Rev. bras. psicoter. 2022; 24(1):125-138
Serralta FB, Barcellos ED, Freitas CH, Lourenço LJ, Geremia L, Busetti LZ. Reações contratransferenciais de psicoterapeutas frente a uma paciente borderline em psicoterapia: um estudo qualitativo. Rev. bras. psicoter. 2022;24(1):125-138
Artigo Original
Reações contratransferenciais de psicoterapeutas frente a uma paciente borderline em psicoterapia: um estudo qualitativo
Countertransferential reactions of psychotherapists towards a borderline patient in psychotherapy: a qualitative study
Reacciones contratransferenciales de psicoterapeutas hacia un paciente límite en psicoterapia: un estudio cualitativo
Fernanda Barcellos Serraltaa; Eduarda Duarte de Barcellosa,b; Caroline Hildebrando de Freitasb; Luciana Jornada Lourençob; Lisiane Geremiab; Luciana Zamboni Busettib,c; Pricilla Braga Laskoskid,e
Resumo
Abstract
Resumen
INTRODUÇÃO
A resposta emocional do terapeuta a seu paciente representa uma das ferramentas mais importantes no trabalho psicanalítico na contemporaneidade. O conceito de contratransferência (CT) passou por diversas mudanças desde que foi proposto por Freud: inicialmente considerado um obstáculo a ser superado, atualmente é entendido como um importante instrumento de investigação dirigido ao inconsciente do paciente. A premissa básica consiste na ideia de que o inconsciente do terapeuta pode constituir um instrumento de investigação da mente do paciente, uma vez que o inconsciente do primeiro capta o do segundo. Esta sintonia entre ambos inconscientes, na consciência, se manifesta por meio de sentimentos1. Assim, a CT revela-se como um fenômeno pervasivo que envolve a dupla em ação dentro do processo terapêutico e não somente um sujeito isolado2.
O encontro terapêutico inevitavelmente produz um impacto emocional mútuo; por meio dele ocorrem trocas de informações, comunicações verbais e não verbais, conscientes e inconscientes entre terapeuta e paciente. Neste sentido, quanto mais consciente o terapeuta estiver de suas motivações, necessidades, conflitos e desejos, menos atuará involuntariamente em resposta à CT durante o tratamento. Como um parceiro de dança, o terapeuta deve ficar perto o suficiente do paciente para manter contato e, ao mesmo tempo, não deve estar tão perto de modo que interfira nos seus movimentos próprios3.
Atualmente, a contratransferência é um conceito amplo em torno do qual outros conceitos se estruturam e interligam, como por exemplo os de identificação projetiva, campo analítico, intersubjetividade e enactment2,4. Isso reflete a tendência observada, na teoria psicanalítica contemporânea, de uma maior consideração com os aspectos relacionais, do vínculo terapêutico, ou seja, uma maior valorização dos fenômenos que ocorrem entre a díade em contraposição ao modelo mais tradicional, focado quase que unicamente no paciente2,6. Nesta perspectiva, considera-se que a habilidade do terapeuta de se colocar dentro do mundo interno do paciente, ao mesmo tempo em que se esforça para entender o seu estado emocional, são processos integrantes do efetivo manejo e uso da contratransferência6.
Embora ocupe lugar central na clínica psicanalítica contemporânea, a pesquisa empírica envolvendo a CT é ainda incipiente no contexto brasileiro. Uma revisão sistemática buscou identificar e descrever os principais achados de estudos que avaliaram a CT na psicoterapia de adultos. Dos 25 estudos selecionados, a maioria envolveu psicoterapia psicodinâmica e os resultados indicaram que a CT positiva, isto é, os sentimentos de proximidade com o paciente, está associada a resultados positivos no tratamento, tais como a melhora dos sintomas e o desenvolvimento de uma boa aliança terapêutica7. Um estudo de caso sistemático que examinou intensivamente o processo de uma PB ao longo de 59 sessões de psicoterapia psicanalítica encontrou níveis adequados de colaboração terapêutica e respostas de CT predominantemente positivas. Os autores argumentam que a experiência clínica, a formação e o tratamento pessoal da terapeuta podem ter contribuído para o manejo competente da CT, na medida que a consciência das reações emocionais provocadas na interação pode servir para a comunicação da empatia, favorecendo a aliança8.
A CT pode ser considerada uma ferramenta diagnóstica fundamental, pois pode revelar o nível de regressão do paciente. Nos últimos anos, alguns estudos demonstraram empiricamente a presença de um padrão específico de respostas do terapeuta que está relacionado a diferentes transtornos de personalidade do paciente. Além disso, tais estudos também mostraram como os efeitos da técnica do terapeuta dependem do contexto emocional em que são transmitidos e, em particular, das experiências contratransferenciais9.
Um estudo recente, realizado com 180 duplas paciente-terapeuta em psicoterapia psicanalítica, encontrou que a CT está associada às características do paciente, tais como: idade, trauma e vinculação na infância, características de personalidade como empatia e nível de operações defensivas. Por outro lado, o estudo evidenciou que as características clínicas (sintomas) pouco afetam a CT. Com base nos achados, os autores enfatizam a importância da CT para o processo terapêutico e a necessidade dos psicoterapeutas atentarem para as reações emocionais diante da história pessoal, dos traços e do funcionamento de seus pacientes, para então poder manejá-las adequadamente ao invés de atuá-las10.
A CT pode demonstrar características peculiares e se apresentar de forma a trazer dificuldades no atendimento de pacientes com funcionamentos mais regressivos, como os pacientes com organização de personalidade borderline (PB)11. Algumas manifestações estruturais específicas da PB, tais como, difusão da identidade, integração inadequada do ego, representações de si mesmo ou de objetos significativos cindidas e uso de mecanismos de defesa primitivos, podem constituir-se em importantes desafios ao manejo clínico com esses pacientes12. Além disso, características como impulsividade, ideação ou tentativas de suicídio, comportamento manipulador, exaltação e oscilação afetiva e instabilidade nos relacionamentos interpessoais podem suscitar no terapeuta intensas reações contratransferenciais4,5.
Sendo assim, destaca-se que a CT constitui um desafio particular no atendimento de pacientes como os que apresentam transtorno de personalidade borderline, sendo ainda pouco estudada empiricamente13. Nosso argumento está alinhado àqueles que entendem que a investigação empírica serve para examinar, ampliar e dar suporte aos insights clínicos psicanalíticos. Acreditamos sobretudo que a sinergia entre pesquisa e clínica é necessária para instrumentalizar jovens terapeutas, compensando a sua menor experiência. Neste sentido, o estudo propõe um método alternativo de investigação da CT: mediante a observação de uma sessão real, conduzida por outro terapeuta14,15. Assim, o presente artigo tem como objetivos identificar os sentimentos contratransferenciais despertados em psicoterapeutas psicanalíticos frente à gravação de uma sessão de um caso de paciente com transtorno de personalidade borderline e compreendê-los em relação às características da paciente ou da sua narrativa, bem como explorar de que forma a CT seria manejada idealmente pelos psicoterapeutas. Com o estudo pretende-se contribuir para a investigação empírica da CT, a instrumentalização clínica e a aproximação entre pesquisa e prática psicanalítica.
MÉTODO
Este trabalho tem delineamento qualitativo exploratório, visando o estudo empírico de um tema ainda pouco explorado neste contexto16.
Participantes
Participaram oito terapeutas de orientação psicanalítica da cidade de Porto Alegre/RS, com níveis diversos de experiência clínica (mínimo de 5 anos), escolhidos por conveniência (Tabela 1). Tabela 1. Caracterização dos participantes
"Eu fiquei com muita pena dela." (Terapeuta 6)
"Desejo de ajudar a paciente a transformar aquilo que ela estava dizendo do dia-a-dia dela." (Terapeuta 2)
"Eu não sei se a palavra é pena, mas me deu assim um certo desconforto também" (Terapeuta 5)
"Um pouco de agonia, com vontade de sacudir ela, vontade de mostrar ... relacionar mais coisas..." (Terapeuta 2)
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