantir a confidencialidade das informações, todos os seus dados como nome, idade e país de origem foram suficientemente modificados para impedir o reconhecimento de qualquer aspecto relativo à sua identificação.
1. INTRODUÇÃO
Este caso foi escolhido para um estudo analítico por tratar-se de uma situação pouco usual em um contexto de atendimento em psicoterapia. Ele apresenta diversas particularidades a serem discutidas do ponto de vista de aspectos transculturais. Levando em consideração o aumento nos movimentos migratórios no mundo, é possível que psicoterapeutas lidem com situações de natureza semelhante.
Esta análise foi realizada através de uma revisão de autores psicanalíticos clássicos e contemporâneos sobre o tema e sua contextualização com o caso. Encontraremos uma discussão de elementos psicodinâmicos como conflito psíquico, transferência e contra-transferência, assim como de aspectos técnicos, como setting e aliança terapêutica e suas relações com o caso apresentado. Espera-se que seja possibilitado um auxílio a terapeutas para o trabalho com pacientes de diferentes origens culturais, como imigrantes e refugiados. O desenvolvimento destas habilidades é imprescindível para o desenvolvimento de competência cultural nesses profissionais. Uma das definições de cultura diz respeito a "um conjunto de significados, normas, crenças, valores e padrões de comportamento compartilhados por um grupo de pessoas"2. De acordo com Géza Róheim, psicanalista e antropólogo húngaro, "não existe homem fora da cultura"3. Os elementos culturais, segundo este autor, estão estreitamente relacionados à característica de ser humano, e as manifestações mais elementares da existência podem ser consideradas como pontos iniciais da cultura. O modo como os sintomas de sofrimento psíquico são expressos e os significados que são atribuídos a esses sintomas, assim como uma relação terapêutica, também são elementos relacionados a fatores culturais do indivíduo4. Quando paciente e terapeuta são de origens culturais diferentes pode tornar-se necessária uma adaptação dos elementos clínicos em psicoterapia5.
A influência da cultura no psiquismo humano é abordada de maneira inovadora por Freud na obra "Totem e Tabu", de 19136. Comportamentos e tradições observadas nos povos "primitivos", tais como a proibição do assassinato do ancestral e a proibição do incesto, estariam relacionados a elementos pertencentes ao complexo de Édipo. O temor do incesto associado ao totem encontrado nos "selvagens" estaria presente também na vida psíquica dos pacientes neuróticos, através dos mecanismos de repressão de desejos incestuosos inconscientes.
Abram Kardiner, psiquiatra e psicanalista americano, buscou, em sua obra, estabelecer relações entre a psicanálise e a antropologia social. Uma de suas principais contribuições para a etnopsicanálise diz respeito ao impacto da cultura na estruturação da personalidade humana7. Kardiner desenvolveu sua teoria a respeito de uma estrutura básica de personalidade compartilhada por membros de uma mesma sociedade, como resultado de experiências precoces em comum. Em sua obra "O indivíduo e sua sociedade", de 1939, Kardiner desenvolveu um modelo psicocultural para estabelecer relações entre padrões particulares de relacionamentos familiares, modelos de ligação mãe-bebê e a formação da estrutura básica da personalidade em diferentes culturas8. Géza Roheim também proporcionou importantes contribuições ao campo da etnopsicanálise, através de seus estudos de campo. O autor observou que os mitos e lendas dos povos indígenas tem estruturas semelhantes às dos sonhos. Apresentou também evidências de que o Complexo de Édipo é universal, ou seja, está presente em todas as culturas3.
A necessidade de uma posição relativista entre psicanálise e antropologia foi estabelecida por Georges Devereux. Para o autor as duas disciplinas apresentariam pontos de vista distintos, porém complementares acerca de uma mesma realidade. Esse autor também tece considerações a respeito da distinção entre cultura em uma dimensão universal do ser humano e cultura numa dimensão singular da vida psíquica de um indivíduo. Deve-se tentar compreender, segundo ele, a natureza e a função da cultura nela mesma, fora de comparações com outras9. Trabalhar sobre aspectos particulares, em um contraponto à generalização de aspectos universais, é um pressuposto básico da clínica transcultural.
Entre os autores contemporâneos, Tobie Nathan, psicanalista francês, propõe que a única maneira de obter acesso às dimensões do mundo interno que são universais ao homem é através da compreensão do contexto cultural que um indivíduo vivenciou em seu desenvolvimento. O autor sugere que representações culturais de adoecimento e sofrimento psíquico devem ser considerados não somente no sentido de auxiliar a explicar a dor mental, mas também no intuito de introduzir mudanças psíquicas positivas no paciente10.
Marie Rose Moro, psicanalista francesa, descreve um espaço intermediário entre diferentes culturas e sistemas de representação, estabelecendo narrativas que possibilitem conexões entre diferentes sistemas de representação culturais11. A autora propõe que a clínica psicoterápica transcultural possibilite diferentes abordagens terapêuticas de acordo com as necessidades particulares de cada paciente: psicoterapias individuais, em grupo ou terapias familiares5.
2. CASO CLÍNICO
A fim de preservar o anonimato do paciente, dados que possam identificá-lo, como nome, idade e país de origem foram modificados ou ocultados.
Um homem de 40 anos, procedente de um país africano, foi admitido em uma unidade de internação psiquiátrica por uma síndrome psicótica. Apresentava um quadro de desorganização psíquica associada a delírios persecutórios, iniciados um mês antes da internação. Segundo o relato do familiar, o paciente acreditava estar sendo monitorado pela polícia federal, e acusava seus colegas de trabalho de estarem envenenando suas refeições. Ele havia se mudado para o Brasil dois anos antes, motivado pela procura por melhores condições de trabalho e de vida.
Era fluente apenas no dialeto da sua região de origem e comunicava-se com dificuldade em português e em francês. A dificuldade de criação de vínculo com o paciente iniciou-se pela barreira da linguagem. Ele apresentava resistência para aceitar as medicações, necessitando muitas vezes de contenção mecânica quando apresentava episódios de agitação psicomotora.
A primeira medida providenciada pela equipe da internação foi realizar contato com um profissional do hospital que se comunicava em árabe, uma vez que o paciente era muçulmano e interagia neste idioma, embora com alguma dificuldade. A partir de então foram definidos com o paciente o cumprimento de suas normas religiosas - era o período do Ramadã, mês sagrado para a tradição islâmica, quando se pratica o jejum diariamente.
O paciente estabeleceu seus primeiros vínculos na unidade com os funcionários do refeitório. Ainda assim se demonstrava resistente ao tratamento farmacológico, e frequentemente afirmava que não compreendia o motivo para sua internação. Como estratégia subsequente foi realizado contato com o presidente de uma organização não governamental de apoio a imigrantes, e a partir desse momento houve melhor compreensão do caso.
A equipe tomou conhecimento de que existe uma crença cultural bastante difundida no país de origem do paciente, a partir do mito da origem do mundo. Considera-se que seres invisíveis vivem em paralelo aos humanos e se relacionam com eles, podendo acometê-los por insatisfação a comportamentos inadequados12. O paciente acreditava que o motivo para a sua enfermidade seria a influência de alguma dessas entidades. A única solução para tal acometimento seria retornar ao seu país, para que fosse realizado um ritual pelo líder espiritual da comunidade, que determinaria o problema e estabeleceria a cura por meio de banhos, amuletos, oferendas, plantas e ervas. Esse ritual ocorre com a participação de familiares do indivíduo e da comunidade à qual ele pertence. Quando questionado pelo representante da ONG sobre o porquê de não ter relatado à equipe essas informações, o paciente afirmou: "eles não iriam entender". Posteriormente, foi informado por seu irmão a suspeita de que ele estaria fazendo uso de substância psicoativa (cannabis), fato que foi negado, com a justificativa de que tal uso era proibido em sua religião.
A partir de então foi possível estabelecer um vínculo terapêutico com o paciente, através da escuta atenta, do acolhimento e do interesse por suas particularidades culturais. Ele foi favorável ao tratamento e apresentou boa resposta ao uso dos antipsicóticos. Com a melhora da desorganização psíquica, passou a comunicar-se em português com a equipe. Tornou-se possível, então, a abordagem de conflitos psicodinâmicos através de uma psicoterapia breve, que se utilizou sobretudo de intervenções suportivas, levando em consideração suas crenças e seu contexto cultural. Uma vez estabelecido um vínculo entre paciente e terapeuta, tornou-se possível trabalhar suas angústias e inquietações a respeito de estressores como ser um imigrante no Brasil e questões como as dificuldades de vida e distanciamento da família. Mesmo através de uma abordagem psicoterápica breve e pontual, observou-se que foi possibilitado ao paciente refletir a respeito do que havia acontecido consigo e a considerar possibilidades de enfrentamento para lidar com as situações adversas de vida que enfrentava naquele momento.
A hipótese diagnóstica final foi de transtorno psicótico breve, com diagnóstico diferencial de psicose induzida por uso de substância psicoativa. Foi realizado contato com sua família, e com a concordância do irmão foi definido seu retorno ao país de origem, após estabilização do quadro psiquiátrico. Observou-se que a possibilidade de se realizar intervenções psicoterápicas pontuais foi essencial para o desfecho positivo do caso.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O aumento significativo dos movimentos migratórios na população mundial traz consigo uma demanda importante por assistência em saúde mental, que inclui a psicoterapia de orientação analítica. A consideração de fatores culturais é essencial para a compreensão dos processos psíquicos de saúde e adoecimento desses pacientes13. Há uma estimativa de que durante ano de 2020, 82.4 milhões de pessoas foram forçadas a migrar de seus locais de origem, por motivos de perseguição, conflitos, violência ou violação de direitos humanos14. Pode-se dizer que o evento migratório provoca uma desorganização psíquica determinada pela ruptura traumática do contexto cultural que cerca o indivíduo5. Essas fragilidades devem ser observadas como fatores desencadeantes ou mantenedores de sofrimento psíquico, como ocorreu no caso descrito.
A elaboração de eventos traumáticos pode ser dificultada pelo distanciamento em relação ao grupo social de origem, assim como dos elementos culturais que possibilitam a significação daqueles conflitos15. Para cumprir esse papel, em um contexto de psicoterapia, considera-se importante que o psicoterapeuta esteja sensível a estas particularidades e atento a possíveis adaptações técnicas que possam ser necessárias para a condução de um tratamento nessas circunstâncias. O distanciamento dos familiares assim como de elementos de sua cultura eram fatores determinantes de sofrimento para o paciente. A percepção desses elementos foi essencial para que a equipe pudesse compreender e preparar-se para oferecer um atendimento adequado.
A partir da teoria das relações objetais de Melanie Klein, é proposto que o indivíduo pode introjetar a sociedade como objeto, no que conceituam como "objeto social". Tal introjeção se daria a partir de experiências sociais e do contato com uma cultura em particular, e a relação com esse objeto que representa a sociedade seria vivida então no mundo interno do indivíduo16. No contexto de relações transculturais, é possível que se evidenciem projeções de objetos sociais internalizados, de acordo com o modelo proposto. Tal fato seria identificado através da análise da transferência na psicoterapia, e para isso torna-se necessária a compreensão dos elementos socioculturais presentes na história de vida daquele paciente. O paciente apresentava um comportamento paranoide em relação às pessoas com as quais se relacionava no Brasil. Apesar da possível ocorrência de um transtorno psicótico associado, deve-se levar em consideração as mudanças psíquicas decorrentes da inserção em um diferente contexto cultural.
Os conceitos de complementarismo e descentramento do psicoterapeuta são considerados fundamentais para a prática da psicoterapia de orientação analítica num contexto transcultural. Georges Deveraux postula que é necessário estabelecer uma posição complementar, e não simultânea dos fenômenos nos campos da psicanálise e da antropologia, a fim de se realizar uma compreensão transcultural do caso. Isso é possibilitado através do que Deveraux denomina de descentramento do analista, que corresponderia a assumir uma atitude sensível à compreensão das diferenças culturais9. No caso relatado, essa dupla leitura, tanto de aspectos psiquiátricos - o desenvolvimento de uma síndrome psicótica - e psicodinâmicos suscitados pela condição do paciente, como de aspectos particulares à sua condição cultural, possibilitou as abordagens desenvolvidas pela equipe, como a compreensão de crenças culturais do paciente no contexto em que se encontrava e a aproximação com interlocutores que pudessem auxiliar em uma aproximação com ele.
A seguir apresentamos algumas particularidades do caso em estudo que se relacionam com conceitos psicanalíticos fundamentais presentes sobretudo na obra de Sigmund Freud. Em "Totem e Tabu" Freud estabeleceu similaridades relativas à sua observação de sentimentos de ambivalência em pacientes neuróticos obsessivos e os tabus de tribos primitivas. Essas pessoas estariam convencidas de que se transgredissem certas proibições seria imposta a elas uma punição. Freud afirmou, a partir de suas observações a respeito do animismo, que a superestimação do pensamento ofuscaria a noção da realidade, e que o princípio que rege a magia é o da onipotência do pensamento6. Alguns elementos descritos neste caso podem corresponder às descrições mencionadas, como a culpa sentida pelo paciente e seu temor por receber um castigo decorrente do descumprimento de questões normativas de sua religião. Pode verificar-se também a onipotência do pensamento mágico, gerado a partir de uma crença cultural que explicaria a origem do seu quadro. Tal crença seria o acometimento por espíritos que influenciariam como determinantes de diferentes estados mentais.
Na obra "O Estranho" (1919) Freud se refere a sentimentos humanos paradoxais relacionados ao familiar - na tradução do termo alemão heimlich designa o íntimo, o conhecido, que evoca o lar - e ao não-familiar, ou seja, o estranho. Freud relaciona estes conceitos ao conflito fundamental, entre pulsão de vida e pulsão de morte17. No que diz respeito à psicoterapia em um contexto transcultural, pode-se transpor esses conceitos a um possível estranhamento mútuo entre psicoterapeuta e paciente. Em relação ao caso em estudo tal fato estaria implicado nos processos de transferência e contratransferência, que serão abordados posteriormente.
Em "O mal-estar na civilização", escrita no contexto histórico da Grande Depressão de 1929, Freud faz considerações a respeito do precário equilíbrio que mantém o ser humano em uma civilização que supostamente foi construída com a finalidade de protegê-lo, mas que pode por ele ser destruída18. Esta constatação seria o reflexo do conflito fundamental entre pulsão de vida e pulsão de morte. As pessoas que sofreram migrações forçadas constituem uma possível demanda de atendimento para psicoterapia em um contexto transcultural. Este trabalho de Freud é frequentemente citado como uma referência que explica como os conflitos políticos implicam profundos desarranjos e traumas nos sistemas sociais e consequentemente nas pessoas que dele fazem parte19.
Freud também postula em "Moisés e o Monoteísmo" a ideia de que a vida de um indivíduo seria influenciada não somente pelo que ele viveu anteriormente e reprimiu no inconsciente, mas também por conteúdos inatos, ou elementos filogenéticos. Tal herança corresponderia ao que o autor denomina de um "fator constitutivo" de uma pessoa, demonstrado no caráter universal dos simbolismos presentes na perpetuação de tradições através das gerações20. Pode-se observar a valorização concedida pelo paciente a uma crença cultural que lhe foi transmitida, através do temor à possibilidade de um castigo por parte de seres sobrenaturais
Na prática da clínica transcultural pode ser necessário que o setting psicoterápico seja flexibilizado de acordo com as necessidades e demandas que o paciente apresenta. Atendimentos individuais, em grupo ou em família e na frequência que o paciente tenha possibilidade de cumprir são descritos5. No caso em questão o setting de tratamento se deu em ambiente hospitalar, necessitou ser flexibilizado e expandido pela incorporação de outros elementos: intérpretes, familiares e outras pessoas da mesma cultura do paciente. O planejamento das intervenções praticadas pela equipe neste momento foi realizado para que o paciente pudesse se sentir acolhido, compreendido e respeitado em suas singularidades.
As diferenças culturais claramente tiveram um impacto na dificuldade inicial de vinculação do paciente com a equipe, no caso relatado. Quando a equipe demonstrou interesse, curiosidade e respeito por sua cultura, foi possível estabelecer uma relação de confiança, possibilitada também pela participação no caso de um terceiro elemento: o presidente da ONG, com quem ele conseguiu expressar suas angústias.
Diferentes contextos culturais da origem do terapeuta e do paciente tenham impacto nos sentimentos transferenciais que o paciente irá desenvolver5. Alguns autores denominam contratransferência cultural como os sentimentos despertados no terapeuta num contexto de diferenças culturais em relação ao paciente, incluindo o "estranhamento" que tais diferenças possam causar, conforme mencionado anteriormente na referência à obra "O Estranho", de Freud5,17. A angústia e a frustração sentidas pelo médico possivelmente foram desencadeadas por sensações de hostilidade, agressividade e incompreensão presentes no paciente. O manejo desses sentimentos através da compreensão da perspectiva cultural foi fator decisivo para o progresso do tratamento. A possibilidade de o paciente contar com a participação em seu tratamento de pessoas pertencentes ao seu sistema cultural de origem foi o que possibilitou a compreensão de seu sofrimento, assim como permitiu que o paciente pudesse comunicá-lo em sua língua materna.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os elementos propostos pela abordagem da clínica psicoterápica transcultural foram essenciais para a condução do tratamento do paciente deste relato. De acordo com o que foi apontado por importantes autores da psicanálise, podemos afirmar que a cultura é um importante componente na estruturação do psiquismo humano e de suas dinâmicas ao longo da vida. Ela determina valores e simbolismos ao que é vivenciado, tanto em nível coletivo quanto particular, e em relação ao sofrimento emocional atribui diferentes maneiras de sentir e de expressar a dor psíquica.
Considerar e tentar compreender as características particulares de cada indivíduo já é um componente implícito em uma psicoterapia de orientação analítica. O conhecimento e a valorização também dos elementos culturais presentes em sua constituição psíquicas de grande valor para que se estabeleça uma compreensão mais ampla a seu respeito. A valorização da alteridade do paciente, considerando suas necessidades particulares, e uma postura de escuta do terapeuta que seja sensível às diferenças culturais podem ser consideradas componentes essenciais para a condução de uma psicoterapia de orientação analítica em um contexto transcultural.
Este relato trata de um caso singular, com particularidades relacionadas a um contexto cultural específico. Não é possível, portanto, sua generalização para outras situações em psicoterapia em diferentes cenários culturais. Além disso, foram realizadas abordagens pontuais em um ambiente hospitalar, e não em uma psicoterapia convencional. Sua discussão foi baseada em referenciais teóricos específicos. É possível que outras condutas fossem tomadas para sua condução em diferentes circunstâncias. Portanto, esta discussão pode apresentar fragilidades por não considerar outros elementos que poderiam ser discutidos à luz de outras abordagens psicodinamicamente orientadas em diferentes situações transculturais.
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aUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-Graduação em Psiquiatria e Ciências do Comportamento - Porto Alegre/RS - Brasil
bUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal - Porto Alegre/RS - Brasil
Autor correspondente
Fernando Henrique de Lima Sá
fernandohlmsa@gmail.com
Submetido em: 01/06/2022
Aceito em: 12/12/2022
Contribuições: Fernando Henrique de Lima Sá - Conceitualização, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição;Lúcia Helena Machado Freitas - Conceitualização, Metodologia, Redação - Revisão e Edição, Supervisão
Apoio Financeiro: Os autores não receberam nenhum tipo de apoio financeiro para a realização deste relato
Declaração de Conflito de Interesses: Não há conflito de interesses da parte de nenhum dos autores para a publicação deste artigo
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