Rev. bras. psicoter. 2022; 24(3):27-45
Silva LKC, Oliveira SES. Histórico de maus-tratos infantis e funcionamento da personalidade de mulheres vítimas de violência por parceiro íntimo. Rev. bras. psicoter. 2022;24(3):27-45
Artigo Original
Histórico de maus-tratos infantis e funcionamento da personalidade de mulheres vítimas de violência por parceiro íntimo
Childhood maltreatment history and level of personality functioning of women victims of violence by intimate partner
Historia del maltrato infantil y nivel de funcionamiento de la personalidad de mujeres víctimas de violencia por pareja íntima
Lucyla Késia de Carvalho Silva; Sérgio Eduardo Silva de Oliveira
Resumo
Abstract
Resumen
A violência contra mulheres (VCM) é um grave problema de saúde pública. Em 2021, em média, a cada 7 horas uma mulher foi vítima de feminicídio1. Esse número reflete a dimensão da violência de gênero, onde há menosprezo e discriminação à condição de ser mulher2. Sabe-se que grande parte dessas violências começa em casa e são perpetradas por parceiros íntimos ou ex-parceiros íntimos3. Schwarcz4 indica que a única forma de enfrentar a violência de gênero é a partir de políticas públicas bem estruturadas. Essas políticas precisam envolver diversas dimensões como: contextos familiares, contexto socieconômico, aspectos intraindividuais e socioculturais.
Várias teorias para compreender o fenômeno da violência por parceiro íntimo (VPI) têm sido propostas ao longo dos anos e oferecem diferentes perspectivas explicativas desse fenômeno5. Entre essas teorias estão aquelas que postulam que as raízes da violência derivam da estrutura familiar. Crianças que vivem em ambientes onde há conflito familiar tendem a desenvolver aceitação social da violência e desigualdade de gênero, o que pode resultar na contínua aceitação da violência enquanto adultas6. Uma outra abordagem, muito utilizada para compreender o aumento da suscetibilidade de uma pessoa sustentar a VPI no decorrer da vida, tem sido a identificação das características psicopatológicas e da personalidade7. Estudos indicam que a personalidade prediz experiências de relacionamento negativo8. Mulheres vítimas de relações abusivas tendem a possuir características de personalidade patológicas que as impedem de reconhecer e agir diante de situações abusivas9. Isso ocorre devido ao escasso repertório de recursos psicológicos para lidar com essas situações cotidianas10. Nesse sentido, esses estudos indicam que o conhecimento do funcionamento da personalidade de mulheres vítimas de VPI pode contribuir para que profissionais adotem estratégias de orientação às vítimas sobre características que as colocam em situações de vulnerabilidade ou proteção8-10.
Além dessas perspectivas, é importante que não se renuncie à abordagem feminista. Essa teoria, há muito tempo tenta compreender o contexto sociocultural por detrás das relações violentas. Essa perspectiva defende que o sexismo e a desigualdade feminina são as principais causas da VPI11. Pois, segundo Schwarcz4 as crenças sobre o feminino são baseadas em valores patriarcais. Ao longo da história, foram consolidados códigos de conduta, onde o privilégio masculino, a banalização da violência contra a mulher e a objetificação dos seus corpos, se internalizaram na sociedade4. Essas assimetrias de gênero induzem o estabelecimento de modelos violentos de relacionamento entre os sexos. Muitas mulheres introjetaram a dominação masculina e seus comportamentos de controles como algo natural e não conseguem romper com a situação de violência e opressão em que vivem12.
Cada uma dessas teorias influenciaram a pesquisa sobre VPI, e muitas encontraram algum grau de suporte experimental, porém o fenômeno da VCM é complexo. Estudos apontam que essas teorias isoladas são limitadas em seu poder explicativo dos episódios de VPI e em sua capacidade de impactar significativamente a eficácia dos programas de prevenção e tratamento da VPI5,13. O objetivo desta pesquisa foi investigar empiricamente como essas teorias individualmente e conjuntamente se correlacionam com as experiências de violência. De forma mais específica, o presente estudo buscou analisar as relações entre as experiências traumáticas na infância e a exposição de mulheres a relacionamentos abusivos. Foi também objetivo investigar a associação dos domínios do funcionamento patológico da personalidade com as experiências de mulheres vítimas de relacionamentos abusivos. Ainda, buscou-se testar, por meio de modelagem de equação estrutural, o quanto que essas variáveis, traumas na infância e funcionamento patológico da personalidade, predizem isolada e conjuntamente as experiências de VPI. Com isso, o presente estudo busca, em última instância, responder a seguinte pergunta: existem características individuais nas mulheres que as colocam em vulnerabilidade para situação de VPI?
MÉTODO
Participantes
Participaram deste estudo mulheres com idades a partir de 18 anos e que possuíam, no mínimo, ensino fundamental incompleto, mas com habilidades preservadas de leitura e escrita. Um total de 330 mulheres participaram da pesquisa e as características da amostra são apresentadas na Tabela 1.
artigo anterior | voltar ao topo | próximo artigo |
Rua Ramiro Barcelos, 2350 - Sala 2218 - Porto Alegre / RS | Telefones (51) 3330.5655 | (51) 3359.8416 | (51) 3388.8165-fone/fax