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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2022; 24(1):107-123



Artigo de Revisao

Fatores associados à recorrência de tentativas de suicídio: uma revisão integrativa da literatura de 2000 a 2020

Factors associated with recurrence of suicide attempts: an integrative literature review from 2000 to 2020

Factores asociados con la recurrencia de intentos de suicidio: una revisión integradora de la literatura de 2000 a 2020

Maria Vanesse Andrade

Resumo

Os fatores associados ao suicídio são múltiplos e multifacetados e o tornam a consequência final de todo um processo. Neste trabalho, foi conduzida, a partir de duas bases de dados - Biblioteca Virtual da Saúde e PubMed -, uma revisão de estudos para identificar fatores associados à repetição de tentativas de suicídio entre os anos 2000 e 2020. Foram extraídas informações referentes à data de publicação, população, local, meios de coleta utilizados e fatores associados. Os dados foram posteriormente organizados em categorias de análise. No total, 23 estudos foram selecionados e revisados. Houve maior correspondência para repetição em pessoas que já haviam tentado suicídio. Transtorno mental e o uso abusivo de substâncias apareceram como segundo fator mais associado. Os resultados apontam a tentativa de suicídio como a variável mais associada a novas tentativas e a suicídios. Conclui-se, com base nos achados, que ações preventivas podem ter maior impacto se iniciadas antes da apresentação da primeira tentativa de suicídio.

Descritores: Tentativa de suicídio; Recorrência; Comportamento suicida

Abstract

The factors associated with suicide are multiple, multifaceted, and make it the ultimate consequence of an entire process. In this paper, a systematic review of studies was conducted on two data basis -Virtual Health Library and PubMed - with a view to identify factors associated with the repetition of suicide attempts between the years 2000 and 2020. Information regarding date of publication, population, place and means of collection used and associated factors were extracted. The data were later organized into categories of analysis. In total, 23 studies were selected and reviewed. There was greater correspondence for repetition in people who had already attempted suicide. Mental disorder and substance abuse appeared as the second most associated factor. The results indicate the suicide attempt as the variable most associated with new attempts and suicides. It is concluded, based on the findings, that preventive actions can have a greater impact if initiated before the presentation of the first suicide attempt.

Keywords: Suicide attempt; Recurrence; Suicidal behavior

Resumen

Los factores asociados al suicidio son múltiples, multifacéticos y lo convierte en la consecuencia última de todo un proceso. En este articulo se realizó, en las bases de datos de la Biblioteca Virtual en Salud y PubMed, una revisión de estudios para identificar factores asociados a la repetición de intentos de suicidio entre los años 2000 y 2020. Se extrajo información sobre fecha de publicación, población, lugar, medio de recolección utilizado y factores asociados. Posteriormente, los datos se organizaron en categorías de análisis. En total, se seleccionaron y revisaron 23 estudios. Hubo mayor correspondencia por repetición en personas que ya habían intentado suicidarse. El trastorno mental y el abuso de sustancias aparecieron como el segundo factor más asociado. Los resultados indican el intento de suicidio como la variable más asociada a nuevos intentos y suicidios. Se concluye, con base en los hallazgos, que las acciones preventivas pueden tener un mayor impacto si se inician antes de la presentación del primer intento de suicidio.

Descriptores: Intento de suicidio; Recurrencia; Conducta suicida

 

 

INTRODUÇÃO

O suicídio tem um impacto significativo na saúde pública em todo o mundo1. A Organização Mundial da Saúde (OMS)2 aponta a redução da mortalidade, relacionada ao suicídio, como um "imperativo global", e orienta ações sobre o tema, em contraste com o tabu que tradicionalmente envolve os comportamentos suicidas, cuja abordagem nem sempre é adequada tanto dentro quanto fora dos serviços de saúde3. A partir dessa premissa, entende-se o suicídio como um tipo de morte evitável, ou seja, que pode ser prevenida por meio de ações efetivas dos serviços de saúde, combinadas com estratégias de prevenção universais, seletivas e indicadas4.

Segundo dados da OMS5, o número de tentativas supera o de suicídios em cerca de 40 vezes ou 20 tentativas de suicídio para cada suicídio. Estima-se uma tentativa de suicídio a cada três segundos e a ocorrência de um suicídio a cada 40 segundos. Aproximadamente, um quarto dos indivíduos com história de tentativas acaba tentando novamente o suicídio no ano seguinte e para cada suicídio completo há entre 10 e 20 tentativas de suicídio6. Outros dados da OMS6 sugerem que apenas cerca de 25% dos que tentaram um suicídio passaram em atendimento em hospitais públicos. Isso indica que os dados frequentemente considerados pelas políticas de prevenção podem estar subestimados. Entre esses fatores, a tentativa de suicídio tem sido apontada como um preditor significativamente associado a mortes por suicídio. A tentativa de suicídio pode ser definida como um comportamento suicida cujo resultado não é letal7.

Pessoas com história de tentativa de suicídio têm risco até 100 vezes maior de suicídio consumado em comparação com a população em geral. Cerca de 800.000 pessoas morrem por suicídio anualmente, das quais cerca de um terço tem menos de 30 anos. A prevalência de tentativa de suicídio é significativamente maior do que a de morte por suicídio e está associada ao risco elevado de morte posterior por suicídio8. Evidências de que tratamentos específicos são eficazes na redução do risco de tentativas repetidas até agora são limitadas6. Portanto, uma melhor diferenciação entre as pessoas que tentam o suicídio e acabam por suicidar-se e as que não o fazem é fundamental para o desenvolvimento de planos preventivos9. Além disso, a identificação de fatores de risco de repetição pode auxiliar no desenvolvimento de estratégias que diminuam a probabilidade de sua reapresentação. Em uma revisão de literatura, Hawton et al.10 identificaram que a prevalência de tentativa de suicídio é significativamente maior do que a de morte por suicídio e está associada ao risco elevado de morte posterior por suicídio.

Considerando o suicídio como um problema de saúde pública evitável em até 90% dos casos2 e a tentativa de suicídio um importante preditor para o aumento da probabilidade de novas tentativas e de morte por suicídio8,10, o presente estudo objetivou identificar em artigos publicados nos últimos 20 anos, outros fatores relacionados a repetição de tentativas de suicídio. Para tal, foi realizada uma revisão integrativa da literatura orientada pela seguinte questão: "Quais fatores têm sido apontados pela literatura nos últimos 20 anos sobre a recorrência de tentativas de suicídio". Acredita-se que levantamento de fatores que aumentam a probabilidade de recorrência de tentativas de suicídio pode melhorar o conhecimento sobre os contextos antecedentes à uma tentativa - fatores predisponentes e precipitantes; informações sobre a tentativa - letalidade, meios, local - e os contextos subsequentes à tentativa - se houve socorro médico, internação, encaminhamentos de saúde etc. A identificação dos fatores associados ao longo do período investigado pode indicar alterações nesses fatores e auxiliar no desenvolvimento de estratégias para prevenção da recorrência de tentativas de suicídio.


MÉTODO

Para identificar os fatores de risco associados a repetição da tentativa de suicídio foi realizada uma busca de artigos nas bases de dados do sítio da Biblioteca Virtual de Saúde (BVS): Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs) e Scientific Eletronic Library Online (SciELO). Adicionalmente, foram pesquisadas publicações na base de dados Medline (National Library of Medicine) por meio do PubMed. As buscas ocorreram entre os meses de maio e julho de 2020.

Para a busca, foram utilizados os descritores em Saúde (DeCs em formato de frase boleana ([tentativa de suicídio] AND ["recorrente"]) e ([suicide attempt] AND ["recurrence"]). Não houve limites em relação à seleção de idiomas, com intuito de identificar a maior quantidade possível de artigos dentro do período. Como critérios de inclusão, foram considerados os estudos cuja variável dependente fosse a tentativa de suicídio e como objetivo principal a identificação de fatores associadas à sua repetição. Como critérios de exclusão foram desconsiderados (1) estudos cujo objetivo fosse tratar de questões conceituais ou teóricas sobre o tema; (2) estudos realizados por meio do procedimento denominado de autópsia psicológica; (3) estudos de populações especiais (ex. adultos institucionalizados); (4) estudos anteriores a 2000; e (5) estudos em formato de revisão de literatura.

Após as buscas nas bases de dados (1ª etapa de seleção), procedeu-se à avaliação da adequabilidade dos títulos ao objetivo do estudo e exclusão de artigos repetidos (2ª etapa de seleção). Os resumos então foram lidos e avaliados (3ª etapa de seleção). Nessa etapa ainda permaneceram os artigos que apresentavam no título e no resumo pelo menos um dos termos de busca. Em seguida, foram excluídos todos os artigos cujo objetivo descrito no resumo não fosse a avaliação, a identificação, o levantamento ou a descrição de fatores relacionados a repetição de tentativas de suicídio. Os demais artigos foram selecionados para leitura na íntegra (4ª etapa de seleção).

Os seguintes dados foram extraídos para fins de análise: (1) autor(es) e ano de publicação (2), país onde o estudo foi realizado, (3) local/nível de complexidade onde foi realizada a pesquisa (hospitais, unidades de pronto atendimento, ambulatórios ou serviços de atenção primária a saúde); (4) população investigada, participantes ou se o estudo foi feito a partir de dados secundários; (5) meios de coleta de dados utilizados; e (6) fatores associados à repetição de tentativas de suicídio.


RESULTADOS

A Figura 1 apresenta a síntese da busca realizada após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão descritos no método. A busca retornou um total de 527 artigos, dos quais 23 compuseram a amostra de artigos analisados e lidos na íntegra.


Figura1. Fluxograma do processo de busca, seleção e inclusão dos artigos



Os dados extraídos para fins de análise foram sistematizados nos Quadros 1 e 2. Os estudos foram conduzidos em diferentes países, majoritariamente em países desenvolvidos: países do Reino Unido concentraram 26 % dos estudos, correspondendo ao maior número de publicações (n=6)11,12,13,14,15,16, com destaque para a Escócia, com 13% (n=3)11,12,13. Um dos artigos foi realizado a partir de dados coletados no Brasil e escrito em português17. O Brasil também aparece como colaborador em um dos 23 artigos18. Sobre o idioma, o inglês foi o mais presente nos estudos (n=21), seguido do espanhol (n=2) 19,20. Em relação ao ano de publicação, 19 artigos foram publicados nos últimos 10 anos, com maior número de artigos publicados em 2017 e em 2019, totalizando quatro estudos em cada ano.






A população investigada variou conforme o desenho do estudo. Quando advindos de bancos de dados secundários, o número total da amostra foi mais abrangente; já as pesquisas realizadas a partir de dados primários, obtidos especialmente durante o período de internação ou seguimento após alta, contaram com menos participantes. Independentemente do tipo de coleta realizado, ambos os gêneros foram considerados. A idade variou entre 13 e 75 anos nas pesquisas em que as informações foram obtidas diretamente com os participantes. Nos estudos baseados em bancos de dados preexistentes, não houve limitação de faixa etária, pois foram consideradas as informações desde o nascimento até a morte. O local de coleta predominante foi o ambiente hospitalar (n=19), variando entre os departamentos de psiquiatria e emergência. Três artigos foram realizados com base em bancos de dados relativos a outros estudos ou advindos de registros nacionais sobre internações por tentativa de suicídio ou óbito por suicídio.

Nos estudos revisados, houve uma heterogeneidade de metodologias utilizadas para avaliar os resultados. A técnica mais frequente nos artigos foi o uso de entrevistas. Quanto aos instrumentos utilizados nos estudos para levantar os fatores relacionados à repetição, informações de bancos de dados, medidas baseadas em autorrelato - questionários, escalas e inventários - e registros de prontuário esteve presente na totalidade dos estudos. Oito artigos combinaram pelo menos três meios de coleta de dados e fontes de informação: entrevistas, aplicação de escalas e análise de prontuário.

O período de coleta das informações foi variado em função dos desenhos de pesquisas e da fonte de dados (se primária ou secundária) em cada estudo. O período de maior abrangência da coleta se deu em dois estudos de coorte, ao passo que os de menor tempo de coleta foram os artigos comparativos, especialmente os que basearam suas informações nas avaliações durante o período de internação dos participantes do estudo.

A presença de pelo menos uma tentativa de suicídio ao longo da vida foi identificada, em todos os artigos ao longo do período investigado e este foi apontado como o principal preditor para novas tentativas de suicídio. Outros 14 fatores relacionados à repetição de tentativa de suicídio foram agrupadas em cinco categorias, construídas a partir da análise dos resultados e reunidas segundo o impacto dentro dos estudos consultados: (1) outros problemas de saúde, (2) ocorrência de outros comportamentos suicidas, (3) características do episódio suicida, (4) período posterior a tentativa índice e (5) história de vida e aspectos socioemocionais. As categorias, fatores e artigos em que elas foram identificadas estão organizados no Quadro 2.

Na categoria Outros problemas de saúde foram agrupados aspectos que repercutem negativamente na qualidade de vida do indivíduo, deixando-o mais vulnerável a recorrer a alternativas para eliminação de sofrimento, comuns no relato dos sobreviventes de uma tentativa de suicídio. Estão entre os problemas: dependência química, transtorno psiquiátrico, doenças degenerativas ou com prognóstico desfavorável. Dentro dessa categoria, a presença de transtornos psiquiátricos foi o segundo fator mais associado a novas tentativas de suicídio (após o histórico tentativa de suicídio), sendo mencionada em 39% dos estudos (n = 9)12,17,20,21,22,23,24,25.

Na categoria ocorrência de outros comportamentos suicidas estão comportamentos frequentemente relatados por pessoas socorridas após uma tentativa de suicídio e que participariam do continuum comportamental que muitas vezes precede uma tentativa de suicídio32. A autolesão não suicida foi citada como um preditor de transição para uma tentativa de suicídio e para novas tentativas, em pessoas com relato de ideação suicida31. Ideias sobre "estar morto" estão fortemente relacionadas aos pensamentos atuais de automutilação27. Destacam-se também pessoas com "planos definidos" e envolvidos em atividades de preparação para depois de sua morte (por exemplo, preparar um testamento, pagar por seu funeral). Além disso, os indivíduos que fizeram planos definitivos e tomaram medidas adicionais para se preparar para a tentativa apresentaram grande probabilidade de outra tentativa após a alta hospitalar26.

A categoria Características do episódio suicida versa sobre informações relativas ao contexto de uma tentativa de suicídio, incluindo informações sobre o método, a presença ou não de planejamento, o risco à vida, a presença de intencionalidade na tentativa etc. Relatos ideação, autolesão não suicida, bem como planejamento de uma tentativa e características da tentativa de suicídio, apareceram como fatores para risco de recorrência de tentativa de suicídio apenas em estudos publicados a partir de 201714,16,20,26,27,28.

A categoria Período posterior a tentativa índice informa sobre o período posterior à internação e outras informações advindas bases de dados secundárias sobre pessoas que tentaram um suicídio. O tempo transcorrido após uma internação por tentativa de suicídio apareceu em 34,7% (n = 8). Monitorar os indivíduos após a alta se faz importante para a prevenção novas tentativa de suicídio21. O dado também reforça a necessidade de intervenções mais próximas da alta hospitalar, especialmente nos seis primeiros meses, considerado o período de maior risco de ocorrência de novas tentativas de suicídio18,26. A saída do hospital foi associada a um risco aumentado para novas tentativas de suicídio, no período imediatamente posterior à alta, sobretudo, em pessoas que sofreram tentativas por métodos mais violentos e necessitaram de cuidados mais intensivos para a recuperação20,23,26 (ex. queda de locais elevados, ferimentos por arma de fogo).

Os períodos de um, dois e quatro anos também foram apontados como críticos para a apresentação de novos episódios autolesivos e mortes por suicídio em todos os gêneros e faixas etárias presentes nas amostras estudadas. A categoria também engloba o relacionamento com os serviços de saúde durante e após a alta hospitalar, envolvendo desde o seguimento ou não das condutas da equipe do hospital até adesão ou não a oferta de tratamento ambulatorial e/ou medicamentoso16,18. Pessoas que perderam precocemente o contato com serviços de saúde estiveram entre as que mais repetiram uma tentativa de suicídio no período de 10 anos após a alta hospitalar16. Estudos de seguimento apontaram a necessidade de maior articulação entre as intervenções precoces e as de longo no sentido de promover mais adesão e, consequentemente, redução de novas internações por tentativa de suicídio26,33.

Na categoria História de vida e aspectos socioemocionais foram incluídas variáveis relacionadas ao núcleo familiar, redes de apoio e características individuais que podem favorecer ou prejudicar o desenvolvimento de repertórios para lidar com situações de estresse. Histórico de suicídio na família (particularmente em parentes de primeiro grau) confere risco aumentado para ocorrência de comportamentos suicidas, porém essa correlação, apontada apenas em um dos estudos analisados11, não foi significativa para prever uma tentativa de suicídio ou a repetição. Dos determinantes conhecidos para tentativas de suicídio fatores como desesperança, vergonha, esquemas precoces desadaptativos e menos razões percebidas para viver não foram significativamente associadas ao risco aumentado para a recorrência de tentativas. Por outro lado, aspectos como baixo suporte social, dificuldades em lidar com a raiva, repertório de resolução de problemas deficitário quando combinados a transtornos psiquiátricos apresentaram maior probabilidade de apresentação de novas tentativas de suicídio10,12,13,14,22,23,31.


DISCUSSÃO

O levantamento de fatores que aumentam a probabilidade de recorrência de tentativas de suicídio permitiu identificar que a interação de fatores predisponentes (relacionados à história de vida) e precipitantes (relacionados a estímulos ambientais imediatos, gatilhos etc.) eleva o risco de apresentação de novas tentativas de suicídio. Houve pouca variação dentro do período de tempo investigado com relação ao risco de recorrência de tentativa de suicídio ser maior em indivíduos com pelo menos uma história de tentativa de suicídio. Este dado é semelhante ao relatado por estudos anteriores e apoia a evidência de que uma tentativa de suicídio é um fator de risco que não pode ser subestimado quando se pensa em prevenção do suicídio2.

Com base na amostra analisada observou-se que a produção de pesquisas sobre fatores que elevam o risco da repetição de tentativas de suicídio foi maior nos últimos 10 anos1. A crescente atenção evidencia que, embora o suicídio não seja uma doença, o comportamento suicida - incluindo desde a ideação suicida, o planejamento de um suicídio e a tentativa de suicídio - mantém-se como um importante problema de saúde pública.

Comparando-se pessoas com uma tentativa de suicídio com outras com múltiplas tentativas ao longo da vida, verificou-se que o número de tentativas de suicídio por si só não representa um preditor significativo para a ocorrência de novas tentativas de suicídio11. Todavia, entre adultos com múltiplas tentativas, o risco de uma tentativa futura aumenta em aproximadamente 33%, quando associado também à presença de quadros psiquiátricos13. Um padrão de risco semelhante foi observado em estudos com adolescentes e, em ambas as populações, o tempo estimado para a próxima tentativa tende a ser menor, quando é maior o número de tentativas25,27.

Características da tentativa de suicídio anteriores podem ser utilizadas para identificação de pacientes com risco elevado de outra tentativa após a alta hospitalar. Participantes que fizeram planos definitivos e se submeteram a uma preparação extensiva para suicidarem-se corriam o maior risco de tentativas subsequentes e maior risco de finalizar o suicídio20,26. Verificou-se que pessoas que já tiveram uma tentativa de suicídio são as mais vulneráveis a sofrer uma nova tentativa ao longo da vida e as mais propensas a morrer por suicídio. Essa variável esteve presente em todos os estudos ao longo do período investigado. As informações sobre o episódio suicida podem auxiliar na identificação de subgrupos com alto risco de outra tentativa e, em conjunto com demais informações clínicas, podem ser utilizadas melhorar a avaliação de risco de suicídio. Verificou-se que a repetição de tentativas foi significativamente maior entre os que entre as pessoas que realização uma tentativa prévia mais violenta e com menos chances de socorro26.

Aspectos como história familiar de doença mental e de suicídio, bem como presença de doenças crônicas, apareceram em um número reduzido de estudos, indicando baixa associação desses fatores com a apresentação de novas tentativas de suicídio. Apego inseguro ou vínculo parental inadequado foram identificados como potenciais fatores de risco do suicídio de adolescentes, especialmente naqueles com transtornos de humor. Estudos futuros são necessários para uma melhor compreensão acerca dessa variável. Houve associação positiva entre ideação suicida no mês anterior ao comportamento de autolesão e o desejo de morrer9,31.

A presença de diagnóstico psiquiátrico e abuso de substâncias também foi prevalente nos estudos que investigaram o risco de apresentação de novas tentativas de suicídio em populações psiquiátricas e usuárias de substâncias psicoativas. Nessas populações quadros de humor como: depressão maior, distimia, Transtorno afetivo-bipolar; Transtorno de personalidade - predominantemente do Grupo B - foram os mais associados. Verificou-se um aumento da taxa de tentativas recorrentes de suicídio em pessoas com transtorno de personalidade Borderline (cerca de 14%)9,10,11,113,14,16,21,22,29. Já em pessoas com transtornos depressivos e de ansiedade ao longo da vida, o risco novas de tentativas de suicídio foi cerca de 32% para cada aumento de unidade nos traços de personalidade limítrofes. Supõe-se que padrões de impulsividade estejam relacionados ao aumento das tentativas nessa população13.

Substâncias como álcool, cannabis e benzoilmetilecgonina apareceram como as substâncias psicoativas mais comuns entre as pessoas que apresentaram novas internações por tentativas de suicídio, sendo maior em adolescentes e jovens adultos (até 24 anos). O acesso a medicamentos, necessários para tratamentos de saúde mental, também foi associado ao risco de overdose9. A presença de doenças crônicas apareceu em apenas um dos estudos. Algumas doenças físicas foram associadas a comportamentos suicidas, como síndrome de dor crônica, doenças neurológicas, infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) e neoplasias. No entanto, a ocorrência de doença crônica, por si só, não consistiu em uma variável significativamente associada à tentativa de suicídio29. Estudos cujos objetivos foram avaliar a prevalência de suicídio em pessoas com histórico de tentativa ou de múltiplas tentativas de suicídio concluíram que a aplicação de estratégias para prevenir suicídio somente após a ocorrência da primeira tentativa de suicídio podem ser muito atrasadas se for considerado que quase dois terços dos que tentam morrem após primeira tentativa de suicídio30,31.

Os dados do estudo33 corroboram as orientações da OMS6 no que se refere ao impacto da prevenção de comportamentos suicida, especialmente das tentativas de suicídio para a redução do número de suicídios32. Acredita-se que pesquisas futuras são necessárias para validar esse dado e, assim, favorecer a aplicação de estratégias mais precoces de prevenção. No entanto, é preciso considerar que o recorte feito no presente estudo se situa no nível de estudos revisados e, como tal, não abarca a realidade de forma concreta, de modo empírico e direto. Há que se considerar ainda a multiplicidade de metodologias presentes nos estudos analisados, como o país onde a pesquisa foi realizada, ou seja, o quanto um determinado país trata e estuda esse fenômeno; especificidades dos países ou continentes com maior número de estudos públicos etc. Assim, apesar da tentativa de levantar fatores relacionados ao comportamento de repetir uma tentativa de suicídio, faz-se necessário considerar a premissa inicial aqui apresenta, a respeito do aspecto multifatorial do comportamento analisado.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora o suicídio seja o resultado de uma série complexa de fatores e variáveis diversas e ainda não seja possível prever com segurança quando alguém tentará um suicídio33, é consenso entre os estudos analisados que a melhoria da avaliação do risco de suicídio pode ser um fator crítico na prevenção de novas tentativas. Paralelo a isso, a combinação de intervenções após a alta hospitalar com ações de longo prazo são estratégias importantes para a redução das tentativas e consequentemente podem reduzir as mortes por suicídio.

Pode-se considerar um ponto de destaque do presente estudo a disparidade do número de pesquisas entre os países e mesmo entre os continentes, sendo a Europa o mais predominante. Foi possível verificar também a baixa quantidade de artigos abordando o tema no Brasil. Dado que o país tem registrado um aumento das taxas de internações por tentativas de suicídio e de suicídios nos últimos anos6, pode-se inferir a carência de estudos no país como um dos fatores que contribuem para que o sigamos na contramão na prevenção dos índices de suicidalidade.

Entre as limitações do trabalho, pode-se destacar a forma utilizada para a apresentação dos resultados, que consistiu em uma descrição predominantemente qualitativa dos estudos analisados pode ter limitado a elucidação dos fatores de risco identificados. Além disso, os possíveis vieses oriundos de uma pesquisa baseada em estudos secundários podem ter comprometido uma análise mais criteriosa do fenômeno que se buscou analisar. Outras limitações com relação aos achados podem ser devidas a diferenças metodológicas adotadas nos artigos analisados, o recrutamento dos participantes ter se dado quase que exclusivamente em hospitais e o tamanho da amostra do presente estudo.

Diante disso, recomenda-se que estudos futuros explorem outras perspectivas metodológicas, incluindo tratamento estatístico dos dados, como forma de minimizar possíveis vieses comuns a descrições qualitativos de estudos secundários. Além disso, a interação entre fatores predisponentes e precipitantes de uma tentativa de suicídio e da sua recorrência precisaria ser melhor explicitada.


NOTAS QUADRO 1


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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de pós Graduação em Análise Experimental do Comportamento - Análise do Comportamento - São Paulo/SP - Brasil

Autor correspondente

Maria Vanesse Andrade
maria02lp@gmail.com / E-mail alternativo: vane02lp@yahoo.com.br

Submetido em: 13/04/2021
Aceito em: 23/10/2021

Contribuições: Maria Vanesse Andrade - Coleta de Dados, Conceitualização, Gerenciamento de Recursos, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição.

 

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