Rev. bras. psicoter. 2021; 23(3):33-46
Santo MAS, Duarte MQ, Giordani JP, Lima CP, Bedin LM, Trentini CM. Bem-estar como fator moderador de transtornos mentais na pandemia. Rev. bras. psicoter. 2021;23(3):33-46
Artigo Original
Bem-estar como fator moderador de transtornos mentais na pandemia
Well-being as a moderating factor of mental desorders in the pandemic
El bienestar como factor moderador de los transtornos mentales en la pandemia
Manuela Almeida da Silva Santo; Michael de Quadros Duarte; Jaqueline Portella Giordani; Carolina Palmeiro Lima; Lívia Maria Bedin; Clarissa Marceli Trentini
Resumo
Abstract
Resumen
INTRODUÇÃO
O mês de março 2020 foi marcado pelo anúncio da Organização Mundial da Saúde que veio a público declarar a pandemia do novo coronavírus (Covid-19), causada pelo vírus Sars-CoV-2 que já circulava desde dezembro de 20191. Desde então o mundo vem vivenciando mudanças bruscas nas suas rotinas, sendo um exemplo disso medidas como lockdown e o distanciamento social. O registro mais recente de uma situação similar ocorreu somente no surto de Influenza, conhecida como gripe espanhola - embora não tenha sua origem na Espanha - em 19182. Até a primeira quinzena de agosto de 2021, o mundo contava com 205.338.159 casos confirmados da Covid-19 e 4.333.094 mortes nos 223 territórios onde há o registro e controle das infecções por coronavírus3.
Os dados oficiais indicam que Brasil é um dos países que pior tem lidado com a pandemia, ocupando atualmente o terceiro lugar com o maior número de casos e mortes do mundo, com cerca de 573.658 vítimas fatais confirmadas pela doença até a primeira quinzena de agosto de 2021, atrás apenas dos Estados Unidos e Índia que contavam com 644.281 e 433.998 óbitos, respectivamente, no mesmo período3. Seja por razões políticas, onde os líderes de Estado desconsideram as recomendações das organizações internacionais de saúde, ou por problemas de gestão, desde que são colocadas na administração do Ministério da Saúde pessoas despreparadas e incompatíveis com o cargo4, os impactos na saúde mental são extensos.
Para além dos efeitos diretos na saúde da população e as repercussões econômicas negativas causadas pela extensão e proporção da pandemia, são cada vez mais numerosos os estudos que apontam impactos de médio e longo prazo na saúde mental das pessoas5,6,7,8,9. Como exemplo, um estudo realizado nos Estados Unidos, país que chegou a ser o epicentro da pandemia da Covid-19 em 2020, comparou o risco para distúrbios mentais de 2.032 adultos antes e durante a pandemia. Os resultados apontaram que em abril de 2020 a chance era oito vezes maior de preencherem critérios para adoecimento mental grave9. Outro estudo, realizado na Índia, encontrou que o agravamento da saúde mental da população durante a pandemia fez crescer o registro de casos de suicídio no período 10. Os fatores motivadores de suicídio citados pelos autores foram o medo de ser contaminado pela Covid-19, problemas financeiros causados pela pandemia, sentimento de solidão e diagnóstico positivo para Covid-19.
A nível nacional, há registro no Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), o qual é ligado ao Conselho Nacional de Saúde11, mais de 180 pesquisas que investigam os impactos da pandemia na saúde mental. Os resultados apontados nos estudos publicados não são diferentes do restante do mundo, indicando um aumento significativo nos níveis de adoecimento mental e risco para o desenvolvimento de transtornos mentais menores12,13,7,14.
Um desses estudos foi realizado no sul do país e tinha como objetivo investigar os principais fatores de risco para o adoecimento mental da população durante a pandemia da Covid-19, utilizando um questionário sociodemográfico e o Self Report Questionnaire (SRQ-20). Os resultados indicaram que quase metade dos respondentes (40,9%) apresentavam risco para o desenvolvimento de transtornos mentais menores, como estresse, ansiedade e depressão12. Entre os fatores de risco, ter a renda diminuída durante a pandemia aumentava 1,4 vezes a chance de adoecimento, ser do grupo de risco 1,6 vezes, ter diagnóstico prévio duas vezes e ser mulher três vezes a chance de desenvolver algum transtorno mental. Dentre a população investigada, os jovens tinham 6% mais chance de adoecimento mental do que a população adulta ou idosa12.
Diferentes métodos de pesquisa e análises têm sido realizados durante o período da pandemia da Covid-19, com o objetivo de identificar fatores protetivos e de risco para o adoecimento mental, verificam-se desde estudos documentais que investigam maior incidência de determinado adoecimento ou evento ligado à saúde mental, como suicídios10, até a formulação de modelos explicativos para identificar quais os grupos mais vulneráveis ao adoecimento mental durante a pandemia12,9,13,7,14. Também se tem avançado em análises mais complexas que investigam variáveis mediadoras do risco de adoecimento mental, ou seja, aquelas que contribuem, em parte, e que ampliam o risco para adoecimento mental. Ainda, tem-se investigado variáveis moderadoras, que mitigam o grau de comprometimento ou de risco para o desenvolvimento de transtornos mentais menores15,16. Entre esses fatores, o sofrimento psíquico estava relacionado com menores índices de bem-estar. Durante a pandemia, identificou-se que a percepção de bem-estar das pessoas diminuiu significativamente, estando associada tanto à perda de renda quanto ao adoecimento mental17. Nesse sentido, o bem-estar pode ser considerado um fator importante para a promoção da saúde mental e diminuição de sofrimento e sintomas, mesmo com o diagnóstico de transtornos mentais18, e, portanto, a compreensão de seu papel na proteção da saúde mental é essencial.
Assim, o objetivo desse estudo foi avaliar os indicadores de saúde mental da população brasileira durante o período da pandemia da Covid-19, bem como, identificar os fatores protetivos e moderadores do adoecimento mental, ou seja, aqueles que diminuem as chances de desenvolvimento de transtornos mentais menores. Este estudo tem a intenção de investigar esses fatores de forma que as instituições e organizações voltadas à saúde no país possam direcionar esforços e recursos, já tão escassos, a intervenções mais assertivas e efetivas. Dessa forma, pode-se buscar mitigar os impactos da pandemia na saúde mental da população brasileira a médio e longo prazo, fornecendo dados que auxiliem em políticas públicas. A figura 1 representa o diagrama conceitual da hipótese do modelo de moderação deste estudo, que pressupõe que o bem-estar tem papel mediador no risco do adoecimento mental, independentemente de possuir ou não diagnóstico prévio em algum momento da vida.
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