Rev. bras. psicoter. 2022; 24(1):49-62
Barletta JB, Rebessi IP, Neufeld CB. A contratransferência no processo supervisionado em Terapia Cognitivo-Comportamental. Rev. bras. psicoter. 2022;24(1):49-62
Artigo de Revisao
A contratransferência no processo supervisionado em Terapia Cognitivo-Comportamental
The countertransference in Cognitivebehavioral Therapy supervised process
La contratransferencia en el processo supervisado en Terapia Cognitivo-Conductual
Janaína Bianca Barletta; Isabela Pizzarro Rebessi; Carmem Beatriz Neufeld
Resumo
Abstract
Resumen
A terapia cognitivo-comportamental (TCC) tem características específicas que definem sua forma de trabalho e dão vazão aos axiomas que a sustentam. A relação terapêutica, por exemplo, que é um dos elementos essenciais no processo de intervenção psicoterápica, reconhecida em todas as abordagens teóricas e considerada uma competência genérica, tem características específicas na TCC. Ou seja, é baseada no empirismo colaborativo, na troca de conhecimentos para construção conjunta de solução de problemas em terapia, imprimindo a participação ativa tanto do paciente quanto do terapeuta1. Na mesma direção, Kazantzis, Dattilio e Dobson2 apontam três elementos distintivos da TCC na relação terapêutica que divergem de outras abordagens: (a) a colaboração, que nesta concepção teórico-prática, provoca mudanças na implicação dos envolvidos, por exemplo, convidando os pacientes a serem ativos no processo psicoterápico, tornando-se agente de mudança. O terapeuta, por sua vez, faz uma função de guia, isto é, parte de uma postura mais diretiva e menos contemplativa; (b) o empirismo, característica que potencializa a avaliação da experiência, ou seja, dos pensamentos, das emoções e dos comportamentos, a partir de eventos do ambiente, com base nos indicativos empíricos e; (c) o diálogo socrático, que pressupõe uma postura curiosa e de entendimento do outro, sugerindo que o terapeuta apresente questionamentos informativos, de análise e de sínteses, resumos periódicos e, escuta ativa e empática. Desta forma, oportuniza-se a identificação de pontos divergentes, a tomada de perspectiva, a elaboração de novos significados, levando à descoberta guiada3,4 e à apropriação do próprio processo terapêutico pelo paciente2. Para tanto, terapeuta e paciente precisam reconhecer-se como uma verdadeira equipe, na qual cada um tem papel fundamental. A relação terapêutica baseada na colaboração, empirismo e descoberta guiada é essencial para que os outros elementos específicos da TCC sejam conduzidos de maneira apropriada, como a adequação do uso de programas, estrutura, técnicas, para que sejam efetivos para o atendimento em questão1 .
Uma vez que há uma interação baseada no empirismo colaborativo no processo terapêutico, entende-se que a repercussão da relação ocorra para ambos os envolvidos, qual seja, paciente e terapeuta. Barletta, Cardoso e Neufeld5 apontam que a relação de ajuda psicoterápica pode ser extremamente desgastante e, portanto, vulnerabilizar o profissional, tornando-o sensível a sentir-se abalado nesse processo, podendo gerar ou potencializar desconforto intenso, por exemplo. Assim, exige-se do terapeuta um repertório de habilidades sociais acurado, tais como a habilidade de fornecer e solicitar feedbacks apropriadamente, equilibrar as habilidades empáticas e assertivas, e manejar problemas interpessoais, bem como, elementos relacionados ao autoconhecimento do profissional6. De acordo com Pugh e Margetts7 as habilidades sociais do terapeuta são fundamentais para uma relação adequada em terapia, mas também são complexas, uma vez que estão diretamente associadas ao contexto. Isto é, inclui aspectos pessoais e inter-relacionais do terapeuta, sincronização com o processo terapêutico, integração conceitual e habilidades procedimentais.
Um dos aspectos considerados nesse processo é a contratransferência, definida como a reação esquemática do terapeuta frente ao comportamento do paciente em contexto clínico e/ou à situação terapêutica7. Leahy8 ressalta que os terapeutas também têm esquemas que podem ser disfuncionais e quando ativados nas situações de terapia com o paciente podem ser considerados a contratransferência na TCC. Este autor exemplifica pensamentos automáticos que aparecem com frequência na contratransferência ao destacar distorções como rotulação quando o terapeuta avalia que o paciente é resistente ao processo terapêutico e não adere as propostas da terapia, a personalização ao se culpabilizar pela demora da melhora do paciente, ou mesmo o pensamento tirano do tipo deveria, ao interpretar que o paciente deveria fazer o plano de ação. Pugh e Margetts7 reforçam que as reações cognitivo-afetivas disfuncionais dos terapeutas em contexto clínico são comuns em TCC, sejam estas relacionadas ao paciente e/ou à situação psicoterapêutica, que, por sua vez, podem gerar ou manter crenças disfuncionais e pensamentos autorreferentes avaliativos, fortalecendo a autocrítica demasiada e catastrófica do terapeuta.
Ao contemplar este cenário, um questionamento que aparece é sobre o impacto que tais pensamentos podem ter no terapeuta e, consequentemente, na condução da psicoterapia. Como exemplo relacionado à psicoterapia, as suposições do terapeuta sobre limitação que a estrutura de sessão da TCC impõe no processo, torna mecânica a relação estabelecida, ou mesmo, suposições que a agenda deixa a terapia insensível à necessidade de fala do paciente, impedindo que possa ser abarcado o que é importante e diminuindo o acolhimento à angústia do paciente, podem impactar na falta de fidelidade e empatia na aplicação da TCC, afastando-o de uma condução adequada9.
Nesse sentido, entende-se que a atenção as próprias emoções e as especificidades dos conteúdos cognitivos ocorridos em sessão fazem parte das competências do terapeuta. O manejo da contratransferência com o uso de técnicas cognitivas de identificação, avaliação e modificação de pensamentos, bem como de regulação emocional podem favorecer a tomada de consciência das crenças e dos esquemas ativados do terapeuta e, consequentemente, o aumento da qualidade na condução clínica10,11. Porém, a contratransferência pode facilmente ser negligenciada ou passar desapercebida pelo terapeuta, o que, por sua vez, favorece o sofrimento do profissional frente ao atendimento, bem como atitudes contraproducentes ao processo terapêutico12. Logo, o manejo das questões emocionais do terapeuta eliciadas no atendimento clínico se torna fundamental para prevenir intervenções prejudiciais e aumentar a qualidade do atendimento13.
Castonguay et al.13 entendem que, em supervisão, os terapeutas em formação podem desenvolver a capacidade de monitoramento dos sentimentos eliciados em sessão, especialmente dos desagradáveis de sentir, como raiva, mas também os excessivamente agradáveis de sentir ou até mesmo ambivalentes7,11. Para aprender a identificar e manejar a contratransferência, é preciso uma atitude aberta para a auto-observação e autoconhecimento de pontos fortes e vulnerabilidades. Dessa forma, considera-se a supervisão clínica como um momento oportuno e crucial no treinamento de terapeuta, que pode potencializar o desenvolvimento do repertório de competências clínicas, incluindo o processo reflexivo e autorreflexivo do terapeuta em formação5,6,14. Assim, é nesse contexto que o terapeuta em supervisão aprende a conceitualizar a própria contratransferência, movendo-a de uma percepção de frustração para compaixão no contexto clínico7.
A supervisão clínica em TCC se assemelha à psicoterapia e é regida pelos mesmos pressupostos e axiomas da teoria. Por outro lado, é uma atividade diferenciada e específica, que tem características únicas e finalidade distinta da prática clínica, com três propósitos primordiais e inter-relacionados, quais sejam, formativo, normativo e restaurador15. Essas autoras reforçam que estes três aspectos são considerados funções essenciais que norteiam a supervisão, portanto, devem ser alçados ao longo do processo supervisionado. Assim, pode-se dizer que a supervisão clínica tem como intuito auxiliar o terapeuta em formação a desenvolver competências psicoterapêuticas (função formativa), baseadas na ética e qualidade de intervenção (função normativa), sempre prezando pelo suporte emocional e resguardando a saúde mental do profissional (função restauradora) (Figura 1).
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