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Revista Brasileira de Psicoteratia

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Rev. bras. psicoter. 2022; 24(1):1-15



Artigo Original

Transtorno distímico: uma ilustração clínica pela perspectiva da Terapia Cognitivo-Comportamental e Terapia Cognitiva Processual

Dysthimic disorder: clinical illustration from the perspective of Cognitive-Behavioral Therapy and Processual Cognitive Therapy

Trastorno distímico: una ilustración clínica desde la perspectiva de la Terapia Cognitivo-Conductual y la Terapia Cognitiva Procesal

Thais Carvalho Santos; Maria Amélia Penido

Resumo

O presente trabalho tem como objetivo ilustrar como a articulação entre a Terapia Cognitivo- Comportamental e a Terapia Cognitiva Processual possibilita resultado satisfatório em casos de Trantorno distímico. Os estudos acerca do transtorno distímico ainda são limitados. No entanto, o caso clínico corrobora com a literatura, que aponta a importância dos psicofarmacos no tratamento dos transtornos de humor, bem como a importância da psicoterapia, inclusive em casos mais brandos, como os de distimia. A Terapia Congitivo-Comportamental clássica não foi suficente para a melhora significativa da paciente, sendo necessário o acréscimo de técnicas da Tereapia Cognitiva Processual. Essa articulação das abordagens nas intervenções psicoterápicas proporcionou mudanças significativas no padrão de pensamento, sentimento e comportamento da paciente.

Descritores: Transtorno distímico; Terapia Cognitivo-Comportamental; Psicoterapia

Abstract

This paper aims to illustrate how the articulation between Cognitive-Behavioral Therapy and Cognitive Processual Therapy enables satisfactory results in cases of dysthymic disorder. Studies on dysthymic disorder are still limited. However, the clinical case corroborates the literature, which points out the importance of psychopharmaceuticals in the treatment of mood disorders, as well as the importance of psychotherapy even in milder cases such as dysthymia. The classic Cognitive-Behavioral Therapy was not enough for the patient s significant improvement, and the addition of Cognitive Processual Therapy techniques was necessary. This articulation of approaches in psychotherapeutic interventions provided significant changes in the patients pattern of thinking, feeling, and behaving.

Keywords: Dysthymic disorder; Cognitive Behavioral Therapy; Psychotherapy

Resumen

El presente trabajo pretende ilustrar cómo la articulación entre la Terapia Cognitivo-Conducutal y la Terapia Cognitiva Procesal permite obtener resultados satisfactorios en casos de trastorno distímico. Los estudios sobre el trastorno distímico son todavía limitados. Sin embargo, el caso clínico corrobora la literatura, que señala la importancia de los psicofármacos en el tratamiento de los trastornos del estado de ánimo, así como la importancia de la psicoterapia, incluso en los casos más leves, como la distimia. La clásica Terapia Cognitivo- Conductual no fue suficiente para la mejora significativa del paciente, siendo necesaria la adición de técnicas de la Terapia Cognitiva Procesal. Esta articulación de enfoques en las intervenciones psicoterapéuticas condujo a cambios significativos en el patrón de pensamiento, sentimiento y comportamiento del paciente.

Descriptores: Trastorno distímico; Terapia Cognitivo-Conductual; Psicoterapia

 

 

INTRODUÇÃO

A quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5)1 caracteriza a distima, pelo humor deprimido na maior parte do tempo durante o período mínimo de dois anos. Ele indica ainda que, além do humor deprimido, o indivíduo deve apresentar dois ou mais dos sintomas a seguir: apetite diminuído ou alimentação em excesso; insônia ou hipersonia; baixa energia ou fadiga; baixa autoestima; concentração pobre ou dificuldade em tomar decisões; sentimentos de desesperança. O paciente distímico jamais deve ter tido sintomas de mania ou hipomania. Ademais, os sintomas devem causar sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento profissional, social ou em outras áreas de importância na vida do sujeito.

Nessa perperctiva, a distimia é vista como uma depressão leve, flutuante e duradoura2. Spanemberg e Juruena3 apontam que os pacientes distímicos são geralmente tristes, rabugentos, sarcásticos, preocupados com sua possível inadequação, queixosos, exigentes e resistentes às intervenções terapêuticas, apesar de serem assíduos aos atendimentos. O indivíduo com distimia frequentemente apresenta funcionamento relativamente estável, porém com disfunção em certas esferas vitais, como a social, familiar, laboral ou pessoal4.

O DSM-51 aponta que a prevalência da distimia, em 12 meses nos Estados Unidos, é de aproximadamente 2%. Apesar de aparentar uma prevalência baixa, o prejuízo causado pelo transtorno pode ser intenso. Diante do exposto, aponta-se que a etiologia da distimia é complexa e multifatorial, envolvendo mecanismos biológicos, psicológicos e sociais, como por exemplo: hereditariedade, predisposição, temperamento, fatores de vida, estressores biológicos, gênero, eventos estressantes na infância, entre outros5. Somente a partir da década de 80 que a distimia foi integrada aos transtornos de humor. Essa mudança significou um avanço no tratamento de pacientes que respondem bem aos antidepressivos6 .

Nesse sentido, o transtorno que aparece como a comorbidade mais associada com a distimia é o Transtorno Depressivo Maior (TDM)7. Alguns estudos apontam que a distimia aumenta os riscos de o sujeito ser diagnosticado com TDM, outros achados inferem que a maioria dos pacientes com distimia, em algum momento da vida, irá desenvolver TDM8. Alguns autores defendem a ideia de que existe um espectro depressivo, tendo a distimia e o TDM diferenças mais quantitativas do que qualitativas8.

No começo da década de 60, Aron Beck propôs a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) como um tratamento eficaz para a depressão9. Ao longo dos anos, a abordagem também foi adaptada para o tratamento de outros transtornos psicológicos, como o transtorno de pânico, fobias, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno de ansiedade generalizada e distimia, que é o foco deste estudo. Estudos empíricos realizados com uma ampla gama de perfis populacionais demonstraram eficácia da abordagem para o tratamento desses transtornos10 .

Nesse âmbito, a TCC é uma abordagem de tratamento ativa que auxilia os pacientes a reconhecerem e modificarem suas crenças disfuncionais que agravam o sofrimento emocional9. Essa abordagem tem como meta a reestruturação das crenças nucleares (CNs), que são aqueles pensamentos globais, rígidos e supergeneralizados sobre si mesmo, sobre o mundo e acerca do futuro, que são considerados tão verdadeiros que não são questionados11. Esses pensamentos influenciam na maneira como o sujeito se sente e se comporta nas mais variadas situações.

A Terapia Cognitiva Processual (TCP) é uma nova abordagem dentro do campo da TCC. A TCP é conduzida como uma formulação de caso em três níveis e três fases. A abordagem foi criada em 2011, no Brasil, pelo psiquiatra Irismar Reis de Oliveira12. O autor se inspirou na obra de Franz Kafka, O Processo¹3. Na obra citada, o personagem principal é acusado e condenado sem que tivesse acesso ao teor da acusação. Os sentimentos de culpa e autoacusação do personagem chamaram a atenção de Irismar, que criou a abordagem com técnicas que possibilitam ao terapeuta reestruturar os pensamentos e as crenças disfuncionais do paciente12.

Os fundamentos da TCP são os mesmos da TCC de Beck9. No entanto, a TCP possui conceitualização e técnicas próprias, que tornaram a TCP uma intervenção diferente quanto à modificação das crenças centrais dos pacientes, sobretudo aquelas a respeito de si mesmos12. De Oliveira12 define os pensamentos automáticos (PAs) como distorções cognitivas ou erros consistentes no pensamento dos sujeitos. O autor considera fundamental que o paciente aprenda a identificar as distorções que comete, tendo em vista que os pensamentos influenciam as emoções e os comportamentos.

Em face do exposto, o presente trabalho tem como objetivo apresentar relato de experiência acerca das contribuições que a articulação entre a TCC e a TCP no tratamento de uma paciente com sintomatologia distímica.


MÉTODO

Trata-se de um estudo de caso realizado no período de outubro de 2018 a março de 2019, totalizando 21 sessões efetuadas com a paciente "Amanda" (pseudônimo). Os atendimentos foram realizadoes em consultório particular e obtiveram supervisão durante o Estágio Supervisionado Clínico em uma instituição de Pós-Graduação em TCC. A paciente assinou o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), consentindo o desejo para participação deste estudo.


PARTICIPANTE

Neste trabalho, utilizou-se o nome Amanda para referir-se à paciente do sexo feminino, 19 anos, nível socioeconômico informado médio, estudante de nível superior e homossexual. Amanda reside com seus pais e seus dois irmãos.


INSTRUMENTOS

O Diagrama de Conceituação Cognitiva14 é utilizado para o levantamento de dados que auxiliam no entendimento do funcionamento do paciente e no levantamento de hipoteses que nortearão o trabalho em terapia. O Diagrama é preenchido com dados da infância que possivelmente possuem correlação com a queixa presente, bem como com os pensamentos automáticos, estratégias comportamentais, crenças intermédiárias e crenças centrais do paciente15.

Para facilitar as percepções da relação entre as distorções cognitivas e a emoção e comportamento disfuncionais desencadeados por ela, bem como para auxiliar os terapeutas a avaliar e acompanhar a evolução clínica dos pacientes, Irismar Reis desenvolveu o Questionário de Distorções Cognitivas (CD-Quest) (Anexo 3). O CD-Quest contém 15 itens que mensuram as distorções cognitivas em duas dimensões: frequência e intensidade. As pontuações variam de 0 a 75. Quanto mais alta for a pontuação obtida pelo paciente, mais distorcidos estão seus pensamentos12.

Beck, Rush, Shaw e Emery15 criaram o Registro de Pensamento Disfuncional (RPD) com o objetivo de ajudar os pacientes a responder os PAs com mais eficiência, mudando, com isso, o humor negativo e os comportamentos disfuncionais. Com base no RPD, De Oliveira15 propôs o Registro de Pensamento Intrapessoal (RP-Intra) (Anexo 1) para diminuir as dificuldades enfrentadas pelo paciente ao tentar reestruturar seus PAs. O RP-Intra contém 14 perguntas para a reestruturação de PAs disfuncionais que devem ser respondidas em ordem pelo paciente.

O Role-play Consensual (RPC) é uma técnica bastante utilizada na TCP, que foi usada no atendimento do caso clínico deste artigo. O RPC é utilizado para ajudar os pacientes a tomarem decisões quando estão apresentando intensa ambivalência, além de desafiar comportamentos de segurança que os pacientes possam vir a ter e facilitar experimentos comportamentais. O primeiro passo da técnica consiste em identificar vantagens e desvantagens com a balança decisória. O segundo passo consiste em identificar ambivalência, pesando vantagens e desvantagens de acordo com o "eu racional" e com o "eu emocional". O terceiro passo consiste em eliminar a ambivalência, chegando a um consenso entre o eu racional e o eu emocional através da técnica da cadeira vazia12,17.

Em seguida, deve-ser revisar os passos anteriores e avaliar o aprendizado, bem como avaliar o consenso entre o "eu racional" e o "eu emocional". O sexto passo do RPC consiste na tomada de decisão do paciente. A última etapa da técnica baseia-se em ajudar o paciente para que ele possa manter a decisão tomada, através de um plano de ação, a fim de aumentar as chances de êxito na implementação da ação12.


ANÁLISE DOS DADOS

Caso clínico


Amanda buscou atendimento psicológico relatando sensação de tristeza, ausência de ânimo para suas atividades e desesperança. Ela tentou o suicídio duas vezes no ano anterior à busca do tratamento e manifestou que não sentia mais tal desejo. Suas metas iniciais para a terapia eram melhorar a qualidade de vida, deixar de sofrer com seus pensamentos e realizar suas tarefas de maneira natural, sem enxergá-las como sacrifício. Amanda foi disgnosticada com distima pela psiquiatra e o esquema medicamentoso prescrito pela profissional foi antidepressivo (Zoloft 50mg) e ansiolítico (Rivotril 0,25 mg).

A primeira parte do trabalho com Amanda foi a anamnese. Ela foi colaborativa, não demonstrando resistência em falar de sua história. Amanda relatou que sempre se enxergou de maneira negativa e que não se recorda de já ter se sentido feliz. No entanto, apontou o término do relacionamento e uma suposta traição de seu ex-namorado como fatores desencadeadores que agravaram seu estado emocional, tornando-a mais triste e com sensação de menos valor. Atualmente, ela possui uma boa relação com o ex-namorado, que é uma importante fonte de suporte para ela.

Amanda possui boa relação com sua mãe e sua irmã. Ela qualifica sua relação com o irmão como sendo distante. A relação com o pai é conturbada, uma vez que ambos possuem ideologias políticas diferentes. Amanda relatou que ele é preconceituoso, o que a incomoda bastante. Os pais de Amanda sempre deram bastante liberdade para os filhos. Essa liberdade, por vezes, é interpretada por ela como falta de cuidado.

Amanda enunciou que seus pais nunca lhe cobraram quanto ao seu desempenho escolar e nem à sua escolha profissional. Ela disse que sempre teve um desempenho acadêmico excelente, mas que seu irmão apresentava dificuldade escolar. Amanda relatou que seus pais colavam a prova de seu irmão na parede quando ele tirava nota boa, como forma de incentivo, e que ela tinha pavor de passar por essa situação. Por conta disso, Amanda estudava demasiadamente para não tirar notas baixas e para que as notas altas fossem uma constante. Amanda generalizou, assim, que deveria sempre tirar notas boas.

A relação terapêutica é aspecto central da terapia e no caso de Amanda transcorreu de forma célere. Quando o vínculo estava bem estabelecido, partiu-se para a etapa da psicoeducação acerca do modelo cognitivo e da distimia, hipótese de transtorno de Amanda. A psicoeducação é fundamental para que o paciente compreenda seu funcionamento no modelo cognitivo e o impacto de seu funcionamento, suas crenças e cognições em seus sintomas psiquiátricos.

Amanda não apresentou dificuldades com a psicoeducação do modelo cognitivo da TCC. Ela demonstrou facilidade em identificar as distorções cognitivas que realizava com frequência. Em seguida, trabalhou-se a reestruturação cognitiva com o RP-Intra (Anexo 1). Durante as sessões, Amanda preencheu sem dificuldade o RP-Intra, conseguindo reestruturar os pensamentos disfuncionais que lhe causavam sofrimento.

Conceitualização Cognitiva do Caso Amanda

Iniciou-se, então, sua formulação de caso com o Diagrama de Conceituação Cognitiva14 (Anexo 2), para que ela pudesse visualizar melhor seu funcionamento através do conhecimento das suas crenças e de estratégias comportamentais que lhe ajudavam a lidar com essas crenças. Amanda possuía uma crença central de desvalor muito ativada. Ela se enxergava como "incapaz, burra e desinteressante", bem como incapaz de alcançar a felicidade, de ter uma qualidade de vida satisfatória, de conseguir um estágio na sua área e de ser bem-sucedida financeiramente. Amanda enxergava as pessoas a sua volta como mais interessantes do que ela.

Nesse trabalho colaborativo, de levantamento de hipóteses, pôde-se identificar algumas de suas crenças intermediárias, como por exemplo: "Se eu não tirar sempre 10, é sinal de que sou burra e não vou conseguir me formar." "Se uma menina não quiser ficar comigo ou se um relacionamento der errado, é sinal de que não sou interessante e vou sofrer para sempre." "Se eu não fui selecionada para um estágio no terceiro período da faculdade, então nunca terei um estágio e vou ser fracassada profissionalmente." "Se eu disser não para alguém, então essa pessoa não vai mais gostar de mim."

Amanda, para evitar entrar em contato com sua crença de desvalor, utilizava-se de algumas estratégias compensatórias. No trabalho investigativo da conceitualização do caso, Amanda identificou como estratégias compensatórias seu perfeccionismo e sua dificuldade de falar "não" para as pessoas, com o objetivo de não correr o risco de desagradar.

No entanto, apesar de seu perfeccionismo nos estudos, Amanda também procrastinava demasiadamente para estudar e fazer seus trabalhos da faculdade. Ao deixar essas tarefas para a última hora, ela realizava as avaliações acadêmicas sem preparo, diminuindo, assim, as possibilidades de tirar uma nota maior. Identificouse que a procrastinação era padrão confirmatório de sua crença de que era "burra" e "incapaz". Todavia, mesmo procrastinando e não se preparando tão bem para as avaliações, Amanda sempre conseguia um bom desempenho nas mesmas. Desempenho esse que ela nunca considerava suficiente para refutar sua crença.

Outro padrão confirmatório identificado ao longo das sessões foi o fato de Amanda se interessar e iniciar relacionamentos com pessoas que também não estavam bem emocionalmente, o que contribuía para o fracasso de seus relacionamentos. Esse insucesso nos relacionamentos confirmava sua crença de que era "desinteressante", que não encontraria quem a desejasse e de que era desajeitada para relacionamentos.

Para modificação do funcionamento cognitivo, é crucial colocar em prática novos comportamentos que ajudem a questionar a crença central e que visem, ainda, modificar as estratégias compensatórias. No caso de Amanda, a meta estabelecida foi a flexibilização de seu perfeccionismo. Amanda percebeu a importância de não se cobrar tanto quanto a seu desempenho. Ficou acordado, ainda, que ela faria esforços para valorizar mais suas conquistas acadêmicas.

Amanda percebeu a importância de se expor e foi encorajada, na sessão de psicoterapia, a experimentar dizer não para as pessoas ao invés de ultrapassar seus limites para agradá-las. Além disso, foi estimulada a criar um cronograma de estudo diário, com o objetivo de reduzir suas postergações no estudo, não deixando, com isso, as responsabilidades da faculdade para o último momento.


DISCUSSÃO DO CASO

Apesar de Amanda conseguir colocar as exposições comportamentais em prática e de estar psicoeducada acerca do modelo cognitivo e das distorções cognitivas, sabendo reconhecê-las e reestruturá-las com o RPIntra12 (Anexo 1), ela não conseguia utilizar essa ferramenta de reestruturação cognitiva nos momentos de ativação emocional e experimentava intenso sofrimento por um longo período.

Essa dificuldade de Amanda em reestruturar seus pensamentos distorcidos, que acarretavam em sofrimento prolongado, apontou para uma ambivalência importante. Por um lado, Amanda sempre comparecia às sessões com pontualidade e se demonstrava interessada em seu tratamento. Por outro, em seus momentos de crise, não utilizava os recursos aprendidos na terapia. Decidiu-se, então, aplicar a técnica do Role-Play Consensual com o objetivo de dissipar essa ambivalência entre sua razão e emoção, chegando a um consenso12 - o engajamento total em seu processo de mudança.




Na aplicação da técnica, Amanda conseguiu, pela primeira vez, expressar a existência de seu lado emocional, lado esse que não acreditava na possibilidade de mudança ou que se engajar na terapia traria resultados. Ao chegar ao consenso de que era possível se engajar no processo psicoterápico, passou a acreditar na possibilidade de melhora do seu mal-estar emocional. A técnica proposta pela TCP e apresentada acima cumpriu seu objetivo de dissolver a ambivalência da paciente12, tendo sido de extrema importância para a evolução do caso.

Sendo assim, Amanda se tornou mais colaborativa na terapia, trazendo anotações de pensamentos que lhe causavam extrema tristeza, deixando, assim, de evitar o sofrimento na sessão. Ela iniciou, ainda, o questionamento de suas distorções nos momentos de ativação emocional, alcançando sua reestruturação e, por consequência, o alívio do desconforto emocional.

Amanda foi aprovada em um processo seletivo de estágio, o que acarretou em grande felicidade e no surgimento da crença de possibilidade de sucesso profissional no futuro. Apesar do receio causado pelo desconhecimento das atividades que precisaria realizar, Amanda conseguiu enxergar essa conquista de forma positiva. Paralelo a esse momento de investimento nos atendimentos, a psiquiatra aumentou a dose de seu antidepressivo (Zoloft 75 mg).

A psicoeducação pode ser utilizada em diferentes contextos e problemáticas. Na terapia, ela relaciona os instrumentos psicológicos e pedagógicos com objetivo de ensinar o paciente acerca de seu transtorno e de seu tratamento. Tal processo torna possível desenvolver um trabalho de prevenção e conscientização18. No caso de Amanda, foi necessário psicoeducar acerca da importância de tomar o remédio continuamente, pois a ingestão da medicação em dias alternados estava acarretando oscilações no humor em Amanda. Essa descontinuidade do medicamento fez, ainda, com que Amanda regredisse no avanço que havia conquistado em sua terapia.

Apesar de já ter apresentado melhora, qualquer evento, por mais insignificante que fosse, era suficiente para que Amanda ativasse o seu padrão de pensamentos negativos. Ela não estava conseguindo enxergar suas conquistas como evidências de que poderia experimentar a felicidade. A fim de monitorar suas distorções, foi aplicado o Questionário de Distorções Cognitivas (CD-Quest) (Anexo 3). Com a aplicação do questionário de 15 em 15 dias, Amanda conseguiu ter conhecimento maior acerca de seu padrão de pensamentos distorcidos12.

Segundo de Oliveira12, os pensamentos podem afetar vertentes importantes de nossas vidas, como as emoções, comportamentos e relações interpressoais. A partir da hábito de identificação e alteração de pensamentos automáticos distorcidos, substituindo-os por avaliações alternativas mais funcionais e próximas da realidade, o paciente obtém mudanças em seu estado emocional, seus comportamentos e em sua maneira de se relacionar com os pares12. Portanto, conhecer esses pensamentos é o primeiro passo para que as alterações nas cognições, emoções e comportamentos possam acontecer.

Amanda apresentou à terapeuta a crença de que o sofrimento era um lugar de conforto, pois ela havia se acostumado com o sofrimento. Ela acreditava, ainda, que merecia a infelicidade. Identificou-se que existia um padrão repetitivo nesses pensamentos queixosos e sugeriu-se que Amanda fizesse uma lista identificando-os. Os pensamentos do tipo "óh céus, óh vida, óh azar" que Amanda trouxe foram: "nunca ninguém vai me querer na vida" e "é impossível, porque sou burra". Amanda, contudo, ignorava as evidências que iam de encontro a esses pensamentos, como suas amizades e seu bom desempenho acadêmico, por exemplo.

Conforme exposto anteriormente, o RP-Intra (Anexo 3) possibilita de forma mais simplificada que os pacientes reestruturem seus pensamentos distorcidos12. A partir da prática da reestruturação cognitiva desses pensamentos, Amanda passou a distorcer menos a realidade, o que pôde-se comprovar numericamente. O resultado do CD-Quest12 (Anexo 3), que era aplicado quinzenalmente, foi reduzindo consideravelmente com o passar das semanas, saindo de um total de 41 para 5 pontos de distorções, como mostram o gráfico (Anexo 4) e a tabela abaixo:




CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho demostrou que a articulação entre a TCC e TCP foi eficaz para a melhora da sintomatologia distímica da paciente em questão. A resistência que Amanda apresentava ao tratamento encerrou-se a partir do momento em que sua ambivalência foi trabalhada com o Role-Play Consensual, técnica da TCP. Amanda, com isso, se engajou na terapia, reestruturando seus pensamentos distorcidos, identificando e modificando seu antigo padrão de pensamentos de "oh céus, oh vida, oh azar", o que pode ser verificado através de o CD-Quest (Anexo 3), que saiu de um total de 41 para 5 pontos.

Amanda se refere à terapia como algo que a auxiliou sobremaneira, demonstrando-se, diversas vezes, surpresa por ter alcançado a mudança de seu padrão de pensamentos negativos, pois quando iniciou a terapia acreditava ser uma meta impossível de atingir. No fim dos atendimentos, ela conseguia enxergar diversos pontos positivos em sua existência, bem como relatava esperança e planos para o futuro. Seu humor se encontrava estável e ela já não se desregulava emocionalmente diante de eventos estressores.

A principal limitação desse estudo é sua metodologia. Por se tratar de um estudo de caso, que se aprofunda em uma realidade específica, torna-se difícil a generalização. Sendo assim, aponta-se a necessidade de mais estudos a respeito do assunto em questão, sobretudo com metologia quantitativa, que possibilitem a ampliação e generalização dos achados.


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Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Trabalho de conclusão de curso da Especiaização em Terapia Coginitvo- Comportamental - Rio de Janeiro/RJ - Brasil

Autor correspondente

Thais Carvalho Santos
carvalho.thaais@gmail.com

Submetido em: 29/03/2021
Aceito em: 09/02/2022








 

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