ISSN 1516-8530 Versão Impressa
ISSN 2318-0404 Versão Online

Revista Brasileira de Psicoteratia

Submissão Online Revisar Artigo

Rev. bras. psicoter. 2022; 24(1):63-90



Artigo de Revisao

Evidências científicas sobre os benefícios da religião/espiritualidade em pacientes oncológicos

Scientific evidence of the benefits of religion/spirituality in patients with cancer

Evidencia científica sobre benefícios de la religión/espiritualidad en pacientes oncológicos

Fábio Craidy Bührer; Felipe Ornell

Resumo

INTRODUÇÃO: O câncer é uma condição altamente prevalente. Os efeitos da doença e/ou do tratamento extrapolam a esfera física, afetando a saúde mental, a funcionalidade e os relacionamentos familiares e sociais. Em pacientes oncológicos, a religião/espiritualidade (R/E) está presente e tem sido associada a benefícios em diversas esferas. Porém, ainda há poucas publicações científicas abordando este tema na língua portuguesa. OBJETIVO: Investigar as evidências científicas sobre os benefícios da R/E em pacientes oncológicos a partir de uma revisão rápida de literatura. MÉTODO: a busca sistematizada foi realizada em agosto de 2020, no PubMed, a partir das palavras-chave cancer and religion or religiosity or spirituality. Foram recuperados 1.106 artigos publicados entre 2000 e 2020, dos quais 31 revisões sistemáticas ou meta-análises preencheram os critérios de inclusão. RESULTADOS: Há evidências que, em pacientes oncológicos, a R/E tem efeitos positivos na saúde mental, incluindo redução da ansiedade, depressão e estresse, além de melhora no humor e aceitação. Na saúde física, está associada à redução na fadiga e melhora do sono. Na saúde social, influencia a manutenção/ ampliação da rede de apoio. Na qualidade de vida, destacam-se o bem-estar físico e espiritual, redução de efeitos colaterais, diminuição do humor negativo e angústia, estados afetivos mais positivos e maiores níveis de autoestima. CONCLUSÃO: Estratégias que envolvem R/E parecem promissoras na abordagem complementar de pacientes oncológicos, estando associadas à melhora da saúde mental, física, social e qualidade de vida. O avanço nas pesquisas deve continuar, principalmente em relação aos mecanismos em que a R/E impacta a saúde.

Descritores: Câncer; Religião; Espiritualidade

Abstract

INTRODUCTION: Cancer is a highly prevalent condition. The effects of the disease and/or treatment go beyond the physical sphere, affecting mental health, functionality and family and social relationships. In cancer patients, religion/spirituality (R/S) is present and has been associated with benefits in several spheres. However, there are still few scientific publications addressing this topic in Portuguese. OBJECTIVE: To investigate the scientific evidence on the benefits of R/S in cancer patients from a quick literature review. METHOD: the systematic search was carried out in August 2020, in PubMed, using the keywords cancer and religion or religiosity or spirituality. A total of 1,106 articles published between 2000 and 2020 were retrieved, of which 31 systematic reviews or meta-analyses met the inclusion criteria. RESULTS: There is evidence that, in cancer patients, R/S has positive effects on mental health, including reduced anxiety, depression and stress, in addition to improving mood and acceptance. In physical health, it is associated with reduced fatigue and improved sleep. In social health, it influences the maintenance/expansion of the support network. In terms of quality of life, physical and spiritual well-being, reduced side effects, decreased negative mood and anguish, more positive affective states and higher levels of self-esteem stand out. CONCLUSION: Strategies involving R/S seem to be promising in the complementary approach of cancer patients, being associated with improved mental, physical and social health and quality of life. Advances in research should continue, especially in relation to the mechanisms by which R/S impacts health.

Keywords: Cancer; Religion; Spirituality

Resumen

INTRODUCCIÓN: el cáncer es una enfermedad de alta prevalencia. Los efectos de la enfermedad y/o tratamiento van más allá del ámbito físico, afectando la salud mental, la funcionalidad y las relaciones familiares y sociales. En los pacientes con cáncer, la religión/espiritualidad (R/E) está presente y se ha asociado con beneficios en varias esferas. Sin embargo, todavía hay pocas publicaciones científicas que aborden este tema en portugués. OBJETIVO: Investigar la evidencia científica sobre los beneficios de la R/E en pacientes con cáncer a partir de una revisión rápida de la literatura. MÉTODO: la búsqueda sistemática se realizó en agosto de 2020, en PubMed, utilizando las palabras clave cáncer y religión o religiosidad o espiritualidad. Se recuperaron un total de 1106 artículos publicados entre 2000 y 2020, de los cuales 31 revisiones sistemáticas o metanálisis cumplieron los criterios de inclusión. RESULTADOS: Existe evidencia de que, en pacientes con cáncer, la R/E tiene efectos positivos sobre la salud mental, incluida la reducción de la ansiedad, la depresión y el estrés, además de mejorar el estado de ánimo y la aceptación. En salud física, se asocia con una reducción de la fatiga y una mejora del sueño. En salud social, influye en el mantenimiento/expansión de la red de apoyo. En cuanto a calidad de vida, bienestar físico y espiritual, se destacan la reducción de efectos secundarios, la disminución del estado de ánimo negativo y la angustia, estados afectivos más positivos y mayores niveles de autoestima. CONCLUSIÓN: Las estrategias que involucran R/E parecen ser prometedoras en el abordaje complementario de los pacientes con cáncer, ya Evidências ciEntíficas sobrE os bEnEfícios da rEligião/EspiritualidadE Em paciEntEs oncológicos que se asocian con una mejor salud mental, física y social y calidad de vida. Deben continuar los avances en la investigación, especialmente en relación con los mecanismos por los cuales la R/E impacta la salud.

Descriptores: Cáncer; Religión; Espiritualidad

 

 

INTRODUÇÃO

O câncer é uma das principais causas de morte no mundo, independentemente da renda. Prospecta-se um aumento no número de óbitos nos próximos anos, o que pode ser explicado, entre outros fatores, pelos estilos de vida que aumentam o risco da doença e pelo envelhecimento das populações1. Em 2018, mais de 18 milhões de novos casos foram registrados no mundo2. A estimativa para o Brasil indica 625 mil casos de câncer para cada ano do triênio 2020-20223.

Diante da doença é comum que os pacientes realizem uma reflexão ampliada sobre a sua história, suas relações afetivas e o futuro4. Isso também contribui para um número crescente de pessoas que buscam apoio na R/E5. Estima-se que, aproximadamente, 68% da população mundial qualifica alguma forma de espiritualidade como algo importante em suas vidas6. Sobre as definições de R/E, entende-se que a religião está organizada em práticas, crenças e símbolos. Permite aproximar o transcendente e criar uma vida em comunidade com mais responsabilidade8. A religiosidade aparece como uma extensão de cada indivíduo que acredita, segue e/ou pratica uma religião9. A espiritualidade é definida como algo interno, pessoal, uma expressão emocional que surge da busca do sagrado10. Pode manifestar-se atribuindo um sentido à vida, o que leva à transcendência e, até mesmo, como uma jornada para o autodescobrimento. Justamente por ser um termo amplo, não existe um consenso sobre sua definição11. A diversidade surge formando um mosaico de religião para religião, de espiritualidade para espiritualidade e de indivíduo para grupos, em que os elementos não são os mesmos12.

Somente na década de 90 e na virada do século XXI, o interesse científico pela relação entre R/E e saúde ganhou mais força. Estudos começaram a ser desenvolvidos não apenas por grupos de pesquisadores dos Estados Unidos, mas também por cientistas no Canadá, Grã-Bretanha, Alemanha, entre outros13. Em 1993, menos de cinco escolas médicas americanas possuíam a disciplina de R/E. Em 15 anos, o número subiu para mais de 100. Já nas escolas britânicas, 59% apresentavam cursos relacionados ao tema14. Na Psicologia, a maioria dos profissionais já reconhece a R/E como elemento importante da diversidade humana15.

Organizações que atuam com pacientes oncológicos estão aceitando formalmente a relevância da avaliação de R/E e o papel potencial que podem servir na prestação de cuidados16. Em uma pesquisa com membros internacionais da Associação Multinacional de Cuidados de Apoio ao Câncer, quase 40% dos provedores disseram explorar as preocupações espirituais de seus pacientes17.

Apesar de organizações internacionais e grupos de pesquisa explorarem o tema da R/E em pacientes oncológicos, ainda há pouca bibliografia científica publicada em português. Logo, surge a necessidade de identificar os possíveis benefícios dessa prática na saúde dos indivíduos. Esse trabalho tem por objetivo investigar as evidências científicas sobre os benefícios da R/E em pacientes oncológicos a partir de uma revisão rápida de literatura.


MÉTODO

Uma revisão sistematizada rápida foi realizada em agosto de 2020, no banco de dados PubMed, a partir das seguintes palavra-chave: cancer(meshterms) and religion(meshterms) or religiosity(meshterms) or spirituality(meshterms). Foram recuperados os artigos publicados entre os anos de 2000 a 2020, sendo selecionadas revisões sistemáticas e meta-análises. No total, 1.106 artigos foram encontrados. Para seleção, foram estabelecidos os seguintes critérios de inclusão: artigos relacionando R/E e câncer, revisões sistemáticas e meta-análises, pacientes em tratamento de câncer, artigos internacionais no idioma inglês e publicações no período estabelecido. Os critérios para exclusão foram: artigos com foco somente na importância da R/E para profissionais da saúde e cuidadores, erratas de artigos previamente publicados, artigos em duplicidade e publicações fora do período estabelecido. Como delimitação, foram apontadas as influências positivas da R/E em pacientes oncológicos durante todos os estágios do processo contínuo do câncer.

RESULTADOS

No total, 1.106 artigos foram encontrados. A partir da leitura dos títulos e resumos, 67 artigos foram selecionados. A partir desse número, sete artigos não foram localizados em bases de dados indexadas e um artigo foi encontrado em outra língua (turco). No total, 59 artigos foram selecionados. Após a leitura na íntegra, 28 artigos foram excluídos. Esses dados estão apresentados na Figura 1. No total, 31 artigos foram incluídos e o seu conteúdo extraído e documentado em uma tabela do Microsoft Word®, registrando as seguintes informações: 1. Título, 2. Revista, 3. Ano, 4. Autores, 5. Objetivo, 6. Tipo de Método, 7. Tipo de Câncer, 8. Principais Resultados, 9. Conclusão, 10. Limitação (Tabela 1). Posteriormente, essas informações foram lidas e analisadas, orientando a descrição, análise e interpretação dos resultados. Foram identificados 18 artigos relacionados à saúde mental, com redução na ansiedade, depressão e estresse. Conforto e bem-estar emocional também foram relatados, além de melhorias observadas no humor e aceitação. Dos artigos selecionados, 13 indicaram benefícios na saúde física, incluindo melhora no sono e redução da fadiga. Dos 6 artigos que indicaram aspectos da saúde social, pontos relevantes surgiram como a importância da rede de apoio, favorecendo questões práticas e emocionais. Referente à qualidade de vida, 11 artigos trouxeram aspectos sobre diversos benefícios, englobando bem-estar físico e espiritual, menor depressão, ansiedade reduzida, diminuição da angústia e humor negativo, e uma melhor qualidade do sono.


Figura 1. Fluxograma de seleção dos artigos




Evidências ciEntíficas sobrE os bEnEfícios da rEligião/EspiritualidadE Em paciEntEs oncológicos


DISCUSSÃO

Os principais resultados desta revisão rápida demonstram que, em pacientes oncológicos, a R/E está associada a melhoras na saúde mental (incluindo depressão e ansiedade), na saúde física (incluindo fadiga e sono), na saúde social e na qualidade de vida. Torna-se um recurso frequentemente utilizado.

Devido ao grande número de pacientes com câncer que descrevem R/E como um dos fatores mais importantes no enfrentamento de sua doença, entende-se que essa relação desempenha um papel benéfico na saúde mental18,19. Dezoito estudos avaliados relataram evidências encontradas a esse respeito7,18,27-34,19-26. Essas pesquisas estão em consonância com investigações prévias, demonstrando que a R/E oferece recursos intra e interpessoais para gerenciar o sofrimento e aumentar a adaptação saudável18, podendo orientar os pacientes com câncer e seus familiares a encontrar sentido, esperança e possibilidade de alegria diante da realidade da doença19.

Sabe-se que os processos envolvidos no tratamento oncológico podem interferir nas rotinas diárias, nos relacionamentos e em outros aspectos da vida, contribuindo na influência dos sintomas emocionais. Entre os fatores que surgem, ansiedade, depressão, humor negativo e estresse emocional aparecem como causas comuns relatadas28. Diante disso, evidências mostram que a R/E pode ter efeitos benéficos nos resultados psicológicos21 e torna-se útil para lidar com o sofrimento psíquico19.

Em alguns estudos, participantes de grupos relataram melhorias significativas no afeto positivo em comparação com grupos controle. Também foi verificada redução do estresse, da depressão e da ansiedade, e melhora do funcionamento cognitivo e emocional em mulheres com câncer de mama. Evidências também apontaram para redução do sofrimento28,31, aumento de energia e aceitação25.

A diminuição do estresse, especificamente, pode contribuir para que pacientes identifiquem e avaliem problemas com maior equilíbrio emocional, melhorando até mesmo a experiência da radioterapia29. Além dos indicadores subjetivos discutidos anteriormente, há evidências que o ioga, por exemplo, possibilite a regulação do cortisol24, influenciando a sensibilidade do receptor anti-inflamatório de glicocorticóides29.

Considerando outras diversas dimensões de R/E, significado/paz também surge como um fator que está fortemente associado à saúde mental e bem-estar emocional7. Como enfrentamento, as dimensões afetivas de R/E contemplam uma sensação de paz, conforto e ânimo, que pode auxiliar os pacientes durante as circunstâncias difíceis23. Em pacientes com câncer avançado, muitos estudos demonstraram o valor da fé religiosa e a conexão com Deus ou poder superior. Na medida em que os pacientes atribuíram significado a sua experiência, percebeu-se maior autoestima e menor ansiedade20. Mulheres com câncer de mama na fase avançada citaram dimensões da espiritualidade como fundamentais quanto à experiência da doença; servindo de caminho para melhorar o enfrentamento individualizado da dor e auxiliar no manejo da dor30. Sentimentos de reverência, empoderamento ou identidade de R/E também podem contribuir durante os desafios do diagnóstico. Essa fonte de significado traz junto crenças ou visões de mundo que revelam-se importantes para a adaptação dos pacientes23.

Em relação à saúde física, treze estudos avaliados demonstraram uma influência positiva da R/E23,24,3941,25,28,29,31,35-38. Essas evidências indicam melhora da recuperação física, aumentando também a resiliência e a própria qualidade de vida após o diagnóstico do câncer, independentemente do estágio da doença38. Práticas de ioga também são exemplos de estratégias que incorporam elementos da R/E, no entanto, sem almejar uma finalidade dogmática. Observa-se que essas práticas acumulam evidências de melhora na função física31,41. Uma explicação psicobiológica também pode fornecer insights para compreender esses fenômenos. Estudos anteriores observaram os efeitos de R/E em vários sistemas reguladores neurobiológicos, incluindo o sistema nervoso simpático (SNS), o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA) e o córtex cingulado anterior (CCA). Também foi visto que a meditação, o perdão e outros pensamentos e práticas religiosas comuns reduzem a excitação nos sistemas reguladores do estresse, como o SNS e o HPA42. Dois outros pontos fundamentais ligados à saúde física são a fadiga e o sono, muito comuns em pacientes com câncer. As evidências de resultados físicos e biomédicos sugerem uma melhoria em relação a esses fatores específicos28,29,31,35-37,39-41.

Em relação aos aspectos psicossociais, sabe-se que as atividades religiosas foram destacadas por muito tempo43. É através da saúde social que pacientes permanecem ativos em papéis junto aos seus grupos de convívio. Essa conexão com os outros permite um envolvimento que contribui para a qualidade de vida e adaptação ao câncer28. Pesquisas mostram que R/E está significativamente associada à saúde social23, o que fica evidenciado em alguns estudos23,28,29,41,43,44. Pessoas religiosas têm maiores redes de contato e relacionamentos mais satisfatórios que indivíduos não religiosos. Esse maior envolvimento pode favorecer o desenvolvimento de uma rede de suporte auxiliar em questões práticas (por exemplo, acompanhamento em consultas) e emocionais. Através de um sentimento de pertencimento, o apego e laços sociais ajudam a diminuir o isolamento em um momento tão difícil43. Esse apoio inclui relacionamentos com familiares, amigos, parceiros e membros da

Evidências ciEntíficas sobrE os bEnEfícios da rEligião/EspiritualidadE Em paciEntEs oncológicos comunidade28. Os benefícios do funcionamento social para pacientes com câncer de mama, por exemplo, incluem estratégias aprimoradas de enfrentamento, além da capacidade de fortalecer relacionamentos com grupos de apoio. Isso é de grande importância para pacientes submetidos à radioterapia, geralmente no final de sua jornada de tratamento. É provável que esses pacientes estejam mais cansados e estressados, portanto, a necessidade de serviços de apoio adequados e próximos durante esse período é fundamental29.

O bem-estar social em aulas de ioga proporciona aos pacientes uma comunidade e um fórum para compartilhar as experiências28. Em mulheres com câncer de mama, evidências apoiam o uso da terapia de ioga para melhorar sua qualidade de vida psicossocial, com amplos benefícios referentes à radioterapia29. Apesar de alguns resultados sugerirem essa melhoria dos desfechos psicossociais, ainda não está claro se essa diferença é significativa o suficiente para se traduzir em uma diferença clínica44.

Sobre a qualidade de vida em pacientes oncológicos, diversos fatores se destacam, entre eles, o bemestar físico, a funcionalidade, a ausência ou redução de sintomas e efeitos colaterais do tratamento28. Também pode estar associada com melhor qualidade do sono, diminuição do humor negativo e diminuição da angústia26. Neste sentido, onze estudos demonstraram que as intervenções espirituais aumentam a qualidade de vida7,22,47, 26,27,29,35,36,41,45,46. Uma avaliação relevante já que indivíduos com a doença estão sujeitos a diversos sofrimentos e a redução dessa qualidade de vida durante o processo enfrentado27.

Evidências também mostraram melhoras em vários aspectos da qualidade de vida, sintomas específicos do câncer, resultados psicológicos e biomarcadores importantes, como a regulação do hormônio do estresse, função imunológica e marcadores inflamatórios45, como discutido anteriormente. Em pacientes com câncer de mama, por exemplo, os resultados combinados mostraram que foi encontrada uma diferença estatisticamente significativa para o efeito do ioga na qualidade de vida. Apesar de não haver evidências suficientes para defender que essa terapia deva ser oferecida rotineiramente a mulheres com câncer de mama, parece ser uma intervenção indicada47. O que aparece também em evidências de efeitos que favorecem a sua prática em vez de nenhuma terapia para melhorar a qualidade de vida relacionada à saúde, fadiga e distúrbios do sono36 . O enfrentamento comportamental do ioga pode proporcionar também estados afetivos mais positivos, maiores níveis de autoestima e menos sintomas físicos22, o que também ocorre em outras estratégias de R/E27. Além de contribuir para a consciência interior e atenção aos fenômenos mentais, engloba um conjunto integrado de mudanças, incluindo aumento do volume de respiração e diminuição da frequência cardíaca47 e tem sido usado como auxiliar em pacientes com câncer, sem efeitos colaterais encontrados29,33,35,41.

Em correlações simples, a fé associou-se positivamente com a qualidade de vida geral7. Apesar de ser inconclusivo, há evidências crescentes indicando a oração pessoal à associação com resultados emocionais positivos26. Intervenções espirituais também aparecem com indicadores de melhorar o bem-estar espiritual, reduzindo o grau de depressão, ansiedade e desesperança27. Na maioria dos estudos, relatou-se uma associação positiva entre bem-estar espiritual e qualidade de vida7.


LIMITAÇÕES

Essa investigação possui limitações, pois há muita heterogeneidade entre as pesquisas, variedade de instrumentos, limitações metodológicas, complexidade dos estágios da doença, definições diversas sobre espiritualidade e duração das intervenções. Por isso, a falta de comparabilidade entre os estudos merece atenção para que os resultados sejam vistos com cautela. Em relação aos benefícios da R/E, pesquisas futuras devem concentrar esforços para compreender os mecanismos responsáveis que causam o impacto na saúde. Essa maior atenção e novos estudos podem ajudar a ampliar as respostas em pontos que ainda são mal compreendidos.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Evidências apontam para os benefícios encontrados em muitos aspectos, entre eles, saúde mental, saúde física, saúde social e qualidade de vida. Apesar de vários resultados positivos, observa-se a dificuldade das pesquisas nesta área por toda complexidade que envolve o assunto. Com a variedade de religiões e a falta de consenso sobre espiritualidade, surgem as limitações para avaliar as inter-relações entre os tipos de espiritualidade, tipos de câncer, estágios do câncer, instrumentos de avaliação e metodologias utilizadas. Também ficam lacunas sobre o que pode funcionar a curto, médio e longo prazo. Especificamente sobre o ioga, decidiu-se pela manutenção dos artigos encontrados pelo entendimento mais amplo que a própria prática complementar também pode estar relacionada, de alguma forma, com a espiritualidade.

Apesar de muitas perguntas ainda aguardarem por respostas, entende-se que diversas evidências analisadas convergem para a importância da R/E na saúde e na vida de pacientes oncológicos. Compreender essa dimensão é ampliar os olhares para os indivíduos e para as suas necessidades espirituais. Independentemente de qual seja a R/E, fica visível que influencia na maneira do enfrentamento da doença.

Muito ainda deve ser pesquisado, aproximando cada vez mais R/E da ciência. O avanço pode e deve continuar com novas investigações, principalmente em relação à compreensão dos mecanismos em que a R/E impacta a saúde e a vida de pacientes com câncer. Um tema que merece cada vez mais atenção de psicólogos e de todos os acadêmicos e profissionais da área da saúde.


REFERÊNCIAS

1. Torre LA, Siegel RL, Ward EM, Jemal A. Global cancer incidence and mortality rates and trends - An update. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev. 2016;25(1):16-27.

2. Bray F, Ferlay J, Soerjomataram I, Siegel RL, Torre LA, Jemal A. Global cancer statistics 2018: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA Cancer J Clin. 2018;68(6):394-424.

3. INCA. INCA [Internet]. 2020. [cited 2020 Oct 15]. p. https://www.inca.gov.br/estimativa/introducao. Available from: https://www.inca.gov.br/estimativa/introducao

4. Ripamonti CI, Giuntoli F, Gonella S, Miccinesi G. Spiritual care in cancer patients: A need or an option? Curr Opin Oncol. 2018;30(4):212-8.

5. Hsiao AF, Wong MD, Miller MF, Ambs AH, Goldstein MS, Smith A, et al. Role of religiosity and spirituality in complementary and alternative medicine use among cancer survivors in California. Integr Cancer Ther. 2008;7(3):139-46.

6. Diener E, Tay L, Myers DG. The religion paradox: If religion makes people happy, why are so many dropping out? J Pers Soc Psychol. 2011;101(6):1278-90.

7. Bai M, Lazenby M. A systematic review of associations between spiritual well-being and quality of life at the scale and factor levels in studies among patients with cancer. J Palliat Med. 2015;18(3):286-98.

8. Koenig HG. Religion, Spirituality, and Health: The Research and Clinical Implications. ISRN Psychiatry. 2012;2012:1-33.

9. Moreira-Almeida A, Koenig HG, Lucchetti G. Clinical implications of spirituality to mental health: review of evidence and practical guidelines. Rev Bras Psiquiatr [Internet]. 2014 Apr [cited 2020 Aug 20];36(2):176-82. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462014000200176&lng=en&tlng=en

10. Hill PC, Pargament KI. Advances in the Conceptualization and Measurement of Religion and Spirituality: Implications for Physical and Mental Health Research. Am Psychol. 2003;58(1):64-74.

11. Richardson P. Spirituality, religion and palliative care. Ann Palliat Med [Internet]. 2014;3(3):150-9. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25841692

12. Paloutzian RF, Park CL. Recent progress and core issues in the science of the psychology of religion and spirituality. In: Handbook of the psychology of religion and spirituality, 2nd ed. New York, NY, US: The Guilford Press; 2013. p. 3-22.

13. Koenig HG. Religião, espiritualidade e psiquiatria: uma nova era na atenção à saúde mental. Arch Clin Psychiatry (São Paulo) [Internet]. 2007 [cited 2020 Aug 20];34:5-7. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-60832007000700002&lng=pt&nrm=iso&tlng=en

14. Lucchetti G, Granero AL, Bassi RM, Latorraca R, Nacif SA da P. Espiritualidade na prática clínica: o que o clínico deve saber. Rev Soc Bras Clín Méd. 2010;8(X):4-8.

15. Crook-Lyon RE, O'Grady KA, Smith TB, Jensen DR, Golightly T, Potkar KA. Addressing religious and spiritual diversity in graduate training and multicultural education for professional psychologists. Psycholog Relig Spiritual. 2012;4(3):169-81.

6. Salsman JM, Fitchett G, Merluzzi T V, Allen C, Park CL. for a Meta-Analytic Investigation. 2016;121(21):3754-9.

17. Ramondetta LM, Sun C, Surbone A, Olver I, Ripamonti C, Konishi T, et al. Surprising results regarding MASCC members' beliefs about spiritual care. Support Care Cancer. 2013;21(11):2991-8.

18. Salsman JM, Pustejovsky JE, Jim HSL, Alexis R, Merluzzi T V, George L, et al. HHS Public Access. 2016;121(21):3769-78.

19. Piderman KM, Kung S, Jenkins SM, Euerle TT, Yoder TJ, Kwete GM, et al. Respecting the Spiritual Side of Advanced Cancer Care: a Systematic Review. Curr Oncol Rep. 2015;17(2):1-9.

20. Lin HR, Bauer-Wu SM. Psycho-spiritual well-being in patients with advanced cancer: An integrative review of the literature. J Adv Nurs. 2003;44(1):69-80.

21. Oh PJ, Kim SH. The effects of spiritual interventions in patients with cancer: A meta-analysis. Oncol Nurs Forum. 2014;41(5):E290-301.

22. Pan Y, Yang K, Wang Y, Zhang L, Liang H. Could yoga practice improve treatment-related side effects and quality of life for women with breast cancer? A systematic review and meta-analysis. Asia Pac J Clin Oncol. 2017;13(2):e79-95.

23. Park CL, Sherman AC, Jim HSL, Salsman JM. Religion/spirituality and health in the context of cancer: Crossdomain integration, unresolved issues, and future directions. Cancer. 2015;121(21):3789-94.

24. Sharma M, Haider T, Knowlden AP. Yoga as an alternative and complementary treatment for cancer: A systematic review. J Altern Complement Med. 2013;19(11):870-5.

25. Smith KB, Pukall CF. An evidence-based review of yoga as a complementary intervention for patients with cancer. Psychooncology. 2009;18(5):465-75.

26. Taylor EJ. Spiritual complementary therapies in cancer care. Semin Oncol Nurs. 2005;21(3):159-63.

27. Xing L, Guo X, Bai L, Qian J, Chen J. Are spiritual interventions beneficial to patients with cancer? Medicine (Baltimore). 2018;97(35):e11948.

28. Levine AS, Balk JL. Lit Rev-Yoga-Qol. 2012;22(22).

29. Galliford M, Robinson S, Bridge P, Carmichael MA. Salute to the sun: a new dawn in yoga therapy for breast cancer. J Med Radiat Sci. 2017;64(3):232-8.

30. Flanigan M, Wyatt G, Lehto R. Spiritual Perspectives on Pain in Advanced Breast Cancer: A Scoping Review. Pain Manag Nurs [Internet]. 2019;20(5):432-43. Available from: https://doi.org/10.1016/j.pmn.2019.04.002

31. Danhauer SC, Addington EL, Sohl SJ, Chaoul A, Cohen L. Review of yoga therapy during cancer treatment. Support Care Cancer. 2017;25(4):1357-72.

32. Cramer H, Lange S, Klose P, Paul A, Dobos G. Yoga for breast cancer patients and survivors: A systematic review and meta-analysis. BMC Cancer. 2012;12.

33. Buffart LM, van Uffelen JGZ, Riphagen II, Brug J, van Mechelen W, Brown WJ, et al. Physical and psychosocial benefits of yoga in cancer patients and survivors, a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. BMC Cancer [Internet]. 2012;12(1):1. Available from: BMC Cancer

34. Thuné-Boyle IC, Stygall JA, Keshtgar MR, Newman SP. Do religious/spiritual coping strategies affect illness adjustment in patients with cancer? A systematic review of the literature. Soc Sci Med. 2006;63(1):151-64.

35. Côté A, Daneault S. Effect of yoga on patients with cancer: our current understanding. Can Fam Physician [Internet]. 2012;58(9):e475-9. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22972739%0Ahttp://www.pubmedcentral.nih.gov/articlerender.fcgi?artid=PMC3440287

36. Cramer H, Lauche R, Klose P, Lange S, Langhorst J, Dobos GJ. Yoga for improving health-related quality of life, mental health and cancer-related symptoms in women diagnosed with breast cancer. Cochrane Database Syst Rev. 2017;2017(1).

37. Dong B, Xie C, Jing X, Lin L, Tian L. Yoga has a solid effect on cancer-related fatigue in patients with breast cancer: a meta-analysis. Breast Cancer Res Treat [Internet]. 2019;177(1):5-16. Available from: https://doi.org/10.1007/s10549-019-05278-w

38. Jim HSL, Pustejovsky J, Park CL, Suzanne C, Sherman AC, Fitchett G, et al. HHS Public Access. 2016;121(21):3760-8.

39. Littman AJ, Bertram LC, Ceballos R, Ulrich CM, Ramaprasad J, McGregor B, et al. Randomized controlled pilot trial of yoga in overweight and obese breast cancer survivors: Effects on quality of life and anthropometric measures. Support Care Cancer. 2012;20(2):267-77.

40. Sadja J, Mills PJ. Effects of yoga interventions on fatigue in cancer patients and survivors: A systematic review of randomized controlled trials. Explor J Sci Heal. 2013;9(4):232-43.

41. Sharma M, Lingam VC, Nahar VK. A systematic review of yoga interventions as integrative treatment in breast cancer. J Cancer Res Clin Oncol. 2016;142(12):2523-40.

42. Thoresen CE. Spirituality and health: Is there a relationship? J Health Psychol. 1999;4(3):291-300.

43. Sherman AC, Merluzzi T V, Pustejovsky JE, Crystal L, George L, Fitchett G, et al. Social Health among Cancer Patients. 2016;121(21):3779-88.

44. McCall M. Yoga intervention may improve health-related quality of life (HRQL), fatigue, depression, anxiety and sleep in patients with breast cancer. Evid Based Nurs. 2018;21(1):9.

45. Danhauer SC, Addington EL, Cohen L, Sohl SJ, Van Puymbroeck M, Albinati NK, et al. Yoga for symptom management in oncology: A review of the evidence base and future directions for research. Cancer. 2019;125(12):1979-89.

46. Kruizinga R, Hartog ID, Jacobs M, Daams JG, Scherer-Rath M, Schilderman JBAM, et al. The effect of spiritual interventions addressing existential themes using a narrative approach on quality of life of cancer patients: A systematic review and meta-analysis. Psychooncology. 2016;25(3):253-65.

47. Zhang J, Yang KH, Tian JH, Wang CM. Effects of yoga on psychologic function and quality of life in women with breast cancer: A meta-analysis of randomized controlled trials. J Altern Complement Med. 2012;18(11):994-1002.










aPsicólogo - Porto Alegre/RS - Brasil
bCentro de Pesquisa em Álcool e Drogas - HCPA/UFRGS - Porto Alegre/RS - Brasil

Autor correspondente

Fábio Craidy Bührer
fabiocraidybuhrer@gmail.com

Submetido em: 14/08/2021
Aceito em: 29/03/2022

Contribuições: Fábio Craidy Bührer - Coleta de Dados, Conceitualização, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição, Validação; Felipe Ornell - Supervisão.

 

artigo anterior voltar ao topo próximo artigo
     
artigo anterior voltar ao topo próximo artigo